weintraub

Ricardo Noblat: O mistério que cerca a fuga de Weintraub para os Estados Unidos

Trama com as impressões digitais do Itamaraty

O que fez Abraham Weintraub sair do Brasil às carreiras quando sua demissão do cargo de ministro da Educação sequer tinha sido consumada? Foi o medo de ser preso de uma hora para outra por decisão do Supremo Tribunal Federal?

No dia 22 de abril último, durante a reunião ministerial que selaria o seu destino, Weintraub chamou os ministros do Supremo de “bando de vagabundos” que mereciam estar presos. Começou então a ser processado e até depôs à Polícia Federal.

No dia 18 de maio, em vídeo gravado ao lado do presidente Jair Bolsonaro, anunciou que acabara de pedir demissão, mas que participaria “nos próximos dias” do ato de transmissão do cargo para o novo ministro que ainda não fora escolhido.

Aqui começa a trama da qual participou o Itamaraty, que não chama de trama o que trama foi. O Itamaraty informa que naquele mesmo dia Weintraub ligou para o embaixador Ernesto Araújo dizendo que gostaria de viajar “rapidamente” a Washington.

No telefonema, contou a Araújo que assumiria o cargo de diretor do Banco Mundial destinado ao Brasil. De imediato, Araújo pediu à embaixada americana um visto de entrada para que Weintraub realizasse o seu desejo. Não se sabe se o visto foi concedido.

Sabe-se, agora, que o Itamaraty não registrou a devolução do passaporte diplomático a que Weintraub tinha direito como ministro. À época, devido ao agravamento da epidemia, os Estados Unidos fecharam seus aeroportos a brasileiros. Seguem fechados.

No dia 19, à noite, Weintraub voou para o Chile e, de lá para Miami, onde desembarcou sem embaraço na manhã do dia 20. Uma vez que estava seguro em território americano, no mesmo dia uma edição extra do Diário Oficial publicou sua demissão.

Weintraub não participou do ato de transmissão do cargo como havia dito que faria. E não assumiu ainda o cargo de diretor do Banco Mundial porque seu nome depende da aprovação por nove países. Por que a pressa em deixar o Brasil? O mistério continua.

O complô para destruir a imagem do youtuber Felipe Neto

Gabinete do ódio em ação
Engana-se quem acha que o gabinete do ódio vai acabar. Não acaba porque, na prática, é um “modus operandi”, não são pessoas. Um “modus operandi” criado para assassinar reputações nas redes sociais. E apesar das investigações patrocinadas pelo Supremo Tribunal Federal, o mecanismo de proliferação de mentiras e de teorias absurdas segue operando normalmente.

O alvo da vez é o youtuber @felipeneto. Desde que deixou claro que faz oposição ao governo, os ataques à sua imagem aumentam a cada dia. Nas últimas duas semanas, após vídeo divulgado pelo site do jornal The New York Times, e o anúncio de uma live junto com o ministro Luís Roberto Barroso marcada para a próxima quinta-feira, a situação do youtuber só se agravou.

Nas últimas 24 horas, diversos perfis bolsonaristas/conservadores tentaram publicar mais de 600 vídeos contra Felipe Neto no Facebook e no Instagram. Acusam-no, sem provas, de estimular a pedofilia. Além dos vídeos, postagens fakes atribuem a ele frases que nunca disse. Uma delas: “Criança é que nem doce, eu como escondido”. Não há limites para essa gente!

Com um público de quase 39 milhões de assinantes em seu canal, Felipe Neto virou uma pedra no sapato dos bolsonaristas acostumados a nadar de braçada no ambiente nas redes sociais. É por isso que, apoiados por robôs e falsos perfis, os deputados federais Carlos Jordy, Carla Zambelli e Daniel Silveira, do PSL, e Eduardo Bolsonaro batem em Felipe Neto da cintura para baixo.

Desde de o início dos ataques, ele já moveu sete processos contra seus detratores, quatro deles parlamentares. O deputado federal carioca Carlos Jordy foi o primeiro a ser condenado e agora recorre da sentença que o obrigou a pagar R$ 35 mil reais de indenização. Nada que uma cota entre amigos não resolva.


Bernardo Mello Franco: Mercador de ilusões

Nos anos 80, Paulo Guedes ganhou o apelido de Beato Salu. O economista era conhecido pelo hábito de fazer previsões apocalípticas. Lembrava o personagem da novela “Roque Santeiro” que vivia anunciando o fim do mundo.

A serviço do bolsonarismo, o pessimista crônico se converteu num mercador de ilusões. Faz profecias que não se confirmam e divulga planos que não saem do papel. Na semana passada, ele garantiu que “lá para setembro, outubro, novembro, nós já estamos num novo país”. Faltou dizer de que ano.

Antes da pandemia, Guedes já era especialista em anunciar terrenos na Lua. Na campanha, ele prometeu arrecadar um trilhão de reais com a venda de imóveis da União. Depois prometeu outro trilhão com a privatização de estatais. Há poucos dias, requentou a promessa de vender a Eletrobras até dezembro. A ideia é descartada por nove entre dez parlamentares.

No intervalo entre os factoides, o ministro se dedica a causas exóticas. Uma de suas favoritas é a liberação dos cassinos, defendida por um poderoso lobby em Brasília. Na famosa reunião de 22 de abril, ele tratou do assunto com polidez: “Deixa cada um se f… do jeito que quiser. Principalmente se o cara é maior, vacinado e bilionário. Deixa cada um se f…, pô!”.

Após a chegada do coronavírus, o discurso ultraliberal de Guedes virou conversa de alienígena. A contragosto, ele tem sido obrigado a abrir os cofres para socorrer os mais pobres. Mesmo assim, insiste em fazer previsões sem lastro na realidade.

Na semana em que o Brasil entrou em quarentena, o ministro assegurou que o impacto da pandemia seria mínimo. No cenário que chamou de “mais grave”, o PIB cresceria 1%. O Banco Mundial ignorou o blefe e projetou um tombo de 8%. Agora o governo retaliou a entidade com o envio de Abraham Weintraub a Washington.

Ontem o Fundo Monetário Internacional anunciou uma previsão ainda mais lúgubre: a economia brasileira pode encolher 9,1%. Para reagir à nova desfeita, Guedes deveria exportar a ministra Damares Alves. O FMI não perde por esperar.


Bruno Boghossian: Weintraub se tornou um obstáculo político para Bolsonaro

Ministro contratou conflitos com o Congresso, o Supremo e a ala militar do governo

Jair Bolsonaro fez festa para Abraham Weintraub no fim do ano passado. "Melhorou demais", disse, sobre o Ministério da Educação. O presidente ponderou que o auxiliar precisava "dar uma calibrada" no discurso, mas mostrou que se identificava com suas barbaridades: "Está dando uma de Jair Bolsonaro quando deputado, em alguns momentos".

O presidente nunca se incomodou de verdade com as delinquências do subordinado. Quando ele foi acusado de racismo, Bolsonaro saiu em sua defesa. Depois que Weintraub falou em mandar ministros do STF para a cadeia, a máquina do governo trabalhou para tentar protegê-lo.

Bolsonaro também não se importava com o fato de que uma das áreas mais problemáticas do país era conduzida de maneira desastrosa. Em nome de uma fantasia ideológica, o presidente deixou que Weintraub transformasse a educação numa plataforma para sua insensatez.

O ministro só virou problema para Bolsonaro ao se tornar um obstáculo político. Weintraub contratou indisposições com o Congresso, com o Supremo e com a ala militar —três grupos-chave para a sobrevivência do presidente no cargo.

O agitador quase detonou o acordo entre Bolsonaro e o centrão quando tentou barrar a nomeação de representantes do bloco para cargos vinculados a sua pasta. Só cedeu depois que Bolsonaro ameaçou demiti-lo.

Weintraub também potencializou os choques com o STF ao fazer campanha pela prisão dos integrantes do tribunal. A corte reagiu e se recusou a excluir o polemista do inquérito que investiga ataques à instituição.

A fritura do ministro entrou pela porta do Palácio do Planalto com a oposição crescente dos militares a sua permanência no cargo. Até o presidente reconheceu publicamente o desgaste depois que Weintraub participou de um ato contra o Supremo.

Bolsonaristas radicais tentam segurar o ministro na cadeira, mas auxiliares do presidente já dizem procurar uma "saída honrosa". Se a demissão ocorrer, será difícil embrulhar a queda com alguma dignidade.


Cristovam Buarque: Reunião de horrores

Ministro da Educação de Hitler sentia horror às simples expressões ‘povo judaico’ ou ‘povo cigano’ ou ‘comunista’

Bernhard Rust foi ministro de Hitler para a Educação. Nomeado no primeiro dia do governo nazista, foi fiel até a morte, por suicídio, na rendição da Alemanha. Não se pode dizer que Rust era culpado pela situação da educação alemã em 1933. Apesar de muito melhor que a nossa hoje, a educação alemã sofria consequências da Primeira Guerra e dos fortes constrangimentos impostos pelo acordo de paz que comprometeu as finanças públicas. Tudo isso agravado por hiperinflação e caos político ao longo da década de 1920.

Rust não era o culpado da herança que recebeu, mas, em vez de montar um sistema educacional competitivo na Europa, concentrou-se na ideologia para desarticular o que chamava de cultura comunista e influência de judeus na vida intelectual da Alemanha. Ele via a universidade como antro do marxismo cultural. Einstein era recusado como judeu e a teoria da relatividade vista como parte da conspiração internacional comunista.

Rust não fez parte da engenharia do Holocausto, mas foi um dos criadores do pensamento que serviu de base à execução da solução final para extinguir povos não arianos que faziam parte da Alemanha, especialmente judeus. Ele sentia horror às simples expressões “povo judaico” ou “povo cigano” ou “comunista”. Seu tipo de patriotismo achava que na Alemanha havia um único povo, palavra que só se aplicava aos alemães. Para isso, demitiu professores, impediu escolha de reitores pela comunidade, vetou ideias incompatíveis com a tradição cristã.

Lembrei de Rust ao ouvir a participação do ministro da Educação do Brasil, na reunião de gabinete de 22 de abril. Ele não incentivou solução final para nossos índios, mas lançou a base para que isso ocorra. Não por morte em câmaras de gás, mas por morte lenta devido à negação dos direitos básicos de cada povo indígena. Ao sentir horror, sua cara passou a sensação de nojo ao povo indígena, passou a ideia de que o conceito de povo brasileiro nega permissão para a convivência fraterna com outros povos dentro do Brasil.

Ao dizer que tinha horror ao conceito de povo indígena, e manifestar que apenas o povo brasileiro com sua aparente identidade ocidental e cristã lhe interessa, ele repete o que dizia o ministro nazista para os judeus. Quase 100 anos depois, o ministro da Educação do Brasil senta a base ideológica para a ideia da pureza, se não racial, ao menos cultural, do povo brasileiro cristão e ocidental.

Não é por acaso que, logo após, o ministro do Meio Ambiente declarou que o governo deve aproveitar a atenção da mídia voltada aos mortos pela epidemia, para simplificar procedimentos que permitirão ocupar terras e destruir florestas onde vivem o que seu colega considerou “não povo” indígena. Dizimar as florestas onde vivem os índios é como colocá-los em “câmara de gás” que mata lentamente. Foi isso o que os dois ministros combinaram ser feito sem grandes dificuldades burocráticas, um sentando base ideológica pelo horror ao povo indígena e o outro definindo os meios administrativos para o genocídio. Diga-se a favor deles que talvez não tivessem consciência do que diziam, sem saberem quem foi Rust.

Por isso, nenhum outro ministro, nem o presidente, nem o vice, chamaram a atenção deles para o horror do que tinham dito. Acharam natural os sentimentos de horror com o conceito de povo indígena e com as amarras burocráticas que impedem derrubar florestas.

A reunião de 22 de abril passa a sensação de um ministério unido no uso de palavrões e na concepção de Bernhard Rust. Igualmente triste é imaginar que depois de nossos “Rusts”, dificilmente teremos um presidente com a visão do chanceler Adenauer, que, na primeira reunião para definir as prioridades do Plano Marshall, afirmou que a prioridade na reconstrução da Alemanha seria a educação, para recuperar o tempo perdido em décadas anteriores e corrigir o desastre nos anos nazistas.

*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília