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Folha de S. Paulo: Bolsonaro tem relação de adversário com Mourão, em postura similar à de Dilma

Presidente tem evitado fazer consultas ao vice e desautoriza declarações públicas do general

Gustavo Uribe e Julia Chaib, Folha de S. Paulo

No comando do Conselho da Amazônia, Hamilton Mourão pretendia solicitar ao presidente Jair Bolsonaro que o escalasse para liderar a representação brasileira na COP-26, conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas) que será promovida em novembro, no Reino Unido.

A intenção do general de fazer o pedido, porém, foi informada previamente ao presidente por integrantes do governo. Irritado com o militar da reserva, o mandatário se antecipou.

"E deixar bem claro: quem vai representar o Brasil lá é você”, anunciou o presidente ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em live semanal promovida no início deste mês.

O veto do presidente ao general é o episódio mais recente em uma escalada de desgaste na relação entre Bolsonaro (sem partido) e Mourão (PRTB).

O presidente sempre fez questão de salientar, em conversas reservadas, que nunca confiou totalmente no general, mas agora, de acordo com assessores palacianos, ele passou a considerar o militar da reserva uma espécie de adversário.

A relação conturbada, que se agravou nos últimos meses, é comparada por deputados governistas à fase final do segundo mandato da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando ela passou a ignorar e a desconfiar de seu vice-presidente Michel Temer (MDB).

Como reação, Temer enviou, na época, carta a Dilma na qual a acusou de mentir e de transformá-lo em um "vice decorativo".

Em postura similar à da petista, Bolsonaro tem evitado consultar Mourão sobre questões estratégicas, desautorizado de forma indireta declarações públicas do general e criticado em reservado a disposição do vice-presidente em responder a perguntas da imprensa sobre assuntos diversos, muitos sem relação com as suas atribuições no governo.

No gabinete do presidente, o militar da reserva ganhou o apelido de Walter Casagrande, uma referência ao ex-jogador de futebol conhecido por fazer comentários sobre diferentes temas. Segundo assessores do governo, Bolsonaro avalia que, ao fazer declarações quase que diárias, muitas delas em contraponto às dele, Mourão tenta se apresentar como uma alternativa de poder.

Em conversas com militares próximos, que foram relatadas à Folha, Mourão tem refutado, no entanto, a intenção. Ciente da piora na relação com Bolsonaro, o general sinalizou recentemente a intenção de submergir neste fim de ano. E de, no começo do próximo ano, iniciar movimento de reaproximação com o presidente, inclusive por meio de uma conversa presencial.

Para integrantes da cúpula militar, um gesto de pacificação seria estratégico para que o presidente repensasse a decisão de não escalar Mourão para representar o Brasil na COP-26.

Além disso, o aceno poderia ser uma oportunidade para que o general pedisse ao presidente mais participação da equipe ministerial na preservação da floresta amazônica.

Segundo assessores presidenciais, ao longo do ano o vice-presidente se deu conta de que reduzir o número de queimadas e as taxas de desmatamento é mais difícil do que ele imaginava.

Além disso, ele demonstra sinais de frustração com o pouco engajamento da equipe ministerial na discussão de políticas para o desenvolvimento das populações locais.

O anúncio sobre a COP-26 não foi o único episódio recente de tensão entre Bolsonaro e Mourão. Na terça-feira (8), em discurso no Palácio do Planalto, o presidente deu um recado indireto ao vice-presidente.

Segundo ele, ninguém fala com o presidente sobre a tecnologia do 5G “sem antes conversar com o ministro Fábio Faria”, do Ministério das Comunicações.

No dia anterior, em palestra na Associação Comercial de São Paulo, o vice-presidente havia afirmado que o Brasil pagará mais caro caso a empresa chinesa Huawei não forneça equipamentos na transição para a nova tecnologia, posição compartilhada pelas operadoras de telefonia, mas refutada pelo núcleo ideológico do Palácio do Planalto.

No mês passado, o presidente também se irritou com o militar da reserva após ele ter reconhecido, em conversa com a imprensa, a vitória do democrata Joe Biden nas eleições americanas. Aliado do republicano Donald Trump, derrotado na disputa eleitoral, Bolsonaro ainda não parabenizou o vencedor.

Como mostrou a Folha em outubro, Bolsonaro não pretende disputar a reeleição ao cargo com o general como candidato a vice-presidente. A intenção já foi inclusive, de acordo com assessores palacianos, informada ao militar da reserva por interlocutores do presidente.

Uma hipótese avaliada por Mourão é concorrer ao cargo de senador pelo Rio Grande do Sul.

Para militares do governo, uma candidatura dele no estado do Sul poderia até mesmo, se bem articulada, ter o apoio de Bolsonaro, que contaria com um palanque forte em um importante colégio eleitoral.

A insegurança de Bolsonaro em relação a Mourão não é uma exceção na postura do presidente com sua equipe de governo. O mandatário ganhou a fama no Palácio do Planalto de ser um presidente ressabiado e centralizador, com dificuldades de confiar em sua equipe de ministros.

A desconfiança permanente remonta ao tempo do serviço militar. Segundo velhos aliados, Bolsonaro tinha como hábito olhar embaixo do carro para checar se alguém poderia ter instalado uma bomba na intenção de cometer um atentado.

No Palácio do Alvorada, com receio de ser grampeado pela sua própria equipe, ele evita ter conversas de caráter reservado na área externa da residência oficial. Para assuntos sigilosos, prefere o espaço privativo, onde instalou uma espécie de escritório vizinho ao dormitório presidencial.​​


Andrea Jubé: E vai colocar quem no lugar?

PEC impede vice de assumir Presidência em definitivo

Parlamentares que transitam na cúpula das duas Casas legislativas afastam um eventual impeachment alegando que a popularidade do presidente Jair Bolsonaro ainda é alta, não tem ambiente político, a economia claudica, mas ainda não tombou, e não tem povo na rua - até porque a pandemia da covid-19 impede aglomerações. Essas lideranças insistem que “precisa de povo na [Avenida] Paulista para derrubar presidente”.

Do rol de justificativas, o argumento cabal é a ausência de uma liderança nacional que traga estabilidade ao país. “Vamos tirar o Bolsonaro para colocar quem no lugar?” É a pergunta que todos se fazem e, invariavelmente, vem acompanhada de um silêncio e um suspiro. Um dirigente partidário observa, em tom pragmático, que “Bolsonaro é o que temos para o jantar”.

A leitura predominante entre parlamentares influentes nas duas Casas é a de que um impeachment neste momento só favorece o vice-presidente Hamilton Mourão e mais dois atores: o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e o governador de São Paulo, João Doria (PSDB).

“E ninguém no Congresso gosta deles”, sublinha um senador experiente, sobre Moro e Doria. A menção a Mourão sugere outro verbo: não é gostar ou desgostar, trata-se de desconfiar.

Embora Moro tenha feito gestos de aproximação com o mundo político na passagem pelo governo, a maioria dos parlamentares ainda o vê como o “xerife” da Lava-Jato, que levou dezenas de deputados e senadores ao banco de réus.

Em março de 2017, a temida “Lista de Janot” - do então procurador-geral da República, Rodrigo Janot - decorrente da Lava-Jato, resultou em 83 pedidos de abertura de inquérito para investigar políticos citados nas delações de executivos da Odebrecht. Um mês depois, o ministro Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal autorizou a investigação de oito ministros, três governadores, 24 senadores e 39 deputados.

Em outra frente, João Doria não empolga os congressistas. No começo do ano, o tucano era candidato a se reeleger governador. Mas o acirramento da crise sanitária e o palanque alcançado pelo antagonismo a Bolsonaro lhe conferiram protagonismo nacional e o catapultaram de volta à corrida sucessória.

Apesar da visibilidade, Doria tem dificuldade em conter o avanço do coronavírus no Estado, que se consolidou como o epicentro da pandemia. Ontem, em um discurso veemente, o tucano prometeu reagir se ficar confirmado que o governo federal o estaria retaliando politicamente, por exemplo, ao não enviar respiradores para o Estado. “Espero que o governo federal não faça seletividade política dos brasileiros que podem ou não podem sobreviver”, advertiu.

Outra ressalva é a de que Doria não desperta empatia na bancada nordestina. “Como é que eu vou chegar com o Doria no Nordeste?”, questiona um veterano do Senado, observando que o paulista não tem apoio na região, assim como Bolsonaro.

Por fim, Doria não une nem o PSDB. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso não esconde a simpatia pelo projeto de Luciano Huck, embora há um mês tenha reconhecido em entrevista que Doria cresceu na crise, enquanto o apresentador encolheu. Além disso, uma ala dos tucanos prefere como presidenciável o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.

A pesquisa XP/Ipespe realizada há um mês mostrou que Bolsonaro alcança 28% de ótimo e bom, e 44% de ruim e péssimo. Políticos do Centrão consideram esses números relevantes, se comparados aos índices dos presidentes que sofreram impeachment.

Quando o então presidente da Câmara Eduardo Cunha (ex-MDB) - hoje em prisão domiciliar, por causa da covid-19 - deflagrou o processo contra Dilma Rousseff em dezembro de 2015, a petista tinha 69% de ruim e péssimo segundo pesquisa CNI/ Ibope. Fernando Collor tinha 59% de ruim e péssimo em agosto de 1992, segundo a CNI/Ibope - em dezembro os senadores aprovaram o impeachment.
Deputados e senadores ouvidos pela coluna creditam, em parte, a popularidade de Bolsonaro ao auxílio emergencial de R$ 600 concedido a um terço da população, embora a proposta originária tenha partido da oposição. “Acabou se transformando no Bolsa Família dele”, observou um senador.

Mas a avaliação quase unânime desse grupo influente é que a crise em torno das denúncias de Sergio Moro, em tramitação no STF, tem a força de um traque. “Videozinho não derruba presidente, o que o derruba é a economia e povo na rua”, reforça este senador.

Para outra liderança do Senado, Moro puxou o gatilho e atingiu o presidente, mas ainda não foi a bala de prata. Segundo este parlamentar, o descontrole sobre a pandemia fulminará Bolsonaro, porque o Brasil ficará entre os dois países com o maior número de vítimas fatais da covid-19, e cada família brasileira poderá ter perdido um parente ou um amigo para o coronavírus.

Ao mesmo tempo, nesse cenário de luto nacional, milhares de empresas terão ido à falência e o número de desempregados terá se multiplicado. “Isso vai enterrar a popularidade dele e será a bala de prata”, concluiu o senador.


Para neutralizar o “risco Mourão”, a oposição tenta convencer o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a criar uma comissão especial para votar a PEC 37 dos ex-líderes do PT Paulo Teixeira (SP) e Henrique Fontana (RS). A proposta impede o vice-presidente de assumir em definitivo a Presidência da República, na hipótese de vacância do cargo, e amplia a regra a governadores e prefeitos. No Amazonas, por exemplo, começou a tramitar o impeachment do governador Wilson Lima (PSC).

Segundo a emenda, vagando o cargo de presidente, será realizada eleição direta em 90 dias para escolha do sucessor. O texto também dispõe que “em nenhuma hipótese” o vice assumirá a chefia do Executivo em definitivo.

O relator da PEC é o deputado Felipe Francischini (PSL-PR), ex-aliado de Bolsonaro. A PEC teria efeito imediato. Para justificar, um petista evoca a PEC da reeleição de Fernando Henrique em 1997, que beneficiou o então titular do cargo.