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Francia Márquez, candidata a vice-presidente na chapa de Petro, durante debate em Bogotá — Foto: Ivan Valencia/AP

Quem é Francia Márquez, primeira negra a ocupar a vice-presidência da Colômbia

 Victor Cinzento*, g1

Ativista em defesa dos direitos humanos e do meio ambiente, a advogada Francia Márquez foi eleita neste domingo (19) vice-presidente da Colômbia, a primeira mulher negra a ocupar o cargo. Ela e o candidato à presidência Gustavo Petro, um ex-combatente da guerrilha M-19 e, hoje, senador da Colômbia, venceram as eleições presidenciais no país. Petro se tornou o primeiro presidente de esquerda a ser escolhido pelos colombianos ao vencer o candidato Rodolfo Hernández.

Quem é Francia Márquez

Nascida no distrito de La Toma, no oeste do país, Francia foi a líder de um movimento popular contra a exploração mineral na região, luta que concedeu a ela o reconhecimento com o prêmio Goldman (considerado o "Nobel do Meio Ambiente") em 2018.

Depois de passar mais de 10 anos trabalhando em movimentos sociais, Francia havia lançado sua pré-candidatura à presidência da Colômbia em 2021. Entretanto, com o avanço da campanha, ela passou a ser parte da chapa de Gustavo Petro, candidato da esquerda.

Mulher de 40 anos, formada pela Universidade Santiago de Cali em direito, Francia é mãe solo de dois filhos e tem uma história de vida muito ligada ao ativismo social.

Quando jovem, ela trabalhou como garimpeira de ouro e como empregada doméstica, função que exerceu para pagar seus estudos.

Quando maior de idade, liderou movimentos contra a expansão da mineração na região e foi crescendo dentro do cenário político colombiano.

Durante a campanha, ela prometeu, se eleita, ajudar na criação e manutenção de direitos para mulheres, negros, indígenas, camponeses e para a população LGBTQIA+.

Carreira política

"Para mim, ocupar um cargo no Estado não é o fim da trajetória. O fim pra mim é dignificar a vida, é cuidar da vida, é viver em um lugar mais justo e digno para todos. O fim é diminuir a mortalidade negra. Chegar à presidência da Colômbia é um meio, ocupar o Estado é um meio para seguir movendo essa luta que queremos como povo e como humanidade", disse Francia Márquez antes de se unir à chapa de Petro.

Em 2014, como presidente da Associação de Mulheres Afrodescendentes de Yolombó, ela organizou a "Mobilização das mulheres negras pelo cuidado da vida e dos territórios ancestrais", movimento que reuniu pessoas do norte de Cauca e avançou até Bogotá (capital) para exigir seus direitos.

Em 2018, após receber o prêmio Goldman pelo Meio Ambiente, Francia se lançou como candidata a comandar a Câmara das Comunidades Afrodescendentes.

Em 2021, antes de apresentar a pré-candidatura à presidência da república foi líder do comitê nacional de paz, reconciliação e convivência do Conselho Nacional de Paz.

*Texto publicado originalmente em g1. Título editado.


Crise na relação entre Bolsonaro e Mourão atinge um dos piores momentos

Encontro do vice com presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso, irritou presidente, que até já ouviu desabafo em tom de ameaça de renúncia

Daniel Gullino e Gabriel Mascarenhas / O Globo

BRASÍLIA — O presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão, há tempos vivem um casamento típico de fachada, daquelas relações com quase nenhuma sintonia. A crise permanente — o general, em tom de desabafo, já chegou até a falar em renúncia — atingiu um dos piores momentos nas últimas semanas. Bolsonaro se sentiu traído ao descobrir pela imprensa que Mourão havia se encontrado às escondidas com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, um dos seus principais desafetos e contra quem ele promete apresentar um pedido de impeachment no Senado.

O encontro que irritou o presidente por pouco não ocorreu. Um interlocutor já havia tentado agendá-lo, mas, inicialmente, Barroso resistia. O cenário só mudou quando os tanques foram para a rua: ao saber que Bolsonaro havia convocado seus ministros para acompanhar um desfile de veículos militares na Esplanada dos Ministérios, no último dia 10, horas antes de a Câmara derrotar a proposta de voto impresso, uma das principais bandeiras bolsonaristas, Barroso, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), voltou atrás e pediu para o amigo em comum marcar a conversa com Mourão.

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A reunião, revelada pelo jornal “O Estado de S.Paulo”, ocorreu no dia do desfile militar, e terminou com o vice dizendo o que o ministro queria ouvir: que as Forças Armadas não embarcariam em aventuras inconstitucionais. Bolsonaro não se conformou.

Desde então, alguns ministros tentam distensionar a relação entre presidente e vice, como Ciro Nogueira (Casa Civil) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional). Nogueira, que tem boa relação com Mourão, esteve na última segunda-feira na Vice-Presidência para uma “visita de cortesia”, nas palavras de sua assessoria de imprensa. Já Heleno vestiu o uniforme de bombeiro por ser próximo a ambos. O ministro da Defesa, Walter Braga Netto, também se mostrou disposto a auxiliar numa reaproximação.

Entre os argumentos apresentados a Bolsonaro, estão o de que Mourão, general da reserva, é respeitado entre os militares. O esgarçamento da relação pode incomodar estrelados personagens da caserna e, consequentemente, trazer prejuízos em 2022, com a perda de apoio entre os fardados, a base de sustentação eleitoral que garantiu a Bolsonaro sete mandatos como deputado federal.

Teste próximo

O resultado das investidas de Heleno e Nogueira poderá ser medido nas próximas 48 horas: antes do incêndio provocado pela reunião com Barroso, Mourão já havia convidado Bolsonaro a comparecer à próxima reunião do Conselho da Amazônia, colegiado presidido pelo vice, agendada para esta terça-feira. Bolsonaro ainda não respondeu se comparecerá.

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Em outro recente episódio de constrangimento público, Bolsonaro disse, durante uma entrevista, que seu par não é da família. Comparou o vice a um cunhado, que “atrapalha” mas “tem que aturar”. Não ficou sem resposta, como revelou o colunista do GLOBO Lauro Jardim. Na semana seguinte, eles se encontraram durante um evento no Palácio da Alvorada, na presença de outros ministros. Ao cumprimentar seu vice, Bolsonaro repetiu:

— Fala, cunhado.

Mourão emendou:

— Cuidado, cunhado não é parente, Mourão para presidente.

A frase lançada em tom de piada foi propalada no início da década de 1960 por apoiadores do ex-governador Leonel Brizola, cunhado do então presidente João Goulart. O objetivo era empurrar Brizola para fora da lista de nomes impedidos de concorrer à Presidência da República por razões genealógicas.

Antes desse momento de crise aguda, o casamento esteve por um fio no final do ano passado. Na conversa mais dura que a dupla já teve, sem testemunhas, Mourão falou em renúncia. O episódio ocorreu no dia 16 de dezembro, no Palácio do Planalto. De acordo com o que o vice relatou a pessoas de sua confiança, deu-se o seguinte monólogo.

— Bolsonaro, se você quiser, eu entrego a minha cadeira hoje, mas vou te avisar: no dia seguinte, o Centrão toma conta disso aqui — desabafou o militar da reserva naquela tarde. Bolsonaro, que numa hipotética renúncia do vice teria o presidente da Câmara como seu substituto imediato, ouviu e silenciou.

Pouco mais de oito meses depois, com a presença de Mourão, Ciro Nogueira, um dos principais líderes do bloco, tomou posse como ministro da Casa Civil.

Na mesma conversa do final do ano passado, além de ameaçar sair do posto em que está até hoje, o vice quis deixar claro que não representava uma ameaça.

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— Eu não quero o seu lugar e jamais fiz absolutamente nada para ocupá-lo. E, quando tiver dúvidas a meu respeito, basta me chamar que venho aqui imediatamente — disse Mourão, segundo ele contou a interlocutores.

Essa reunião ocorreu dois dias após o vice-presidente lamentar publicamente que não tinha uma “conversa particular” com o presidente havia “algum tempo”.

Mourão também já considerou a possibilidade de entregar o outro assento que ocupa, no Conselho da Amazônia, colegiado interministerial capitaneado por ele e responsável por desenvolver políticas públicas voltadas à preservação da região. O vice não se conformava com a falta de empenho do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles nas missões estabelecidas pelo Conselho. Salles quase não ia às reuniões e, por vezes, sequer enviava um representante. Mourão confidenciou a algumas pessoas sua desconfiança de que Bolsonaro encorajava Salles a boicotar o Conselho, para fragilizá-lo.

Pautas ignoradas

Por outro lado, Bolsonaro propaga internamente que, embora de direita, o vice não abraça as pautas conservadoras e trabalha contra seu governo.

Até assumir o Conselho da Amazônia, Mourão não tinha função no Executivo. Um episódio no primeiro ano de governo ilustra o clima. Bolsonaro não queria ir à posse do recém-eleito presidente da Argentina, Alberto Fernández, candidato da esquerda. Um de seus auxiliares brincou e sugeriu que ele enviasse Mourão, já que o vice não tinha compromissos. Bolsonaro levou a sério, e Mourão representou o Brasil na cerimônia.

Esse acúmulo de desgastes deve virar separação em 2022. Bolsonaro costuma dizer entre aliados que terá outro vice na disputa pela reeleição. Mourão, por sua vez, flerta com a candidatura ao Senado pelo Rio Grande do Sul.

A Vice-Presidência afirmou que não iria comentar as desavenças. A Presidência não retornou.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/crise-na-relacao-entre-bolsonaro-mourao-atinge-um-dos-piores-momentos-25165613


Mourão critica STF e diz que considera 'difícil' Senado aceitar pedido de impeachment

Vice-presidente criticou prisão de Roberto Jefferson e afirmou que ex-deputado não é 'ameaça à democracia'

Daniel Gullino / O Globo

BRASÍLIA — O vice-presidente Hamilton Mourão afirmou considerar que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) estão "extrapolando os limites" em algumas das suas decisões. Mourão, contudo, disse achar "difícil" o Senado aceitar um pedido do presidente Jair Bolsonaro de abertura de processo de impechament contra integrantes da Corte.

Mourão criticou a decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de mandar prender o ex-deputado Roberto Jefferson por ataques às instituições democráticas, e disse que não considera o político uma "ameaça à democracia":

— Eu acho que o ministro Alexandre de Moraes poderia ter tomado outra decisão, também de tão importante, e de tão coercitivo, sem necessitar mandar prender por algo que é uma opinião, que o outro vem externando. Não considero que o Roberto Jefferson seja uma ameaça à democracia, tão latente assim.

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Ao ser questionado sobre se prisões de Jefferson e do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) seriam uma espécie de aviso do STF, vice-presidente afirmou que o "caminho" para quem se sentir ofendido é registrar uma queixa.

— Acho que está extrapolando os limites nisso aí. Se eu sou ofendido, o que que eu faço? Eu registro um boletim de ocorrência e abre-se um processo contra a pessoa que me ofendeu. Então, eu acho que esse é o caminho.

Em relação ao anúncio de Bolsonaro de que pretende pedir para o Senado abrir processo contra os ministros Moraes e Luís Roberto Barroso, Mourão disse que é uma saída "dentro da Constituição"

Tramitação:  Senadores indicam veto às coligações proporcionais e contrariam deputados

— Não é questão de arrefecer ou colocar lenha na fogueira. O presidente tem a visão dele, ele considera que esses ministros estão passando dos limites aí em algumas decisões que têm sido tomadas, e uma das saídas dentro da nossa Constituição, que prescreve ali no artigo 52, seria o impeachment, que compete ao Senado, fazer. Então ele vai pedir pro Senado, vamos ver o que que vai acontecer. Acho difícil o Senado aceitar.

Fonte: O Globo
https://oglobo.globo.com/politica/mourao-faz-criticas-ao-stf-diz-que-considera-dificil-senado-aceitar-pedido-de-impeachment-de-ministros-anunciado-por-bolsonaro-25156854


Antonio Hamilton Martins Mourão: Limites e responsabilidades

Com sensibilidade das mais altas autoridades é possível superar a grave situação que vive o País

A esta altura está claro que a pandemia de covid-19 não é só uma questão de saúde: por seu alcance, sempre foi social; pelos seus efeitos, já se tornou econômica; e por suas consequências pode vir a ser de segurança. A crise que ela causou nunca foi, nem poderia ser, questão afeta exclusivamente a um ministério, a um Poder, a um nível de administração ou a uma classe profissional. É política na medida em que afeta toda a sociedade e esta, enquanto politicamente organizada, só pode enfrentá-la pela ação do Estado.

Para esse mal nenhum país do mundo tem solução imediata, cada qual procura enfrentá-lo de acordo com a sua realidade. Mas nenhum vem causando tanto mal a si mesmo como o Brasil. Um estrago institucional que já vinha ocorrendo, mas agora atingiu as raias da insensatez, está levando o País ao caos e pode ser resumido em quatro pontos.

O primeiro é a polarização que tomou conta de nossa sociedade, outra praga destes dias que tem muitos lados, pois se radicaliza por tudo, a começar pela opinião, que no Brasil corre o risco de ser judicializada, sempre pelo mesmo viés. Tornamo-nos assim incapazes do essencial para enfrentar qualquer problema: sentar à mesa, conversar e debater. A imprensa, a grande instituição da opinião, precisa rever seus procedimentos nesta calamidade que vivemos. Opiniões distintas, contrárias e favoráveis ao governo, tanto sobre o isolamento como a retomada da economia, enfim, sobre o enfrentamento da crise, devem ter o mesmo espaço nos principais veículos de comunicação. Sem isso teremos descrédito e reação, deteriorando-se o ambiente de convivência e tolerância que deve vigorar numa democracia.

O segundo ponto é a degradação do conhecimento político por quem deveria usá-lo de maneira responsável, governadores, magistrados e legisladores que esquecem que o Brasil não é uma confederação, mas uma federação, a forma de organização política criada pelos EUA em que o governo central não é um agente dos Estados que a constituem, é parte de um sistema federal que se estende por toda a União.

Em O Federalista – a famosa coletânea de artigos que ajudou a convencer quase todos os delegados da convenção federal a assinarem a Constituição norte-americana em 17 de setembro de 1787 –, John Jay, um de seus autores, mostrou como a “administração, os conselhos políticos e as decisões judiciais do governo nacional serão mais sensatos, sistemáticos e judiciosos do que os Estados isoladamente”, simplesmente por que esse sistema permite somar esforços e concentrar os talentos de forma a solucionar os problemas de forma mais eficaz.

O terceiro ponto é a usurpação das prerrogativas do Poder Executivo. A esse respeito, no mesmo Federalista outro de seus autores, James Madison, estabeleceu “como fundamentos básicos que o Legislativo, o Executivo e o Judiciário devem ser separados e distintos, de tal modo que ninguém possa exercer os poderes de mais de um deles ao mesmo tempo”, uma regra estilhaçada no Brasil de hoje pela profusão de decisões de presidentes de outros Poderes, de juízes de todas as instâncias e de procuradores, que, sem deterem mandatos de autoridade executiva, intentam exercê-la.

Na obra brasileira que pode ser considerada equivalente ao Federalista, Amaro Cavalcanti (Regime Federativo e a República Brasileira, 1899), que foi ministro de Interior e ministro do Supremo Tribunal Federal, afirmou, apenas dez anos depois da Proclamação da República, que “muitos Estados da Federação, ou não compreenderam bem o seu papel neste regime político, ou, então, têm procedido sem bastante boa fé”, algo que vem custando caro ao País.

O quarto ponto é o prejuízo à imagem do Brasil no exterior decorrente das manifestações de personalidades que, tendo exercido funções de relevância em administrações anteriores, por se sentirem desprestigiados ou simplesmente inconformados com o governo democraticamente eleito em outubro de 2018, usam seu prestígio para fazer apressadas ilações e apontar o País “como ameaça a si mesmo e aos demais na destruição da Amazônia e no agravamento do aquecimento global”, uma acusação leviana que, neste momento crítico, prejudica ainda mais o esforço do governo para enfrentar o desafio que se coloca ao Brasil naquela imensa região, que desconhecem e pela qual jamais fizeram algo de palpável.

Esses pontos resumem uma situação grave, mas não insuperável, desde que haja um mínimo de sensibilidade das mais altas autoridades do País.

Pela maneira desordenada como foram decretadas as medidas de isolamento social, a economia do País está paralisada, a ameaça de desorganização do sistema produtivo é real e as maiores quedas nas exportações brasileiras de janeiro a abril deste ano foram as da indústria de transformação, automobilística e aeronáutica, as que mais geram riqueza. Sem falar na catástrofe do desemprego que está no horizonte.

Enquanto os países mais importantes do mundo se organizam para enfrentar a pandemia em todas as frentes, de saúde a produção e consumo, aqui, no Brasil, continuamos entregues a estatísticas seletivas, discórdia, corrupção e oportunismo.

Há tempo para reverter o desastre. Basta que se respeitem os limites e as responsabilidades das autoridades legalmente constituídas.

  • Antonio Hamilton Martins Mourão é vice-presidente da República