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O Globo: ‘O discurso da nova política perdeu a força’, diz cientista político Jairo Nicolau

Ainda sem o resultado oficial do primeiro turno, especialista avalia que as urnas apontam para uma vitória dos grandes partidos e uma redução do impacto das redes sociais

Maiá Menezes, O Globo

Especialista nos meandros da política e autor do livro “O Brasil virou à direita”, publicado este ano, o cientista político Jairo Nicolau interpreta o resultado das urnas como um retorno ao que classifica como velha ordem, em uma eleição em que o espectro da “nova política”, que dominou 2018, se dispersou. Em entrevista ao GLOBO, ainda sem o resultado oficial das urnas, ele avalia o cenário pós-primeiro turno e o impacto desta eleição em 2022.

Na sua avaliação, o presidente Jair Bolsonaro demonstrou peso na transferência de voto?

O presidente Jair Bolsonaro não tem projeto de organizar um campo político, um partido, todo jogo dele é muito solitário. Nesses dois anos, ele perdeu lideranças que o apoiaram. Não conseguiu agregar nada coletivamente. Ele agiu, na eleição, no estilo que manteve no governo: dando apoios pessoais e ocasionais em lives. Não mirou um campo político. Apoiou candidatos diferentes entre si. Não transferiu votos para ninguém. E quem se elegeu com o poder de transferência que ele tinha em 2018 foi embora. No Rio, na reta final, ele no máximo deu quatro pontos ao (Marcelo) Crivella para chegar ao segundo turno — um candidato que tem a máquina da igreja (Universal) e da própria gestão.

O que as urnas marcaram neste 2020?

Ficou claro que o discurso da “nova política” perdeu a força. As redes sociais perderam a força, muitos candidatos que subiram com o Bolsonaro em 2018 não foram bem. O próprio Crivella tem 1/5 dos votos que teve em 2016. Vejo uma chance remotíssima de se reeleger.

O discurso da nova política então não prosperou?

Houve de fato um insucesso. A maior renovação de 2018 foi a renovação dos votos do PSL. (Em 2016) Houve uma frustração, que levou o Rio a defenestrar o candidato do ex-prefeito Eduardo Paes (o deputado federal Pedro Paulo). O (governador afastado do Rio) Wilson Witzel deu no que deu. Me parece que houve um reencontro com a política. Um entendimento de que ela deve ser feita por intermédio de lideranças. (Guilherme) Boulos (candidato do PSOL em São Paulo) é liderança política importante. Lideranças do DEM ressurgiram.

Que recado as urnas trouxeram?

A impressão é que estamos voltando a uma velha ordem. Depois de 2016 e 2018, retomamos os trilhos de 2014. Os que venceram foram os partidos maiores, mais tradicionais. É o DEM, o PSOL (que não é tão jovem). O mundo era assim. Até que veio a hecatombe de 2016, com os resultados de Rio, São Paulo e Minas reforçando um discurso antipolítica. Sem querer reforçar o clichê, tenho a sensação de que voltamos ao velho normal.

Como explicar a diferença de performance da esquerda no Rio e em São Paulo? A divisão parece ter ficado explícita no Rio.

No Rio, a gente sabe desde sempre que a esquerda sai divida. Novamente, cada um lançou um candidato. Não há garantia de que, sem a Benedita da Silva (candidata do PT, deputada federal), a Martha (Rocha, deputada estadual) teria fôlego para chegar ao segundo turno. Mas essa conta tinha que ter sido feita antes. É preciso lembrar que a esquerda, desde 1992, só concorreu duas vezes no segundo turno no Rio. O fato é que saíram maiores do que entraram.

Qual a repercussão deste resultado em 2022?

Sabemos que os vereadores serão cabos eleitorais. Mas o resultado de uma eleição municipal nem sempre espelha o de uma eleição geral. O fato é que, em 2018, havia uma expectativa de que Bolsonaro teria condições muito propícias para expandir seu poder, e um partido que concorreria com solidez. No entanto, Bolsonaro não tem nada para comemorar. Não tem partido. E seus nomes terem ido mal nas urnas é um mal sinal. Seriam os ativistas de 2022. Ficou clara a derrota de um campo que se dispersou nesta eleição.

A esquerda ganhou espaço. Mas como ficou o Lulismo?

O que aconteceu em São Paulo, com (Guilherme) Boulos foi um fenômeno eleitoral. Ele conseguiu entrar na periferia, foi criativo. Transcende a esquerda. Com um apoio explícito de Lula, talvez carregasse a rejeição ao PT. Ainda não sabemos como se dará essa influência no Nordeste (até o fim da noite, os dados ainda não indicavam o efeito da presença de Lula nas campanhas regionais).

A pandemia de Covid-19 de fato repercutiu na abstenção?

Tudo indica que esta vai ser a eleição que terá a maior taxa de abstenção do país. Algumas cidades como São Paulo ultrapassaram os 30%. Muito provavelmente a pandemia pautou isso. A abstenção já vinha subindo. Agora, certamente será muito mais alta. O aumento da rejeição à política não aumentou. O que ficou claro é que bairros onde majoritariamente moram idosos, como Copacabana, o medo do contágio falou mais alto.

Isso significa que o interesse pela eleição diminuiu?

Não. O medo da pandemia surgiu, mas o interessante é que o número de votos em branco ou nulo diminuiu. Na maioria, quem saiu, tinha candidato.


José Casado: Renda básica de R$ 7 mil

Vereadores aumentam salários discretamente em cidades pequenas

Aos 57 anos, Marcio Bittar é um político em ascensão no Congresso. Chegou ao Senado há apenas 20 meses, pelo MDB do Acre, e já é relator de alguns dos mais disputados projetos da temporada legislativa. Entre eles, está o programa de renda básica que Jair Bolsonaro sonha levar embaixo do braço para os palanques da reeleição.

Bittar foi comunista de carteirinha, no PCB, e estudante na extinta União Soviética. Girou a chave na vida de pecuarista no noroeste do Acre, região recordista em incêndios, desmatamentos e conflagrada pelo narcotráfico na fronteira com Peru e Bolívia. Tornou-se um expoente da bancada ruralista, onde há gente que quase enfarta quando ouve a palavra “Ibama”, e um conservador em cruzada contra a liberação do aborto.

Tenta negociar solução para uma antiga equação, insolúvel aos olhos de muitos comunistas e conservadores: reduzir os gastos públicos e, ao mesmo tempo, criar um mecanismo de transferência de renda aos pobres.

Ninguém é contra, todos são a favor do combate à corrupção, da luz elétrica e da água encanada. Mas sobra ceticismo no Congresso e no governo. Não é conspiração, somente apatia diante da paisagem do abismo social. Ela é hipnótica em regiões como Sena Madureira e Feijó, vizinhas acreanas, onde Bittar trocou a retórica comunista pelos votos ruralistas.

São 60 mil pessoas cercadas por bois, em comunidades equidistantes da mata incendiada para novos pastos. Metade sobrevive com meio salário mínimo por mês. Só 10% têm acesso a água potável e esgotos. Na semana passada, o Diário Oficial de Feijó, reduto eleitoral do senador Bittar, anunciou aumento de até 30% no salário dos vereadores. Passaram a ganhar R$ 7 mil mensais mais mordomias. Repetiram o que estão vendo ocorrer na maioria das câmaras dos municípios com até 50 mil habitantes, ou seja, 88% das cidades. Discretamente, vereadores estão resolvendo a equação da renda básica no pós-pandemia. Só para eles.


Marco Aurélio Nogueira: A governança democrática das cidades

Em tempos de política em crise, de debate público empobrecido e partidos desorientados, é de saudar a iniciativa do Partido Popular Socialista (PPS) de publicar as resoluções principais de uma Conferência Nacional por ele organizada sobre as cidades brasileiras.

A Conferência – realizada em Vitória (ES) nos dias 19-20 de março de 2016 – representou a culminância de um amplo processo de debates e discussões entre militantes políticos e especialistas que se estendeu por vários meses em diferentes cidades do país. A publicação (acesse aqui) oferece aos cidadãos um rico painel da vida urbana e dos problemas das cidades brasileiras, assim como sugere um roteiro para a organização de uma agenda que os enfrente.

Nele, são apresentadas análises e sugestões sobre Saúde, Educação, Finanças, Mobilidade Urbana, Segurança e Cultura. O texto não é acadêmico. Seu objetivo é fornecer elementos para a gestão técnico-política das cidades brasileiras, sendo direcionado para administradores municipais, vereadores e ativistas, mas também para o cidadão de modo geral, maior interessado na questão. O material, porém, recusa a ideia de ser visto como um “modelo” ou um “manual” a ser aplicado indistintamente. Não se vê como um “pacote” de propostas, mas como material de reflexão. É o que de fato se destaca, ainda que, por ser documento partidário, seja inevitável que se façam recomendações operacionais, que poderão ser traduzidas em termos políticos e eleitorais. Não há porque fazer ressalvas a este aspecto, assumido desde logo pelos organizadores.

Na parte propriamente analítica, o texto procura jogar luz sobre o estado atual das cidades brasileiras, especialmente das maiores, que conhecem um cenário de grandes transformações e mudanças mas permanecem amarradas a um quadro de exclusões e desigualdades expressivas, bolsões de segregação social, crise financeira e graves problemas ambientais.

Tal esforço de compreensão apoia-se no conceito de governança democrática: é preciso governar as cidades com os olhos na realidade (local, nacional, global) e nas possibilidades concretas de atuação, mas é preciso fazer isso compartilhando decisões com a cidadania. Como diz o texto de apresentação, “é preciso que haja organização política de interesses e capacidade de elaboração, mesmo que parcial, mas substantiva, de projetos de reforma e de transformação da realidade”.

Trata-se de um ponto importante, nesta nossa época em que detonar os governos e refutar a política se tornaram mania compulsiva, presente até mesmo na conduta de vários candidatos às prefeituras, que se apresentam como “gestores” e não como “políticos”, propondo-se a governar a partir de uma racionalidade administrativa superior que excluiria os cidadãos e se afirmaria sobre eles.

O documento do PPS critica com firmeza a “concepção verticalizada da ação política e de governo”, que vem de cima para baixo e implica uma orientação de caráter “gerencial”, autoritária, que pouco ajuda a que se fortaleça a vida democrática. Tal crítica é o ponto central do documento, dando sentido às sugestões que são apresentadas para as diferentes áreas da gestão municipal.

Não se trata, portanto, para o PPS, de simplesmente governar, apresentar planos e “propostas de governo”. É preciso fazer vibrar a atuação política (cívica) dos cidadãos, organizados em maior ou menos medida. Um governo democrático deve se propor sempre a organizar a cidadania, “empoderá-la”. Dadas as circunstâncias atuais, precisa se dispor a ser um governo-em-rede, aberto ao diálogo, à interação entre os atores, à participação da sociedade. Governo mais horizontal que vertical, apoiado mais na colaboração que na decisão unilateral. Um governo-dínamo, seria possível dizer: organizador da capacidade de ação da sociedade tendo em vista a cidade como construção coletiva.

É uma perspectiva nada fácil de ser assimilada ou traduzida em termos práticos, mas boa para ser incorporada como plataforma de reflexão e de atuação. O PPS, como seria de esperar, vê nela a materialização de seu esforço para qualificar o reformismo que o tipifica e para consolidar seu lugar no campo da esquerda democrática, dando vazão a uma política de caráter progressista e democrático.

Faz isso de maneira laica, sem apelos ideológicos rebarbativos ou promessas finalísticas de uma nova sociedade que nasceria de uma ruptura radical. A preocupação explícita é enfrentar em termos políticos realistas algumas questões concretas da vida urbana, de forma a publicizá-las e a convertê-las em parâmetro para a atuação cívica e as lutas que tiverem lugar nas cidades. (O Estado de S. Paulo – 28/09/2016)


Fonte: pps.org.br


Roberto Freire: Um novo Brasil irá às urnas

Com o início oficial da campanha para as eleições municipais de 2016, os brasileiros se preparam para participar de um processo que apresenta características muito peculiares, algumas delas jamais experimentadas em pleitos anteriores. As disputas que elegerão prefeitos, vice-prefeitos e vereadores em todo o país serão norteadas pelas novas regras impostas pela legislação eleitoral, entre as quais a proibição do financiamento empresarial e a redução do período de campanha de 90 para apenas 45 dias.

Ao contrário do que muitos imaginam, o novo modelo de financiamento não deve causar nenhum grande temor em relação ao aumento do caixa 2 nas campanhas. Haverá, na realidade, uma fiscalização muito mais eficiente e rigorosa sobre todos os candidatos – até mesmo por parte dos adversários –, e isso se deve à sociedade brasileira, hoje muito mais atenta e atuante, e a instituições como o Ministério Público e a Polícia Federal, que vêm funcionando plenamente no combate à corrupção. A Operação Lava Jato, que desnudou o esquema criminoso montado pelos governos lulopetistas na Petrobras e segue a todo vapor, é a maior prova disso.

Apesar de o pleito ser municipal, é evidente que as eleições de outubro também serão pautadas pela questão nacional. O Brasil vive um momento único em sua história, com intensa participação de uma cidadania mobilizada nas ruas e nas redes como nunca se viu. O processo de impeachment de Dilma Rousseff e o fim do tenebroso ciclo de poder do lulopetismo que levou o país a mergulhar em sua pior recessão econômica, além dos desdobramentos da Lava Jato, serão componentes fundamentais do debate e exercerão forte influência na decisão do eleitor.

Enquanto os partidos que compõem a base de sustentação do governo interino de Michel Temer registram um crescimento no número de candidaturas em todo o Brasil, o PT amarga uma redução de mais de 35% na quantidade de candidatos em relação ao pleito de 2012. Ainda não há dados consolidados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mas estimativas preliminares apontam que o PPS disputará as eleições municipais com 619 candidatos a prefeito, 155 a vice-prefeito e 6.233 a vereador, o que deve representar uma expansão média de 30% em comparação com os números apresentados há quatro anos. O partido crescerá especialmente em São Paulo, estado no qual deve lançar 67 postulantes à Prefeitura em pequenas, médias e grandes cidades.

Entre os nomes do PPS que disputam com chances reais em importantes municípios paulistas com mais de 100 mil eleitores, estão o deputado federal Alex Manente, candidato a prefeito em São Bernardo do Campo; a vereadora Pollyana Gama, em Taubaté; o vereador Marcelo Del Bosco, em Santos; o ex-prefeito Farid Madi, no Guarujá; Fábio Sato, em Presidente Prudente; Ricardo Benassi, em Jundiaí; Myriam Alckmin, em Pindamonhangaba; Cláudio Piteri, em Osasco; Raimundo Salles, em Santo André; Darinho, em Francisco Morato; Aurélio Alegrete, em Ferraz de Vasconcelos, entre outros. Na capital, o partido integra a candidatura de João Doria, do PSDB, e oferece aos paulistanos uma forte chapa para o Legislativo que conta, por exemplo, com as candidaturas dos ex-vereadores Soninha Francine e Cláudio Fonseca, que já exerceram excelentes mandatos na Câmara Municipal em outras legislaturas.

Nas demais capitais brasileiras, o PPS se faz muito bem representado principalmente em Vitória, no Espírito Santo, pelo prefeito e candidato à reeleição Luciano Rezende (responsável por uma administração ousada, moderna e premiada por sua eficiência); em Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, com Athayde Nery; e em São Luís, no Maranhão, com a deputada federal Eliziane Gama, líder em todas as pesquisas de intenção de voto. O crescimento do partido em todo o país, se tornando uma força política competitiva nas próximas eleições, certamente se deve à postura altiva do PPS como oposição firme, sem ódio e sem medo ao lulopetismo, tendo sido favorável ao impeachment desde o início do processo.

O Brasil que irá às urnas no dia 2 de outubro é um país bem distinto daquele que escolheu prefeitos e vereadores há quatro anos e também do que votou nas eleições presidenciais de 2014. A participação da cidadania está hoje muito mais presente, a fiscalização é maior e os candidatos precisam estar à altura da responsabilidade que este novo momento exige. A eleição deste ano será diferente de tudo o que já vivenciamos até aqui, e não só pelas novas regras eleitorais. A campanha mudou porque, afinal, o país mudou. É hora de arregaçar as mangas e trabalhar.


Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS

Fonte: pps.org.br