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Vera Magalhães: Ciro total flex

Ciro Gomes defende a expropriação dos campos de petróleo privatizados no governo Michel Temer e a reversão do regime de concessão para o de partilha, que vigia sob Dilma Rousseff. Ou não.

O pré-candidato do PDT vai rever nos primeiros dias de seu mandato, caso eleito, a reforma trabalhista, essa “excrescência” proposta por Temer e aprovada pela Câmara presidia por Rodrigo Maia. Mas isso pode mudar.

Ciro quer fazer referendo e plebiscito para votar uma reforma da Previdência que mude o atual sistema para o de capitalização. Mas isso vai depender.

Depender de quê? Da direção da aliança partidária que conseguir costurar para si.

Todas essas promessas, feitas com a assertividade que só Ciro Gomes sabe ter, não são de 1998 ou de 2002, as duas eleições anteriores em que o ex-governador do Ceará e ex-ministro foi candidato a presidente. São de 2018, repetidas pela última vez para um grande público na sabatina da CNI em Brasília, no início deste mês.

Mas Ciro está na muda. E mudo. E mudando o que disse. Disposto, inclusive, a desdizer por escrito.

Se tudo der muito certo, aquele que chegou a vislumbrar a possibilidade de ser o candidato apoiado por Lula pode, diante da frustração desse plano, ter em seu palanque o DEM de ACM Neto e Maia, o PP de Ciro Nogueira, o PRB da Igreja Universal, o Solidariedade da Força Sindical e até, quem sabe, alguma esquerda, com PCdoB e/ou PSB.

A depender de quantos e quais desses partidos estiverem no barco, alguma ou todas as propostas podem vingar ou cair.

A estratégia de Ciro emula em tudo a de Lula em 2002. Tudo mesmo: o vice dos sonhos do pedetista é Josué Gomes, filho do vice que assegurou ao petista, hoje preso, a aceitação do empresariado antes receoso. É difícil para o eleitor compreender como um grupo de partidos pode estar tanto com Ciro quanto com Geraldo Alckmin, cujos estilos e programas são como gasolina e álcool.

Ou como o próprio candidato pode transigir com a mudança de propostas que até ontem defendia com uma crença embebida em retórica inflamável. Para o Ciro de algumas semanas atrás, o Brasil tinha duas opções: seguir o que ele pregava em matéria econômica ou cair do desfiladeiro. Agora, a depender de quais partidos o seguirem, ele pode encontrar um caminho alternativo que evite o penhasco. Nasce um candidato total flex.

Aliados de Alckmin no interior ignoram tucano

Geraldo Alckmin enfrenta o isolamento no Estado que governou por quatro mandatos e no qual, há menos de dois anos, elegeu a maioria dos prefeitos. Diante de pesquisas que mostram dificuldades eleitorais inéditas para Alckmin em São Paulo, prefeitos, deputados e vereadores do PSDB tocam a vida alheios à necessidade de o aliado crescer nas pesquisas “em casa” para mostrar alguma musculatura a virtuais aliados ainda hesitantes em apoiá-lo. O PSDB tem prefeituras fortes no ABC, na Baixada Santista, na região de Ribeirão Preto, em Campinas e no Vale do Paraíba, região do próprio Alckmin. Não se vê um mísero post de prefeitos e parlamentares dessas macrorregiões em defesa do presidenciável. João Doria, que tem percorrido o Estado, tem arregimentado esses apoios que faltam a Alckmin. Aliados do candidato a governador usam mais essa discrepância para tentar convencer o ex-governador a se agarrar de vez a Doria e colar as duas campanhas.


Vera Magalhães: Todos cavando o poço

Ex-presidente dita rumo da sigla a um mês do prazo final para o registro da candidatura

O que se viu na saideira do Congresso antes do recesso prolongado de eleição foi um show de irresponsabilidade que cobrará um preço incalculável a um País que insiste em cavar dia a dia um poço ainda mais fundo para si.

Como se não houvesse um amanhã logo ali, para o futuro presidente, e ele já não trouxesse um rombo nas contas públicas que inviabiliza qualquer governo, deputados e senadores trataram de prorrogar benefícios, liberar reajustes a servidores e restabelecer benesses que haviam sido cortadas para pagar outra insensatez, a “bolsa-caminhoneiro” legada pela malfadada greve do transporte de cargas.

Mais assustador é verificar que foram cúmplices, para não dizer coautores, os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), do Senado, Eunício Oliveira (MDB), e do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia.

Diante de um presidente-zumbi, o que se tornou Michel Temer, e uma equipe econômica manietada pela falta de respaldo político do governo, contribuíram cada um no seu papel para o resultado das votações, seja por cálculo eleitoral, no caso dos dois primeiros, ou por defesa corporativa, no de Cármen – que, nesse quesito, não se mostrou diferente do antecessor, Ricardo Lewandowski.

E como reagiram os postulantes à Presidência, potenciais herdeiros dessa bomba-relógio, diante de votações no apagar das luzes do Congresso que comprometem as condições mínimas de governabilidade que terão?

Os que despontam com mais chances nas pesquisas se comportaram entre a omissão deliberada e o silêncio covarde. As únicas vozes a condenar a escalada de irresponsabilidade fiscal das votações foram as de João Amoêdo (Novo) e Paulo Rabello de Castro (PSC), ambos do bloco dos nanicos.

Jair Bolsonaro é o único dos líderes nas pesquisas que tem mandato parlamentar. Portanto, poderia estar lá não só votando a LDO – que estabelece as diretrizes para o Orçamento com o qual governará, se eleito – , mas coordenando a bancada suprapartidária de 140 deputados que diz ter consigo. Mas preferiu se ausentar para não ficar com a “marca na testa” de ter votado contra milhões de servidores, como me disse neste sábado.

Não vou mais considerar Maia, que comandou parte das votações, como pré-candidato a presidente. Ele mesmo já se despiu discretamente deste papel que desempenhou sem brilho.

E Geraldo Alckmin, postulante do PSDB, partido que no governo implementou a Lei de Responsabilidade Fiscal? Não deu um mísero pio sobre o show de populismo do Congresso. Por quê? Assim como Bolsonaro, com quem adora se comparar, por cálculo eleitoreiro raso. Não quer se indispor não só com os servidores, mas com o Centrão, cujo apoio negocia na bacia das almas.

E Ciro Gomes, que tem feito discursos incendiários sobre como o Brasil dança à beira do precipício nas contas públicas? Idem.

E Marina Silva, que não gosta quando é questionada pelo fato de se omitir nas questões polêmicas? Se omitiu.

E Henrique Meirelles, que tenta vender o peixe de que tirou o País da lama na economia? O que tinha a dizer enquanto seu sucessor na Fazenda, Eduardo Guardia, tentava alertar sobre os riscos de explosão nas contas públicas? Nada. Estava mais preocupado em equacionar uma candidatura em que Temer o ajude a se viabilizar no partido, mas não apareça em público.

Nesse aspecto, o único coerente é o PT. Mais empenhado em libertar da cadeia seu não candidato a presidente, o partido que provocou com Dilma Rousseff a maior recessão da história do País estava lá, votando alegremente junto com os adversários para alargar e aprofundar o poço em que nos enfiou.

Triste País em que, quando todos resolvem andar na mesma direção, invariavelmente é em marcha à ré.


Vera Magalhães: Hora do mata-mata

Na semana que vem, devem ser anunciadas as primeiras definições de alianças para as eleições 2018

A campanha entra na fase de mata-mata na semana que vem, quando devem ser anunciadas as primeiras definições de alianças.

O PSB deverá aprovar um indicativo de apoio a Ciro Gomes (PDT) já na segunda-feira, após uma reunião da Executiva. A aliança com o presidenciável pedetista deve prevalecer em relação às propostas de que o partido fique “solteiro” ou que feche com o PT.

O chamado “blocão” também se encaminha para um desfecho da novela sobre para onde vão DEM, PP, PRB e Solidariedade.

O maior entrave hoje para isso são os Democratas. ACM Neto e Rodrigo Maia comandam nas próximas 48 horas conversas internas e com partidos aliados para chegar a um veredicto, que pode também ser anunciado na semana que vem.

O presidente da Câmara dos Deputados é hoje o maior “cirista” da sigla. Acha que o apoio ao pedetista facilitará a vida dos candidatos do DEM em colégios importantes, como o Rio (não por acaso, o seu), Minas Gerais e Goiás.

O prefeito de Salvador, que já flertou mais fortemente com essa ideia, tem dito nos últimos dias que o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) é uma opção mais “segura” e fácil de explicar.

Se prevalecer a aliança com os tucanos, o DEM acredita que consegue arrastar junto o PRB e o Solidariedade. Resta a dúvida sobre o PP, que, a despeito de ser o mais próximo do bloco a fechar com Ciro, pode ceder aos apelos de Rodrigo Maia caso a decisão do DEM seja pró-Alckmin.

SUJEITO OCULTO
Temer aceita ficar fora da campanha de Meirelles

O martelo foi batido em reunião da cúpula do MDB no domingo: o presidente Michel Temer não dará as caras na campanha de Henrique Meirelles à Presidência. A partir desta definição, reduziu-se o risco de o partido rifar o candidato. Tanto que a convenção foi marcada para o dia 4 de agosto e o que antes seria um ato discreto está ganhando ares de festa maior. O “QG” de Meirelles ainda conta com a possibilidade de um acordo de partidos que inviabilize a candidatura própria, mas a avaliação é de que a repulsa das demais siglas a Temer acabou por selar sua candidatura.

DUTO ENTUPIDO
Lula preso dificulta transferência de votos

O afã de tirar Lula da prisão, ainda que por algumas horas, se explica pela necessidade de produzir um fato político em que ele passasse o bastão da candidatura para seu “ungido”, com direito a imagens e discurso. Por avaliações internas do PT, que batem com pesquisas qualitativas encomendadas por adversários, o impacto da nomeação do “eleito”, que deverá mesmo ser Haddad, é menor com Lula preso, mesmo com o discurso de que ele é vítima de perseguição.

COMO FAZER ‘AMIGOS’
Ao nomear Perillo, Alckmin ganhou um inimigo: Caiado

No momento em que tenta a todo custo atrair apoio do DEM, Alckmin ganhou um opositor ferrenho à ideia de que a sigla feche com ele: o senador Ronaldo Caiado. A razão é o paulista ter designado como coordenador político da campanha o ex-governador de Goiás Marconi Perillo, adversário histórico de Caiado – que, agora, defende que o partido feche com Alvaro Dias (Podemos), tese sem chance de emplacar.


Vera Magalhães: Supremo Tribunal propaga insegurança pelo Judiciário

O impasse judicial a que o País assistiu, atônito, neste domingo tem como origem o Supremo Tribunal Federal, Corte máxima do País e que deveria ser aquela a assegurar o cumprimento da Constituição e uniformizar os entendimentos para todas as demais instâncias do Judiciário.

Ao sistematicamente driblar a colegialidade em nome de decisões monocráticas ou de maiorias de ocasião nas Turmas, ao legislar no lugar do Congresso e ao mudar de entendimento ao sabor do vento político, ministros do Supremo sinalizam aos que estão sob seu guarda-chuva que vale tudo, desde que haja justificativa em alguma entrelinha de alguma lei buscada na estante de acordo com a conveniência.

Atuações como a do ministro Dias Toffoli, que, tendo sido assessor parlamentar do PT e assessor do governo Lula na Casa Civil quando o comando da pasta era de José Dirceu, não se diz impedido de não só julgá-lo como conceder a ele um habeas corpus de ofício (sem pedido prévio da defesa), animam os Rogérios Favretos a sair do armário.

Favreto não hesitou em provocar uma crise no tribunal a que pertence em nome de uma causa. Não há outra maneira de analisar a pressa que Favreto manifestou em soltar – imediatamente, abrindo mão de exame de corpo de delito – um condenado em segunda instância, cujos pedidos de liberdade foram reiteradas vezes negados pelo colegiado do mesmo tribunal.

O desembargador plantonista sabia que teria a decisão desautorizada e quis correr para consumá-la. Às favas a institucionalidade e o zelo pela sua própria condição, que lhe foi conferida por Dilma Rousseff, de magistrado.

Foi necessário que o presidente do TRF-4 interviesse para restabelecer a decisão colegiada do tribunal de segunda instância, cujo histórico no curso da Lava Jato tem sido majoritariamente de consonância com as decisões da primeira, que tem o juiz Sérgio Moro como coordenador.

Provavelmente a defesa de Lula – a jurídica e a política, que assumiu o protagonismo no imbróglio deste domingo – recorrerá a instâncias superiores para tentar soltá-lo. Mas o “efeito surpresa” buscado com a tabelinha com Favreto não será mais possível à luz do dia de uma segunda-feira.

Seria bom que, diante de uma clara crise de hierarquia no Judiciário, Cármen Lúcia usasse o que lhe resta de mandato à frente do Poder para tentar legar algum grau de racionalidade e uniformidade na interpretação das leis. Ou o Judiciário seguirá sendo protagonista de dias lamentáveis como este 8 de julho de 2018.


Vera Magalhães: Bolsonaro e Ciro

Retórica e ênfase na autoridade aproximam candidatos mais do que eles gostariam de admitir

Ciro Gomes adora apontar autoritarismo e vazio de ideias em Jair Bolsonaro – que, por sua vez, execra o pedetista por ser de esquerda e próximo ao PT. Mas a noção que ambos têm de autoridade e os caminhos de governabilidade que apontam caso sejam eleitos não são diferentes. Isso sem falar no pavio curto.

Ambos acreditam, e dizem, que são os únicos capazes de tirar o País da gravíssima crise em que se encontra. Ainda que identifiquem culpados e remédios diferentes, o instrumento que apontam para resolver o nó é o mesmo: restauração da autoridade. Negociação com o Congresso? Vai se dar nos termos que Ciro e Bolsonaro quiserem. Afinal, serão eleitos para colocar ordem na casa. Quem ousaria se opor? Partidos? Nenhum dos dois vai negociar nos termos do presidencialismo de coalizão de hoje.

Então como se dará isso? A resposta em entrevistas e sabatinas é sempre vaga, amparada em bravatas e lastreada por essa ideia torta de “quem manda” que Dilma Rousseff também tinha, até ser debulhada por Eduardo Cunha e seu Centrão. Ciro fala em fazer reformas constitucionais por meio de plebiscito ou referendo. Questionado sobre a proposta de revogar a reforma trabalhista, e vaiado por uma parcela da plateia na sabatina da CNI por conta disso, tasca: “É assim que vai ser. Ponto final”.

Bolsonaro diz ter o apoio de 100 deputados catados no varejo e cujas faces ainda são um mistério. Isso não é suficiente para se mudar nem nome de rua, mas o pré-candidato segue pregando sua cantilena moralista e belicosa, escondendo o jogo na economia e deixando para lá a questão do respaldo no Congresso. Que é fulcral. Mais: enquanto em praça pública ambos bravateiam o “eu faço e aconteço”, nos bastidores negociam segundo os velhos preceitos com partidos como PR, no caso de Bolsonaro, e PP e DEM, no de Ciro.

Como Bolsonaro, que deve parte de seu sucesso ao discurso contra a corrupção, vai explicar a presença do partido de Valdemar Costa Neto em seu palanque? Só tirá-lo da foto não vai colar.

E Ciro, que vocifera contra o impeachment e o “golpe”, como explicará, caso sele a aliança que costura, a presença de dois partidos que estiveram na gênese da deposição de Dilma e ascensão de Temer?

A lógica que permite conciliar um discurso duro para fora e negociações ao pé de ouvido nos bastidores é a mesma para ambos. E é da velha política. E a relação com o Supremo, como será? Na mesma semana, Ciro e Bolsonaro usaram a mesma frase para se referir a isso. “Cada um no seu quadrado”, disse o pré-candidato do PDT na quarta. Foi a mesmíssima frase que o postulante do PSL repetiu na sexta-feira, ao tentar explicar sua polêmica proposta de dobrar o tamanho da Corte no curso de um só mandato. Como se não houvesse separação entre os Poderes e coubesse ao Executivo delimitar quadrados que a própria Constituição faz com que sejam comunicantes.

Por fim, se chega à economia. Aqui, as diferenças programáticas e de tom são patentes, é verdade. Diante da evidência de que de fato não manja patavinas do assunto, Bolsonaro afeta uma inédita humildade para dizer que delegará tudo a Paulo Guedes. Como se sua história parlamentar e sua viseira ideológica (que o faz desdenhar da China como parceiro, por exemplo) não mostrassem com clareza que essa carta branca será revogada tão logo ele se sente na cadeira.

Ciro, ao contrário, propaga que tudo sabe sobre economia. E acena com expropriação de áreas de petróleo, controle de câmbio e de juros e indução do crescimento por meio de crédito público. De novo, nos dois casos, a receita não é boa. Seja porque o postulante não sabe o que diz, no caso de Bolsonaro, seja porque o que diz já deu errado num passado bem recente, no de Ciro.


Vera Magalhães: A esquerda e a corrupção

Um dos grandes fatores a unir a esquerda, capitaneada pelo PT, à classe média urbana e permitir a ascensão de líderes como Lula, José Genoino, Aloizio Mercadante e José Dirceu era o discurso impiedoso de combate à corrupção.

À sombra desses caciques, assessores parlamentares do PT, como foi um dia o jovem José Antonio Dias Toffoli – que começou sua carreira no petismo na CUT, passou pela Assembleia Legislativa de São Paulo, pela Câmara e chegou ao Planalto com a eleição de Lula –, eram fontes disputadas pela imprensa pelo que levantavam de irregularidades em governos aos quais o partido fazia oposição.

Treze anos de governo de dois presidentes do PT, um impeachment, mensalão e petrolão depois, o que se vê é a esquerda brasileira chegar às urnas tendo abdicado sem titubear à discussão sobre combate à impunidade, reforço nas leis de combate à corrupção – muitas aprovadas no governo Lula – e compromisso com a transparência na gestão pública.

Atados irremediavelmente à “narrativa” de que Lula e o partido são vítimas de perseguição da Justiça, da Polícia Federal, do Ministério Público, do Congresso e sabe-se lá de quantas outras instituições, os petistas renunciaram, até, a louvar decisões que atingem adversários, como Eduardo Azeredo, ex-grão-tucano condenado e preso como Lula, ou Eduardo Cunha, algoz de Dilma Rousseff e sem nenhuma perspectiva de soltura.

Fazê-lo significaria reconhecer que há uma nova perspectiva, que nasce da PF, do MPF e das instâncias iniciais do Judiciário, de utilizar os mecanismos disponíveis nas leis e nos códigos para garantir que crimes do colarinho-branco (de quaisquer partidos) sejam efetivamente pagos e seus praticantes, punidos.

A esperança dos partidos que antes empunhavam a bandeira da ética nos palanques e nos programas do horário eleitoral é que seu líder máximo conte com uma ajuda na undécima hora de ministros de uma Corte cindida, como é hoje o STF, para poder concorrer à Presidência da República. Mas Lula foi condenado em duas instâncias, e o STF não pode rever a condenação, apenas mexer eventualmente na pena ou no regime de cumprimento. Os petistas não se importam.

Outras condenações podem vir em vários processos a que Lula responde. Perseguição, repetem. Mas a Lei da Ficha Limpa fala em condenação por colegiado – o que Lula já tem – e não em condenação final. Golpe, só para tirar Lula do pleito.

Divorciada da própria história, a esquerda abre mão de dialogar com o conjunto da sociedade, que elegeu a corrupção como assunto central em 2018. Trata-se de uma decisão que cobrará um preço maior que a pena deste ou daquele companheiro.

SEM ANIMAÇÃO
Partidos vão a Alckmin em clima de ceticismo

Como num daqueles noivados arranjados pelas famílias em tempos passados, o blocão DEM-PP-PRB-SD e Geraldo Alckmin vão se empertigar nesta quarta-feira para um encontro para o qual ninguém se empolga. Líderes desses partidos dizem que a conversa é a “última chance” de se chegar a uma aliança, mas repetem reparos ao “noivo”, amparados nos índices estacionários de Alckmin nas pesquisas e nas perspectivas nada auspiciosas que viram em levantamentos qualitativos que encomendaram.

Pelo lado do tucano, nem os aliados mais convictos esperam que Alckmin acene com perspectivas concretas já. Todos acreditam que a decisão final virá lá na frente, pela lógica histórica que tem feito do PSDB o estuário desses partidos interessados em estar em qualquer governo. Pode ser uma aposta conservadora demais: diante de uma eleição imprevisível, os partidos ameaçam romper com as convenções do casamento de conveniência para flertar com candidatos menos ortodoxos.


Vera Magalhães: 'Tinindo nos cascos'

A visível hostilidade com que Lewandowski e companhia trataram Fachin mostra que a trinca da Segundona estava disposta a estender o puxadinho para Dirceu ao ex-presidente Lula

No dia 28 de agosto de 2007, flagrei um desabafo telefônico do ministro Ricardo Lewandowski, do STF, com seu irmão, Marcelo. Jantando num restaurante em Brasília, ele dizia ao interlocutor, pelo celular, que o Supremo havia recebido a denúncia do mensalão, naquele dia, porque votara “com a faca no pescoço” graças à pressão da imprensa. Antes de jornais revelarem o teor de conversas dos ministros combinando votos pelo sistema interno de mensagens da corte, a tendência, dizia Lewandowski, era “amaciar para o Dirceu”. Ele mesmo, disse ao irmão, estava “tinindo nos cascos” para não abrir a ação penal contra o ex-ministro petista.

Passados 11 anos, e duas condenações de Dirceu depois, o que se viu foi um Lewandowski de novo “tinindo nos cascos” na Segunda Turma da Corte, acompanhado de Dias Toffoli e de Gilmar Mendes – que, à época do mensalão, não formava com a dupla na maioria dos votos.

O que o trio fez não tem nada a ver com garantismo constitucional. Foi uma baciada de puxadinhos do qual o exótico habeas corpus de ofício – ou seja, sem pedido da defesa – para Dirceu à revelia de um pedido de vista foi a cereja do bolo.

A visível hostilidade com que Lewandowski e companhia trataram Fachin, que na véspera remetera para apreciação do Ministério Público Federal, e de lá ao plenário, recurso de Lula, mostra que a trinca da Segundona estava disposta a estender o puxadinho ao ex-presidente. Isso a despeito da fragilidade jurídica de pedir a soltura do petista depois de o provimento do recurso extraordinário ter sido negado pelo TRF-4.

De que garantismo se pode falar diante de uma clara tentativa de driblar a vontade do plenário, manifestada por 6 a 5 quando da análise do HC de Lula em abril, e a jurisprudência da Corte a favor da execução provisória da pena a partir da condenação em segunda instância, fixada desde 2016 e reiterada sucessivas vezes?

Também se trata de manobra a decisão de Fachin, isolado na Turma, mandar ao plenário o caso de Lula – o que Lewandowski chamou de “usurpação de poderes” do colegiado.

O que o Supremo tem de fazer urgentemente, sob pena de continuar a encenar esse espetáculo triste de desmoralização diária, é unificar os entendimentos e os procedimentos. O saldão de recesso da Segundona mostra que é urgente que os ministros deem um passo atrás no ativismo, de todos os lados.

DISCURSO X PRÁTICA
Bolsonaro abre flancos para os adversários

Jair Bolsonaro vem resistindo às investidas dos adversários e mostrando resiliência nos índices de intenção de votos. Dois movimentos recentes do deputado do PSL, no entanto, abrem flancos pelos quais ele pode ser alvejado. Um deles foi dizer em discurso gravado que irá a “todos os debates televisivos”. Basta não ir a um para Bolsonaro ser desmentido da bravata pelos rivais. O outro foi o pedido de casamento ao PR. Recentemente, em entrevista à rádio Jovem Pan, Bolsonaro disse que faria uma aliança com o PR do senador Magno Malta, não com o do mensaleiro Valdemar Costa Neto. Falácia. O PR é uma repartição com um dono: Valdemar. Qualquer acordo que faça de Malta vice de Bolsonaro passará pelo carimbo do cacique. Isso põe em xeque o discurso de Bolsonaro de que não transige com a corrupção. Mostra um candidato disposto a negociar com siglas envolvidas em escândalos, em nome de tempo de TV e estrutura de campanha. Mais velha política impossível.


Vera Magalhães: PT preso a Lula

Partido que venceu últimas quatro eleições não consegue apresentar uma ideia para o País

Pouco antes de ser preso, numa das cenas da narrativa épica em que tentou transformar o que, na verdade, era uma derrota sem precedentes, Lula cunhou a frase segundo a qual não era mais uma pessoa, mas uma ideia. Passados mais de dois meses de sua prisão, não houve comoção nacional, minguou a vigília, as tentativas de levar a sua soltura fracassam uma a uma e o PT, seu partido, segue preso à pessoa de Lula, sem uma única ideia a apresentar ao País.

Os debates presidenciais já começaram, a despeito do calendário eleitoral oficial ter sido propositalmente empurrado para a frente. Pré-candidatos reais e figurativos se revezam em encontros com associações, entrevistas e sabatinas de imprensa e ocupam as redes sociais com estratégias políticas e esboços de propostas.

Instados por jornais, portais, rádio e emissoras, expõem aos eleitores ainda muito céticos suas propostas para temas cruciais para o Brasil, como reforma da Previdência, reforma tributária, educação, segurança pública e ajuste fiscal.

O PT, por vontade própria, insiste em se ausentar deste debate. O partido que venceu as quatro últimas eleições presidenciais no País não consegue formular um programa com o qual se apresentar de novo ao eleitor depois do impeachment de Dilma Rousseff e da prisão de seu maior líder.

Insiste ad infinitum na tese segundo a qual foi vítima de um golpe envolvendo o Supremo Tribunal Federal, as duas Casas do Congresso, quase todos os partidos, a imprensa, as demais instâncias do Judiciário, o Ministério Público Federal, a Polícia Federal e quantas mais instituições houver. Haja perseguição!

Os principais parlamentares petistas se abstêm de exercer seus mandatos, debater os projetos em pauta e os grandes temas nacionais. Se revezam na tribuna, nas visitas à carceragem de Curitiba e nas redes sociais com a mesma cantilena de #LulaLivre, sem perceber que esse discurso está restrito cada vez mais aos já convertidos e não terá o condão de dar ao partido um plano de futuro.

Diretamente do cárcere, Lula insiste em se fazer onipresente, não hesitando em atar o destino do partido que fundou ao seu próprio. Segura o quanto pode uma escolha que, dia após dia, se mostra irrefutável. O PT terá de escolher outro candidato, pois a candidatura de Lula será barrada pela Lei da Ficha Limpa, que ele próprio sancionou quando era presidente.

Escolher entre Fernando Haddad e Jaques Wagner implica definir por estratégias, estilos e discursos diferentes. As alianças possíveis a partir da nomeação de um ou de outro são distintas, pela característica de cada um.

Alheio a isso, o partido segue como um assistente da defesa do ex-presidente, atando seu destino aos sucessivos e malsucedidos recursos para tentar tirá-lo da prisão.

A absolvição de Gleisi Hoffmann na semana que passou deu ao partido um alento de que a mesma Segunda Turma relaxaria a prisão de Lula. Mas ele durou só até sexta, quando duas notícias acabaram com a euforia petista: no mesmo dia, o TRF-4 negou a admissão de recurso extraordinário da defesa ao STF (o que fez o ministro Edson Fachin retirar um pedido da defesa da pauta de terça) e homologou a delação de Antonio Palocci.

Essas decisões mostram que, a despeito da tentativa petista de negar o que amplas e fartas investigações já comprovaram – a existência do petrolão em toda a sua gravidade, com o concurso de Lula e de outras estrelas petistas, em consórcio com o MDB e demais partidos aliados –, a Justiça seguirá seu caminho.

Resta ao partido optar entre acertar contas com esse passado recentíssimo – que legou ao País recessão e um escândalo de corrupção sem precedentes – e tentar engendrar algum futuro ou seguir preso a Lula. A opção, até aqui, parece ser a segunda


Vera Magalhães: Temer, ônus e bônus

Tucanos (e também democratas, virtuais apoiadores de Alckmin) se dividem sobre a conveniência de uma aliança com o emedebista

A mais controversa questão hoje no quartel-general de Geraldo Alckmin é se vale a pena ou não ter o apoio formal do MDB ao tucano. O partido de Michel Temer, por sua vez, quer evitar rifar seu pré-candidato antes da hora para ficar “na esquina esperando” por uma conversa com os tucanos em situação inferior, em vez de fazer valer sua condição de um dos maiores partidos do País.

Foi por isso que o presidente do partido, senador Romero Jucá (RR), se apressou em colocar a bola no chão, dizer que não tem nenhuma conversa marcada com Marconi Perillo e referendar a pré-candidatura de Henrique Meirelles. “Junho é o primeiro tempo da partida. O segundo tempo é julho. O jogo só termina depois do segundo tempo. Até lá, todos os partidos têm de procurar ganhar”, diz ele à coluna, aproveitando o espírito de Copa.

Tucanos (e também democratas, virtuais apoiadores de Alckmin) se dividem sobre a conveniência de uma aliança com Temer. Quem advoga por ela elenca a capilaridade do partido no Brasil, seu tempo de TV e a força de máquinas de prefeituras e governos como prós capazes de superar o desgaste da impopularidade de Temer. Quem rechaça essa aliança diz que a toxicidade do presidente é tal que nem essa estrutura compensaria o estrago que ele é capaz de causar.

Diante do desconforto com essa espécie de leilão às avessas de seus preciosos ativos, o MDB recolheu os flaps e vai deixar Meirelles seguir com o script de pré-candidato. “Conversa agora é para pavimentar uma relação lá para a frente, não pode ser vista como a busca de capitulação”, diz Jucá, que agora vai recolher o time para a retranca.

EM CASA
Falta de ênfase na segurança prejudica Alckmin em SP

Tucanos que percorrem o interior de São Paulo em pré-campanha detectaram uma das razões para a falta de votos de Geraldo Alckmin “em casa”: a falta de ênfase na área de segurança pública, um dos principais problemas para os paulistas. O diagnóstico é que, a despeito de seu governo ter sido bem-sucedido em alguns indicadores de segurança, Alckmin não consegue capitalizá-los nem apresentar propostas para a onda de criminalidade que abate as áreas urbanas e rurais de todas as regiões do Estado.

REPRISE
‘Pavio curto’ de Ciro assusta potenciais aliados

Episódios como o ataque ao vereador Fernando Holiday e a retirada intempestiva em meio ao Congresso dos Municípios Mineiros, ontem, levaram virtuais apoiadores de Ciro Gomes a manifestar preocupação com o pavio curto do pedetista, um traço de personalidade conhecido que ele vinha procurando mitigar nesta terceira tentativa de chegar à Presidência. “Ele demonstrou ser o mesmo Ciro de sempre, que cai em qualquer casca de banana”, observou um dirigente do DEM que participa das conversas de bastidores para uma eventual aliança com o cearense. No PSB também repercutiram mal os episódios de novos destemperos emocionais de Ciro. A ala favorável a uma aliança com ele diz que a instabilidade emocional é um dos fatores evocados por aqueles sensíveis à pressão do PT para que partido pelo menos fique neutro na disputa. Bombeiros como o irmão de Ciro, Cid Gomes, entraram em campo para tentar mitigar o efeito do “Ciro Pistola” nas tratativas.


Vera Magalhães: PSB mais perto de Ciro

O PSB está mais propenso a selar uma aliança com o PDT de Ciro Gomes que a ficar “solteiro" nas eleições nacionais, como agora defende a ala do partido mais próxima ao PT.

A costura feita por Ciro foi eficaz para incutir uma dose de autoestima no PSB, que ficara perdido diante do recuo de Joaquim Barbosa, aquele que foi sem nunca ter sido o presidenciável do partido.

Ciro convenceu parte da cúpula socialista de que o partido terá espaço de destaque caso ele se eleja. Assim “empoderados”, caciques pessebistas já dizem que sua sigla dará estatura política a Ciro, por ter mais governos de Estado que o PDT, por exemplo.

O PT, que começou falando grosso e exigindo um cheque em branco de aliança com o candidato que vai substituir Lula na cédula para retirar a candidatura de Marília Arraes em Pernambuco, já admite fazer um desconto caso o PSB apenas fique neutro na eleição nacional.

São essas hoje as únicas opções à mesa, e a decisão não deverá ficar só para a undécima hora. O PSB deve reunir a Executiva para bater o martelo ainda neste mês.

Os pessebistas sabem que, no momento em que Ciro, Geraldo Alckmin e o PT travam uma corrida de bastidores para consolidar alianças e reduzir a pulverização, os primeiros apoios contam mais e garantem aos aderentes boas condições de negociação. Inclusive a vaga de vice, pela qual os socialistas não escondem o interesse e que pode mesmo ir para Márcio Lacerda.

As declarações tanto de Ciro quanto de seu irmão, Cid, sobre a prioridade dada ao antigo partido de ambos faz parte desse “namoro" que pode mesmo acabar em casamento.

ATÉ A COPA?
Desistências podem vir antes do Mundial

O fôlego de algumas candidaturas de si mesmas parece estar se esvaindo. Guilherme Afif, que insiste em dizer que é pré-candidato embora seu partido, o PSD, não o reconheça como tal, deve ser chamado à realidade. O PRB de Flávio Rocha faz conversas abertas com o PSDB e o Podemos. Rodrigo Maia já não esconde que cansou de interpretar o pré-candidato e que quer ir cuidar de sua reeleição ao mandato e à presidência da Câmara. O MDB já não esconde o desejo de desistir de Henrique Meirelles. E o PCdoB só espera o nome do PT para decidir se vai com ele ou com Ciro Gomes. Os desfechos podem vir antes mesmo da Copa.

ISOLANDO TEMER
Potenciais apoiadores de Alckmin não querem MDB

Um dos empecilhos para que Geraldo Alckmin obtenha logo os apoios de que precisa é a súbita tentativa de aproximação do time de Michel Temer. Diante da constatação de que um candidato “puro-sangue” do governo tem pouquíssimas chances, soldados como Carlos Marun e Moreira Franco já tentam descolar uma cabine no navio de Alckmin. Isso pode afugentar outros passageiros em potencial, como DEM, PP e PRB, que veem no contágio com Temer uma peste capaz de inviabilizar de vez um presidenciável pelo qual já não têm muito entusiasmo.

VEM, PETISTA
Tucanos sonham com definição nome do PT

Já no PSDB a torcida é para que o PT defina logo o nome do substituto de Lula. A análise dos tucanos é que esse candidato, quando oficialmente indicado, vai desidratar os índices de Ciro Gomes e Marina Silva nas pesquisas, igualando as condições entre eles e Geraldo Alckmin e aliviando um pouco a pressão para que o tucano cresça.


Vera Magalhães: Ensaio sobre a cegueira

Ódio ao governo Temer uniu esquerda e direita no apoio cego a um movimento chantagista

As cenas vividas no Brasil de 2018, com desabastecimento de combustíveis e toda sorte de produtos, filas em postos de gasolina, estradas paradas por caminhoneiros e pessoas indo aos supermercados para estocar víveres cada vez mais caros e a concessão do governo na forma de lautos subsídios lembra em tudo crises anteriores do Brasil, da superinflação de José Sarney à greve dos caminhoneiros do governo FHC.

A escalada de um movimento que começa como uma reivindicação setorial e se alastra por outras categorias, pegando de surpresa governos, imprensa e analistas também leva a um paralelo com junho de 2013.

Mas a soma de tudo isso, a reação entre incompetente e covarde de governantes e candidatos e um apoio histérico da esquerda e da direita radicais a um movimento que parou o País me remetem ao magistral romance Ensaio sobre a Cegueira, do Nobel de Literatura português José Saramago.

O livro narra o avanço da chamada “epidemia branca”, que começa no dia em que um único homem é acometido de uma cegueira que o faz deixar de enxergar. O mal aos poucos se alastra para praticamente toda a população, gerando a perda paulatina da humanidade e da civilidade.

No Brasil de 2018, a cegueira branca que levou esquerda e direita radicais a apoiarem um movimento baseado na chantagem com o conjunto da sociedade é o ódio ao governo zumbi de Temer.

Como na escalada da irracionalidade construída por Saramago à medida que avançava o desespero dos cegos com sua nova condição, pessoas que estão sendo coagidas por grevistas movidos por interesses sectários defendem a greve como se fosse uma reação à corrupção, aos privilégios dos políticos, aos altos salários do Judiciário e aos impostos abusivos.

Como se dá, na cabeça das pessoas, a relação entre o combate a esses problemas (reais) e concessões a uma só categoria que custarão pelo menos R$ 13 bilhões aos cofres públicos é algo que nem o engenho narrativo de um Saramago seria capaz de explicar.

Jair Bolsonaro se pôs a fazer matemática: se o petróleo é quase todo produzido aqui, por que o Brasil segue o preço internacional? O PT se pôs a saudar a mandioca passadista: nos tempos de Dilma é que era bom, pois a Petrobrás controlava preços. São dois lados da mesma moeda que num passado recentíssimo levou o País à bancarrota: o populismo.

Os cegos de ódio por Temer saem repetindo que os impostos sobre os combustíveis são escorchantes. E são. Mas o governo não vai reduzir a carga tributária por decreto. Diante da situação fiscal do País, o que for retirado do diesel será compensado: se não for por aumento de impostos em outra área, pelo corte de gastos em investimentos ou programas sociais ou rolagem da dívida (que leva a alta de juros).

Mudar essa situação não passa pelo apoio instrumentalizado a uma greve ilegal e injusta. Mas sim pelo voto em uma proposta consistente em outubro. Que inclua reformas estruturais nos impostos, nos gastos públicos (e, portanto, na Previdência), nos altos salários do funcionalismo e na relação com empresas públicas e de economia mista, como a Petrobrás. Nada disso é pauta dos que pararam o País. O mais assustador é que quem bateu palmas para eles e para os imensos prejuízos que causaram parece longe de se recuperar da cegueira.

No livro de Saramago ela passa, mas dá lugar ao desalento. Reproduzo o diálogo final entre a mulher do médico e o marido (tomo a liberdade de mexer na pontuação característica de Saramago para facilitar o entendimento, algo difícil ultimamente): “Por que foi que cegamos? Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão. Queres que te diga o que penso? Diz. Penso que não cegamos, penso que estamos cegos. Cegos que veem. Cegos que, vendo, não veem”