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Francisco Góes: O Brasil e o imposto sobre os combustíveis

Greve dos petroleiros é o motivo mais recente de preocupação na área de energia no país

A greve dos petroleiros chegou ontem ao 17º dia com novas adesões. No começo da noite, porém, o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra da Silva Martins Filho, declarou a greve ilegal. Uma vez conhecido o despacho, os sindicalistas se reuniram para avaliar os rumos do movimento, sem decisão até a conclusão desta edição. Pela manhã, o diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, reiterou que não havia impactos na produção e no abastecimento.

Ele descartou que a continuidade da greve possa levar ao aumento dos preços dos derivados. Afirmou que em uma eventual hipótese de redução da oferta nacional, o que não está previsto, e do aumento da importação os preços nas refinarias da Petrobras seguiriam a paridade com o mercado internacional e a variação do câmbio, como acontece hoje, e concluiu: “Não há expectativa de qualquer impacto em preço”. Na semana passada, em ofício ao TST, Oddone havia alertado para o risco de a greve levar ao desabastecimento caso perdurasse por mais tempo.

A greve dos petroleiros tornou-se motivo de preocupação da ANP, que regula o setor de combustíveis no país, sujeito, desde o começo do ano, a alguns solavancos. Nos primeiros dias de janeiro, a crise entre Estados Unidos e Irã, motivada pela morte do general Qasem Soleimani, provocou incertezas sobre possível disparada nos preços do petróleo. Depois, o mundo tomou conhecimento da epidemia de coronavírus na China e os preços da commodity recuaram. Nesse período, a Petrobras fez quatro reajustes nas refinarias, mas a queda nos preços não chegou até as bombas dos postos.

No começo de fevereiro, o presidente Jair Bolsonaro estrilou: “Estou aqui fazendo papel de otário. Quando é que vai baixar na bomba para o consumidor?.” Ele desafiou os governadores a zerar o ICMS sobre os combustíveis dizendo que faria o mesmo com os tributos federais. Houve reação negativa dos governadores, uma vez que o ICMS sobre os combustíveis é a principal fonte de receita de muitos Estados às voltas com a crise fiscal (no Rio, representa 12,7% da arrecadação).

Embora tenha errado na forma sugerindo algo impossível de se fazer (zerar os tributos), Bolsonaro acertou ao levantar um tema importante: o peso dos impostos sobre o preço dos combustíveis. Coube ao ministro Paulo Guedes acrescentar, dias depois, que a questão será tratada na reforma tributária. Oddone costuma dizer que os preços dos combustíveis são formados por três variáveis: a commodity, a margem de distribuição e de revenda, incluindo custos logísticos, e os impostos (ver tabela). A Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom) inclui um quarto elemento: a adição de etanol e de biodiesel à gasolina e ao diesel, respectivamente.

Oddone disse que a solução para o problema dos combustíveis no Brasil passa por ter competição na commodity e na distribuição e por enfrentar a questão tributária com “inteligência”. Na commodity, a Petrobras passou a seguir os preços internacionais. A petroleira usa dados da GlobalPetrolPrices para demonstrar que os preços da gasolina e do diesel no Brasil estão abaixo da média mundial. No diesel, entre 163 países pesquisados, o Brasil ocupa a 58ª posição (105 países possuem preços mais elevados). Na gasolina, o Brasil está na 80ª posição (outros 83 países têm preços mais altos).

Na distribuição, Oddone defende o fim de restrições, como a proibição da venda direta de combustível da refinaria para os postos. Essa proibição não faz sentido pois os volumes de venda direta não seriam relevantes, disse. A proposta enfrenta resistência das distribuidoras. Para o consultor Adriano Pires, a venda direta de combustível causaria insegurança no abastecimento, provocaria perda de qualidade do produto e estimularia a sonegação. “Defendo uma maior competição na distribuição de combustíveis”, rebateu Oddone.

Tanto ele como importadores e distribuidores estão de acordo em um ponto: seria melhor que o ICMS fosse cobrado na forma de um valor fixo em reais por litro, em vez de um percentual sobre o preço do produto na bomba, como é hoje. Essa fórmula garantiria estabilidade na arrecadação e não seria fator de volatilidade no preço final, disse Oddone. Outro problema, afirmou, está na diferença do ICMS cobrado pelos Estados, o que seria “convite” à sonegação.

O secretário da Fazenda do Rio, Luiz Claudio Rodrigues de Carvalho, disse que não há possibilidade de o Brasil ter alíquota única de ICMS porque cada Estado tem uma realidade. Ele mostrou-se cético sobre eventual mudança na sistemática de cálculo do imposto. Lembrou que na crise do Irã, em janeiro, o Rio manteve inalterada a base de cálculo sobre os combustíveis e, mesmo assim, o preço subiu na bomba. “O fato de a refinaria reduzir seu preço de venda para a distribuidora não significa que o preço vai cair na bomba porque os elos intermediários podem se apropriar da margem.” Para ele, a tributação sobre os combustíveis tem que ser tratada na reforma tributária como um todo, e não separadamente. Adriano Pires acredita que o governo seria favorável, na reforma, à redução de impostos sobre a gasolina e o diesel. Para ele, porém, o imposto sobre o combustível não pode seguir o padrão europeu, mais alto como forma de atender exigências ambientais, nem a tributação dos Estados Unidos, mais baixa do que a praticada no Brasil. “Para onde queremos ir? É uma opção de país”, questiona.

*Francisco Góes é chefe da redação no Rio.