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Marcus Pestana: Sobre ferro e lágrimas

Que ferro seja sinônimo de Minas, emprego, renda e desenvolvimento sustentável. E não de lágrimas, como disse o poeta

Mais uma tragédia se abateu sobre Minas. Não há palavras que consolem as famílias dos mortos e dos que tudo perderam. A linda região dos distritos de Brumadinho se travestiu em verdadeiro mar de lama. Nosso poeta maior tantas vezes descreveu a alma mineira impregnada de ferro: “Minas não é palavra montanhosa. É palavra abissal... As montanhas escondem o que é Minas. No alto mais celeste, subterrânea, é galeria vertical varando ferro para chegar ninguém sabe onde...”. Minas, o único Estado que carrega a vocação minerária no próprio nome, marca inconfundível de nossa história desde o ouro de Vila Rica e os garimpos de Diamantina.

Nestes dias, após a nova tragédia ocorrida em terras mineiras, outro poema drummondiano, publicado no “Cometa Itabirano” em 1984, viralizou nas redes sociais: “O Rio? É doce. A Vale? Amarga. Aí, antes fosse mais leve a carga... Quantas toneladas exportamos de ferro? Quantas lágrimas disfarçamos sem berro?”.

As contradições entre crescimento e proteção ao meio ambiente numa perspectiva de desenvolvimento sustentável não é assunto novo. Mas a atitude predatória em relação à natureza não era tema central na agenda do mundo moderno. Nem à direita, nem à esquerda. A Guerra Fria, liderada por Estados Unidos e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), focava o crescimento econômico numa perspectiva comum, produtivista.

Aconteceu em 1972, em Estocolmo, a 1ª Conferência Mundial sobre Meio Ambiente. Em 1992, tivemos a RIO–92, a Conferência da ONU sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. A questão ambiental ganhou espaço, inundando a agenda de governos, empresas e organizações da sociedade civil.

Como secretário executivo do Ministério do Meio Ambiente, em 2002, aprendi muito com o ministro José Carlos Carvalho e sua equipe e presenciei o esforço para a modernização da legislação e do processo de licenciamento ambiental. Como relator da medida provisória que alterava a cobrança da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), aumentei a alíquota de 2% para 3,5% e alterei a base de cálculo da receita líquida para a receita bruta. Não só aumentei e muito os recursos para municípios e Estados mineradores e impactados financiarem seu desenvolvimento sustentável, como destinei 7% para a nova Agência Brasileira de Mineração, 2,8% para a pesquisa científica e tecnológica no setor e 0,2% para o Ibama, o que é suficiente para financiar o segmento de controle e licenciamento ambiental do órgão.

A estrutura herdada do antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) é ridícula. É bom que aqueles que defendem o “Estado mínimo” aprendam com a vida sobre a necessidade de um Estado forte e ágil, ainda que enxuto e eficiente, para regular com sabedoria as lacunas deixadas pelo mercado. Em Minas, por exemplo, para 220 barragens e 140 mil processos, temos apenas 35 técnicos, dos quais quatro para fiscalização de barragens, quatro caminhonetes e dois veículos pequenos velhos. Só diante de desastres ambientais, como os de Mariana e Brumadinho, é que a sociedade e os governos acordam e choram o leite derramado.

Esperamos todos uma rigorosa apuração, a implacável punição dos culpados e a correção de rumos para o futuro.

Esperamos que a trágica e dramática experiência de Brumadinho seja um degrau de aprendizado para que ferro seja sinônimo de Minas, emprego, renda e desenvolvimento sustentável. E não de lágrimas, como disse o poeta.


Cora Rónai: A lama, o ódio, a responsabilidade

Um país que faz a gente se confrontar com um sentimento tão violento precisa parar e repensar, a sério, as suas prioridades

Como é morrer soterrada na lama? Eu já levei muitos caldos na praia, já tive o lombo arranhado pela areia do fundo, perdi noção se subia ou descia, engoli tanta água salgada que a garganta e o nariz ficaram ardendo dias — não cheguei a me afogar mas quase, e não preciso fazer um grande esforço de imaginação para entender como é morrer no mar.

Qualquer um que já caiu numa piscina ou que teve banheira em casa quando era criança e tentou ver quanto tempo ficava sem respirar tem pelo menos uma vaga ideia de como é morrer afogado na água.

Mas como é morrer afogada na lama?

Como é ser arrastada por aquela massa? Como é sentir o impacto, perder o pé, engolir aquela porcaria toda? Como é tentar lutar por ar naquela escuridão gosmenta?

Tento imaginar mas desisto logo, abalada pelo horror. Subo para a superfície do pensamento, respiro e tenho vontade de gritar, de sair para a rua quebrando tudo, de me esconder debaixo da cama e de comprar a primeira passagem para qualquer outro canto, tudo junto, ao mesmo tempo.

Penso em Brumadinho, nas vítimas de Brumadinho, em toda a natureza perdida de Brumadinho, e sinto um ódio tão grande e tão poderoso quanto a lama.

Um país que faz a gente se confrontar com um sentimento tão violento precisa parar e repensar, a sério, as suas prioridades; uma empresa que traz esse sentimento à tona precisa parar, ponto.

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A diretoria da Vale tinha que ser responsabilizada pelos crimes que cometeu. Desde Mariana, desde Bento Rodrigues, desde Paracatu de Baixo. Desde as vidas que foram perdidas ali, desde o Rio Doce assassinado. Enquanto a punição for apenas financeira, nada vai mudar — afinal, quem paga, quando paga, é “a empresa”, essa vaga coisa montada com tantos vícios.

Até agora, as multas do Ibama aplicadas à Samarco ainda não foram pagas; até agora, os atingidos de Mariana aguardam reparação.

Diretores vão para a televisão, manifestam surpresa, pedem desculpas, choram lágrimas de crocodilo... e continuam intocáveis e intocados nas suas vidas bem acolchoadas, homens virtuosos que, afinal, não fizeram nada.

Quando não vão eles, vão os seus advogados, para negar qualquer responsabilidade.

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O governo falhou na fiscalização, falhou na legislação, falhou em tudo o que precisava ter feito mas não fez, tudo o que precisava ter feito mas não faz, desde que existe governo neste país. A canalha é federal, estadual e municipal. Se isso não bastasse, ainda precisamos aguentar o cinismo de autoridades e ex-autoridades que tentam usar politicamente a tragédia pela qual são corresponsáveis.

Mas é fácil apontar o dedo para as falhas do governo, e dizer que a Vale, afinal, agia dentro da lei. A Vale fez as leis; a Vale comprou as leis.

Empresas, como pessoas, precisam ter valores. Uma pessoa decente não é decente apenas por medo de ir para a cadeia; uma empresa decente não pode ser decente apenas no limite da lei — que ela molda e retorce de acordo com as suas conveniências.


El País: A tensa contagem regressiva das cidades à espera da lama da Vale

Expectativa é que a água turva pelos rejeitos chegue à última fronteira para o rio São Francisco após 10 de fevereiro. Chuva pode mudar cálculos. “O cenário é menos para o rio, mas, em termos de biodiversidade, as perdas são incalculáveis”

Quando a barragem da mineradora Vale estourou na sexta-feira, a cidade de Juatuba, às margens do rio Paraopeba, entrou em estado de alerta. Localizada a apenas 36 km de Brumadinho, o município fez o melhor que pode para se preparar para a chegada da pluma, a forma palatável com que algumas autoridades e técnicos chamam a lama de rejeitos e água que avança sobre o rio. “Orientamos as pessoas para retirarem barcos da água e destinamos uma escola para receber ribeirinhos, caso tivéssemos elevação do rio”, afirmou Wagner Majesty, secretário de Governo e do Meio Ambiente da cidade.

A concessionária Águas de Pará de Minas divulgou que já no domingo, 27, foram identificadas alterações nos padrões de qualidade da água bruta do Paraopeba em Juatuba. A lama chegou mudando a turbidez da água, mas os peixes, por enquanto, continuam por lá. “Não vimos em nossa região mortandade de peixes, os que encontramos mortos vieram de Brumadinho”, afirma um tanto aliviado o secretário. Majesty afirma que as primeiras análises feitas mostram que imediatamente após a passagem da lama o nível de turbidez da água subiu de uma média de 80 e 90 NTU (unidade nefelométrica de turbidez, quanto maior, maior turbidez) para 130 NTU. “Após o desastre em Mariana, por exemplo, a turbidez do rio Doce chegou a 5.000 NTU, o que mostra que nossa situação não é alarmante”, explica.

De acordo com o Serviço Geológico do Brasil, a turbidez acima de 2.500 NTU dificulta o tratamento em estações de tratamento de água convencionais. “Estamos monitorando. Sabemos que diminuiu o nível de oxigênio da água caiu, mas ainda não sabemos o nível de metais pesados”, afirma. Apesar de Juatuba não depender do Paraopeba para o abastecimento de água potável, outras atividades estão sendo sendo comprometidas. A cidade orientou que a água do rio não seja utilizada para consumo nem irrigação. “É um efeito cascata. O problema da irrigação afeta principalmente a agricultura familiar, que são os principais fornecedores de alimento para a merenda escolar”, diz.

A tensa contagem regressiva das cidades à espera da lama da Vale

Com 22 mil habitantes, Juatuba está fazendo um cadastro dos pescadores que vivem do rio Paraopeba para poder calcular o impacto ambiental e econômico e cobrar da Vale. A mineradora informou que está instalando membranas e cortinas de contenção de rejeitos próximo à cidade de Pará de Minas, que fica à frente de Juatuba no curso do rio. “A lama está avançando muito lentamente dentro da calha do rio. Ela está a cerca de 40 km de Pará de Minas. Existe a expectativa de que em 48 horas a lama chegue à cidade, mas essas cortinas são de instalação muito rápida e nossa expectativa é que elas serão suficientes para conter esse rejeito e assim não permitir nenhum problema para a captação de água do rio”, afirmou Luciano Siani Pires, direito executivo de finanças e relações com investidores, em uma coletiva de imprensa.

Majesty garante que os municípios entendem que a Vale deve priorizar o resgate das vítimas. Mas a lentidão da companhia em compartilhar seu plano de contingência para desastres ambientais preocupa. “A Vale se comprometeu, tardiamente, em colocar as cortinas de contenção em Pará de Minas, por que não fez isso antes, logo na saída de Brumadinho, se é uma ação rápida, como eles mesmo disseram?”. Nesta quarta-feira, a companhia apresentou ao Ministério Público e aos órgãos ambientais seu plano para conter os rejeitos no Rio Paraopeba, que contempla um trecho total de 210 quilômetros. Barreiras de retenção serão instaladas ao longo de um trecho de 170 quilômetros do rio.

Imagem do Paraopeba, antes e depois da lama, em Juatuba.
Imagem do Paraopeba, antes e depois da lama, em Juatuba. ARQUIVO PESSOAL

Também no caminho da lama, São José da Varginha, com 5 mil habitantes, se organiza sozinha para tentar mitigar os danos. Localizada a pouco mais de 90 km do local da tragédia, a cidade deve receber a lama nesta quinta-feira. “Organizamos um comitê com técnicos, veterinários e especialistas em meio ambiente”, afirma o Vandeir Paulino da Silva. A maior preocupação é mapear o impacto ambiental e econômico para os produtores que utilizam a água para irrigação, já que a água de consumo não vem do Paraopeba. “Por enquanto, não veio ninguém da Vale aqui”, diz o prefeito.

Os comitês brasileiros de bacia hidrográfica acompanham de perto o avanço da lama pelas cidades. Anivaldo Miranda, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco, afirma que há uma perspectiva que quando a água contaminada pelos rejeitos da barragem chegar ao lago do Sobradinho, já na Bahia, ela estará diluída e não deva afetar os usos do rio. “Este é o melhor cenário, que aponta impacto praticamente aceitáveis. Mas é muito cedo para fazer previsões. Se chover muito, tudo pode mudar”, diz Miranda. As características do rio Paraobepas, mais plano do que o rio Doce, por exemplo, e as características da lama de rejeitos, são alguns dos fatores que podem ser considerados positivos para que o estrago não seja tão grande quando no desastre da Samarco, em Mariana.

A previsão do Serviço Geológico do Brasil é que a pluma comece a chegar à Usina Três Marias, a fronteira para entrar no rio São Francisco, localizada a cerca de 300km de Brumadinho, entre os dias 5 e 10 de fevereiro. A expectativa é que a própria contenção da represa ajude a mitigar os danos. “A velocidade da água está diminuindo. Estávamos em 1 km por hora, e hoje não passamos de 0,8 km”, afirma Miranda. Ele acredita que existe a possibilidade de a lama ficar pelo caminho. “O cenário para o São Francisco é bem menos ameaçador do que se imaginava, mas, em termos de biodiversidade, as perdas são incalculáveis.”


Bernardo Mello Franco: Uma porta giratória da Vale para o governo

Além de contar com a bancada da lama no Congresso, as grandes mineradoras emplacam dirigentes no governo federal. A prática é vista como um convite ao conflito de interesses

Não é só no Congresso que as mineradoras contam com a bancada da lama para defender seus interesses. As gigantes do setor também exercem forte influência sobre o governo federal e a Agência Nacional de Mineração, que substituiu o antigo DNPM.

Nos últimos anos, o segundo escalão do Ministério de Minas e Energia foi dominado por quadros da Vale. Ao longo do governo Temer, eles chefiaram os principais postos da Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação Mineral, responsável por definir as políticas públicas para a área.

O órgão era comandado por Vicente Lôbo. O engenheiro dirigiu a Vale Fertilizantes até 2015 e assumiu a secretaria no ano seguinte. Só saiu em outubro passado, um dia depois do segundo turno das eleições.

Dos quatro diretores abaixo de Lôbo, três também atuaram na Vale. Fernando Ramos Nóbrega passou 28 anos na empresa. Lilia Sant’Agostino foi consultora da Vale Fertlizantes. Maria José Gazzi Salum prestou consultoria à mineradora e ao Ibram, entidade de lobby do setor. O Serviço Geológico do Brasil foi entregue a Eduardo Ledsham, que ficou na Vale de 1986 a 2011.

O pesquisador Bruno Milanez, da Universidade Federal de Juiz de Fora, diz que o fenômeno da “porta giratória” se tornou comum no setor. As grandes mineradoras emplacam representantes no governo e contratam gente da burocracia estatal.

A prática é vista como um convite ao conflito de interesses. “Os órgãos reguladores não podem ser capturados pelas empresas reguladas. O que é bom para a Vale não é necessariamente bom para o país”, afirma Milanez.

O professor diz que é cedo para medir a influência das empresas no governo Bolsonaro. A secretaria que lida com as mineradoras foi entregue a um ex-juiz, e três das quatro diretorias continuam vagas.

Apesar da indefinição, outras portas continuam a girar. O deputado Leonardo Quintão, líder da bancada da lama, ganhou abrigo na Casa Civil. O general Franklimberg Freitas reassumiu o comando da Funai. Ele estava no conselho da mineradora Belo Sun e responde a processo na Comissão de Ética da Presidência.


Elio Gaspari: O conservador e o atrasado

Bolsonaro elegeu-se abraçando o atraso, o desastre de Brumadinho indicou-lhe o caminho da verdade

Fernando Henrique Cardoso gosta de relembrar uma cena na qual o historiador Sérgio Buarque de Holanda discutia o tamanho de algumas figuras do Império e ensinou: "Doutora, eles eram atrasados. Nós não temos conservadores no Brasil. Nós temos gente atrasada."

Foi a gente atrasada que levou o Brasil a ser um dos últimos países a abolir a escravidão e a adotar o sistema de milhagem para os passageiros de aviões, deixando a rota Rio-São Paulo de fora.

É a gente atrasada quem trava os projetos de segurança das barragensque tramitam no Senado, na Câmara e na Assembleia de Minas Gerais.

Essa gente atrasada estagnou a economia durante o século 19 e, no 20, faliu as grandes companhias de aviação brasileiras. No 21, produziu os desastres de Mariana e Brumadinho.

Jair Bolsonaro elegeu-se presidente da República com uma plataforma conservadora, amparado pelo atraso. Sua campanha contra os organismos defensores do meio ambiente foi a prova disso. Não falava em nome do empresariado moderno do agronegócio, mas da banda troglodita que se confunde com ele. Felizmente, preservou o Ministério do Meio Ambiente.

Outra bandeira de sua ascensão foi a defesa da lei e da ordem. A conexão dos "rolos" de Fabrício Queiroz com as milícias do Rio de Janeiro ilustrou quanto havia de atraso na sua retórica. (O Esquadrão da Morte do Rio surgiu em 1958 e anos depois alguns de seus "homens de ouro" tinham um pé no crime.)

Nos anos 70, o presidente de Scuderie Le Cocq era contrabandista, e o delegado Sérgio Fleury, grão-mestre do esquadrão paulista, ilustre janízaro da repressão política, protegia traficantes de drogas.

Ronald Reagan e Margaret Thatcher foram conservadores, já os patronos dos esquadrões foram e são simplesmente atrasados. Por isso, Nova York e Londres são cidades seguras, enquanto o Rio é o que é. O detento Sérgio Cabral dizia que favelas eram fábricas de marginais.

As mineradoras nacionais moveram-se nos escurinhos do poder, e mesmo depois do desastre de Mariana bloquearam as iniciativas que aumentariam a segurança das barragens. Deu Brumadinho. As perdas da Vale nas Bolsas e com as faturas dos advogados superarão de muito o que custaria a proteção de Brumadinho. Será a conta do atraso.

Com menos de um mês de governo, Jair Bolsonaro foi confrontado pela diferença entre conservadorismo e atraso. Seu mandato popular ampara-se numa plataforma conservadora com propostas atrasadas. Muita gente que votou nele pode detestar o Ibama e as ONGs do meio ambiente. Também pode achar que bandido bom é bandido morto.

Quando acontecem desgraças como Brumadinho ou quando são expostas as vísceras das milícias e seus mensalinhos, essas mesmas pessoas mudam de assunto e o presidente fica só, como ficou o general João Figueiredo depois do atentado do Riocentro.

O atraso é camaleônico. Escravocratas do Império tornaram-se presidentes na República Velha. A Federação das Indústrias de São Paulo financiou o DOI, aderiu à Nova República e varreu os crimes da ditadura para a porta dos quartéis.

Trogloditas do agronegócio e espertalhões das mineradoras sabem o que querem. Conviveram com o comissariado petista esperando por um Messias. Tiveram-no. Quando a Vale caiu na frigideira, fizeram o que deviam e, num só dia, venderam suas ações derrubando em R$ 71 bilhões o seu valor de mercado.

Durante a campanha eleitoral, quando confrontado com os problemas que encontraria na Presidência, Bolsonaro repetia um versículo do Evangelho de João:

"Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará.”

Brumadinho e suas relações com Fabrício Queiroz mostraram a Jair Bolsonaro o verdadeiro rosto do atraso.

*Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles "A Ditadura Encurralada".


O Globo: Samarco deve R$ 350 milhões ao Ibama por desastre em Mariana

Empresa não pagou nenhum centavo ao órgão ambiental por rompimento de barragem há três anos

Por Mateus Coutinho, de O Globo

BRASÍLIA - Três anos após o rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), a mineradora Samarco , que tem a Vale como uma de suas acionistas, ainda não pagou nenhum centavo de multa ambiental ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis ( Ibama ). As informações são do próprio órgão, que informou ter instaurado 25 autos de infração que resultaram em multas da ordem de R$ 350,7 milhões à mineradora.

Os dados revelam a dificuldade que o governo federal tem para punir grandes empresas, mesmo após desastres, como o rompimento de barragens de rejeitos em Brumadinho (MG), que já levou a pelo menos 65 mortes e 279 desaparecidos. No episódio da última sexta-feira, o Ibama já multou a Vale em R$ 250 milhões, por meio de cinco autos de infração.

No caso de Mariana, a dificuldade para receber o valor das multas ambientais, segundo o próprio Ibama, vem dos recursos apresentados pela Samarco. De acordo com o órgão, a mineradora recorreu de todos os autos de infração e, mesmo após o órgão confirmá-los no âmbito administrativo, a empresa insiste em recorrer “buscando afastar sua responsabilidade pelo desastre”, afirmou o Ibama em nota.

“Nenhuma das multas ambientais foi paga até o momento. Medidas legais e necessárias à cobrança dessas multas estão sendo tomadas, inclusive a remessa dos débitos para inclusão na Dívida Ativa da União”, seguiu o órgão.

Considerado o maior desastre ambiental do país, a tragédia da Samarco levou a um número menor de mortos do que a de Brumadinho, o total de 19, mas envolveu um volume muito maior de rejeitos que impactaram 39 cidades ao longo da Bacia do Rio Doce.

No caso da Samarco, além das multas ainda não pagas, o Ibama expediu 73 notificações para exigir, dentre outras, a adoção de medidas de regularização e correção de conduta. Fora da esfera administrativa, a empresa também ainda não teve nenhum executivo condenado criminalmente, e o processo contra 21 réus acusados de envolvimento na tragédia corre na Justiça Federal em Minas e ainda está na fase de ouvir testemunhas.

A empresa também firmou no ano passado um Termo de Ajustamento de Conduta com os ministérios público federal e estadual em Minas, dos governos de Minas e do Espírito Santo além das defensorias públicas dos estados e da União.

Homologado pela Justiça Federal, o TAC prevê que uma ação civil cobrando R$ 20 bilhões da mineradora seja extinta e que outra ação movida pelo MPF cobrando R$ 155 bilhões fique suspensa por dois anos.

De acordo com o TAC, a Samarco deu garantia à Justiça do cumprimento de obrigações de custeio da organização dos atingidos e organização de fiscalização dos órgãos ambientais e financiamento de programas no valor de R$ 2,2 bilhões.

No caso de Brumadinho, além do Ibama equipes da Agência Nacional de Mineração (ANM) e dos órgãos de fiscalização estaduais, além do Ministério Público Federal, estão acompanhando o desenrolar da tragédia.


Míriam Leitão: Trem descarrilado da mineração

Por Alvaro Gribel (A colunista está de férias)

Para um setor que dobrou de tamanho em pouco mais de uma década e só no ano passado gerou US$ 20 bilhões em exportação, é inaceitável o jogo de empurra diante dos crimes ambientais em Mariana e Brumadinho. Em 2015, Vale e BHP tentaram se eximir de responsabilidade pela operação da Samarco, apesar de a empresa ser uma joint venture entre as duas gigantes da mineração, com 50% de participação de cada. Há um ano, o presidente da Vale, Fabio Schvartsman, dizia em um evento para investidores em São Paulo que o trabalho de recuperação do Rio Doce era “uma história extraordinária” e que a “resposta das duas companhias estava à altura do desastre”.

O que as reportagens mostravam era uma realidade diferente: muita reclamação, atrasos e um dano ambiental incalculável. Ontem, a bateção de cabeça envolveu o vice-presidente, Hamilton Mourão, que falou que o comitê de gestão de crise poderia recomendar a destituição da diretoria da Vale, apesar de não ter certeza de que isso era possível. Por se tratar de uma empresa privada com ações em bolsa, a afirmação causou estranheza. Certamente, não é esse o caminho para eventuais punições aos executivos da mineradora.

Logo em seguida, foi a vez do advogado Sergio Bermudes falar que a Vale não reconhecia responsabilidade pelo acidente e que pediria o desbloqueio de todos os seus bens. O sentimento de perplexidade foi generalizado, e a companhia se viu obrigada a soltar dois comunicados oficiais para desdizer o advogado. A Justiça criminal ficou parada após Mariana, os órgãos de fiscalização continuaram esvaziados diante da crise fiscal. A mineração no Brasil cresceu demais, e parece que não há ninguém no controle.

O DOBRO EM 15 ANOS
A produção de minério de ferro da Vale saltou 117% em 15 anos, como mostra o gráfico abaixo. Os relatórios anuais da companhia mostram que a extração saltou de 169 milhões de toneladas, em 2002, para 367 milhões em 2017 (o balanço de 2018 ainda não foi divulgado). O crescimento foi acelerado principalmente nos anos 2000, quando teve início o chamado “boom” das commodities. A demanda chinesa por produtos primários aumentou, e isso fez disparar os preços nos mercados internacionais. A maior parte desse aumento de produção, porém, aconteceu no chamado Sistema Norte, puxado por Carajás, no Pará, que tem um minério mais rico e não utiliza barragens como as de Minas Gerais.

QUEDA LIVRE NA BOLSA
A perda de valor da Vale na bolsa — a maior da história em um único dia segundo a Economática —mostra que o investidor entendeu que ela tem responsabilidade na tragédia. A opinião contrária do advogado da companhia não convenceu. Karel Luketic, analista-chefe da XP, conta que a atenção dos investidores está voltada para as repercussões na Justiça, aqui e lá fora. As perdas não serão só financeiras, já olhadas com lupa pelas agências de classificação de risco. A investigação poderá manchar ainda mais a imagem da empresa. Ontem, a Fitch rebaixou a mineradora.

EM MINAS, PREOCUPAÇÃO FISCAL
Em Minas, além do choque com a tragédia, há a preocupação com a crise fiscal. No ano passado, somente a extração de minério de ferro gerou R$ 914 milhões em receitas ao governo, sem contar os efeitos indiretos sobre a cadeia de fornecedores. Um forte abalo nessa indústria poderia agravar ainda mais as contas estaduais. O orçamento mineiro já prevê R$ 11,5 bilhões de déficit este ano.

Com Marcelo Loureiro


Hélio Schwartsman: Sirenes que não soam

Andar de bicicleta sem capacete só mudou após aprendermos mais sobre traumas

Nossa espécie é péssima em avaliar riscos. Um ser humano típico tem medo de cobras e tubarões, mas não hesita muito em fumar ou acelerar seu carro. Nos EUA, onde as estatísticas são mais confiáveis, cobras e tubarões matam, respectivamente, cinco e 0,5 pessoas por ano, enquanto o cigarro e os acidentes de trânsito geram 480 mil e 35 mil óbitos anuais.

Nossa sirene interna dispara diante de ameaças que perderam relevância no ambiente urbano, mas é cega para perigos produzidos pela modernidade, como morar a jusante de barragens ou construir cidades em zonas de terremoto.

Imagino que a fiscalização precária e sede de lucros contribuíram para a tragédia em Brumadinho, mas o ingrediente que mais me chama a atenção é que os dirigentes da Vale acreditavam que a barragem era segura, tanto que instalaram o refeitório da empresa bem abaixo dela. De algum modo, a noção de que todo projeto de engenharia carrega risco e a informação de que operavam com uma tecnologia ultrapassada, cuja avaliação de segurança está repleta de pontos cegos, não foram assimiladas pela cúpula da empresa —o que é assustador para uma companhia que lida essencialmente com problemas de engenharia.

Espero que o desastre sirva para arrefecer o clima de “liberou geral” que o governo Bolsonaro prometia levar à área ambiental. Olhando para a frente, seria importante desenvolver mecanismos para que empresas e a própria legislação não se acomodem com as tecnologias antigas e busquem continuamente aprimoramento na segurança, mesmo que a um sobrepreço.

A garotada da minha geração andou de bicicleta e skate sem capacete e isso era visto como normal. À medida que aprendemos mais sobre traumas, o comportamento foi reclassificado como de risco e hoje poucos pais deixam os filhos brincar sem proteção. Essa cultura de busca constante por mais segurança precisa ser disseminada.


Eliane Cantanhêde: Tragédia sem ideologia

Em Brumadinho, setores público e privado destruíram famílias e atingiram o futuro

Em entrevista à Rádio Eldorado, o ministro Ricardo Salles disse que o meio ambiente “não é questão de direita e esquerda” e “não pode ser capturado por barreiras ideológicas”. Quem haveria de discordar? O ministro tem toda razão, mas nem por isso deixou de jogar pesadas críticas sobre a esquerda.

Segundo ele, a esquerda tem mania de se apossar da defesa do ambiente como se fosse a única preocupada com a preservação do planeta, mas, ora, ora, tanto a tragédia de Mariana quanto a de Brumadinho ocorreram ou durante ou em seguida aos governos da petista Dilma Rousseff em Brasília e Fernando Pimentel em Minas.

Logo, o ministro não quer que a discussão seja entre esquerda e direita, mas ele bem que deu um empurrãozinho para que assim seja. E lembrou que, logo no início, o presidente Jair Bolsonaro sobrevoou a região mineira e sete ministros foram pessoalmente lá. Tomara que esse empenho no calor dos acontecimentos decante em medidas realmente eficazes. Já imaginaram uma terceira Mariana?

Quem também foi pessoalmente a Brumadinho foi ex-ministra Marina Silva, que é uma das principais referências brasileiras do setor no cenário internacional, mas foi bastante criticada por omissão no desastre de Mariana e desta vez ficou esperta.

Em outras palavras, ela também disse à Rádio Eldorado que a questão não é de direita ou esquerda e apontou o dedo em várias direções. Segundo Marina, “é um erro demonizar os agentes ambientalistas” e há três culpados no rompimento de represas: a ganância do setor privado, a falta de ética na política e a flexibilização oportunista de regras pelo setor público.

Como ministra de Lula, e ainda no PT, Marina vivenciou intensos debates e embates com Dilma, chefe da Casa Civil. Uma exigia rigor nos licenciamentos e na fiscalização. A outra, pretendendo-se mais pragmática, queria apressar licenças e agilizar empreendimentos.

A questão central, portanto, não é ideológica, é o velho embate entre ambientalistas, chamados de “puristas” (ou “sonháticos”?), e os que defendem “passar o trator” e dar toda a prioridade a represas, plantações, pecuária. O “desenvolvimento” a qualquer custo.

Como novo ingrediente, o governo Bolsonaro demonstra desdém pelo meio ambiente, quase empurrou a pasta para a Agricultura e abriga um chanceler que acusa o “ambientalismo” de ser uma espécie de facção da esquerda mundial para destruir o Ocidente.

Para Marina, Brumadinho é um alerta para o governo Bolsonaro, que “sucateou e diminuiu o ministério de alto a baixo”. Ela exemplificou: a Agência Nacional de Águas e o Serviço Florestal saíram da pasta e os contratos com ONGs ambientalistas foram suspensos. E cutucou: “Pela primeira vez um ministro do Meio Ambiente assumiu com discurso de interesse dos ruralistas”.

Para Salles, o alerta é “para toda a sociedade”. Mas, com tantos mortos e centenas de desaparecidos, que Brumadinho sacuda os poderosos, provoque debates, gere punições e, sobretudo, relembre a todos, principalmente ao novo governo, sim, que Meio Ambiente não é uma questão supérflua, diletante nem coisa de esquerdopatas. Assim como mata pessoas e destrói famílias inteiras, ameaça o próprio futuro do planeta e da humanidade.

Discutam muito senhores e senhoras de esquerda e de direita, mas que o setor privado não privilegie a ganância em detrimento da vida, os governos não flexibilizem regras para favorecer negócios e os políticos tenham ética e respeitem seus mandatos e seus eleitores.

Utopia? Pode ser. Mas não há alternativa: é salvar ou salvar o futuro da humanidade. Quem ameaçá-lo e quem for culpado por tragédias e mortes não apenas deve, mas tem de ser punido pesadamente. Aliás, e os culpados por Mariana, por onde andam?


Bernardo Mello Franco: A força do lobby da lama

Nos últimos dias, políticos anunciaram medidas para evitar que o desastre de Brumadinho se repita. Já aconteceu em 2015, depois de Mariana

Depois da tragédia, vêm as promessas. Nos últimos dias, políticos anunciaram medidas para evitar que o desastre de Brumadinho se repita. Já aconteceu em 2015, quando o rompimento de outra barragem matou 19 pessoas em Mariana.

O Congresso criou duas comissões especiais para discutir a catástrofe da Samarco. O trabalho resultou em seis projetos para reforçar a fiscalização sobre as mineradoras. Até hoje, nenhum deles foi aprovado.

O senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES) tentou endurecer a Política Nacional de Segurança de Barragens. Sua proposta recebeu parecer favorável na Comissão de Meio Ambiente, mas foi arquivada. “Forças subterrâneas impediram a votação”, diz o tucano.

O deputado Arnaldo Jordy (PPS-PA) propôs regras mais rígidas para as empresas que armazenam rejeitos tóxicos. O texto também foi bloqueado antes de chegar ao plenário. “O lobby das grandes mineradoras é pesado”, ele reclama.

Na Câmara, a bancada do setor é suprapartidária, mas tem um líder conhecido: o deputado Leonardo Quintão (MDB-MG), ex-escudeiro de Eduardo Cunha. Em 2014, as mineradoras bancaram 42% de sua campanha. Ele retribuiu com uma atuação incansável a favor das empresas.

No fim de 2015, Quintão assinou o relatório do Código de Mineração. Antes da votação, descobriu-se que o texto havia sido redigido no escritório de advocacia que defendia a Vale e a BHP. O deputado não se reelegeu, mas foi alojado na Casa Civil do governo Bolsonaro.

Dos 27 titulares da comissão que debateu o Código, 20 declararam doações de mineradoras. A lista incluía o presidente, Gabriel Guimarães (PT-MG), e o vice, Marcos Montes (PSD-MG), atual secretário-executivo do Ministério da Agricultura.

Protagonista das tragédias de Mariana e Brumadinho, a Vale investiu R$ 88 milhões nas eleições de 2014. Com a proibição das doações empresariais, o lobby do setor deve ficar um pouco menos explícito.

“Além de financiar campanhas, as mineradoras oferecem consultorias, fazem pareceres e indicam assessores. Agora ainda não sabemos como vão se articular para continuar operando”, diz a pesquisadora Alessandra Cardoso, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).


Gil Castello Branco: Mariana, Brumadinho e...

No triste fim de semana passado, lembrei-me de um texto de George Santayana, filósofo e poeta espanhol. Uma das frases é instigante: “...quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua.”

De fato, três anos após a tragédia de Mariana, apesar das inúmeras advertências da academia, dos ambientalistas e do Ministério Público, o que aprendemos?

Foram 19 mortos e nenhuma condenação; empresas envolvidas em desastres ambientais quitaram apenas 3,4% dos R$ 785 milhões aplicados em multas; das 24.092 barragens cadastradas no país, apenas 3% foram vistoriadas em 2017 e, dentre essas, 723 apresentam riscos de acidentes e danos potenciais altos; famílias que tiveram suas vidas destruídas pelo rompimento da barragem do Fundão (2015) ainda aguardam indenizações, pois o acordo entre a promotoria e as mineradoras foi fechado apenas em outubro do ano passado, quase três anos após a tragédia.

Na Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais, somente um dos três projetos de lei apresentados pela Comissão Extraordinária de Barragens foi aprovado. Dormem em gavetas os outros dois, que preveem restrições para a construção de barragens e direitos para os atingidos. No Senado, projeto que endurecia a política de segurança de barragens foi arquivado.

Muitas perguntas objetivas continuam sem respostas consistentes: o que foi feito para recuperar o Rio Doce? Quais as medidas adotadas para aprimorar a fiscalização das barragens?

Nesse marasmo irresponsável, lamentavelmente a história se repetiu em Brumadinho. A impunidade em relação ao que ocorreu na barragem do Fundão, em Mariana, é certamente uma das causas da tragédia de Brumadinho. O rompimento da barragem da Vale na Mina do Feijão não foi, obviamente, um acidente ocasional. Em Mariana e Brumadinho, o que ocorreu foram crimes, praticados pelas empresas que negligenciam na construção, manutenção e no monitoramento desses empreendimentos e pela leniência do Estado na concessão de licenciamentos e na fiscalização. Dessa forma, além da indignação e da vergonha que sentimos como brasileiros, precisamos cobrar as punições dos agentes privados e públicos.

O enredo e o filme são conhecidos. As autoridades sobrevoam a área devastada, declararam estado de calamidade e prometem providências e recursos. Os dados orçamentários, porém, também espelham o descaso do poder público.

Conforme dados pesquisados pela Associação Contas Abertas, com base em critérios de um estudo de técnicos do Senado, nos últimos 19 anos (2000 a 2018) dos R $444,4 milhões autorizados no Orçamento da União para ações destinadas às barragens, efetivadas pelos ministérios da Integração, Minas e Energia e Meio Ambiente, somente R$ 167,3 milhões (37,6%) foram realmente pagos. Logo após o maior acidente ambiental do país, em Mariana, em 2015, no auge da consternação, o orçamento conjunto das pastas destinado às barragens praticamente dobrou, passando de R$ 62,3 milhões para R$ 121,9 milhões (2016). No entanto, no fim de 2016 o valor efetivamente gasto somou apenas R $22,7 milhões, praticamente o mesmo de 2015. Em 2017, o gasto efetivo ficou no mesmo patamar, tendo aumenta dopara a casados R $32,8 milhões em 2018. Para 2019, pasmem, o valor autorizado é de apenas R$ 67,9 milhões, praticamente o mesmo de 2015, o ano da tragédia de Mariana!

Para que o leitor tenha uma ideia de quanto são insignificantes esses dispêndios, o valor pago no ano passado (R$ 32,8 milhões) é inferior às despesas da União com festividades e homenagens (R$ 40,4 milhões).

O minguado orçamento para ações relacionadas às barragens é mais uma evidência de que não absorvemos as experiências passadas. Assim, vale a pena reler as frases finais de um parágrafo do texto do espanhol George Santayana, publicado em “A vida da razão” (1905): “...quando a experiência não é retida, como acontece entre os selvagens, a infância é perpétua. Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo”. Quando irá acontecer a próxima tragédia?


José Casado: Lama política e corporativa

Afundam, se arrastam e escavam na lama à procura dos soterrados pela escória química da Vale. São servidores públicos, bombeiros na maioria. Trabalham para o Estado de Minassem saber quando e como serão pagos. O último governador, Fernando Pimentel, expoente do Partido dos Trabalhadores, foi embora sem pagar afolha de 2018. E o sucessor, Romeu Zema, do Partido Novo, não tem ideia de quando vai conseguir saldara dívida.

Minas entrou em colapso pouco antes de uma subsidiária da Vale e BHP Billiton despejar um rio de lama tóxica sobre 230 cidades mineiras e capixabas, deixando um legado de miséria e desemprego na região onde a mineração avança desde a Colônia. Naquele 2015, a Petrobras também entrou em convulsão. Por corrupção, em parceria com grupos privados como Odebrecht, SBM (Holanda) e Keppel Fels (Cingapura).

Os executivos Murilo Ferreira (Vale) e Andrew Mackenzie (BHP) acertaram com os governos Dilma Rousseff, Fernando Pimentel (MG) e Paulo Hartung (ES) a contenção dos danos corporativos (US $2 bilhões) a 3% das suas vendas (US$ 60 bilhões).

Foram aplaudidos por 166 deputados federais e 14 senadores eleitos com o dinheiro de empresas de mineração. Elas bancaram, por exemplo, 47% dos gastos do deputado Leonardo Quintão( P MD B-MG ), aliado de Eduardo Cunha( P MD B- RJ )— condenado amais de 40 anos de prisão por corrupção na Petrobras e na Caixa nos governos Lula e Dilma.

Quintão retribuiu com eterna gratidão: promoveu a “modernização” das normas sobre mineradoras, a partir de um texto produzido em laptop da banca Pinheiro Neto, que defende a Vale e a BHP Billiton. Não foi reeleito, mas conseguiu abrigo na Casa Civil de Bolsonaro, onde serão filtradas as mudanças na lei setorial.

Depois de inventar o socialismo de direita e o capitalismo de laços, o Brasil inova com a criação de passivos intangíveis em escala industrial: algumas das maiores empresas avançam na produção de dívidas imensuráveis em responsabilidade social, governança emeio ambiente. A lama é política e corporativa.