Unasul

O Globo: Fala de Bolsonaro sobre base americana no Brasil é sinal político

Para especialistas, instalação concreta está distante da realidade, mas declaração mostra maior aproximação com EUA em defesa e rejeição da Unasul

Por Heloísa Traiano, de O Globo

A hipótese de instalação de uma base militar americana no Brasil parece distante da realidade, apesar de o presidente Jair Bolsonaro ter se dito anteontem aberto a negociações com os EUA sobre o tema em um “futuro” não determinado. Para analistas, no entanto, a declaração indica um novo alinhamento na área de defesa entre Brasília e Washington, em contraposição aos governos do PT, que buscaram articular na agora abandonada União de Nações Sul-Americanas (Unasul) uma arquitetura contrária à presença militar americana. A tendência acompanha outra, de inclusão da região nos radares de China e Rússia, após anos de reduzida atenção da Casa Branca.

Para David Magalhães, professor de Relações Internacionais da FAAP e da PUC-SP e especialista em defesa, a ideia levantada pelo presidente parece ter relação com a vontade do governo recém-empossado de avançar nas negociações para o uso pelos EUA do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, que haviam sido retomadas pelo governo Temer em junho último. Em novembro, o hoje ministro da Defesa de Bolsonaro, general Fernando Azevedo e Silva, cogitara firmar convênios para que outros países pudessem lançar satélites a partir da base, embora não tenha se referido especificamente aos Estados Unidos.

— Me parece que, se houvesse acordo, ocorreria dentro de negociação mais ampla da base de Alcântara. Mas poderia haver também conversas à parte — diz Magalhães.

Hoje não há bases militares dos EUA ativas na América do Sul. A última foi desativada em 2009 no porto equatoriano de Manta, depois da negativa do então presidente Rafael Correa de renovar o seu uso. No Brasil, a base em Natal que serviu aos americanos na Segunda Guerra Mundial deixou de ser usada pelos americanos em 1945.

Bases informais
Magalhães ressalta que os EUA vêm costurando acordos de defesa de outras modalidades com países sul-americanos. O próprio Bolsonaro disse na entrevista ao SBT que “a questão física pode ser simbólica, porque o poderio das Forças Armadas americanas, chinesas e russas alcança o mundo todo”.

—A ausência de bases formais na região não quer dizer que os americanos não estejam presentes militarmente. A estratégia tem sido estabelecer bases informais, como vemos em Peru e Argentina, com escritórios para que as forças americanas tenham contato direto com governos — diz Magalhães.

Segundo Matias Spektor, da FGV em São Paulo, uma base se traduziria em altos custos financeiros. Para justificá-los, seria necessário um cenário no qual o governo americano tentasse uma intervenção militar ou defender a região de outra potência. Na entrevista, Bolsonaro disse: “Sabemos a intenção da ditadura do Maduro, e o Brasil tem que se preocupar”.

— Bolsonaro tenta se consolidar como o principal aliado de Trump na América Latina, enquanto os EUA dão sinais de que a região voltou ao radar por conta do aumento das presenças chinesa e russa. Uma base transformaria de vez a dinâmica regional. Não há outro país latino que vá neste sentido. Criaria suspeitas em relação ao Brasil entre os vizinhos, por um lado, mas, por outro, transformaria o Brasil em aliado dos EUA — diz Spektor.

Magalhães argumenta que o novo presidente parece tentar mostrar rejeição ao legado do governo Lula, no qual foi acelerada a articulação da Unasul, que tem o seu Conselho de Defesa. Hoje paralisada, a organização não tem secretário-geral.

— É um movimento espalhado de oposição ao “legado lulopetista”. E os americanos percebem a mudança no temperamento político da região.


PT silencia sobre governos autoritários, diz professor

Ex-presidente do PT do Estado do Rio e docente na Universidade Federal Fluminense (UFF), o historiador Daniel Aarão Reis

VALMAR HUPSEL FILHO, PEDRO VENCESLAU e GILBERTO AMENDOLA, O Estado de S.Paulo

Para o professor de História Contemporânea na Universidade Federal Fluminense (UFF) e ex-presidente do PT do Estado do Rio Daniel Aarão Reis, o partido prefere se manter em silêncio sobre a escalada de violência na Venezuela em nome de uma “solidariedade nacional popular contra as grandes potências”. “Se a vocação democrática do PT fosse mais forte, isso estaria sendo cobrado e discutido”, disse ao Estado.

O posicionamento de apoio ao governo venezuelano de Nicolás Maduro é unânime no PT?
O PT, como todos os partidos políticos brasileiros, dedicou ao longo do tempo pouca relevância às relações internacionais. Feita essa ressalva, fez parte do PT, desde o início, embora com oposição interna, apoio a Cuba e regimes nacionalistas, o que eu chamo de nacional-estadista. Isso se articulou na defesa do Mercosul e da Unasul e, em termos mundiais, na articulação com os Brics (bloco formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Esse tipo de política sempre mereceu simpatia do conjunto da militância do PT.

Como explicar a postura do PT em relação à Venezuela?
A despeito da vocação democrática que o PT tinha e a meu ver de certo modo tem, silencia-se muito diante dos regimes autoritários. E em nome da solidariedade terceiro-mundista, age-se do mesmo jeito em relação ao nacionalismo latino-americano. Silencia-se muito em relação aos regimes autoritários que se opõem à dominação das grandes potências capitalistas. Silencia-se de maneira muito inconsequente, a meu ver, do ponto de vista democrático, contra os desmandos e surtos autoritários desses regimes nacionalistas. E esse é o caso muito visivelmente em relação à Venezuela em que o Maduro, a “Dilma do Chávez”, enfrenta claramente um questionamento social em função da crise econômica e de sua própria competência em gerenciar a crise.

A vocação democrática do PT não se opõe ao apoio a regimes que impõem violência ao povo?
Se a vocação democrática do PT fosse mais forte, isso estaria sendo cobrado e discutido internamente. Mas prefere-se manter silêncio sobre o assunto em nome de uma solidariedade nacional popular contra as grandes potências. Se o PT quer realmente se colocar como partido democrático, tem de rever isso e lidar com a situação.