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Revista online | 50 anos de alguns discos maravilhosos

Henrique Brandão*, especial para a revista Política Democrática online

Nada menos moderno do que a ideia de que existe uma “fórmula modernista” de se fazer arte. O grande legado da Semana de 22, que acaba de completar 100 anos, foi justamente romper com os parâmetros do que a academia reconheceu como “arte”. Para os modernistas, e isso é moderno, a arte não está nos cânones festejados nos salões. Muito pelo contrário. O verso poderia ser livre; a pintura, exprimir subjetividade; a música, expressar os sons das festas populares; o cinema, mostrar a realidade; a fotografia, captar o espontâneo das ruas; a dança, inovar nos movimentos.

Na área musical, por exemplo, basta prestar atenção à bossa nova, à geração dos festivais da MPB e ao pessoal do tropicalismo, para perceber que suas obras trazem vários elementos do modernismo. 

Isso pode ser visto – e ouvido – nos discos que, coincidentemente, foram lançados em 1972, ano em que se comemorou o cinquentenário da Semana de 22. Foi uma safra excepcional.

Entre os muitos lançamentos estão: Transa, de Caetano VelosoExpresso 2222, de Gilberto Gil; e Clube de Esquina, de Milton Nascimento. Pouco antes, em dezembro de 1971, Chico Buarque lançou Construção. Esses quatro discos são belos exemplares de modernidade.

Caetano e Gil, já em 1968, fizeram parte do tropicalismo. Naquele ano, lançaram Tropicália, um disco-manifesto. Desde a capa, com foto cheia de simbolismos, fica evidente a iconoclastia da proposta. 

Em 1969, Caetano e Gil, perseguidos pela ditadura, se exilaram em Londres. Só retornaram ao Brasil em 1972, quando os respectivos discos foram lançados.

Clube da Esquina/ Foto: reproduçã
Tropicalismo / Imagem: reprodução
Chico Buarque e Caetano Veloso / Crédito: shutterstock
Gil e Caetano/ Crédito: shutterstock
Tropicália/ Imagem: reprodução
Clube da Esquina/ Foto: reprodução
Tropicalismo / Imagem: reprodução
Chico Buarque e Caetano Veloso / Crédito: shutterstock
Gil e Caetano/ Crédito: shutterstock
Tropicália/ Imagem: reprodução
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Clube da Esquina/ Foto: reprodução
Tropicalismo / Imagem: reprodução
Chico Buarque e Caetano Veloso / Crédito: shutterstock
Gil e Caetano/ Crédito: shutterstock
Tropicália/ Imagem: reprodução
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Transa, para muitos críticos e fãs, é o melhor disco de Caetano. Gravado em Londres, cantado em inglês e português, com direção musical de Macalé, o disco traz, em quase todas as músicas, citações e referências a poemas e obras musicais de diversos autores, como Gregório de Matos (1636-1996), Dorival Caymmi (1914-2008), Carlos Lira e Vinicius de Moraes, Baden Powel (1937-2000) e Edu Lobo, além de trechos de canções do folclore e pontos de capoeira, numa postura avant la lettre do que seria a música dos anos 2000, com o uso do sample e do mashup. Tudo costurado pelo talento de Caetano. 

Expresso 2222, de Gilberto Gil, é um marco na carreira do compositor baiano. Várias faixas se tornaram clássicos, como a que dá nome ao disco, e a confessional Back in Bahia, espécie de “Canção do Exílio” moderna, de pegada roqueira, composta quase 100 anos depois que Gonçalves Dias concebeu seus famosos versos românticos (1873). 

Se o amigo Caetano misturou suas referências dentro das próprias músicas, Gil preferiu gravar, com toque autoral, músicas do seu universo nordestino, como O canto da Ema (Ayres Viana, Alventino Cavalcanti e João do Vale) e Chiclete com Banana (Gordurinha e Almira Castilho), que acabou tornando-se o carro-chefe do disco. 

Pouco depois dos baianos tropicalistas, foi a vez de Chico Buarque partir para o exílio. Em vez de Londres, epicentro da onda psicodélica na Europa, Chico migrou para a Itália. Retornou ao Brasil em março de 1970, desembarcando no aeroporto carregando uma bandeira do Fluminense.

Se Caetano e Gil foram artífices da Tropicália, sob a inspiração de Oswald de Andrade, Chico já tinha desde garoto, por meio do pai, Sérgio Buarque, ensaísta formado sob os eflúvios modernistas, um vínculo permanente com o modernismo. 

Em Construção, Chico Buarque bebeu na fonte da poesia moderna. Os versos, sempre terminados em proparoxítonas, sugerem imagens de força cinematográfica. Chamam a atenção, no disco, os arranjos de Rogério Duprat, tropicalista de primeira grandeza que, a exemplo do que fez no Tropicália com Miserere Nobis e Coração Vagabundo, aboliu o intervalo entre as faixas de Deus lhe pague e Construção. A orquestração casa à perfeição com a bela e complexa letra de Chico, acrescentando dramaticidade à saga do personagem que morre na “contramão atrapalhando o tráfego”. 

Em 1971, Milton Nascimento, Lô Borges e uma turma de amigos mineiros, por sua vez, alugaram uma casa em Mar Azul, Piratininga, balneário situado em Niterói (RJ). Nos dias em que ficaram por lá, compuseram a maioria das músicas do álbum duplo Clube de Esquina.

O disco é uma síntese do pop dos Beatles, da música sacra do barroco mineiro, dos tambores africanos, da bossa nova, importante na formação dos que participaram do álbum, e do jazz, que todos ouviam atentamente. Todas essas referências se encontraram à beira-mar e gestaram um disco singular, de sonoridade moderna e universal. 

Viva os 50 anos desses discos maravilhosos. 

Saiba mais sobre o autor

Foto: reprodução

*Henrique Brandão é jornalista e escritor

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática online de abril de 2022 (42ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não reflete, necessariamente, as opiniões da publicação.


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