transição

Questão migratória é um dos assuntos mais delicados da política doméstica dos EUA e um dos pontos frágeis da gestão Biden

Lula estuda anular medidas do governo Bolsonaro que facilitaram deportação de brasileiros dos EUA

Mariana Sanches,* BBC News Brasil

É o que dizem fontes especializadas em política externa ouvidas pela BBC News Brasil envolvidas na transição de governo e que devem assumir posições de relevo na nova gestão.

Entre outubro de 2019 e novembro de 2022, 7.549 brasileiros que entraram nos EUA sem vistos foram deportados em 80 voos fretados pelos americanos com destino final no Aeroporto de Confins, em Minas Gerais.

O levantamento inédito, ao qual a BBC News Brasil teve acesso, foi feito a partir de dados de desembarque desses passageiros no terminal internacional de Minas Gerais e compilados pelo sociólogo Gustavo Dias, professor da Universidade Estadual de Montes Claros.

Os voos fretados, autorizados pelo Brasil em 2019, são alvos de inúmeras denúncias de maus-tratos e abusos cometidos contra os deportados, que costumam ter os pés e as mãos algemados durante toda a viagem. Até mesmo um menor de idade brasileiro já ficou preso a algemas em um desses voos, o que provocou protestos verbais do Itamaraty junto ao Departamento de Estado americano.

"Eu não estudei atentamente essas medidas, mas, evidentemente, o governo do presidente Lula, como fez no passado, vai revisar e, se necessário, modificar ou anular, cancelar, revogar as medidas que sejam contrárias aos interesses dos cidadãos brasileiros. Como será feito isso é um detalhe que eu não tenho como responder agora", afirmou à BBC News Brasil o ex-chanceler Celso Amorim, que assessora o presidente eleito Lula no tema.

Auxiliares de Lula garantem que esse será um dos temas que o presidente eleito deve levar à mesa quando tiver sua primeira conversa de trabalho com o colega americano Joe Biden.

A revisão dessas regras, no entanto, poderá criar um dos primeiros espinhos na relação até agora positiva com o governo do democrata — já que a questão migratória é um dos assuntos mais delicados da política doméstica dos EUA e um dos pontos frágeis da gestão Biden.

Trump 'cerrou os punhos'

O número de brasileiros que se arriscam na travessia terrestre entre México e EUA deu um salto nos últimos anos, em meio a uma crise de milhões de migrantes que se avolumaram na fronteira americana sul neste mesmo período.

Ao todo, mais de 53,4 mil brasileiros foram localizados pelo serviço migratório na fronteira Sul dos EUA no ano fiscal de 2022 (encerrado em setembro passado) e 56,9 mil, em 2021, segundo o serviço de Proteção das Alfândegas e Fronteiras dos EUA (CBP, na sigla em inglês).

Estes são os números mais altos da série histórica desde 2007. De acordo com o sociólogo Gustavo Dias, que estuda as comunidades mineiras de onde saem boa parte dos jovens e adultos que decidem tentar entrar nos EUA sem visto e por via terrestre, a principal motivação desses migrantes é a busca por oportunidades de ascensão econômica, que essas pessoas se desiludiram de alcançar no Brasil.

"O governo Bolsonaro talvez seja um caso único no mundo de uma gestão que atua para dificultar a mobilidade de uma população que ele ajuda a expulsar do país", afirma Dias, em referência às medidas de facilitação de exportação.

Desde outubro de 2019, quando o republicano Donald Trump era ainda o presidente dos Estados Unidos, o Brasil passou a concordar com o envio de dois voos mensais - fretados pelos americanos - para repatriar brasileiros.

Excepcionalmente, os EUA chegaram a enviar até três voos em um mesmo mês. Na prática, isso resultou em uma devolução média de 204 brasileiros a cada 30 dias desde então.

Segundo relataram à BBC News Brasil três diplomatas brasileiros com conhecimento das negociações, o aceite para o envio de voos americanos com brasileiros ao Brasil veio depois que a gestão Trump "cerrou os punhos".

Considerado o maior aliado internacional de Bolsonaro, Trump comandou uma das políticas mais duras contra imigrantes da história dos EUA, que incluiu até mesmo a construção de um muro em trechos da fronteira com o México.

Ao Itamaraty, então comandado pelo chanceler Ernesto Araújo, a gestão Trump disse que o Brasil fazia parte de uma lista de países "pouco cooperativos" do Departamento de Segurança Interno (DHS, na sigla em inglês), porque não facilitava a deportação de nacionais que chegavam aos EUA.

E fez entender que isso afetaria o estreitamento de laços que o governo Bolsonaro buscava como prioridade. A negociação foi fundamental para que o Brasil voltasse a autorizar os voos fretados dos EUA, que não aconteciam nesses termos desde 2006.

Entre 2006 e 2019 - salvo em casos negociados especificamente - repatriações dependiam da disponibilidade de vagas em voos de carreira entre os dois países.

Como havia poucas vagas nas aeronaves de companhias aéreas comerciais, era relativamente comum que os americanos vissem estourar o prazo para que pudessem manter legalmente o migrante brasileiro detido em algum dos seus centros de detenção.

Assim, os brasileiros acabavam liberados em território americano, com uma notificação para comparecer em alguma corte migratória em alguma data específica. Parte desses migrantes jamais voltava a se apresentar às autoridades. Entre os agentes de migração dos EUA, a medida ganhou o apelido irônico de "notificação para desaparecer".

Mas os voos fretados não foram a única mudança feita pelo governo Bolsonaro para facilitar a deportação de brasileiros. Migrantes indocumentados costumam ter como estratégia se desfazer de seus documentos de identidade, para dificultar ou retardar o processo de devolução a seus países e tentar encontrar formas de não serem expulsos.

Sob Bolsonaro, os consulados brasileiros também passaram a expedir, a pedido de autoridades americanas e até mesmo contra a vontade dos cidadãos brasileiros, atestados de nacionalidade, para comprovar que se tratavam de brasileiros. E a permitir a entrada de deportados ao Brasil apenas com este tipo de documento.

Parte dos deportados brasileiros também afirma não ter sido atendido pelos americanos ao pedir assistência consular antes da deportação, o que é um direito dos migrantes. No ano passado, os EUA chegaram a deportar dezenas de crianças brasileiras filhas de haitianos para o Haiti sem o conhecimento de autoridades do Brasil, conforme mostrou a BBC News Brasil na ocasião.

"Um brasileiro ilegalmente fora do país é problema do Brasil, isso é vergonha nossa, para a gente", afirmou o deputado federal e filho do presidente Eduardo Bolsonaro, em visita a Washington em março de 2019, justificando as decisões que o governo já começava a tomar sobre o tema.

No mesmo período, a gestão Bolsonaro extinguiu a necessidade de vistos para a entrada de americanos no Brasil - em desacordo com o princípio da reciprocidade adotado até então pela diplomacia brasileira.

"Quantos americanos vão vir morar ilegalmente no Brasil, aproveitar essa brecha para entrar aqui como turista e passar a viver ilegalmente? Agora vamos fazer a pergunta contrária: se os EUA permitirem que o brasileiro entre lá sem visto, quantos brasileiros vão para os Estados Unidos se passando por turistas e vão passar a viver ilegalmente aqui?", disse Eduardo Bolsonaro, na mesma ocasião.

O fim dos vistos para brasileiros é um pedido antigo do Brasil, mas não há qualquer previsão para que isso ocorra atualmente.

Bolsonaro também desmontou a política estabelecida em decreto de Lula em 2010 para os migrantes brasileiros, com base nos princípios de não discriminação e garantia dos direitos humanos previstos na Convenção de Viena, da qual o Brasil é signatário. E desmantelou o Conselho de Representantes de Brasileiros no Exterior (CRBE), que servia como interface entre as comunidades e o governo.

"Olha, o que eu falar aqui vai dar polêmica, tá certo? Acho que, em qualquer país, as suas leis têm que ser respeitadas, né? Qualquer país do mundo onde pessoas estão lá de forma clandestina, é um direito daquele chefe de Estado, usando da lei, devolver esses nacionais. Lamento que os brasileiros foram buscar novas oportunidades lá fora e voltam para cá deportados. Lamento, mas temos que respeitar a soberania dos outros países", disse o presidente Jair Bolsonaro em janeiro de 2020, ao justificar as medidas.

Biden deportou mais brasileiros que Trump

Sob Bolsonaro, o Itamaraty tem apresentado reclamações constantes ao governo dos EUA em relação ao tratamento dado aos brasileiros devolvidos - especialmente ao uso de algemas de pés e mãos, que forçam a posição curvada das pessoas por horas seguidas.

Os americanos afirmam que trabalham em uma solução que seja customizada para o Brasil, já que não quer abrir o precedente para que outros países da região também possam contestar o uso de algemas em seus cidadãos.

"Ainda estamos tentando fazer um diagnóstico, mas o que percebemos é que esse governo só olhava pro migrante quando era pra fazer comício. Mas não cuidou, e permitir que o brasileiro seja algemado e enfiado de volta no avião não são medidas condizentes com uma política externa minimamente razoável", afirmou um integrante da equipe de transição sob condição de anonimato por não ter autorização para falar em público sobre o tema. A declaração é uma referência à motociata feita por Bolsonaro em Orlando em junho. A maioria da comunidade brasileira nos EUA votou em Bolsonaro.

Em tese, bastaria uma decisão unilateral de Brasília para que os voos americanos fossem vetados de adentrar o espaço aéreo brasileiro e para que os consulados interrompessem a emissão de atestados de nacionalidade.

A decisão, no entanto, é politicamente sensível e divide até mesmo os diplomatas do Brasil - que reconhecem o direito dos americanos de escolher a quem recebem em seu território.

E embora as medidas tenham sido negociadas por Bolsonaro com a gestão Trump, quem mais se beneficiou delas foi Biden. No período do republicano, segundo o estudo de Dias, apenas 985 brasileiros foram deportados, em 22 voos. Já com Biden na Casa Branca, foram 6.564 devolvidos em 58 voos.

"Uma coisa é falar sobre rechaçar essas regras em 2010, quando quase não entrava brasileiro nos EUA e não havia a pressão que tem hoje dos americanos para liberar documento e mandar de volta. Outra coisa é falar disso agora, a realidade mudou", disse à BBC News Brasil um embaixador que acompanha a questão consular Brasil-EUA.

Por pressão dos americanos, os mexicanos recentemente voltaram a exigir visto para a entrada de brasileiros no país. É uma tentativa de coibir o fluxo de cidadãos do Brasil na fronteira com os EUA.

O time de Lula afirma que tentará convencer os americanos de que a repressão a quem chega na fronteira não é o caminho, e sim atuar nas causas que levam esses latinos a partir de seus países. Um discurso que o próprio Biden defendeu na campanha, mas que se mostrou pouco eficiente em seu governo, quando ele lançou mão de expedientes semelhantes aos de Trump pra tentar controlar a onda migratória.

Em negociação para que os americanos façam aportes de dinheiro para a preservação da Amazônia, apoiem uma candidatura do Brasil numa eventual reforma do Conselho de Segurança da ONU e tentando reatar uma relação com os EUA abalada pelas tensões entre Biden e Bolsonaro, Lula terá que decidir se enfrentará os custos políticos que as mudanças para dificultar a deportação de brasileiros poderão acarretar.

Texto publicado originalmente na BBC News Brasil.


Confira abaixo a lista de transição do Governo Lula

Alckmin anuncia nomes da transição para Comunicações, Direitos Humanos, Igualdade, Mulheres, Planejamento e Indústria

Geledés*

O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), anunciou nesta quinta-feira (10) novos nomes da equipe de transição de governo.

Entre eles estão os ex-ministros Paulo Bernardo e Guido Mantega, além da deputada federal Maria do Rosário (PT-RS).

O ex-governador paulista, que é o coordenador da transição, fez o anúncio no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), complexo que recebe o gabinete de transição do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A equipe de transição de Lula foi dividida em 31 áreas temáticas. O presidente eleito tem o direito de nomear 50 cargos remunerados para a transição e de contar com trabalho de voluntários.

Veja a lista dos novos nomes da equipe de transição anunciados nesta quinta:

Comunicações

  • Paulo Bernardo, ex-ministro das Comunicações;
  • Jorge Bittar, ex-deputado federal;
  • Cezar Alvarez, ex-secretário do Ministério de Comunicações;
  • Alessandra Orofino, especialista em economia e direitos humanos formada na Universidade de Columbia.

Direitos Humanos

  • Maria do Rosário, deputada federal e ex-ministra de Direitos Humanos;
  • Silvio Almeida, advogado;
  • Luiz Alberto Melchert, doutor em economia;
  • Janaína Barbosa de Oliveira, representante do movimento LGBTQIA+;
  • Rubens Linhares Mendonça Lopes, do setorial do PT para pessoas com deficiência;
  • Emídio de Souza, deputado estadual (SP);
  • Maria Victoria Benevides, socióloga, professora doutora.

Igualdade Racial

  • Nilma Lino Gomes, ex-ministra de Igualdade Racial;
  • Givânia Maria Silva, quilombola e doutora em sociologia;
  • Douglas Belchior;
  • Thiago Tobias, do Coalizão Negra;
  • Ieda Leal;
  • Martvs das Chagas, secretário do Planejamento de Juiz de Fora;
  • Preta Ferreira, movimento negro e movimento de moradia.

Planejamento, Orçamento e Gestão

  • Guido Mantega, ex-ministro da Fazenda;
  • Enio Verri, deputado federal (PT-PR);
  • Esther Dweck, economista e professora da UFRJ;
  • Antonio Corrêa de Lacerda, presidente do Conselho Federal de Economia.

Indústria, Comércio, Serviços e Pequenas Empresas

  • Germano Rigotto, ex-governador do Rio Grande do Sul;
  • Jackson Schneider, executivo da Embraer e ex-presidente da Anfavea;
  • Rafael Lucchesi, diretor-geral do Senai Nacional;
  • Marcelo Ramos, deputado federal (AM);
  • Tatiana Conceição Valente, especialista em economia solidária;
  • Paulo Okamotto, ex-presidente do Sebrae e do Instituto Lula;
  • Paulo Feldmann, professor da USP;
  • André Ceciliano, presidente da Assembleia Legislativa do Rio (Alerj).

Mulheres

  • Anielle Franco, diretora do Instituto Marielle Franco;
  • Roseli Faria, economista;
  • Roberta Eugênio, mestre em direito, pesquisadora do Instituto Alziras e ex-assessora de Marielle Franco;
  • Maria Helena Guarezi, ex-diretora de Itaipu;
  • Eleonora Menicucci, ex-ministra da Secretaria de Política para Mulheres;
  • Aparecida Gonçalves, ex-secretária Nacional da Violência contra a Mulher.

Gabinete de transição

O gabinete de transição faz um diagnóstico da situação da administração federal e prepara os primeiros atos a serem tomados por Lula após a posse.

O presidente eleito fez nesta quinta a primeira visita ao local neste processo de transição.

Outros nomes

Alckmin anunciou na terça-feira (8) os primeiros nomes da equipe de transição. Ele oficializou o ex-ministro Aloizio Mercadante como coordenador do grupo técnico do gabinete; o ex-deputado Floriano Pesaro como coordenador-executivo do gabinete; e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, como coordenadora da articulação política do gabinete de transição.

O vice-presidente também anunciou os coordenadores de dois grupos temáticos, o de economia e do de assistência social. Veja a seguir:

  • Economia: André Lara Resende, Persio Arida, Guilherme Mello e Nelson Barbosa.
  • Assistência social: Simone Tebet (MDB-MS), Márcia Lopes, Tereza Campello e André Quintão.

Texto publicado originalmente no portal Geledés.


Presidente nacional do Cidadania, Roberto Freire diz que partido dará apoio a Lula (FOTO: Antonio Molina/Folhapress) - Folhapress

Cidadania vai apoiar governo Lula em um primeiro momento

Fábio Zanini | UOL

O Cidadania decidiu apoiar formalmente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Congresso, ao menos em um primeiro momento.

"O partido entende esse governo como de superação de riscos da democracia. Então vai dar o apoio necessário durante esse processo", diz o presidente nacional do partido, Roberto Freire.

Em termos práticos, isso significa que os cinco deputados federais e a única senadora da legenda, Eliziane Gama (MA), vão fazer parte da base de apoio parlamentar do governo. A própria senadora faz parte da equipe de transição de Lula.

Segundo Freire, num segundo momento haverá uma análise sobre as políticas do governo em diversas áreas para uma definição sobre a continuidade ou não desse apoio. "É difícil dizer quanto tempo isso levará", declarou.

Também não haverá objeção caso algum quadro do Cidadania seja convidado para fazer parte do governo. "Quem indica é o presidente. Não sou da tese de que o partido indica, como se o partido fosse mandar no ministério", disse.

Cidadania faz parte de uma federação com o PSDB, que já declarou postura de independência do governo Lula. Em tese, os dois partidos deveriam se comportar como uma legenda só, mas Freire não vê problema.

"Estamos juntos com o PSDB nos governos de Eduardo Leite (RS) e Raquel Lyra (PE), mas nesse caso cada um tem seu próprio tempo", disse.

Matéria publicada originalmente na Folha UOL


Nas entrelinhas: Transição não será um passeio pelo Eixo Monumental

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Engana-se quem pensa que este período de transição para o novo governo será fácil para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. No plano político, a sinalização está sendo boa: Lula estabeleceu as relações cordiais com os demais Poderes e opera a montagem de um governo de ampla coalizão democrática. Também mostrou que não pretende deixar no sereno os eleitores de mais baixa renda que o elegeram, ao anunciar que os recursos do Bolsa Família vão extrapolar o teto de gastos.

Entretanto, o dólar disparou depois da divulgação da inflação no Brasil e nos Estados Unidos. Ontem, o câmbio já passou dos R$ 5,30. O preço do fechamento do dia foi de R$ 5,396, alta de 4,14% no dia. Por volta das 15h30, o dólar estava a R$ 5,341, alta de 3,09%. Logo na abertura do mercado, a moeda americana chegou a subir quase 3%. Na quarta-feira, o dólar já havia fechado o dia em alta, de 0,74%, fechando a R$ 5,18. Desde o início do mês, a alta é de 2,96%. É óbvio que existe muita especulação no mercado, com divulgação de fake news que mexem com a Bovespa, em razão da insegurança dos investidores.

Lula já disse que não tem pressa para indicar o novo ministro da Fazenda, mas é aí que está o xis da questão no mercado financeiro. A rigor, ninguém sabe quais serão as medidas de impacto dos 100 primeiros dias de governo, exceto aquelas que estão sendo negociadas no Congresso, que sinalizam uma certa continuidade da farra fiscal que marcou a gestão do ministro Paulo Guedes durante a campanha eleitoral. Esse problema somente se resolverá quando for anunciado o nome do novo ministro da Economia ou da Fazenda, se houver desmembramento.

Havia uma expectativa positiva de que o vice-presidente eleito Geraldo Alckmin viesse a ocupar esse cargo, mas isso nunca foi cogitado de verdade por Lula. O próprio Alckmin já havia dito isso, o que fora interpretado como dissimulação, porém, ontem, Lula jogou uma pá de cal nessa possibilidade, ao afirmar que o ex-governador paulista não ocupará nenhum ministério. Esse também não foi o problema maior para o mercado financeiro, o que gerou instabilidade foi a própria fala de Lula e o fato de o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega ter sido confirmado como um dos integrantes do governo de transição.

Coalizão

Até agora, a principal ancoragem da transição de governo no mercado financeiro era a presença dos economistas Pérsio Arida, André Lara Resende e Guilherme Mello na equipe econômica da transição. A confirmação de Guido Mantega, ministro da Fazenda dos governos Lula e Dilma Rousseff, sinaliza noutra direção. Mantega tem uma velha relação com Lula, que começou quando dava aulas de economia para o então líder metalúrgico no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo.

Arida, Resende e Mello têm evitado declarações à imprensa; imagina-se que a mesma coisa acontecerá com Guido Mantega. Enquanto não se define o nome do futuro ministro, porém, as especulações no mercado financeiro vão continuar, até porque existe um ambiente internacional que também favorece isso. A guerra da Ucrânia se prolonga, o inverno se aproxima na Europa e há sinais de que poderemos ter um ambiente de recessão na economia mundial. Esse cenário acaba alimentando as teses de políticas anticíclicas, como as adotadas por Lula após crise de 2008, que se prolongaram no governo Dilma, levando-a ao impeachment.

A transição vai bem no plano político. Lula está prestigiando todos os políticos que o apoiaram desde o primeiro turno e ampliou a equipe de transição para incorporar os partidos e lideranças que o fizeram no segundo turno, principalmente Simone Tebet. O risco que corre, porém, é o novo ministério ficar com cara de governo velho, no qual antigos caciques políticos e a atual cúpula petista pontificariam. Com a PEC da Transição, do ponto de vista de sua base eleitoral, e o bom relacionamento com os líderes do Centrão, principalmente o presidente da Câmara, Arthur Lira, Lula garante a estabilidade do governo na sua largada para o novo mandato. Mas isso não basta para satisfazer os setores da classe média e da elite econômica do país que fazem restrições ao presidente eleito.

De qualquer forma, o novo governo será o que Lula conseguir articular em termos de forças democráticas. O primeiro turno das eleições mostrou que o projeto original era viabilizar nas urnas, de forma inequívoca, um governo de esquerda, ainda que sua coalizão eleitoral se autointitulasse “frente ampla”. A correlação de forças políticas e eleitorais, porém, obrigou Lula a ampliar suas alianças em direção ao centro político; a vitória por estreita margem, a realizar uma articulação ampla das forças democráticas para dar sustentação ao seu governo. Essa articulação não passa apenas pelos acordos no Congresso, passa também, e sobretudo, pela formação do governo e sua composição.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-transicao-nao-sera-um-passeio-pelo-eixo-monumental/

Presidente Nacional do Cidadania23, Roberto Freire

Nota oficial: Cidadania defende transição democrática e condena movimentos golpistas

Cidadania23*

Reunida nesta terça-feira (8), a Executiva Nacional do Cidadania manifestou total apoio ao processo de transição democrática entre os governos Bolsonaro e Lula, coordenado pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin.

E condenou, de forma veemente, a tentativa de partidários do atual presidente, com apoio oficial e velado de pessoas próximas a ele, de solapar a legitimidade das urnas em protestos de caráter claramente golpista.

A esse movimento que fala abertamente em rompimento democrático, se somam outras manifestações de cunho racista, xenofóbico e segregacionista, com gestos e comportamentos já vistos em outros tempos sombrios da história e que devem ser prontamente repudiados pela sociedade brasileira.

Sufocadas essas bolhas nazifascistas, o Cidadania espera que surja do processo de transição entre as gestões um governo que represente a diversidade de visões de mundo observada na frente ampla que deu a vitória a Luiz Inácio Lula da Silva e suplantou o fascismo bolsonarista pelo voto livre e universal.

Que as cenas deploráveis a que o Brasil assiste sejam apenas o último suspiro do golpismo de extrema-direita no Brasil, o que depende do êxito do novo governo em endereçar corretamente os problemas que afligem a população, como fome, desemprego, estagnação econômica e destruição do meio ambiente.

O Cidadania seguirá apoiando, como sempre, os projetos e as reformas de interesse do país.

Roberto Freire
Presidente Nacional do Cidadania

Texto publicado originalmente no portal Cidadania23.


Imagem: Justin Tallis/AFP

5G começa a ser ativado hoje (6) em Brasília. O que muda?

Guilherme Tagiaroli de Tilt*, UOL

Quase oito meses após o leilão do 5G, a tecnologia finalmente vai estrear nesta quarta-feira (6) em solo brasileiro, especificamente em Brasília (DF), após liberação recente da Anatel. Aos poucos, a tecnologia deve começar a figurar em outras capitais do Brasil.

Neste primeiro momento, TIM, Claro e Vivo vão passar a ofertar 5G na região na frequência de 3,5 GHz, a mais usada em países que já implementaram a tecnologia, com diferentes características e estratégias de preço.

De acordo com a Anatel, as próximas cidades que devem receber o 5G são São Paulo (SP), Belo Horizonte (MG), Porto Alegre (RS) e João Pessoa (PB). Ainda não há datas definidas.

O impacto do 5G A tecnologia 5G permite downloads com velocidade na casa dos gigabits por segundo (capaz de baixar filmes em menos de um minuto) e oferece baixa latência (o tempo de resposta entre um comando feito e sua execução). Isso possibilita uma conexão mais estável, permitindo, por exemplo, que seja possível jogar via 5G em pé de igualdade com as pessoas que estão em uma conexão fixa.

"Brasília foi escolhida, pois é um local muito concentrado, e a transmissão de 3,5 GHz [usada para transmissão de sinal de TV via satélite] é feita por uma única torre. Então, essas características facilitaram a estreia na capital", disse Márcio Carvalho, diretor de marketing da Claro, em entrevista a Tilt.

5G "puro sangue" x 5G de transição

Antes de explicar as ofertas das operadoras, vale entender as diferenças tecnológicas.

Basicamente, existem três tipos de 5G:

5G DSS - usa frequências do 4G para oferecer internet mais rápida (na casa dos 100 Mbps) - as principais operadoras oferecem esta modalidade em diversas cidades desde 2020. É considerada uma tecnologia de transição do 4G para o 5G;

5G NSA (Non Standalone) - usa frequência de 5G e utiliza "núcleo da rede 4G". Oferece internet rápida (na casa dos gigabits por segundo), mas não tem latência tão baixa (menor tempo de resposta entre comando e execução);

Sendo assim, ela é boa para downloads rápidos de arquivos multimídia e não tão boa para aplicações industriais.

5G SA (Standalone) ou "5G puro sangue" - usa frequência de 5G e utiliza núcleo de rede 5G (uma infraestrutura dedicada apenas a ele). Oferece internet super-rápida e tem latência baixa. Bom para downloads rápidos de arquivos multimídia, jogar online sem lag (atraso) e bom para aplicações industriais.

Em Brasília, as operadoras terão redes híbridas, portanto terão 5G NSA e 5G SA (na frequência de 3,5 GHz). Consultada por Tilt, a Anatel diz que o edital do 5G exige que as "operadoras tenham redes 5G SA, mas não impede que tenham também 5G NSA".

Segundo a agência, "o objetivo é atender ao máximo o portfólio da base legada, visto que muitos usuários ainda não possuem terminais [celulares] 5G SA".

TIM: 5G "puro" só para quem pagar

A TIM vai oferecer o 5G com cobertura para quase metade da população de Brasília, segundo a empresa, com 100 antenas. Estará disponível em Águas Claras, Taguatinga, Gama, Ceilândia, Cruzeiro, Asa Norte, Asa Sul, Guará, Lago Norte, Lago Sul, Noroeste, Recanto das Emas, Samambaia, Santa Maria, Setor de Indústria e Abastecimento, Taguatinga e Vicente Pires.

Logo de início, a TIM vai trabalhar tanto o 5G SA (Standalone) quanto o 5G NSA (Nonstandalone) para os clientes com celulares compatíveis.

"Desde 2019 estamos trabalhando para o 5G, com a criação dos primeiros laboratórios de quinta geração no país e realização de diversos pilotos. Agora, entregamos a primeira rede comercial Standalone, disse Alberto Griselli, presidente executivo da TIM Brasil, em comunicado de imprensa.

Para usar a rede "5G puro sangue", clientes dos planos Tim Black e Tim Black Família deverão contratar um "booster" de R$ 20 mensais via app Meu TIM, que dará direito a 50 GB de dados a mais, além de navegação ilimitada na plataforma de transmissões Twitch. Novos clientes desses planos não precisarão pagar a mais e terão o benefício sem custo adicional por 12 meses.

No futuro, a operadora diz que oferecerá outros benefícios, como acesso à plataforma de jogos pela nuvem AWG, que tem títulos como Fortnite, eFootball, Elder Ring e GTA V.

Quem não contratar o pacote adicional, terá acesso à rede 5G NSA da TIM.

Segundo a operadora, donos de smartphones 5G da Samsung e da Motorola não precisam trocar de chip para usar a nova tecnologia.

Claro: 5G sem custos adicionais, mas sem latência baixa

A Claro oferecerá 5G nas regiões do Plano Piloto e do Lago Sul, em Brasília (DF). Com a ativação da rede, usuários que se conectarem a ela com dispositivos compatíveis verão escrito no celular 5G+. Não haverá cobrança adicional dos clientes, e funcionará tanto para quem tiver plano pré como plano pós.

Segundo a Claro, os consumidores farão uso de uma rede 5G NSA (non-standalone). Apesar disso, a empresa diz que tem implementado redes SA (standalone), uma exigência da Anatel (Agência Nacional das Telecomunicações) no leilão do 5G, e que deve oferecer num primeiro momento esta tecnologia para aplicações industriais e agrícolas.

Com o avanço da implementação, usuários comuns também poderão contratar separadamente planos com este 5G "puro sangue".

"As principais aplicações — como Netflix, YouTube, Uber — foram desenvolvidas para funcionar no 4G. Então, a alta velocidade do 5G NSA é mais que o suficiente. Quando tivermos aplicações que usam baixa latência, fará sentido para o consumidor ter 5G SA", afirmou Carvalho. "Se lançássemos 5G SA para os consumidores, eles pagariam mais caro por algo que ainda não tem aplicações específicas".

Em teste prévio na rede 5G NSA em Brasília, a Claro diz que a rede de Brasília conseguiu atingir a velocidade máxima de pouco mais de 2 Gbps (gigabits por segundo) em um smartphone Motorola G62 — um telefone de nível intermediário. Dá para baixar um jogo de 10 GB (gigabytes) em menos de um minuto.

A Claro tem uma lista de telefones compatíveis com o 5G+. Lá tem celulares como Galaxy S22, Moto G71 5G, todos os iPhones 12 e iPhones 13, e Nokia G50.

Para alguns aparelhos, como Moto Edge 20, Moto Edge 30, Galaxy S21 e Galaxy Z Fold 3, a operadora recomenda a troca por um chip novo (SIM card).

Vivo: quem tem telefone habilitado já poderá navegar

Em comunicado, a Vivo informou que habilitou também sua rede 5G na frequência de 3,5 GHz em Brasília. "Para usar, basta ter um plano móvel da operadora e um aparelho compatível com a tecnologia", diz a companhia em nota.

Como a Claro, a operadora não cobrará inicialmente para uso das suas redes 5G. Quem quiser navegar em uma rede 5G SA da Vivo deverá adquirir um chip novo.

A operadora informou ainda que em seu portfólio conta com 47 aparelhos homologados compatíveis, tanto na frequência de 3,5 GHz quanto na de 2,3 GHz.

Em nota anterior, a tele informou que está pronta para ativar a tecnologia nas capitais, caso haja "viabilidade de liberação das radiofrequências".

Para obter mais informações, a Vivo tem um site falando sobre sua cobertura 5G.

*Matéria atualizada com detalhes do início da operação da Vivo em Brasília.

*Texto publicado originalmente no UOL


Gustavo H. B. Franco: Um acordo de transição

Não, o mercado financeiro não está enxergando nenhum golpe, ou descontinuidade, mas vislumbra ao menos oito boas razões para presumir que a Presidência Bolsonaro iniciada em 2018 vai terminar diferente do que começou

Mesmo antes da derrota de Donald Trump parecia que o Brasil passava por uma transição, como se a segunda metade da Presidência Jair Bolsonaro fosse uma mudança de governo, uma sensação curiosa e paradoxal, pois mudança mesmo só teremos mais adiante, depois das eleições de 2022, ou não.

Entretanto, a “sensação de transição” foi se acentuando nas últimas semanas.

O problema começou com dificuldades com (a rolagem de) a dívida pública (os deságios nas LFTs), um clássico sinalizador de problemas em transições (o sujeito não quer comprar um título de um governo que vai ser pago, ou não, pelo próximo). 

O Tesouro e o BCB têm experiência nesse assunto, sabem trabalhar de forma tópica, mas não são capazes de eliminar as dúvidas ensejadas por uma transição. Só o novo governante é capaz de fazê-lo. 

Bem, como o novo governante é o mesmo, não deveria ser tão complexo. Porém, é fato que estamos experimentando a “sensação de transição” no meio do mandato presidencial. O que pode estar produzindo essa distorção?

Não, o mercado financeiro não está enxergando nenhum golpe, ou descontinuidade, mas vislumbra ao menos oito boas razões para presumir que a Presidência Bolsonaro iniciada em 2018 vai terminar diferente do que começou:

  1. O ocaso do populismo em escala global, iniciado nos EUA e criando um vento de fim de festa na Hungria como em Brasília;
  2. Uma segunda onda de covid, ou simplesmente o desdobramento da primeira, com amplos impactos em escala global, e impactos relevantes na recuperação que o País vinha experimentando; 
  3. Mudanças nas lideranças das duas Casas legislativas e, consequente, revisão da equação de apoio parlamentar do governo. Talvez mesmo com reforma ministerial para atender ao “Centrão”.
  4. O ministro da Fazenda parece uma sombra de si mesmo, não é mais o “infiltrado liberal”, mas alguém mais organicamente ligado ao projeto de poder da família Bolsonaro. O ministro não vai cair, mas não é mais o mesmo, ou ao menos, não é mais atacante nas pautas reformistas, mas um “meia de contenção”, focado em evitar retrocessos. O casamento arranjado com os liberais terminou, pois as entregas em matéria de privatização, abertura e reformas mais profundas foram pífias;
  5. O fim dos auxílios emergenciais, sem que se saiba o que vem no lugar; 
  6. O fim das linhas especiais, e de outras tantas providências dependentes da vigência do estado de calamidade que se encerra oficialmente em 31 de dezembro;
  7. Novos patamares de déficit primário e de dívida pública, o primeiro ultrapassando R$ 800 bilhões, e a segunda se aproximando de 100% do PIB.
  8. Recrudescimento da inflação que, em novembro, pelo IGPM, alcançou estonteantes 24,52% no acumulado de 12 meses;

Portanto, é como se a segunda metade tivesse se convertido no segundo governo Bolsonaro, e com desafios econômico aterradores.

Bem, o Brasil possui uma larga experiência em transições turbulentas, normalmente de um governo para o outro, não dentro do mesmo, para as quais a receita canônica é um acordo com o FMI. Uma das funções mais importantes, e menos faladas, desse tipo de acordo é a de terceirizar culpas, bem como responsabilidades sobre medidas que precisam ser tomadas, que se tornam imperativos de um tratado internacional, e que seriam inexecutáveis fora disso.

Será que é o caso?

Bem, é claro que o FMI, nesse caso, funciona apenas como um exercício retórico. 

Nosso problema agora é fazer um acordo com o FMI, sem o FMI, um acordo do Brasil com ele mesmo. É fácil em tese, mas dificílimo de fazer, no atual estado de polarização, quando o governo está tão isolado que não consegue fazer acordo nem com ele mesmo.

Há sobre a mesa um desafio gigante e urgente, no terreno fiscal, de conciliar uma versão prática e socialmente aceitável da ideia de responsabilidade fiscal, que compreenda a preservação do teto (uma “última defesa” já bastante combalida), com iniciativas que coíbam um aumento catastrófico do desemprego e a volta da inflação.

O verbo aqui é conciliar, um que o governo não costuma conjugar, e para o qual não estava preparado. 

* EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA RIO BRAVO INVESTIMENTOS. ESCREVE NO ÚLTIMO DOMINGO DO MÊS 


El País: Bolsonaro diverge de Guedes sobre Previdência e nomeia só homens para transição até agora

Presidente eleito concedeu longa entrevista a Datena, na Band. Equipe de transição do futuro Governo deve cortar 13 pastas e fundir Meio Ambiente e Agricultura

Por Afonso Benites e Flávia Marreiro, do El País

Jair Bolsonaro (PSL) mostrou, mais uma vez, não ter constrangimento em desautorizar seu futuro superministro da Economia, Paulo Guedes. Se na campanha ele dizia que Guedes era seu guia e "Posto Ipiranga" com respostas para os dilemas em matéria econômica, o presidente eleito disse nesta segunda-feira na TV "desconfiar" da proposta de seu auxiliar para a reforma da Previdência, que prevê uma mudança do modelo atual para um sistema de poupanças individuais para os futuros aposentados. Na longa conversa, ao vivo, com o apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes, o futuro mandatário aplicou a estratégia de ser o calibrador e multiplicador, em várias direções, das mensagens do futuro governo. O presidente eleito sugeriu fazer "alguma" mudança no sistema de aposentadorias "sem colocar em risco e sem levar pânico à sociedade” e descartando mudanças profundas para categorias que lhe são próximas, como militares e policiais. Disse ainda que deseja que alguma proposta seja aprovada ainda neste ano — algo considerado remoto pelo Congresso que está de saída — ou no começo do ano que vem.

"Nós não queremos salvar o Estado quebrando o cidadão brasileiro", afirmou Bolsonaro. O eleito negava assim mais uma vez a proposta ventilada na imprensa e atribuída a seu auxiliares de recriar uma CPMF, tributo sobre movimentações financeiras, como um dos caminhos para mitigar a grave crise das contas públicas. O futuro mandatário também questionou a metodologia do IBGE para medir o desemprego — algo alinhado com padrões globais da área — e falou até que Guedes vai conduzir "renegociações" da dívida interna.

Transição só com homens, nenhuma demarcação indígena

Se na parte econômica as declarações provocam dúvidas se o futuro mandatário entregará a guinada liberal prometida com a nomeação de Guedes, em outras matérias, o presidente eleito repetiu à risca a cartilha de extrema direita. Voltou a defender que policiais e pessoas comuns possam matar até para defender o patrimônio e disse que, em seu Governo, não haverá mais demarcação de terras indígenas, apesar de esse ser um passo previsto na Constituição.

Enquanto isso, em Brasília, o coordenador da transição e futuro ministro da Casa Civil, o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM), se utilizou da estratégia de liberar informações à conta-gotas para sinalizar que a equipe de transição do futuro governo deverá cortar 13 dos 29 ministérios hoje existentes no Brasil. A relação exata das 16 pastas sobreviventes ainda não foi divulgada. Nesta segunda-feira parte da equipe se reuniu pela primeira vez em Brasília, durante início oficial dos trabalhos. Serão ao todo 28 nomes — todos homens — que começarão a atuar nessa troca de bastão e na criação de dez grupos técnicos para o planejamento do Governo.

Antes desta segunda, apenas Lorenzoni havia sido oficializado. Conforme esse desenho inicial, em princípio, os ministérios de Agricultura e de Meio ambiente deverão ser fundidos. Um desses grupos de trabalho foi batizado de “produção sustentável, agricultura e meio ambiente”. Analisando as outras equipes setoriais, ainda é possível concluir que, os ministérios dos Esportes e da Cultura serão anexados pela Educação, o de Desenvolvimento Social se juntaria à Saúde e a confirmação de que a Segurança Pública e a Transparência seguem para o guarda-chuva da pasta da Justiça. Esta última a ser comandada pelo juiz Sérgio Moro, o juiz  Operação Lava Jato que desistiu da magistratura para aceitar o cargo político.

Até o momento os dois principais empecilhos de Bolsonaro na redução de sua Esplanada dos Ministérios estão no Meio Ambiente e na pasta de Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Ele já deu declarações no sentido de unir esses órgãos com outros e depois voltou atrás. Nesta semana, um grupo de dez associações de industriais levou uma sugestão a Lorenzoni para que, ao invés de unir a pasta de Indústria à da Fazenda, Bolsonaro poderia juntá-la ao ministério do Trabalho. A ideia deles é criar a pasta de Produção, Trabalho e Comércio. Seu temor é o de perder a interlocução com o governo federal.

Com relação ao Meio Ambiente, o futuro governo de Bolsonaro ouve críticas de todos os lados. De ambientalistas e de ruralistas. Ainda assim, não anunciou qual será sua decisão. A expectativa é que ao longo desta semana ele anuncie ao menos mais um ou dois ministros, assim como o número total de seus ministérios.

Visita a Brasília e declaração de Moro

Na terça-feira, o presidente eleito retorna pela primeira vez à Brasília para participar da solenidade do Congresso Nacional em alusão aos 30 anos da Constituição Federal. No dia seguinte, reúne-se com o presidente Michel Temer(MDB) e deve fazer um pronunciamento na sequência. “Estamos na fase do muito trabalho e pouca conversa”, repetiu o seu mantra o deputado Lorenzoni. Moro, por sua vez, convocou os jornalistas e deve falar em Curitiba: trata-se de uma aguardada fala pública já que se especula que o juiz pode não endossar as propostas mais radicais de Bolsonaro, como licença para matar sem punição dada a policiais. Ao Datena, Bolsonaro disse que o juiz só terá que chegar a um "meio termo" sobre algumas propostas.

Até o momento, além do futuro chefe da Casa Civil e de Sérgio Moro, foram definidos como ministros o general Augusto Heleno (Defesa), o astronauta Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Paulo Guedes (Economia). Um dos próximos a ser anunciados deve ser o ministro da Infraestrutura. O principal nome para a função é do general Oswaldo Ferreira, que já coordenava os trabalhos prévios desta área.

A LISTA DA TRANSIÇÃO

Até o momento, 28 nomes foram apontados como membros do grupo de transição. São eles:

Abraham Bragança De Vasconcellos Weintraub;

Adolfo Sachsida;

Alexandre Xavier Ywata De Carvalho;

Antônio Flávio Testa;

Arthur Bragança De Vasconcellos Weintraub;

Augusto Heleno Ribeiro Pereira - futuro ministro da Defesa;

Bruno Eustáquio Ferreira Castro De Carvalho;

Carlos Alexandre Jorge Da Costa;

Carlos Von Doellinger;

Eduardo Chaves Vieira;

Gulliem Charles Bezerra Lemos;

Gustavo Bebianno Rocha;

Ismael Nobre;

Jonathas Assunção Salvador Nery De Castro;

Luciano Irineu De Castro Filho;

Luiz Tadeu Vilela Blumm;

Marcos Aurélio Carvalho;

Marcos César Pontes - futuro ministro de Ciência e Tecnologia;

Marcos Cintra Cavalcanti De Albuquerque;

Onyx Lorenzoni - futuro ministro da Casa Civil;

Pablo Antônio Fernando Tatim Dos Santos;

Paulo Antônio Spencer Uebel;

Paulo Roberto Nunes Guedes - futuro ministro da Economia;

Paulo Roberto;

Roberto Da Cunha Castello Branco;

Sérgio Augusto De Queiroz;

Waldemar Gonçalves Ortunho Junior;

Waldery Rodrigues Junior.


Mauricio Huertas: Hoje só nos resta desejar: Feliz 2019, Brasil!

Num 2017 que termina com o tal “insulto” natalino do presidente Michel Temer para um terço dos condenados na Lava Jato; com a liberação de um sorridente mensaleiro (Henrique Pizzolato, aquele que fugiu do Brasil se passando pelo irmão morto), juntando-se a outros indultados famosos, como José Dirceu, José Genoíno eJoão Paulo Cunha; com o mercado comemorando um reaquecimento ínfimo (que beneficia os investidores da bolsa, enquanto para o trabalhador o desemprego volta a subir, em plena época natalina); com a demissão de um ministro do Trabalho que ninguém sabe quem é (e a entrada de outro, idem!), isso num ano em que se aprovou uma reforma trabalhista e se discute a reforma previdenciária; só nos resta mesmo desejar aos brasileiros um Feliz 2019!

Se já sabíamos que entraríamos num período de transição no pós-impeachment de Dilma Rousseff, este 2018 será o auge desse rito de passagem. Com o agravante de uma eleição presidencial determinante, mas completamente imprevisível, num cenário de descrença generalizada nas instituições democráticas e republicanas, e um porto nada seguro para o novo ciclo que se iniciará com o resultado a ser proclamado em outubro de 2018.

O calendário do ano novo (novo?) está posto, com aquela estranha sensação de déjà vu logo na sua chegada: manifestações contra o aumento de 20 centavos no transporte público de São Paulo estão marcadas para 11 de janeiro (onde certamente teremos a monótona repetição de cenas de depredação e violência); além do julgamento de Lula em segunda instância no dia 24 de janeiro – e isso nos remete ao início deste texto, quando mencionamos o indulto concedido aos bandidos do Mensalão e da Lava Jato. Teremos afinal a condenação do chefe dessas duas quadrilhas? Ele estará afastado das eleições? Vai recorrer para sair candidato? Será preso ou responderá em liberdade?

Mas isso é só o começo de janeiro, neste ano (de novo: novo?) que entramos com ranço dos anos 70 e 80: afinal, temos Paulo Maluf e José Maria Marin atrás das grades; enquanto Jair Bolsonaro e Lulalideram livres, leves e soltos as pesquisas de intenção de voto. Nada mais emblemático destes velhos novos tempos. O que mais virá por aí entre o Carnaval, logo no início de fevereiro, a Copa do Mundo no meio do ano, seguida pelas campanhas eleitorais, a eleição em si e… 2018 vai voar!

De todo modo, será uma boa chance para a (re)definição dos campos partidários e talvez até para o necessário surgimento de novas lideranças. Crise é oportunidade, diz a sabedoria milenar. Esse último suspiro do (des)governo Temer – na súbita e típica melhora do paciente terminal antes da morte – pode clarear um pouco o horizonte político ao atrair para o seu entorno oportunistas de todas as matizes que se reunirão para dilapidar o que resta da máquina estatal. Do lado oposto, o vitimismo dos que construíram a narrativa do golpe e o queremismo redivivo do pai dos pobres.

Isso abre um flanco estratégico para uma candidatura equidistante do governo e da oposição tradicional, ambos comprovadamente quadrilheiros e indesejáveis para o país que desejamos construir para o futuro – e que aí sim poderemos estufar o peito e encher a boca para bradar: UM BRASIL NOVO! Renovado, reformado, recuperado, reestruturado, reconstruído.

Sem os Malufs e Marins, sem os Temers e Lulas, sem os Bolsonarosou Meirelles, políticos vetustos com novos disfarces, que tentam esconder a velha política com as suas práticas obsoletas, deletérias e condenáveis. Não precisamos de mais do mesmo! Basta de indultos aos maus políticos! Basta da complacência da sociedade com tudo aquilo que empurra o Brasil para o buraco, que arrasa com a nossa esperança por dias melhores e que coloca em risco a nossa jovem estabilidade democrática.

Se queremos felizes 2019, 2020, 2021 (…) precisamos construir isso nos próximos meses. Não vamos delegar aos mesmos enganadores e exterminadores de sonhos, o nosso futuro. Vamos assumir a nossa responsabilidade e exercer o nosso protagonismo para forjar a mudança que desejamos. Vamos criar, inovar, fazer nascer e crescer um novo Brasil! Já!

Mauricio Huertas, jornalista, é secretário de Comunicação do PPS/SP, diretor executivo da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), líder RAPS (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade), editor do Blog do PPS e apresentador do #ProgramaDiferente

 


Roberto Freire: Compromisso com as reformas

Em mais um capítulo da tumultuada quadra política que o país enfrenta, os brasileiros acompanharam a votação na Câmara dos Deputados que sacramentou o arquivamento do pedido de licença para que o Supremo Tribunal Federal analisasse se havia ou não elementos suficientes que ensejassem a abertura do processo com base na denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer. A bancada do PPS decidiu votar pela autorização da licença, seguindo um princípio histórico adotado pelo partido no sentido de que todas as denúncias de eventuais irregularidades devem ser rigorosamente apuradas, com total transparência.

Com o resultado, a Câmara indica que o atual mandato será cumprido com Temer na Presidência da República. Diante de uma vitória tão acachapante, cabe ao governo a grandeza de buscar a reaglutinação da base de apoio na luta pelo impeachment em sua integralidade, sem excluir os deputados que, divergindo da posição do governo, votaram pelo pedido de licença já arquivado pela Câmara.

O apoio à transição e às reformas tem de ser a palavra de ordem para chegarmos a 2018 em melhores condições e tendo superado os problemas decorrentes do perverso legado do lulopetismo. A principal tarefa do governo será rearticular todas essas forças políticas em prol de uma agenda reformista, positiva e necessária ao Brasil. No caso do PPS, é importante ressaltar que o partido segue com uma posição de independência, mas plenamente integrado na transição e na luta pela votação das reformas e pela recuperação econômica do país.

Apesar de algumas pesquisas de opinião apontarem uma grande rejeição ao presidente, a sociedade desta vez não se manifestou de forma significativa nem foi às ruas – ao contrário do que se viu no impeachment de Dilma Rousseff, que registrou as maiores mobilizações da história democrática do país. Trata-se, evidentemente, de uma clara demonstração de que a parcela amplamente majoritária dos brasileiros repudia a atual oposição, capitaneada pelo PT e também formada por alguns de seus satélites, como o PCdoB e o PSOL. O povo, definitivamente, não encampou a bandeira do “Fora, Temer” empunhada por aqueles que, abusando da desfaçatez, se dizem contra a corrupção, mas apoiaram Lula e Dilma; ou falam supostamente em favor da democracia e defendem a ditadura venezuelana chefiada por Nicolás Maduro.

A população brasileira demonstrou, afinal, que não se esquece do descalabro dos últimos 13 anos: corrupção desenfreada e escândalos em série como o mensalão e o petrolão, a destruição quase completa da Petrobras, a maior recessão econômica da história do Brasil, com mais de 14 milhões de desempregados, entre outras mazelas. Diferentemente do que pregam os áulicos do lulopetismo, que constroem uma narrativa falaciosa, enviesada e desconectada da realidade, os brasileiros não desejam a volta de Lula e do PT ao poder. As eleições municipais de 2016 já haviam sinalizado de forma categórica que o país quer olhar para frente, seguir adiante com um novo governo e avançar em uma agenda virtuosa que nos traga desenvolvimento e crescimento econômico.

O cumprimento dessa pauta benfazeja é o norte a orientar os parlamentares e partidos que têm a exata dimensão da importância de não desperdiçarmos a chance de tirar o país da crise. Já o reconduzimos de volta aos trilhos depois do desmantelo lulopetista. Agora é preciso acelerar e consolidar a retomada da economia.

 


Mauricio Huertas: A transição pós-PT, o presidencialismo de cooptação e as penas que voam no ninho tucano

Não chega a espantar toda a polêmica e o stress causado pela mais recente propaganda partidária do PSDB, mencionando genericamente os erros que a legenda teria cometido (sem, contudo, listá-los) e criticando o “presidencialismo de cooptação” – que, segundo o programa tucano, neste momento em que é preciso pensar no país, deveria ser substituído pelo parlamentarismo.

Quem acompanha o dia-a-dia da política sabe da divisão partidária existente entre os defensores e partícipes do governo do presidente Michel Temer contra aqueles que cobram o desembarque e a coerência de continuar se opondo aos desmandos e esquemas ilícitos que apenas mudaram de mãos com a troca de mandatário no mesmíssimo consórcio do poder instalado em Brasília.

A crise interna do PSDB é, em maior ou menor grau, reprodução da crise da política e da democracia brasileira, com seus reflexos nos partidos, nas instituições e em toda a sociedade organizada. A realidade opõe quem defende fazer a transição pós-PT dentro deste governo, fechando os olhos e tapando o nariz para a má companhia ocasional, como se os fins justificassem os meios, àqueles que consideram absurdo e inaceitável servir de base de sustentação para os cúmplices de Lula e Dilma por 13 anos, igualmente implicados nas investigações da força-tarefa do Ministério Público, da Polícia Federal, do Judiciário e da Procuradoria-Geral da República.

Uma coisa é certa: do lado de cá, consideramos o petismo águas passadas e queremos avançar. A divergência é sobre como (e com quem) proceder essa transição. Do lado de lá, prossegue a retórica do golpe e o discurso do vitimismo, na tentativa desesperada de sobrevivência após a avalanche de denúncias, delações e condenações. No meio há um fosso enorme aberto pela Operação Lava Jato, que deve servir exatamente para separar os dois lados: e quem, pelos mais inconfessáveis interesses, quiser dar as mãos ao lado oposto para se salvar mutuamente, que afunde solidário, mas não nos puxe junto.

Isso posto, registrado o nosso apoio incondicional à Lava Jato e à punição exemplar de todos os envolvidos em irregularidades, estejam eles no PT, no PMDB, no PSDB ou na “pqp”, voltemos à polêmica da propaganda tucana. Primeiro, uma constatação sobre o formato: o programa feito todo (e apenas) por atores reforça a aversão à política. Passa um atestado da falência da nossa democracia representativa e da miséria dos partidos. Isso é bom? É desejável?

O PSDB afirma e reafirma: Errou! – e a mensagem repetida é a que fica, afinal. “Está na hora de pensar no país”, o programa também repete. Então quer dizer que até agora não pensava? (Hmmmm) Houve ruído para fora e para dentro. Voou pena para todo lado. A peça produzida pelo publicitário Einhart Jacome da Paz – conhecido no meio político como cunhado e marqueteiro de Ciro Gomes nas suas incursões como candidato a presidente em 1998 e 2002, antes disso de FHC em 1994 e 1998, e depois de Lula no 2º turno de 2002 – parece tão confusa e errante quanto o seu currículo profissional.

Diante disso tudo, a defesa do parlamentarismo soa frágil, como tábua de salvação dos políticos tucanos que foram escondidos no seu próprio programa. Há um vácuo entre a intenção da mensagem emitida e a percepção real do eleitor. Como comunicação isso é ruim. Muito ruim. Parece que o estrago que o PT fez à esquerda, o PSDB pode estar fazendo ao parlamentarismo. Tudo porque o discurso não combina com a ação. Não passa credibilidade.

O termo “presidencialismo de cooptação”, que usamos há tempos em outros artigos por aqui e agora tanto desagrada os “players” do governo, incomoda exatamente porque coloca o dedo na ferida. Os cifrões nos olhos dos bonequinhos que representam os deputados na ilustração animada do PSDB indicam uma realidade que os mais pragmáticos preferiam omitir. O sistema político-partidário está falido, nossos partidos agonizam e as velhas lideranças batem cabeça. O passado resiste a partir e o futuro demora a chegar. Então, como agir neste momento? As mudanças se impõe. Mãos à obra.

 


Roberto Freire: A Constituição e a travessia

Mesmo diante do recrudescimento da grave crise política que o Brasil enfrenta, o processo de transição iniciado com o impeachment de Dilma Rousseff, a agenda de reformas necessárias para o país e, sobretudo, o início da retomada da economia após a pior recessão de nossa história não estão ameaçados. Independentemente de quem ocupe a Presidência da República, o mais importante é continuarmos trilhando o caminho da recuperação e seguirmos o que determina a Constituição Federal.

Qualquer que seja o resultado da votação, no plenário da Câmara dos Deputados, sobre a autorização para o prosseguimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente Michel Temer e a eventual abertura de processo no Supremo Tribunal Federal (STF), a travessia democrática e constitucional até as eleições de 2018 seguirá sem interrupção.

Se o pedido da PGR for aprovado, o deputado Rodrigo Maia, atual presidente da Câmara, assumirá interinamente a Presidência da República por até 180 dias, tal como dispõe a Constituição e exatamente como ocorreu com o próprio Temer quando do afastamento inicial de Dilma. Caso haja uma condenação definitiva pelo STF, haverá eleição indireta para a escolha do próximo presidente – obedecendo rigorosamente àquilo que está expresso na Carta Magna.

É evidente que as sinalizações em relação à pauta de reformas e à política econômica bem sucedida adotada pelo atual governo são as melhores possíveis. Se Temer for afastado, o presidente interino dará continuidade a essa agenda virtuosa e talvez conte até com mais estabilidade política para fazê-la avançar. A garantia da manutenção da equipe econômica reforça a credibilidade do Brasil e a confiança readquirida junto aos agentes econômicos.

Ao contrário do que querem fazer crer aqueles que integram uma oposição que se diz progressista, mas é essencialmente reacionária e está cada vez mais isolada, a elevada temperatura da crise política não comprometeu a retomada da economia nem tirou o país dos trilhos. Um estudo divulgado pela Tendências Consultoria e publicado pelo jornal “O Estado de S. Paulo” mostra que, com ou sem o presidente Temer, não há receio no mercado de que haja qualquer tipo de retrocesso. Segundo o levantamento, que considerou 28 indicadores, há uma clara tendência de recuperação desde o final do ano passado, algo que não se restringe a resultados pontuais.

Dados como massa de renda do trabalho, crédito para pessoas físicas, venda de automóveis e produção de bens duráveis vêm experimentando uma alta significativa desde novembro de 2016. Com exceção do nível de ocupação, que apresentou sinais mais concretos de recuperação apenas em abril e maio, os demais indicadores registram crescimento ao menos há quatro meses.

Em junho, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial no país, registrou a taxa mais baixa para o mês nos últimos 19 anos (-0,23%). A produção de veículos, por sua vez, subiu 23,3% nos seis primeiros meses de 2017 em relação ao mesmo período do ano passado, de acordo com a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). O resultado foi impulsionado, principalmente, pela alta de nada menos que 57,2% nas exportações.

Mesmo os indicadores econômicos mais sensíveis às instabilidades políticas não sofreram maiores abalos neste momento de forte turbulência. O dólar prossegue em sua trajetória de queda, assim como o risco-país e os juros, enquanto a Bolsa sobe. Em meio às boas notícias na área econômica, é importante destacar a aprovação da reforma trabalhista pelo Senado Federal. Trata-se de uma das principais conquistas do governo de transição e, fundamentalmente, do Brasil.

Como se vê, a crise política que parece se encaminhar rapidamente para um desfecho no Congresso Nacional não impede o avanço das reformas, a recuperação da economia brasileira e o pleno funcionamento da transição iniciada com o impeachment. Este é o momento de termos responsabilidade com o país e concluirmos a travessia constitucional até 2018, quando a população se manifestará nas urnas, em eleições gerais, e escolherá o próximo presidente, governadores e um novo Congresso Nacional.

Até lá, nossa missão é apoiar a transição independentemente de quem ocupe a Presidência da República. Além disso, devemos aglutinar as forças de centro e da esquerda democrática em torno de um movimento político que tenha condições de impedir o retorno de um populismo vinculado a uma esquerda atrasada e reacionária – que recentemente levou o Brasil ao buraco – ou a ascensão de uma extrema-direita autoritária e sem nenhum compromisso com a democracia.

Para tanto, nosso guia será sempre a Carta Magna. Dentro da Constituição, tudo. Fora dela, nada.

* Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS