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Carlos Andreazza: De mal (Toffoli) a pior (Fux)?

STF virou espécie de tribunal de pequenas causas políticas e fulanizadas

Poderá não ser ruim a presidência de um ministro ruim? Toffoli nunca foi um bom; jamais um guardião da Constituição. Nem jurista respeitável. Tampouco um garantista, categoria na qual vai incluído. Talvez seja a própria definição individual da biruta em que se transformou o Supremo, corte constitucional que tem orientado sua posição ao ritmo e ao norte dos ventos de ocasião — a própria definição dos dois anos de Toffoli à frente do STF.

Período que poderia ser ilustrado pelo modo como — defendendo, com ardor, o sigilo de dados fiscais — o então presidente do Supremo mandou suspender casos criminais baseados em informações de órgãos de controle e, pouco depois, de repente, afrouxando a convicção, voltou atrás. Também ele, Toffoli, “editor de um país inteiro”, entre os maiores responsáveis pelo recrudescimento da febre monocrática que converteu aquela corte em matriz da insegurança jurídica no Brasil e, pois, numa espécie de tribunal de pequenas causas políticas e fulanizadas.

Poucos constrangimentos públicos serão mais vergonhosos do que a maneira como as partes se acostumaram a usar os plantões judiciários no STF, sabedores de como se manifestaria cada uma das eminências a respeito dos temas de interesse — e aproveitando a janela para obter a canetada do plantonista da vez.

Esse recurso oportunista foi explorado ao estado da arte na gestão de Toffoli. Gestão que tem como marca maior aquele inquérito viciado, dito das fake news, de cujo bojo sairia, entre outras arbitrariedades, a censura à revista “Crusoé”. Toffoli foi o formulador de um inquérito em que o tribunal é vítima, investigador e julgador. Inquérito que deriva de o ministro ser um agente político com poderes de juiz.

Um juiz que, presidindo o Supremo, tinha agenda, claro, de agente político; e que, manipulando regimentos para além do estado de direito, e tendo Alexandre de Moraes como infantaria, alcançou o objetivo: tocar o terror nos milicianos bolsonaristas e baixar o ânimo do discurso golpista de Bolsonaro. O STF agindo como polícia para enfrentar milícia. A curto prazo: com sucesso.

Sou pessimista, porém, sobre o futuro. Ou não se deve imaginar esse precedente de força autoritária nas mãos de um André Mendonça, ou de um Marcelo Bretas, qualquer dos dois terrivelmente bolsonarista? Não nos esqueçamos: somos governados pelo ressentimento.

E, então, Fux; que quer ser, como presidente do STF, o que nunca foi como membro do tribunal. Um conflito insolúvel, sua prática trombando com o prometido, e que resultaria na dubiedade de seu discurso de posse; que fala em a Constituição sair fortalecida da crise em curso, como se fosse possível fortalecê-la arquitetando puxadinhos de direito criativo como os que têm caracterizado os votos do ministro.

A legitimidade e a autoridade das respostas do Supremo às nossas incertezas estão desacreditadas porque, não raro, oferecidas sem fundamento na Constituição. Estão em xeque porque togados como Fux julgam-se ressignificadores — editores, segundo Toffoli — do que vai escrito na Carta. Um texto, de acordo com o novo presidente do tribunal, ora a ser preservado, ora ressignificado. Um balanço degenerante, que convida ao direito da opinião pública, aquele que joga pra galera; que faz justiceiros, heróis, mitos e picaretas; que desmonta o que deveria ser edifício de autocontenção.

Não dá para ser militante e guardião da Constituição. O STF tem de se afastar de palanque e de guilda. Se o lava-jatista Fux quer ser, como presidente, o que jamais foi como ministro, terá de aposentar a fluência monocrática com que tem se imposto; e, por exemplo, jamais matar no peito novamente algo como a manutenção, por anos, de auxílio-moradia a magistrados. Também ele responsável por intervenção — em 2018 — promotora de censura, aquela que impediu que o ex-presidente Lula, então preso, desse uma entrevista à “Folha”.

A combinação entre memória e lógica duvida de que Fux possa ser um combatente do “ativismo judicial” — porque isso significaria combater a si mesmo. Mas mudarei de opinião se o ministro souber explicar qual é a regência, sob a gramática da Constituição, de uma “corte eminentemente constitucional”, como define o Supremo, ante um tal “sentimento constitucional do povo”— sendo necessário, primeiro, explicar o que seria tal coisa.

De explicação não carece o óbvio: o populismo judicial foi fator decisivo para que nos afundássemos nesta depressão. Aquele direito colhido em manifestações de rua que, em vez de aperfeiçoar, dinamitou o financiamento empresarial de campanhas eleitorais; sem medir as consequências, sem considerar o que viria no lugar. Registro também que, simplificadas, afirmações como a que cito a seguir — do discurso de Fux — estão na boca daqueles marginais que pedem intervenção no STF: “A efetividade da Constituição é tanto maior quando se alia ao sentimento constitucional do povo”.

A efetividade da Constituição é tanto maior quando respeitada a Constituição.


Janio de Freitas: Estamos entrando em novas perspectivas de risco para a democracia

Toffoli deixa a presidência do Supremo a um sucessor que não traz de volta a esperança e a confiança no tribunal

Em situações de insegurança para o Estado democrático de Direito, a esperança de sustentação da ordem constitucional volta-se para o Supremo Tribunal Federal.

Desde 2018, tal ordem e o próprio Supremo são alvos de ataques que não se fundamentam em críticas, mas em propósitos contrários ao regime democrático. Com essas duas realidades à mão, estamos entrando em novas perspectivas de risco para a democracia.

A dimensão das responsabilidades do Supremo não admite a passividade com que, como instituição e ressalvadas algumas atitudes individuais, deixou-se diminuir por agressões reiteradas e crescentes de Bolsonaro e bolsonaristas profissionais ou amadores.

Dias Toffoli enfraqueceu-o mais com sua própria fraqueza, que o levou até a um acordo de pretenso comprometimento do Supremo com Bolsonaro. Não entendeu o que é o Supremo na independência dos Poderes. Não entendeu o seu dever diante dos ataques ao Supremo, à Constituição e à democracia, dos quais teve a mísera coragem de dizer que não os viu, nunca.

Toffoli deixa a presidência do Supremo a um sucessor que não traz de volta a esperança e a confiança no tribunal. Até hoje não mostrou as condições técnicas e pessoais convenientes ao tempo político em que vai presidir o Supremo.

Bolsonaro quer a reeleição. Os militares bolsonaristas querem a reeleição, admitidas ambições particulares de um ou outro. E esse objetivo significa mais do que um plano político, aliás, já com dedicação plena e exclusiva de Bolsonaro.

No decorrer dos dois anos em que Luiz Fux presidirá o Supremo, coincidirão a campanha eleitoral para a Presidência e, em princípio, as etapas mais gritantes dos inquéritos e processos suscitados pelo clã Bolsonaro, seus coadjuvantes e associados. As influências mútuas deverão fazer dos dois desenrolares apenas um. Já é uma advertência de processo eleitoral tumultuoso. O provável é maior, porém.

Bolsonaro e suas tropas de choque e de cheque precisam ganhar a eleição a qualquer custo. Não é força de expressão, é mesmo a qualquer custo. A necessidade de sufocar os problemas policiais e judiciais já justificaria a derrubada de limites, os legais e outros quaisquer.

É notório, no entanto, que Bolsonaro se viu compelido a desacelerar a marcha para os objetivos anti-institucionais. Imprevistos vários, inclusive nas Forças Armadas, negaram as condições para o avanço com riscos delimitados. Ou seja, o adiaram.

As condições podem surgir até o fim do mandato, talvez com a colaboração da pandemia e seus efeitos sociais, mas Bolsonaro e os desejosos restauradores de 1964 não parecem contar com tamanho ganho.

Apropriar-se das obras de Lula e Dilma, conter impulsos da boçalidade, viajar a qualquer pretexto, tudo indica o investimento no segundo mandato, prioritário ao plano inicial. A calmaria política na pandemia é um intervalo entre o que se temeu até ali e a sua retomada efetivadora pós-eleição.

Tudo ou nada, isto será o segundo mandato, se obtido. E este "se" terá sua decisão durante a campanha eleitoral, quer dizer, a batalha eleitoral, com o Supremo presidido por Fux e sua inclinação direitista, sua flexibilidade, sua vaidade exorbitante e irresistível aos afagos. Uma esperança, sim —para quem pretende vencer a eleição a qualquer custo.

Luiz Fux nunca surpreendeu. Mas não está impedido de achar que a hora é boa para uma experiência.

O AUTOR
Antes que a flecha chegasse ao peito de Rieli Franciscato e o matasse, já era conhecido o autor original da morte desse indigenista com mais de 30 anos de proteção aos indígenas. Já na campanha Bolsonaro falara contra a existência da Funai.

No governo, faz a sua demolição. A Coordenação-Geral de Índios Isolados foi entregue a um pastor, Ricardo Lopes Dias, um dos obcecados com a "evangelização" forçada dos índios. Rieli, sem o número necessário de auxiliares, foi morto na tentativa de evitar um confronto de brancos e índios isolados.

Mais uma realização de Bolsonaro.


Folha de S. Paulo: À frente do STF, Toffoli impôs freios à Lava Jato e acumulou polêmicas

Ministro conclui gestão marcada por inquérito das fake news e crises entre os Poderes; Fux assume dia 10

Matheus Teixeira e Júlia Chaib, da Folha de S. Paulo

Dois anos depois de tomar posse como presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Dias Toffoli encerra o mandato no comando da corte em 10 de setembro ​com uma gestão marcada por polêmicas.

No cargo, Toffoli abriu o inquérito das fake news, impôs reveses à Lava Jato, pautou o julgamento que levou à soltura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e se aproximou do atual presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

De um lado, foi criticado por ter adotado medidas que procuradores e integrantes do Judiciário consideraram arbitrárias.

A instauração de investigação sobre disseminação de notícias falsas contra ministros do Supremo sem provocação da PGR (Procuradoria-Geral da República) e a decisão que lhe deu acesso a dados sigilosos de mais de 600 mil pessoas no caso do Coaf são alguns dos exemplos nesse sentido.

Por outro lado, no entanto, integrantes de tribunais superiores e líderes do Congresso atribuem ao ministro um papel importante para manter a normalidade institucional diante da ofensiva de Bolsonaro contra o STF e o Legislativo.

As críticas a Toffoli começaram já no discurso de posse por ter proposto um pacto entre os três Poderes, que devem ser independentes entre si de acordo com a Constituição.

Quando assumiu o comando do Supremo, em 13 de setembro de 2018, o presidente da República era Michel Temer (MDB), e Toffoli manteve boa relação com o Executivo.

Foi depois de muita negociação com o emedebista que Toffoli garantiu uma vitória para a magistratura, mas que também foi alvo de duras críticas: o chefe do Executivo sancionou o aumento de 16,38% para os integrantes do Supremo.

Como o subsídio da corte é o parâmetro para os demais salários do funcionalismo público, a medida teve efeito cascata e elevou o teto salarial constitucional de R$ 33,7 mil para R$ 39,2 mil.

Como parte do acordo, no mesmo dia da sanção o ministro Luiz Fux, que agora assume a presidência no lugar de Toffoli, revogou a própria decisão que concedia auxílio-moradia a todos os juízes do Brasil.

Com a troca de comando na Presidência da República, as críticas à relação de Toffoli com o governo aumentaram ainda mais.

O ministro se aproximou de Bolsonaro e foi cobrado internamente por ter demorado a responder aos ataques do presidente, que chegou a criticar diretamente ministros do STF e a ameaçar descumprir ordens judiciais.

A presença de Bolsonaro nos atos antidemocráticos em frente ao QG do Exército em Brasília, no dia 19 de abril, por exemplo, não foi alvo de repreensão de Toffoli, enquanto colegas criticaram publicamente o episódio.

Em 9 de junho, após esquentar o clima entre os Poderes, porém, Toffoli deu a declaração mais enfática contra o presidente: "Algumas atitudes têm trazido uma certa dubiedade, e essa dubiedade ela impressiona e assusta a sociedade brasileira".

Na entrevista coletiva à imprensa em que fez um balanço de sua gestão no STF, porém, o ministro voltou a botar panos quentes e disse que nunca viu uma ação de Bolsonaro contra a democracia.

Em um gesto em direção a Bolsonaro, Toffoli chegou a suspender investigação contra o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no caso da suposta "rachadinha", que apura se o filho do presidente liderou um esquema de desvio de salários dos servidores quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.

A decisão beneficiou Flávio, mas teve um impacto muito maior: Toffoli mandou paralisar todas as apurações do país que tivessem como base dados do Coaf, órgão de inteligência financeira, sem autorização judicial.

O ministro sempre procurou desempenhar um papel de apaziguador nos inúmeros desentendimentos, muitos deles públicos, entre Bolsonaro e líderes do Congresso ou mesmo integrantes do STF.

Enquanto mantinha boa relação com o presidente, porém, Toffoli partiu para cima da rede de disseminação de notícias falsas contra membros da corte. A forma usada para dar uma resposta aos ataques ao Supremo, contudo, não foi bem recebida, nem no mundo jurídico nem no político.

O ministro instaurou de ofício, ou seja, sem provocação da PGR, o inquérito das fake news. Além disso, indicou o ministro Alexandre de Moraes para ser o relator do caso sem realizar sorteio, como ocorre geralmente.

Ministros criticaram publicamente a ação de Toffoli, mas o ponto fraco da sua gestão, mais tarde, virou seu grande trunfo. A então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, chegou a defender que fosse anulada a investigação.

A ampliação dos ataques ao Supremo empreendidos pela militância bolsonarista mudou o cenário.

Prova disso é que o ministro evitou levar uma ação do partido Rede Sustentabilidade contra a instauração do inquérito com medo de sofrer uma derrota no plenário, mas, um ano e três meses depois pautou o julgamento do caso.

E, por 10 a 1, a corte declarou o inquérito constitucional. Na entrevista em que se despediu da presidência, Toffoli classificou a instauração da investigação como a decisão mais difícil de sua gestão no comando da corte.

Ele diz que a ação foi acertada e afirma que os ataques diminuíram em mais de 80% após o início das apurações.

As derrotas à Lava Jato também marcaram sua gestão. Ainda em março de 2019, o Supremo decidiu que casos de corrupção e lavagem de dinheiro associados ao crime de caixa 2 deveriam sair da Justiça Federal e ser remetidos à Justiça Eleitoral.

Em outro momento, o STF mudou a regra das delações e determinou que os réus delatores devem entregar alegações finais antes dos delatados. A medida levou à anulação da condenação do ex-presidente da Petrobras e do Banco do Brasil Aldemir Bendine.

O maior revés para a operação veio no final de 2019, quando a corte mudou a jurisprudência que permitia a execução de pena após decisão em segunda instância, entendimento que havia garantido a prisão de diversos investigados pela Lava Jato.

O ministro também aproveitou a troca de comando na PGR para fazer uma dobradinha com Augusto Aras, atual procurador-geral, em uma ofensiva contra a Lava Jato.

Como no recesso o presidente da corte responde pelo tribunal, em 9 de junho deste ano Toffoli deu provimento a um pedido da Procuradoria para que fosse determinado o compartilhamento de todos os dados da operação com a cúpula da PGR.

A decisão foi considerada ampla demais. Na volta das férias, o ministro Edson Fachin revogou a ordem do colega.

Apesar das críticas de procuradores e membros do Judiciário, Toffoli manteve relação estreita com a cúpula do Congresso e ministros de outros tribunais, além de associações.

Esses atores veem como marca de Toffoli o estilo conciliador e atribuem a ele o arrefecimento das diversas crises entre os Poderes protagonizadas ao longo do governo Bolsonaro.

O presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Felipe Santa Cruz, lembra que Toffoli enfrentou uma série de crises institucionais. "Acho que ele foi muito capaz nessa tarefa [de tentar pacificar as relações]."

A presidente da AMB (Associação de Magistrados Brasileiros), Renata Gil, também elogia a interlocução de Toffoli com os outros Poderes e ressalta as iniciativas do ministro à frente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

"A gente conseguiu evoluir muito, tanto no Supremo como nos tribunais, com relação a processos eletrônicos, inteligência artificial. Ele desenvolveu sistemas em parceria com tribunais, que aceleram as execuções fiscais."

PRINCIPAIS MOMENTOS DE TOFFOLI À FRENTE DO STF

POSSE
13.set.18
 Toffoli toma posse como presidente do STF, prega harmonia e propõe um pacto entre os três Poderes para tirar o Brasil da crise

PLANALTO
24.set.18
 Assume a presidência da República pela primeira vez durante viagem do então presidente Michel Temer (MDB) a Nova York para participar da Assembleia Geral da ONU

FAKE NEWS
14.mar.19
 Alvo de ataques de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro, ministro instaura inquérito para investigar fake news contra magistrados da corte. A abertura de investigação sem pedido da PGR é criticada, assim como a escolha, sem sorteio, Alexandre de Moraes para relatar do caso

FLÁVIO
16.jul.19
 A pedido do senador Flávio Bolsonaro, Toffoli determina a suspensão de investigações criminais que usassem dados detalhados de órgãos de controle sem autorização judicial. Na prática, paralisa investigação do MP-RJ contra Flávio. Em novembro, o plenário do tribunal reviu a decisão

SEGUNDA INSTÂNCIA
7.nov.19
 O STF reforma entendimento que permitia a execução de pena após decisão de segunda instância. O ex-presidente Lula é solto

DADOS SIGILOSOS
14.nov.19
 A Folha revela que Toffoli teve acesso a dados sigilosos de mais de 600 mil pessoas após intimar a Receita e o Coaf a lhe enviarem todos os relatórios de inteligência e representações fiscais feitos nos últimos três anos. Quatro dias após a reportagem, o ministro reviu a própria decisão

FIM DAS RESTRIÇÕES
9.mai.20
 Supremo derruba restrições à doação de sangue por homens gays

BOLSONARO
9.jun.20
 Após ataques de Bolsonaro ao STF, Toffoli repreende de maneira mais enfática comportamento do presidente da República: “Algumas atitudes têm trazido uma certa dubiedade, e essa dubiedade impressiona e assusta a sociedade brasileira”

FOGOS
​14.jun.20
 Manifestantes lançam fogos de artifício contra a sede do STF. Toffoli pede à Polícia Federal e à PGR medidas contra o ataque


Fernando Gabeira: O Big Toffoli

No mundo, a Justiça se move na tentativa de preservar a privacidade das pessoas. Aqui no Brasil é diferente

Numa semana muita dura e cheia de eventos, pensei em trazer um tema novo. Já falei de Bolívia e Chile, comentei a saída de Lula e me debrucei, sem ânimo, sobre a invasão da embaixada da Venezuela em Brasília. Isto me interessou, pois poderia usar de novo a palavra quiproquó, tão sonora e fora de moda.

Sinceramente, meu tema de preferência era um chamado projeto Nightingale, no qual o Google é acusado de vender milhões de dados médicos e hospitalares das pessoas para grandes empresas do setor. A coleta e venda de informações é um grande negócio no mundo. Tende a ser o mais interessante, pois os dados valem dinheiro, sobretudo em grandes quantidades.

Iria refletir um pouco sobre a privacidade num mundo do Google e das redes sociais quando soube que o presidente do STF, Dias Toffoli, agora por um artifício legal, tem acesso aos dados financeiros de 600 mil contas de pessoas e empresas.

Ele proibiu a UIF (antigo Coaf) de partilhar esses dados com os órgãos de investigação. Um absurdo sem nome. Tenho escrito sobre isso e, para dizer a verdade, com pouca repercussão. É um ato de exceção. Os próprios funcionários da OCDE que estiveram no Brasil dizem que a medida de Toffoli está em contradição com as normas e os compromissos internacionais do Brasil.

Toffoli não se interessa por isso. Seu objetivo era congelar as investigações sobre Flávio Bolsonaro e impedir que a Receita continuasse pesquisando os movimentos financeiros de sua mulher e da mulher de Gilmar Mendes. Ele não se contentou em paralisar investigações. Ele quer acesso a todos os dados coletados pela inteligência financeira.

É o Big Toffoli navegando pelas contas de todo mundo, conhecendo os segredos financeiros que ele mesmo impede de serem investigados adequadamente. Como é possível o país conviver com essa barbaridade? Mesmo os aliados de Toffoli deveriam temer essa concentração de poder. Nos últimos tempos, aproximou-se de Bolsonaro para salvar a pele do filho senador. Mas, no passado, foi um funcionário do PT, um assessor de José Dirceu.

Acho que tanto o PT como Bolsonaro deveriam temer Toffoli. A quem servirá com esse acesso ilimitado aos dados pessoais e empresariais? Pode usá-los para fulminar Bolsonaro ou mesmo para enrascar mais ainda seu partido de coração, que é o PT.

Em muitos lugares do mundo, a Justiça se move na tentativa de preservar a privacidade das pessoas, acossando o Google e o Facebook, entre outros. Aqui no Brasil é diferente. É a própria Justiça que invade a privacidade alheia, na pessoa do presidente do STF. Não se trata mais nos trópicos de reduzir o poder das gigantescas empresas, mas de ampliar ao extremo o poder pessoal de Toffoli.

Num mesmo ano, Toffoli salvou Lula e Bolsonaro. Lula porque foi dele, fiel advogado do PT, o voto de Minerva que acabou com a prisão em segunda instância. E Bolsonaro, porque foi ele quem tirou as nádegas do jovem Flávio da seringa do controle de operações financeiras.

Podemos falar tudo de Lula ou Bolsonaro. Mas ninguém apanha mais do que eles nas redes ou na imprensa. Ambos reclamam, Bolsonaro tira verbas publicitárias de quem o critica; Lula, volta e meia, se lembra do controle social da imprensa. Mas nenhum dos dois chegou ao ponto de Toffoli: instalar uma delegacia, convocar Alexandre de Moraes como seu braço policial e partir para cima de quem o critica, com polícia revistando casas e computadores.

Lula precisou de Toffoli. Bolsonaro também. Mas eles ignoram, talvez, que Toffoli seja muito mais do que um simples auxiliar para encrencas. Diante da vulnerabilidade dos líderes populistas que polarizam o Brasil, ele vai construindo seu universo pessoal de poder. E um poder mais persuasivo que o deles.

Toffoli é o Big Toffoli. Assim com os homens e, além disso, é o único que tem poder de acessar os dados financeiros de quase todo mundo. Digo quase todo mundo, porque não me incluo nesses 600 mil. Minha conta bancária é de uma monotonia tediosa. Mas não me inibo em defender a privacidade dos outros, ricos ou pobres.

Em 13 anos de oposição, o PT nunca me fez mal. Espero o mesmo de Bolsonaro. Ambos têm seguidores agressivos. Mas nenhum pode como Toffoli mandar a Polícia Federal vasculhar meus computadores, incluir-me nos detratores do Supremo.

A democracia tropical, com a sua incessante troca de favores, está parindo um monstro. Uso a expressão num contexto institucional. Pessoalmente, Toffoli até se parece com um desses candidatos por quem suspiram velhas senhoras em busca de bons moços para votar.

Mas a ampliacão do seu poder pela captura de dados financeiros o transforma num Big Toffoli.


Ricardo Noblat: Para completar a humilhação

Como reparar a lambança no Supremo

Não basta suspender a censura à reportagem da revista eletrônica Crusoé e do site O Antagonista sobre “O amigo do amigo do meu pai”, no caso o ministro Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, que à época dos fatos era o Advogado Geral da União no primeiro governo Lula.

É preciso com urgência acabar com o inquérito aberto por Tóffoli e conduzido por Alexandre de Moraes sobre autores de fake news que tenham como alvo o Supremo, seus ministros e eventuais familiares. Porque da maneira como foi criado o inquérito é uma aberração jurídica. Simples assim.

Toffoli só pôde abri-lo porque se valeu de uma leitura para lá de absurda de suas atribuições. A escolha de Alexandre para presidi-lo desprezou o rito do sorteio que sempre foi respeitado no tribunal. Poderia ter sido sorteado qualquer um dos 11 ministros. Mas Toffoli quis Alexandre de Moraes, e ponto.

Por quê? Porque os dois haviam combinado a manobra. Compartilhavam as mesmas intenções. Perseguiam os mesmos objetivos. De resto, Alexandre, além de juiz, no passado foi um policial. Durante parte do último governo de Geraldo Alckmin, em São Paulo, foi secretário de Segurança Pública.

É bem possível que os demais ministros recusassem a tarefa. O Supremo é a instância mais alta da justiça, o que significa a última a que se pode recorrer.

Como ele poderia, pois, exercer ao mesmo tempo os papéis de investigar, oferecer denúncia e julgar por fim? Onde já se viu isso? Onde?

Justamente porque nunca se viu é que o tribunal tem agora pela frente um abacaxi de casca grossa e amargo para descascar. Toffoli e Alexandre foram humilhados ao recuarem da imposição da censura ao site e à revista. Nova humilhação os aguarda com o arquivamento do inquérito.

Como disfarçá-la ou torná-la mais suportável? Por enquanto, ninguém no tribunal tem a resposta. Alguma terá de ser arranjada para contornar uma das maiores lambanças da história da solene e austera figura que é o Supremo.


João Domingos: Um passo atrás

Em vez de proteger, inquérito compromete a imagem do Supremo

O presidente do STF, Dias Toffoli, trabalhou por muitos anos na assessoria jurídica do PT. Quando Lula assumiu a Presidência da República, em 2003, Toffoli foi escolhido para comandar a subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, ministério então sob o comando de José Dirceu. Com o escândalo do mensalão, em 2005, Dirceu foi demitido, voltou à Câmara dos Deputados e teve o mandato cassado. Toffoli continuou em sua função. No segundo governo de Lula, foi chamado para ser o advogado-geral da União. Lá ficou até 2009. Com a morte do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do STF, Lula o nomeou para a Suprema Corte. Toffoli tinha 41 anos de idade. Havia muitos outros candidatos, com muito mais experiência. Toffoli venceu a disputa porque foi político o suficiente para convencer Lula a nomeá-lo.

Também ministro do STF, Alexandre de Moraes é um ano mais novo do que o presidente do STF. Ligado ao PSDB, foi secretário de Justiça do governador Geraldo Alckmin entre 2002 e 2005. Entre 2015 e 2016 foi secretário de Segurança Pública de mais um governo de Alckmin. Com o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, foi chamado por Michel Temer para assumir o Ministério da Justiça. Em março de 2017, Temer o nomeou para o lugar de Teori Zavascki, ministro do STF que morrera em um acidente aéreo. Havia muitos outros candidatos à vaga, muitos deles mais experientes do que o ministro da Justiça. Moraes venceu a disputa porque, como Toffoli, soube ser mais político do que os concorrentes.

Um e outro são ministros que, embora tenham se destacado por trabalhos na área jurídica, chegaram ao STF por intermédio da política, cada um pertencente a um dos partidos que, desde 1994, polarizaram as disputas pelo poder no País. A nomeação de Toffoli foi muito criticada pelos tucanos; a escolha de Moraes foi muito atacada pelos petistas, que criaram até o bordão de “golpistas” para Temer e seus auxiliares, um deles Alexandre de Moraes.

Ambos sabiam que seriam vigiados por todos os lados. Para quem concedem habeas corpus, se a decisão tem viés ideológico e partidário, se estão no STF a serviço de alguém ou de alguma coisa.

Em 2018, quando Toffoli concedeu de ofício habeas corpus a José Dirceu, até que o STJ julgasse recurso do ex-ministro contra a volta à prisão, agora não mais pelo mensalão, mas pelas apurações da Lava Jato, ele apanhou uma barbaridade nas redes sociais. Nem mesmo a decisão de que suspendeu a liminar do ministro Marco Aurélio Mello que livraria Lula da cadeia, e foi considerada uma intervenção na sentença de um colega, serviu para serenar as críticas.

Ao chegar à presidência do STF Toffoli prometeu que tentaria pacificar a Corte, trazendo-a para decisões mais técnicas, dando-lhe, de fato, a condição de poder moderador, uma decisão política sensata. Mas, aí, veio a ordem para que fosse instaurado inquérito para apurar ataques a ministros do STF e familiares. Uma aberração, disseram juristas, integrantes do Ministério Público, ex-ministros do STF e até ministros da Corte. Caberá ao STF acusar, processar e julgar, o que remeteria à Inquisição.

Em seguida, a decisão de Alexandre de Moraes de retirar do ar uma reportagem da revista Crusoé sobre uma investigação da Lava Jato segundo a qual o empresário Marcelo Odebrecht dissera que Toffoli era conhecido como “o amigo do amigo do meu pai”. A proibição atingiu também o site O Antagonista. A hipótese de censura foi levantada, o que seria inconstitucional.

Pressionado, Moraes revogou a proibição. Toffoli insiste em manter o inquérito. Moraes foi político. Toffoli está sendo corporativo. O que, em vez de proteger o STF, compromete a imagem da instituição.


Bruno Boghossian: Ao defender censura até a última hora, Toffoli encolheu o Supremo

Presidente do STF tentou amarrar o tribunal a uma cruzada e acabou isolado

Ao justificar a censura como ferramenta de defesa institucional, Dias Toffoli demoliu alguns pilares do próprio Supremo. O presidente do tribunal defendeu medidas excepcionais para construir uma muralha que possa proteger a reputação da corte. No fim da obra, o paredão estaria de pé, mas não sobraria muita coisa lá dentro para preservar.

Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Toffoli deu de ombros para o desgaste provocado pela decisão de tirar do ar uma reportagem da revista Crusoé que noticiava uma menção a ele em emails internos da Odebrecht. O presidente do STF dobrou a aposta na repressão e tentou tratar a censura como algo banal.

“Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Ponto. Simples assim”, declarou.

Toffoli disse que só agia dessa maneira porque, “ao atacar o presidente, estão atacando a instituição”. Ele discursa em nome de toda a corte e insiste em se confundir com o próprio tribunal, mas alguns colegas parecem dispensar os arbítrios cometidos sob a capa da legítima defesa.

Após a publicação da entrevista, Marco Aurélio comparou o caso à imposição de uma mordaça. Horas depois, Celso de Mello divulgou uma longa nota em que chamou a decisão de autocrática e intolerável.

As reações isolaram Toffoli e o relator do inquérito sobre os ataques à corte. No fim do dia, Alexandre de Moraes decidiu capitular e suspendeu a censura. De quebra, foi obrigado a admitir que o documento citado na reportagem era verdadeiro.

O presidente tem razão quando diz que o STF é alvo de ataques baixos, mentiras e redes organizadas para desacreditar o tribunal. Parte dessas ações, diga-se, é incentivada por políticos e milícias partidárias.

A corte tem direito de responder, mas sem atropelos. Se ficar preso a uma cruzada mesmo depois de ter sido derrotado, Toffoli vai encolher o STF e passará a administrar uma delegacia de polícia numa terra sem lei.


Bernardo Mello Franco: Toffoli levou uma suprema enquadrada

Ao endossar censura, ministro Dias Toffoli levou uma enquadrada dos ministros mais velhos no STF. Ele ensaiou um recuo, mas sairá enfraquecido

Dias Toffoli foi o ministro mais jovem a assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Ao completar sete meses na cadeira, levou uma enquadrada pública dos mais velhos.

O ministro irritou colegas ao instaurar um inquérito à revelia do Ministério Público. Ele alegou que pretendia defender a “honorabilidade” da Corte, mas deixou um clima de desconfiança no ar. Agora ficou claro que o motivo da preocupação era outro.

Toffoli buscava um escudo para proteger a própria imagem. Talvez soubesse que voltaria a ser citado na Lava-Jato. Ele já havia sido lembrado na delação da OAS. Na semana passada, apareceu num email interno da Odebrecht.

O presidente do Supremo se juntou à legião de figuras públicas com apelidos dados pela empreiteira. Depois do “Caranguejo”, do “Botafogo”, do “Decrépito” e do “Viagra”, despontou como o “Amigo do amigo de meu pai”. Em defesa do ministro, seu codinome foi citado sem a companhia de uma cifra.

Mesmo sem ter sido acusado de crime, Toffoli reagiu com fúria. Incentivou o colega Alexandre de Moraes a censurar a revista que publicou o e-mail. Depois da enxurrada de críticas, resolveu insistir no erro. “É necessário mostrar autoridade e limites”, justificou.

O excesso de soberba encorajou os ministros mais experientes a romperem o silêncio. O decano Celso de Mello bateu duro na censura. “Além de intolerável, constitui verdadeira perversão da ética do direito”, disse. A ministra Cármen Lúcia fez coro. “Toda censura é mordaça, e toda mordaça é incompatível com a democracia”, afirmou.

O ministro Marco Aurélio Mello advertiu que a decisão seria derrubada no plenário. “Aguardo um recuo”, complementou. Foi a senha para Moraes e Toffoli voltarem atrás antes de serem derrotados.

O recuo evita um desfecho mais humilhante para os dois. Mesmo assim, eles saem enfraquecidos do episódio. Os efeitos da enquadrada serão piores para Toffoli, que ainda tem 17 meses de presidência pela frente.


O Estado de S. Paulo: Alinhado a Guedes, Toffoli tenta limpar pauta-bomba de R$ 50 bilhões no STF

Presidente do Supremo pautou para este semestre pelo menos seis processos referentes a questões tributárias que aguardam há anos por julgamento: para a equipe econômica, falta de segurança jurídica acaba afugentando investimentos

Amanda Pupo e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - Alinhado com o Ministério da Economia, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, quer limpar neste primeiro semestre uma pauta de julgamentos que podem resultar em uma perda potencial de R$ 50 bilhões aos cofres públicos. Desde que assumiu a presidência da Corte, Toffoli faz acenos ao Executivo e ao Legislativo de que o STF está sensibilizado com a situação das contas públicas.

Segundo apurou o Estado, Toffoli decidiu pautar neste semestre processos tributários que aguardam uma decisão da Corte há muito tempo (um deles tramita há dez anos e meio), ou que foram interrompidos por pedidos de vista (mais tempo de análise). É um esforço totalmente alinhado à visão da equipe econômica de que é preciso segurança jurídica para atrair investimentos.

Um desses casos é o que trata do pagamento do PIS por empresas prestadoras de serviço. Essas empresas questionaram uma mudança na legislação que acabou elevando a alíquota de contribuição. Em julgamento no Supremo, a União já conseguiu maioria na discussão. Mas um pedido de vista acabou postergando o fim do julgamento, que está parada na Corte desde o início de 2017. Na Justiça, pelo menos 400 processos aguardam decisão.

Esse julgamento deve ser retomado na quarta-feira. No mesmo dia, Toffoli se reúne com o ministro da Economia, Paulo Guedes, e secretários do Tesouro e da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN).

O cálculo das perdas potenciais com os processos no STF foi feito a pedido do Estado pela PGFN e pela Advocacia-Geral da União (AGU), considerando seis processos, a maioria envolvendo questão tributária.

Na visão de especialistas ouvidos pela reportagem, no entanto, será preciso aguardar a conclusão desses julgamentos para verificar se a preocupação institucional de Toffoli será compartilhada pelos outros dez ministros que compõem o tribunal.

Visão. Toffoli e Guedes jantaram no início do mês, quando discutiram uma blindagem jurídica para afastar o risco de a reforma da Previdência ser contestada na Suprema Corte. O problema tributário, apesar de não ser prioridade do governo neste momento, também foi debatido, numa avaliação de que é preciso simplificar normas e leis fiscais e tributárias para enfrentar o alto grau de judicialização.

É o mesmo entendimento da procuradora da Fazenda Nacional, Alexandra Maria Carvalho Carneiro, que coordena a atuação judicial da PGFN perante o STF. Ela destacou que a legislação tributária brasileira é dispersa e confusa, gerando dúvidas no contribuinte que acabam parando na Justiça.

“É um número enorme de leis sobre o mesmo tributo, leis que são revogadas e revisadas, dá-se benefício ali, aqui, e depois retira. É um conjunto de leis muito complexo. E no Brasil existe uma cultura de judicializar tudo”, observou.

Alexandra acompanha cerca de 160 processos tributários que tramitam na Corte. Essas ações têm a chamada repercussão geral: quando o STF decide algo, o entendimento deve ser seguido por juízes de todas as instâncias do País.


O Estado de S. Paulo: Temer e Toffoli defendem a Constituição

Presidente da República e do Supremo criticam extremismos e dizem que não há caminho fora da Carta, que completa 30 anos neste mês

Por Rafael Moraes Moura Amanda Pupo Teo Cury, do O Estado de S. Paulo

BRASÍLIA - Chefes do Judiciário e do Executivo, além de autoridades, defenderam ontem a democracia, criticaram extremismos e frisaram não haver caminho que não seja por meio do respeito à Constituição. As afirmações foram feitas durante solenidade, realizada no Supremo Tribunal Federal, que marcou os 30 anos de promulgação da atual Carta.

Em meio à polarização das eleições e o clima acirrado, principalmente nas redes sociais, o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, disse que a função primária de uma Constituição cidadã é ecoar os gritos do “nunca mais a escravatura”, “nunca mais a ditadura”, “nunca mais o fascismo e o nazismo”, “nunca mais o comunismo”, “nunca mais o racismo” e “nunca mais a discriminação”, citando uma fala do jurista José Gomes Canotilho.

“Os desafios existem e sempre existirão. O jogo democrático traz incertezas, a grandeza de uma nação é exatamente se inserir neste jogo democrático e ter a coragem de viver a democracia”, afirmou Toffoli.

Na segunda-feira passada, em debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Toffoli disse que prefere definir a tomada de poder pelos militares em 1964 como um “movimento”. “Não foi um golpe nem uma revolução. Me refiro a movimento de 1964”, afirmou na ocasião.

Temer. Também presente na solenidade de ontem, o presidente Michel Temer criticou, sem citar nomes, as propostas de revisão da Constituição apresentadas pelos candidatos Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) durante a campanha eleitoral e reafirmou que “não há caminho fora da Constituição”.

“Temos historicamente necessidade extraordinária de a cada 20, 30 anos achar que precisamos de um novo Estado”, disse Temer no STF. “A todo momento, se postulam Constituintes que possam inaugurar uma nova ordem estatal”, continuou, observando que esses episódios se dão por um “fundamento equivocado” de que isso resolveria os problemas. Ao destacar o papel do STF como guardião da Constituição, Temer afirmou que a interpretação dos ministros da Corte tem permitido avanço na aplicação da democracia.

Ele ressaltou ainda os princípios da liberdade de expressão e informação, afirmando que a imprensa livre “significa informação livre que é benéfica a sociedade”.

“As pessoas falam muito em liberdade de imprensa em favor da imprensa. Não é, é em favor do povo. A imprensa livre significa informação livre”, disse ele.

Para a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, “não há possibilidade de retrocesso” dos avanços alcançados pelas instituições públicas nos 30 anos em que vigora a atual Constituição. “Há muito a avançar, porque a violência, a insegurança pública, a corrupção e a desigualdade reclamam uma atuação vigorosa e firme das instituições públicas, que não podem retroceder nem ter seus instrumentos de atuação revogados. Não há possibilidade de retrocesso, porque a ordem constitucional é de avanço a partir do que vamos alcançando e solidificando”, disse ela.

Antídoto. Na mesma sessão, o presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, disse que teme o ambiente extremista destas eleições, mas disse que o antídoto sempre será a Constituição.

“Temo o ambiente extremista que alguns querem lhe infundir (em referência às eleições ). Mas o antídoto ao extremismo, venha de onde vier, é e sempre será a nossa Constituição”, disse Lamachia, que não mencionou o nome de nenhum candidato no seu discurso.


Eliane Cantanhêde: "Strike” de Toffoli

Ministro livrou Demóstenes, Maluf e Picciani para justificar HC de Lula?

No recesso branco da semana passada, o Supremo fez um “strike” ao libertar condenados que, há tempos, são arroz de festa e símbolos no noticiário da corrupção. Aplainou, assim, o caminho para o habeas corpus (HC) a favor do ex-presidente Lula na próxima quarta-feira e para a revisão da prisão em segunda instância mais adiante.
O procurador e ex-senador Demóstenes Torres, uma espécie de funcionário de luxo do bicheiro Carlinhos Cachoeira no Congresso, foi cassado, condenado e estava inelegível até 2023, mas obteve uma liminar para disputar as eleições deste ano. Um espanto!
O ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio Jorge Picciani, conhecidíssimo há décadas por suspeitas de corrupção e tráfico de influência, ganhou um HC para sair da cadeia de Benfica e curtir sua condenação no lar, doce lar, da Barra da Tijuca, sem tornozeleira. Uma mudança e tanto.
Na quarta-feira, o (ainda) deputado Paulo Maluf, que frequenta o noticiário policial desde os anos 1980 e foi condenado por crimes de quando era prefeito de São Paulo – de 1993 a 1996! –, passou mal de madrugada e ganhou um presentão no início da tarde: um HC para sair da Papuda, pegar uma UTI móvel e pousar anteontem na sua mansão dos Jardins, em São Paulo. Também sem tornozeleira.
Picciani, 62, tirou um câncer e tem sequelas importantes. Maluf, 86, tem problemas cardíacos e diabetes. Mas por que eles estavam presos nessas condições? Porque usaram de seus cargos, de suas fortunas ou de uma infinidade de recursos para não serem presos quando deveriam ter sido. Agora, quando são, alegam que não podem mais ser...
Por trás das decisões a favor de Demóstenes, Picciani e Maluf, o mesmo ministro, com a mesma caneta: José Antonio Dias Toffoli, que não tinha doutorado nem mestrado, tinha levado duas bombas para juiz e só virou ministro da mais alta corte porque Lula quis. Ex-advogado do PT e advogado geral da União no governo Lula, ele pode até ser uma boa figura, mas lhe faltavam predicados para o Supremo.
Nos HCs de Picciani e Maluf, Toffoli foi contra a posição do relator da Lava Jato, Edson Fachin. Especificamente no de Maluf, foi além: desautorizou uma decisão em sentido contrário dada em dezembro por Fachin, o que não chega a ser inédito, mas também está longe de ser trivial. Fachin mandou prender Maluf, Toffoli mandou soltar três meses depois.
Essa onda de bondades de Toffoli gerou projeções. A primeira é sobre o HC preventivo que pode livrar Lula da prisão na quarta-feira. Decisão difícil: o réu é Lula, a prisão em segunda instância passou por 6 a 5 em 2016, há pressões de todos os lados e 1,5 mil juízes e procuradores entregam manifesto amanhã à corte na linha de Sérgio Moro: contra a mudança.
Ao beneficiar Demóstenes, Picciani e Maluf, o ex-advogado do PT Dias Toffoli estava aplainando o terreno para amenizar o impacto de uma decisão pró Lula? Sem falar que ele é da segunda turma do STF, que livrou o líder do governo, Romero Jucá, e o empresário Jorge Gerdau no inquérito da operação Zelotes. Em seu voto, Toffoli acusou a denúncia da PGR de tentativa de “criminalizar a política”.
A outra projeção é sobre o STF após setembro, quando Toffoli substituirá Cármen Lúcia na presidência, num momento crucial para a Lava Jato e para políticos com mandato, do PT, PSDB, PMDB, PP, PTB.... Aliás, o mesmo Toffoli tinha pedido vistas do fim do foro privilegiado e o tema voltará à pauta em maio.
O foco estava em Cármen, Gilmar, Barroso e Rosa Weber, mas é Toffoli quem agora atrai todos os holofotes, a meses das eleições e quando está em jogo o destino do padrinho Lula. Audácia o ministro mostrou que tem. Até ao assumir uma vaga no Supremo Tribunal Federal, apesar de tudo.