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O Estado de S. Paulo: Conheça as tecnologias que invadirão nossas vidas em 2021

Será mais um ano em que os serviços de internet dominarão muitos aspectos de nossas vidas

Brian X. Chen, The New York Times

Neste ano que se inicia, as tecnologias que chamarão mais a atenção provavelmente não serão smartphones chiques ou televisões de tela grande. Serão coisas que não costumamos ver, como softwares e outros produtos da internet.

Antes que o coronavírus transformasse as nossas vidas, as listas de tecnologias que surgiam todos os anos eram frequentemente dominadas por aparelhos de grande fama como caixas de som inteligentes e televisões com curvatura. Mas a pandemia nos obrigou a abraçar a tecnologia útil muitas vezes menosprezada. Aplicativos antes deficientes ou engenhocas inovadoras nos nossos dispositivos tornaram-se de repente ferramentas indispensáveis.

Por exemplo, aplicativos como Apple Pay e Square. Embora já existam há anos, algumas pessoas continuam com cartões de crédito e dinheiro. Mas a nova preocupação com o vírus incentivou o uso de pagamentos por celular sem necessidade de contato em detrimento dos leitores de cartões.

Há ainda a realidade aumentada. A tecnologia, que nos permite interagir com objetos digitais em sobreposição ao nosso mundo físico, está em preparação há mais de uma década. Nos últimos anos, pareceu mais futurista do que útil. Mas agora, que não podemos ir para uma loja física para experimentar algum produto, poder tirar uma selfie para ver como fica a maquiagem no nosso rosto parece evidentemente uma ideia melhor.

“Começamos a considerar todas essas coisas como uma necessidade durante a covid-19”, disse Carolina Milanesi, analista de tecnologia de consumo para a Creative Strategics. “Basta pensar por quanto tempo negligenciamos as chamadas de vídeo. Finalmente, conseguimos. Não é sexy, mas faz uma diferença”.

Baseadas nessas previsões, abaixo estão quatro tendências tecnológicas que deverão invadir nossas vidas este ano.

Tecnologia que substitui lojas físicas

Talvez vocês não tenham notado isso nas compras online, mas a experiência do comércio eletrônico está mudando. Clicar em uma barra de navegação de um site para encontrar um item ficou algo ultrapassado. Uma barra de busca que nos permite procurar um produto específico é mais rápida. Em alguns casos, conversar com um robô pode ser até mais eficiente. 

Há anos, experimentamos robôs de conversação. O Facebook ofereceu ferramentas para os comerciantes fazerem robôs que lidam com os clientes. Varejistas como a Amazon usam ‘chatbots’ para responder às perguntas dos clientes, e quando os robôs não podem ajudar, uma pessoa assume em seu lugar.

Atualmente, visitar uma loja física é algo em grande parte impraticável na pandemia, mas podemos esperar que estas tecnologias de conversação se tornem fundamentais, afirma Julie Ask, analista de tecnologia da Forrester Research. “A possibilidade de ir online e buscar, clicar e usar uma janela de navegação já é ultrapassada”, ela disse. “O que vem depois disso? Muitas coisas passarão pela conversação, seja por texto ou por voz”. 

Já existem vários exemplos disso. Recentemente, tentei comprar um par de sapatos na Beckett Simonon, uma marca da moda online, e perguntei a um funcionário via chat a respeito do tamanho exato para os meus pés.

Muitas companhias também estão usando a realidade aumentada para ajudar as pessoas nas compras online, disse Julie Ask. Na Jins Eyewear, que vende óculos sob receita, por exemplo, o cliente tira uma foto do rosto para provar virtualmente os óculos antes de decidir se os comprará. Snap, a controladora da Snapchat, associou-se a marcas de luxo como Gucci e Dior para as pessoas experimentarem os produtos.

A realidade aumentada será particularmente popular este ano porque a tecnologia continua se aperfeiçoando. Novos smartphones da Apple e Android mais caros incluem sensores para detectar a profundidade, o que torna mais fácil para os aplicativos de realidade aumentada colocar objetos como mobiliário virtual em espaços físicos.

O Wi-Fi está ficando mais inteligente

Um problema da tecnologia doméstica que a pandemia evidenciou foi o das nossas conexões de internet, que não costumam ser confiáveis. No ano passado, quando as pessoas se fecharam em casa para conter a disseminação do coronavírus, as velocidades médias da internet no mundo inteiro reduziram, em parte porque as provedoras de banda larga estavam sobrecarregadas por causa do tráfego pesado.

Felizmente, a tecnologia de Wi-Fi vem sendo continuamente aprimorada. Este ano, veremos uma onda de novos roteadores de internet, entre eles o Wi-Fi 6, um novo padrão de rede. Ao contrário dos upgrades sem fio anteriores, o Wi-Fi 6 se concentrará não na velocidade, mas na eficiência, compartilhando a banda larga com um grande número de dispositivos. 

O que isto significa? Digamos que a sua família tem smartphones, vários computadores e um console para jogos. Se todos eles estão em uso consumindo grandes quantidades de dados – com streaming de vídeo, por exemplo – o Wi-Fi 6 faz algo melhor, fornecendo banda larga a todos os dispositivos ao mesmo tempo, em vez de permitir que um deles apenas monopolize a maior parte.

A tecnologia permite que não usemos nossas mãos

O ano passado foi um ponto crucial para os pagamentos via celular. Por razões de segurança, os que só confiavam no dinheiro vivo, como os comerciantes do mercado de produtores agrícolas e os caminhões que vendem comida, começaram a aceitar os pagamentos móveis.

Nos Estados Unidos, cerca de 67% dos comerciantes aceitam pagamentos sem tocar no dinheiro, sendo que em 2019 eram 40%, de acordo com uma pesquisa da Forrester. Entre os entrevistados, 19% disseram que fizeram um pagamento digital em uma loja, pela primeira vez, em maio do ano passado.

E essa tecnologia não acaba nas carteiras móveis. A chamada Ultra Banda Larga, uma tecnologia por rádio relativamente nova, também poderá ter o seu momento este ano. A tecnologia, que usa ondas de rádio para detectar objetos com extrema precisão, não foi muito usada desde a sua estreia nos smartphones, há cerca de dois anos. Mas a necessidade de experiências sem o toque poderá mudar isto, afirmou Carolina Milanesi, da Creative Strategies. 

A tecnologia que leva o trabalho e o atendimento ao mundo virtual

A pandemia deixou claro que as experiências virtuais, como as reuniões por vídeo e a ioga via Zoom, são substitutos viáveis do mundo real, quando adotados persistentemente ou com a devida insistência. Em 2021, esperamos que outros produtos ofereçam a digitalização da maneira como trabalhamos e cuidamos da saúde.

Um exemplo: algumas companhias de tecnologia estão experimentando com a recriação da sala de conferências do escritório com realidade virtual.

Oculus, divisão de realidade virtual do Facebook, disse que está acelerando o seu plano de trazer a realidade virtual para os escritórios. Ela pretende unir o seu mais recente fone de ouvido, o Oculus Quest 2, a um software de business-ready que ajuda as empresas a treinar os funcionários e a colaborar, por cerca de US$ 800. 

Com as academias fechadas, estamos nos voltando cada vez mais aos cuidados com a saúde

No ano passado, a Amazon lançou o seu primeiro dispositivo para acompanhar o exercício físico - ele inclui até um software que escaneia a gordura do nosso corpo. Recentemente, a Apple lançou o Fitness +, um replicador do Peloton, o serviço por vídeo que oferece instruções para as pessoas se exercitarem em casa. Segundo Julie Ask, a tendência continuará e se estenderá a outros aspetos da saúde, como o autoatendimento e a saúde mental, com aplicativos de vídeo que oferecem meditação ou terapia guiada. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA


Roberto Freire: Por uma esquerda contemporânea do futuro

Em um mundo que enfrenta um revolucionário processo de transformação, não é das tarefas mais simples para as forças políticas e agremiações partidárias se adaptarem à nova realidade. Instituições datadas do período da Revolução Industrial, ainda no século XIX, os partidos políticos perderam muito de sua interlocução junto à população e hoje têm enorme dificuldade de se estabelecer nas sociedades plenamente interconectadas em rede. As esquerdas, em especial, praticamente todas em crise em grande parte do mundo, só retomarão o diálogo com os demais atores sociais se tiverem a capacidade de interpretar as mudanças em curso.

Essa revolução social já é um dado da realidade que está bem diante dos nossos olhos e contra o qual não se pode lutar. Tal processo envolve não apenas o avanço das novas tecnologias ou das ferramentas de comunicação, mas se trata, fundamentalmente, de uma transformação radical na forma como nos relacionamos uns com os outros. É evidente que as sociedades atuais não têm praticamente nenhuma similitude com aquelas de décadas passadas. Este é um movimento irrefreável que só se intensificará.

Novas questões estão na ordem do dia no mundo moderno, entre as quais a inteligência artificial e a robotização. Os “Tempos Modernos”, retratados como obra-prima no cinema pela genialidade de Charles Chaplin são coisa do passado. Hoje, a linha de montagem é ocupada por robôs e por todo um processo de automação. Essa verdadeira revolução está transformando profundamente tudo o que está à nossa volta: o mundo do trabalho, a cultura, as relações sociais, os costumes e as instituições – entre elas, inclusive, até mesmo a própria família.

Este novo mundo digital que se descortina nos afeta a todos, em todos os segmentos de atividade, proporcionando o surgimento de novas ferramentas e organizações que substituirão as velhas estruturas – que podem ser simbolizadas, no mundo do trabalho, pelos atuais sindicatos. Para todas essas questões, é fundamental que tenhamos uma visão conectada com o futuro e abdiquemos de vícios e valores ultrapassados de um mundo que ficou para trás e não mais voltará.

Lamentavelmente, o que temos observado com certo estarrecimento, especialmente no Brasil, é um comportamento retrógrado e totalmente refratário às mudanças justamente por parte daqueles movimentos que se dizem progressistas e de vanguarda. Muitos deles, notadamente alguns grupos políticos de esquerda liderados pelo PT e seus aliados PCdoB, PDT e PSOL, têm se comportado como forças da reação, pois se insurgem contra toda e qualquer mudança. Basta haver uma proposta de reforma para que esses setores prontamente se posicionem em oposição a ela, como se o Brasil vivesse um nirvana que não justificasse qualquer iniciativa de transformação.

Provavelmente, não leram com atenção Karl Marx, autor do célebre panfleto “O Manifesto Comunista”, que escreveu: “tudo o que era sólido se desmancha no ar”. Ou devem ter lido essa frase como se fosse algo meramente poético. Na realidade, se trata de uma mudança muito mais profunda que, infelizmente, certa esquerda não consegue perceber. É justamente essa capacidade de interpretação da realidade e de projeção do futuro que esses grupos vêm perdendo paulatinamente.

Durante a Revolução Industrial, houve um movimento que se voltou contra a chamada “mecanização do trabalho” – o ludismo, inspirado e liderado por Ned Ludd, cujos seguidores se revoltaram contra a utilização das máquinas em substituição à mão-de-obra humana nas fábricas. Se naquele momento os ludistas destruíam a maquinaria, hoje temos uma espécie de “ludista digital”, aquele que se posiciona, inequivocamente, contra o avanço das inovações tecnológicas e o mundo digital.

Para citarmos outro exemplo, na área científica também há forte resistência a qualquer debate sobre avanços das pesquisas e o uso da tecnologia de ponta para novas descobertas. Recentemente, em meio aos debates a respeito do desenvolvimento da biotecnologia no Brasil – cujo avanço alguns tentaram impedir, sobretudo em relação às pesquisas sobre o uso de alimentos geneticamente modificados –, não foram poucos os setores mais atrasados e obscurantistas da esquerda que simplesmente não toleravam sequer debater o tema.

Comecei a minha militância política no velho Partido Comunista Brasileiro, o PCB, lutando pelas reformas de base. Já naquela época, éramos de uma esquerda que defendia e buscava as mudanças. O que se vê nos dias de hoje, infelizmente, é um comportamento agressivo, intolerante, anacrônico e até mesmo reacionário de certos setores do pensamento dito progressista que não aceitam nenhum tipo de reforma.

É necessário e urgente interpretar todo esse processo de transformação e estabelecer um canal direto de comunicação com os novos atores políticos e sociais – por meio das redes e rodas democráticas e dos mais diversos movimentos da cidadania. Temos de ser contemporâneos do futuro, que já começou. Ou seremos atropelados por ele. (Poder 360 – 05/11/2017)