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Luiz Carlos Azedo: Supremo deu o recado

Cármen Lúcia disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR

Ao manter o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, à frente das investigações sobre o presidente Michel Temer, neste fim de mandato, o Supremo Tribunal Federal mandou um recado para o mundo político: restaure-se a moralidade. Nove ministros da Corte rejeitaram o pedido de afastamento: Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Luiz Fux, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello e Cármen Lúcia. Não participaram da decisão os ministros Luís Roberto Barroso e Gilmar Mendes.

Em seu voto, a presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que o Ministério Público continuará o trabalho de combate à corrupção, mesmo após a saída de Janot da PGR, e que as “instituições são mais importantes que as pessoas”. Não foi uma declaração descontextualizada da troca de guarda na PGR, porque sinaliza o que já se esperava: Raquel Dodge, que substituirá Janot a partir da segunda-feira, não será complacente com os malfeitos apurados na Operação Lava-Jato.

“Há instituições sólidas hoje no Brasil, o Ministério Público é uma delas. O Supremo não permitirá que a mudança de um nome, o afastamento de um nome, altere os rumos”, disse a presidente da Corte. Cármem Lúcia foi explícita quanto ao fato de que todos os processos que se referem à matéria penal não serão interrompidos, apesar das pressões. Esse foi o teor da recente conversa entre a presidente da Corte e a nova procuradora-geral. “O processo penal e a busca de apuração de erros praticados no espaço público, como se tem no espaço privado, não vão parar”, ressaltou.

A expectativa agora é quanto à segunda denúncia contra Michel Temer. O caminho ficou aberto para que isso ocorra nas próximas 48 horas, porque a segunda decisão da Corte, sobre essa possibilidade, foi adiada para a próxima semana, por causa da apreciação do Código Florestal. A sessão foi encerrada por Cármem Lúcia sem que os ministros do STF analisassem o pedido de Temer para impedir Janot de apresentar uma nova denúncia. Outro pedido era para que a Corte examinasse a validade das provas entregues pelos delatores da J&F, que embasam as investigações, mas o relator da Lava-Jato, ministro Luiz Edson Fachin, manifestou-se contra a apreciação da validade das provas no momento.

A sessão do Supremo surpreendeu pelo estilo pessedista (a cúpula do antigo PSD só se reunia quando tudo já estava resolvido). O ministro Gilmar Mendes, crítico implacável da Lava-Jato e desafeto declarado de Janot, permaneceu no seu gabinete na primeira votação. Em nota, disse que “possui posição consolidada a respeito da interpretação restritiva das regras de suspeição e impedimento previstas na legislação brasileira”. Barroso, principal defensor de Janot e da Lava-Jato, não compareceu porque estava num seminário na Universidade de Yale, nos Estados Unidos.

Janot também não compareceu, foi representado pelo vice-procurador-geral da República, Nicolau Dino, que chamou de “absolutamente infundadas” as acusações. Ele foi o mais votado na eleição interna do Ministério Público para o cargo de procurador-geral, mas foi preterido por Temer, que indicou Raquel Dodge. “Nada, absolutamente nada autoriza a conclusão de que haveria inimizade capital entre o procurador e o presidente da República”, afirmou.

Enquanto isso, segue o baile. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva prestou depoimento ontem, em Curitiba, perante o juiz Sérgio Moro, e não foi preso, como temiam os petistas. Continuará respondendo ao processo em liberdade. Lula foi agressivo, mas o magistrado não caiu na armadilha e evitou polêmicas. Uma nova denúncia foi feita por Janot no fim da tarde, desta vez contra o presidente do DEM, senador José Agripino Maia (RN), cujo teor foi mantido em sigilo.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), ontem, suspendeu a carteira do ex-procurador Marcelo Miller, por 90 dias. Desde março, Miller é investigado pelos colegas por sua atuação no escritório Trench, Rossi, Watanabe, que defendia a JBS no acordo de leniência. O escritório informou à coluna que não foi responsável pela entrega da gravação da conversa entre Joesley Batista e o executivo Ricardo Saud ao Ministério Público, como publicamos na terça-feira. Quem entregou a gravação foi a defesa na “delação premiada”, o processo criminal.

Seminário
Começa hoje, no Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, o seminário internacional “Desafios políticos de um mundo em intensa transformação”, organizado pela Fundação Astrojildo Pereira (PPS) e o Instituto Teotônio Vilela (PSDB). Entre os palestrantes, Adrian Wooldridge, Stefan Folster e Gianni Barbacetto, além de políticos dos dois partidos, como Fernando Henrique Cardoso, Geraldo Alckmin, Cristovam Buarque, Roberto Freire e José Aníbal. A grande ausência será o prefeito de São Paulo, João Doria, que está em Buenos Aires

 

 


Merval Pereira: A voz do STF  

A presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, foi fundamental para desarmar os espíritos na sessão de ontem. A ausência do ministro Gilmar Mendes e do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na primeira parte, em que foi tratado o pedido da defesa de Temer de suspeição de Janot, permitiu que a discussão se desse em termos estritamente técnicos. Gilmar mesmo disse que assistiu de seu gabinete à sessão e, como não havia divergência, não se pronunciou.

Logo no início, Cármen Lúcia também desarmou uma pequena manobra do advogado de Temer, Antonio Cláudio Mariz, que queria que os dois assuntos, suspeição e suspensão da segunda denúncia, fossem julgados ao mesmo tempo.

O advogado já antevia que o pedido de suspeição não seria aceito e pretendia encurtar o julgamento. Chegou a dizer que, se pudesse, desistiria da suspeição, mas não conseguiu evitar que o plenário se manifestasse a favor do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por unanimidade dos presentes: 9 a 0, já que o ministro Luís Roberto Barroso também não estava no plenário.

Por fim, ao encerrar a sessão antes que o segundo tema fosse julgado, a presidente do Supremo jogou um balde de água fria para acalmar os ânimos de seus pares, deixando para a próxima semana a discussão sobre se uma segunda denúncia deve ser sustada até que se encerrem as investigações sobre as delações de Joesley Batista e seus executivos na JBS, as quais o procurador-geral da República quer rescindir com base em novos áudios.

A nova denúncia, assim, pode ser apresentada sem problemas por Janot antes que ele saia do cargo, na sexta-feira, mas dificilmente terá andamento antes que o pleno do Supremo decida a questão de ordem que está em pauta. O relator da Lava-Jato no Supremo, ministro Luiz Edson Facchin, provavelmente receberá a denúncia, mas não dará andamento a ela, aguardando a decisão do Supremo. Não precisa nem sobrestá-la, basta que a analise com atenção, até a próxima sessão.

Mesmo que decidisse enviar a denúncia à Câmara, o que pode fazer, pois não há decisão sobre o assunto que o impeça, seria um ato inócuo, já que a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, que tem maioria governista, alegaria que não pode decidir sobre o tema sem que o STF se pronuncie.

O importante na sessão de ontem foi o comprometimento de uma maioria firme do plenário, com nove ministros se pronunciando a favor da Operação Lava-Jato e do trabalho do Ministério Público. Certamente o ministro Barroso, que está em viagem nos Estados Unidos, seria o décimo voto.

A presidente Cármen Lúcia salientou que não importa quem esteja à frente da Procuradoria-Geral da República: “Há instituições sólidas hoje no Brasil, o Ministério Público é uma delas. O Supremo não permitirá que a mudança de um nome, o afastamento de um nome, altere os rumos, porque as instituições são mais importantes que as pessoas, evidentemente”, disse.

Esse foi o recado mandado ontem pelo Supremo Tribunal Federal para o cidadão brasileiro, o da garantia de que as investigações continuarão, sob sua supervisão, mesmo com o fim do mandato de Rodrigo Janot, que será substituído pela procuradora Raquel Dodge na próxima segunda-feira, e com a provável substituição do diretor-geral da Polícia Federal, que está sendo coordenada pelo ministro da Justiça, Torquato Jardim.

Como este nosso processo de crise política sofre reviravoltas a todo momento, a tentativa de postergar ou mesmo inviabilizar uma segunda denúncia acaba sendo, no atual cenário, mais prejudicial a Temer do que parecia anteriormente.

Com a possibilidade de seu ex-ministro Geddel Vieira Lima fazer uma delação premiada, quanto mais demorar o processo na Câmara, pior para o governo, pois, mesmo que não estejam na denúncia de Janot, eventuais acusações de Geddel contra o presidente, de quem é íntimo há 30 anos, terão o mesmo efeito do depoimento de Antonio Palocci sobre o ex-presidente Lula. Criarão um ambiente político que certamente afetará negativamente a tramitação do processo na Câmara.

 

 


Merval Pereira: Parte da crise

O Supremo Tribunal Federal está no centro da crise política brasileira, e agora não mais como instância mediadora, mas como parte dela. O ministro Gilmar Mendes já demonstrou ontem o tom que levará ao plenário hoje, quando será discutido o pedido da defesa do presidente Michel Temer de suspeição do Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, e de suspensão de uma eventual segunda denúncia contra o presidente baseada nas delações premiadas de Joesley Batista e do doleiro Lucio Funaro.

Ontem, o ministro Gilmar, que tem denunciado irregularidades na delação dos donos da J&F e quer anular como prova a gravação que Joesley fez com Temer no Palácio Jaburu, classificou de “gestão de bêbado” o período em que Janot esteve à frente da Procuradoria-Geral da República e disse que o Supremo está “numa situação delicadíssima. O STF está enfrentando um quadro de vexame institucional.”

Ele está certo de que o ex-procurador Marcelo Miller, que ontem teve seu registro de advogado suspenso pela OAB, atuou ajudando a delação premiada dos executivos da J&F e constrangeu o ministro Luiz Facchin, relator da Lava Jato, que deu o aval para as delações da JBS que se mostraram fraudulentas no mínimo por omissão de fatos importantes: “Nesse caso, imagino seu drama pessoal. Ter sido ludibridado por Miller ‘et caterva’ deve impor um constrangimento pessoal muito grande (…) certamente tão poucas pessoas na história do STF correm o risco de ver o seu nome e o da própria Corte conspurcado por decisões que depois vão se revelar equivocadas”, disse Gilmar em uma reunião da 2ª Turma.”

Fachin não entrou no clima de confronto proposto por Gilmar, disse que sua alma “está em paz” e reiterou o voto que proferiu “com base naquilo que entendo que é a prova dos autos”. O escritórioTrench, Rossi & Watanabe, que demitiu o ex-procurador Marcelo Miller pouco depois de tê-lo contratado, mantém uma associação com o escritório norte-americano Baker & Mackenzie, considerado o maior do mundo, há 50 anos. Está colaborando com as investigações de maneira espontânea, certamente orientado pelos americanos, entregando todos os documentos que uma auditoria interna reuniu, demonstrando que o ex-procurador já atuava no caso JBS antes mesmo de pedir demissão da Procuradoria.

Um e-mail trocado entre Marcello Miller e a advogada Esther Flesch – que também foi demitida - indica que o escritório Trench, Rossi e Watanabe pagou uma passagem aérea entre Rio e São Paulo para Miller enquanto ele ainda era procurador, o que caracteriza a prestação de serviço.

O contrato entre o escritório Trench, Rossi e Watanabe e a J&F foi assinado no dia 6 de março, um dia antes de Joesley Batista gravar Michel Temer no Palácio Jaburu. O ministro Gilmar Mendes quer demonstrar que o procurador Marcelo Miller atuou ativamente na delação premiada de Joesley, o que, na sua concepção, invalidaria a gravação, mesmo que Rodrigo Janot não soubesse, no que o ministro não acredita.

Ele chegou a insinuar que o método usado contra o presidente Temer foi o mesmo das gravações do ex-senador Delcidio do Amaral e de Sérgio Machado, presidente da Transpetro, sugerindo que esse era um método utilizado por Marcelo Miller no Ministério Público.

O que está por trás da importância da reunião de hoje do STF é justamente essa disputa para a anulação das provas apresentadas pela Procuradoria-Geral da República contra o presidente Temer e o senador do PSDB Aécio Neves. Não parece haver uma maioria disposta a tomar essa decisão, mas a cada prova que surge contra o procurador Marcelo Miller, mais o ministro Gilmar Mendes reafirma sua suspeita de que tudo não passou de uma armação contra o presidente, e considera que o STF está sofrendo um desgaste institucional com a crise provocada pelas irregularidades registradas na delação premiada da JBS.

Se o clima da sessão de hoje for o que está se armando, porém, sairá prejudicado o próprio Supremo Tribunal Federal como instituição que assegura a democracia brasileira.

 

 


Marco Antonio Villa: Os privilégios do STF  

O Supremo Tribunal Federal é o guardião da Constituição (artigo 102). Diz a ministra Cármen Lúcia, no relatório de atividades de 2016, que buscou “racionalizar o gasto de dinheiro público.” Será? Dinheiro não faltou. Em 2016, a Corte recebeu R$ 554.750.410,00. E achou pouco. O pedido inicial era de R$ 624.841.007,00. Desta fortuna, R$ 206.311.277,11 foram reservados ao pagamento do pessoal ativo. E mais R$ 131.300.522,83 para os aposentados e pensionistas. São 1.216 funcionários ativos (554 com função gratificada), 306 estagiários e 959 terceirizados. Há variações nos dados mas o total geral não é inferior a 2.450, o que dá a média de 222 funcionários por ministro. Fica a preocupação de que todos os funcionários não podem comparecer aos locais de trabalho sob pena de colocar em risco as estruturas dos prédios.

Somente entre os funcionários terceirizados (gasto total de R$ 5.761.684,88) é possível encontrar incríveis distorções. É de conhecimento público que algumas sessões são tensas, mas como explicar a existência de 25 bombeiros civis? E as 85 secretárias, média de oito por ministro? Vivemos uma crise de segurança, mas não é exagero a existência de 293 vigilantes? Somos um país cordial mas lá foi levado ao extremo. São necessárias 194 recepcionistas? Divulgar as ações é importante, mas são precisos 19 jornalistas? Com a informatização, como justificar 29 funcionários cuidando da encadernação? Encadernam o quê? Limpar os prédios é importante.

Mas será que o TOC também atingiu o STF? É a única conclusão possível tendo em vista constar na folha de pagamentos 116 serventes de limpeza. A boa etiqueta manda receber bem os convidados, mas pagar a 24 copeiros e 27 garçons não é um pouco demais? Para que oito auxiliares em saúde bucal? É um tribunal ou um consultório odontológico? Preocupar-se com a infância é meritório, mas como justificar 12 auxiliares de desenvolvimento infantil? E os 58 motoristas (ao custo anual de R$ 3.853.543,36)? Sem esquecer os sete jardineiros, seis marceneiros e os dez carregadores de bens — bens? Quais? A imagem da Corte anda arranhada. Esta deve ser a razão para pagar a cinco publicitários. Estes são apenas alguns exemplos entre os milhares de funcionários terceirizados ou concursados que nós pagamos todo santo mês.

A casta trabalhadora é muito bem tratada. O programa Viva Bem patrocinou cursos de ioga, massagem laboral e oficina de respiração. Somente com assistência médica e odontológica foram gastos R$ 15.780.404,89. Ao auxílio-moradia, uma espécie de Minha Casa Minha Vida da Corte, foram reservados R$ 1.502.037,00. Para ajuda de custo (ajuda de custo?) R$ 1.040.920,00. Preocupado com a educação pré-escolar, a Suprema Corte destinou R$ 2.162.483,00. Mas, como ninguém é feliz de barriga vazia, não foi esquecida a alimentação: R$ 12.237.874,00. Preocupados com a vida eterna e com o futuro, suas excelências alocaram R$ 204.117,00 para auxílio-funeral e auxílio-natalidade. Com tantas benesses, dá para entender por que o programa “educação para aposentados” teve apenas dois participantes.

Pesquisando no relatório, alguns gastos de manutenção chamam a atenção, como a rubrica no valor de R$ 1.852.355,49 destinada às reformas e manutenção. O transporte não foi esquecido. São 87 veículos (dos quais três caminhões) que representam um custo de manutenção de R$ 5.420.519,10 (só de lavagem foram gastos R$ 109.642,48). Transparência é um dever constitucional, mas reservar R$ 32.236.498,26 para este fim não é um exagero? Em ações de informática foram torrados R$ 10.512.950,00. Em segurança institucional — a expressão é do relatório — foram alocados R$ 40.354.846,00. Nesta rubrica é possível concluir que a senhora ministra quis adotar o pleno emprego: “a meta física prevista era a manutenção de 487 postos de trabalho. Devido às restrições orçamentárias em 2016, houve necessidade de redução de postos de trabalho vinculados a vários contratos, sendo mantidos 404 postos.” Sim, apenas 404 pessoas para cuidar da “segurança institucional”. Poucos?

Mas, devemos reconhecer, o STF tem seu lado ONG. O setor de “responsabilidade social” organizou a exposição “Eu catador”. Segundo o tribunal, a “mostra de fotos produzidas por catadores de lixo que trabalham no aterro da Cidade Estrutural aconteceu no período de 18 a 25 de novembro de 2016 e pretendeu incentivar a reflexão crítica e sensibilizar a toda a Comunidade do Supremo Tribunal quanto ao impacto do lixo que produzimos.” Parabéns! Em tempo: o relatório informa também que a Corte vem reduzindo o consumo de água.

Nota-se também o excesso de viagens dos senhores ministros. Alguns se ausentaram do trabalho por duas semanas consecutivas. Isto pode explicar que somente 3.373 decisões tenham sido tomadas no plenário contra 102.900 monocráticas. Cabe indagar se o STF é formado por 11 ministros ou temos 11 tribunais federados em um mesmo local? Cada magistrado julga, em média, 10.675 processos. Se subtrairmos as férias forenses, os finais de semana, os feriados prolongados, as viagens nacionais e internacionais, é provável que suas excelências tenham realizado, com louvor, cursos de leitura dinâmica.

Porém, o relatório trouxe três boas notícias. Por falta de recursos orçamentários foram adiadas as construções do centro de treinamento e capacitação de servidores, de mais um anexo e da ampliação da garagem do Anexo II. Tudo orçado — inicialmente — em R$ 1.338.640,00. Resta parodiar o belo hino do Santos Futebol Clube: “nascer, viver e no STF morrer, é um privilégio que nem todos podem ter.”

* Marco Antonio Villa é historiador

 


Merval Pereira: Sessão histórica 

A sessão de amanhã do Supremo Tribunal Federal (STF) será fundamental para a definição dos rumos das investigações do Ministério Público no âmbito da Operação Lava-Jato. Uma sessão histórica, segundo o ministro Gilmar Mendes, que pretende encaminhar a discussão no plenário para a anulação das provas contra o presidente Michel Temer, especificamente a gravação da conversa com Joesley Batista.

Outros ministros, que formam a maioria do plenário, pelas indicações iniciais, consideram que a sessão será histórica porque reafirmará a validade da delação premiada como instrumento das investigações, mesmo que as de Joesley e Ricardo Saud tenham sido fraudadas.

O fato de a legislação que trata das colaborações premiadas ter mecanismos para retificar os erros cometidos e punir com a rescisão do acordo de delação os delatores que tentaram enganar a Justiça seria, nesse ponto de vista, indicação concreta de que o instrumento é útil e, sobretudo, que as provas dele decorrentes continuam válidas apesar da tentativa de fraude.

Na verdade, na sessão de amanhã, não se terá uma definição sobre a questão da validade das provas, porque isso só acontecerá quando as investigações sobre o papel do ex-procurador Marcello Miller forem encerradas.

O que o plenário do Supremo deve decidir é sobre o pedido do presidente da República, Michel Temer, para a suspensão do andamento de eventual nova denúncia oferecida pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, até que sejam investigadas irregularidades no acordo de colaboração premiada de executivos do grupo J&F.

Julgará também agravo regimental na arguição de suspeição, na qual a defesa do presidente da República questiona a atuação de Janot nos procedimentos criminais nos quais ele é investigado, e pede que o procurador-geral seja afastado dos processos. A defesa fundamenta o pedido no fato de que gravação tornada pública nos últimos dias, sobre conversa entre Joesley Batista e Ricardo Suad, revela possíveis irregularidades na negociação do acordo de colaboração premiada que serve de base para investigação em curso.

Com relação à suspeição de Janot para continuar em casos contra o presidente Michel Temer, a tendência majoritária é não aceitar a acusação. Mesmo porque essa seria uma decisão inócua, pois Janot deixará a PGR dois dias depois da sessão.

Quanto à suspensão de uma eventual segunda denúncia, dificilmente vai haver uma decisão favorável, pois, se não existe ainda a denúncia, não é possível saber se ela será baseada, como a primeira, na gravação feita no Palácio do Jaburu.

A validade das provas, que a maioria do plenário do STF considera que, em princípio, deva ser mantida, dependerá das investigações. O escritório de advocacia Trench Rossi Watanabe, para o qual o ex-procurador Marcello Miller trabalhou logo depois de deixar o Ministério Público, enviou à PGR documentos que, segundo Janot, indicam que, antes de março do corrente ano, Marcello Miller já auxiliava o grupo J&F no que toca ao acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Público Federal.

Há, por exemplo, trocas de e-mails entre Marcello Miller e a advogada do escritório Ester Flesch — ambos foram demitidos do escritório —, quando ele ainda ocupava o cargo de procurador da República, com, segundo Janot, “referências a orientações à empresa J&F e indícios de tratativas em benefícios à mencionada empresa”. Há um e-mail de Esther Flesch a Marcello Miller em que ela trata de honorários de êxito em caso de acordo da PGR com a JBS. Essas questões poderão ser abordadas na sessão de amanhã do Supremo, mas a decisão final só acontecerá depois do fim das investigações.

Apesar de todo o mal-estar que causaram no Supremo a reviravolta na delação premiada dos executivos da J&S e também a fotografia do procurador-geral da República com o advogado de Joesley Batista num bar em Brasília, a maioria ainda considera que Janot foi enganado por Miller e não estava mancomunado com os Batista, tanto que pediu a prisão de todos eles ao descobrir as tentativas de fraudar a delação premiada. O ministro Gilmar Mendes considera isso “uma história da carochinha”.

 


Merval Pereira: O fim próximo 

O pedido de prisão preventiva de Joesley Batista, de seu assessor Ricardo Saud e do ex-procurador Marcello Miller é o desfecho natural de uma aventura de empresários que se aproveitaram do sistema capitalista selvagem e corrupto que estava instalado no país, à medida que os governos petistas, secundados pelo PMDB, institucionalizaram a propina como instrumento de decisões governamentais.

Embora seja reconhecido que o PT não inventou a corrupção na política brasileira, ele se aproveitou dela para montar um projeto de governo que fosse eterno enquanto durasse, e que durasse o máximo que fosse possível alcançar. O Estado brasileiro estava entregue a grupos corporativos e a empresas, como a J&F e a Odebrecht, que estivessem dispostas a jogar o jogo da maneira estabelecida pelos novos donos do poder.

A prisão em flagrante teve sua interpretação ampliada em diversos casos durante a Operação Lava-Jato, ora em final de temporada, já previsto, aliás, pelo próprio procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e pelo juiz Sergio Moro. Foi assim que o ex-ministro Geddel Vieira Lima foi parar na Papuda novamente, depois de descoberto seu bunker milionário. A simples existência desse dinheiro escondido é uma demonstração de que ele continuava delinquindo.

No caso dos irmãos Batista, rescindidos os benefícios do acordo de colaboração premiada pela quebra de confiança promovida por Joesley, que confessou em uma autogravação que não contaria toda a verdade para o Ministério Público, o processo contra o grupo volta à vida nos autos. A prisão preventiva torna-se possível pelo risco que oferecem na destruição de provas e na atividade de conspiração contra as instituições, revelada no tal autogrampo.

O tempo do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin é naturalmente diferente do do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que corre para reparar o erro cometido ao dar imunidade total a delatores que, se vê agora, não mereciam tanta confiança.

Antes de ressaltar eventuais trapalhadas da PGR, a denúncia de Janot mostra que ele foi apanhado de surpresa pelos indícios de que fora enganado em sua boa-fé, e sua atitude deve ter o apoio da sociedade, que reclamava da complacência abusiva com que os delatores foram tratados.

Janot repetia que faria tudo novamente, diante das provas de crimes em curso que a gravação da conversa de Joesley Batista com o presidente Michel Temer proporcionou ao Ministério Público, mas, frente às evidências de que fora ludibriado, não teve dúvidas em recuar e pedir a rescisão do contrato de colaboração firmado com os executivos da JBS.

O Supremo Tribunal Federal (STF) está agora com a bola do jogo, e terá três decisões importantes a tomar. A suspeição do procurador-geral da República para processar o presidente, pedida pela defesa de Temer, está na pauta da próxima quarta-feira, e quase certamente não será aceita pelo plenário.

Mais adiante, terá que decidir se suspende a segunda denúncia contra o presidente Temer até que seja definida a questão das provas contra ele. O ministro Fachin já pediu pauta para esta decisão, que pretende dividir com seus companheiros. Se decidir a favor da defesa do presidente, não quer dizer que o procurador Janot não possa oferecer a denúncia, significa apenas que ela não deverá ser encaminhada à Câmara.

Por último, o Supremo deverá decidir pela validade ou não da gravação feita no Jaburu como prova contra o presidente.

Se existe uma dúvida com relação a isso, pois o pedido de prisão do ex-procurador Marcello Miller significa que a PGR está convencida de que ele ajudou a JBS a fazer a delação premiada, parece haver maioria a favor da manutenção das demais provas, inclusive do depoimento de Joesley que repete e esclarece trechos do diálogo mantido com o presidente Temer.

Como se vê, o Supremo Tribunal Federal (STF) está mais uma vez protagonizando o cenário político. Sem falar no fato de que os pedidos de processos contra as cúpulas partidárias do PT, PMDB e PP englobam os principais políticos do país, além dos demais processos contra senadores e deputados de distintos partidos.

A Lava-Jato parece deslocar-se de Curitiba para Brasília, inclusive nos desdobramentos das denúncias contra o ex-presidente Lula. Será nos tribunais superiores que sua sorte será jogada.

 


Murillo de Aragão: O inacreditável mora aqui  

O realismo fantástico se incorporou à rotina do país. Gabriel García Márquez e o seu Cem anos de solidão são fichinha perto do que acontece por aqui. Macondo, a cidade fictícia do romance onde aconteciam coisas estranhas, não é nada perto do que acontece em Brasília e na política nacional.

O Brasil deveria ganhar o Nobel de Literatura por transformar ficção em realidade. Nada supera nossa capacidade de transformar fantasia em pesadelo. Alguns fatos que vieram à tona nos últimos dias comprovam nossa condição inusitada: as novas gravações do empresário Joesley Batista, da JBS, e o achado de milhões em um apartamento de Salvador.

Começo pelo segundo fato. Encontraram mais de 51 milhões de reais acondicionados em malas e caixas em um apartamento da capital baiana. O imóvel seria de um amigo de Geddel Vieira Lima (PMDB), ex-ministro da Secretaria de Governo de Michel Temer e hoje sob prisão domiciliar. Em tempo, o amigo já disse na Polícia Federal que o apartamento estava emprestado para Geddel.

Quem guardaria tanto dinheiro em um apartamento vazio? Como se consegue recolher milhões em dinheiro vivo e transitar pelo país? O que justificaria alguém ganhar 51 milhões e esconder em um apartamento? Que logística foi empregada para tirar o dinheiro dos bancos e fazê-lo chegar ao apartamento?

Ora, quando achávamos que a corridinha com a mala dos 500 mil reais era um escândalo, superamos tudo e a todos com a maior apreensão de dinheiro vivo da história do Brasil!!! As malas – supostamente – de Geddel humilham as malas do Mensalão.

Poucas horas antes, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, veio a público expor outro fato inacreditável. A entrega equivocada à Procuradoria, pela defesa da JBS, da gravação de um diálogo impensável entre Joesley Batista e seu executivo Ricardo Saud sobre o conturbado e polêmico acordo de leniência assinado com os donos da empresa. O que já foi revelado é espantosamente sério. E tragicamente hilário quando se ver o volume de besteiras e grosseiras ditas pela dupla.

Caso se aplique a teoria do domínio do fato ao episódio, na versão do ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa, Janot estaria em sérios apuros por conta da participação de seu ex-braço-direito, Marcelo Miller, no episódio. No mínimo, é tudo muito estranho.

Como um acordo de leniência de tamanha relevância é conduzido de forma tão descuidada e desastrada? Por que, nos diálogos gravados, Joesley diz que a Odebrecht moeu o Legislativo e que ele entregaria à PGR o Judiciário e o Executivo, para, na sequência, defender-se candidamente dizendo que não era bem isso que ele queria dizer?

A trama exposta nos diálogos desmoraliza o acordo de leniência, enfraquece Janot, atinge a reputação do Judiciário e revela que houve um brutal açodamento, um grave descuido e muita imperícia na condução da questão. Tudo ao mesmo tempo aqui e agora.

Também é inacreditável a entrega do material sem a conferência de seu conteúdo. Como as gravações foram entregues? Considerando o grau de maldade dos atores envolvidos, teria sido de propósito? O episódio também comprova que não existe segredo de justiça e que as provas vão sendo sucessivamente vazadas sem que se descubra quem anda vazando.

Ao tempo dos dois episódios mencionados, descobriu-se também que o Brasil teria subornado membros do Comitê Olímpico Internacional em esquema que envolve o ex-governador Sérgio Cabral para que o Rio de Janeiro fosse a sede das Olimpíadas. Cabral... que já é acusado de receber mais de 260 milhões de reais em propinas do pessoal dos transportes públicos do Rio!!!

As revelações de que dois próceres do PMDB – Cabral e Geddel – podem ter amealhado milhões em esquemas de corrupção causa nojo e indignação naqueles que lutaram pela redemocratização do país sob as cores do velho MDB. E que foram perseguidos e prejudicados na luta pela democracia. Que fim triste.

Na mesma leva de acontecimentos dos últimos dias, também sobrou para o PT, supostamente o partido da moral e dos bons costumes políticos: os ex-presidentes da República Lula e Dilma Rousseff foram denunciados no Superior Tribunal Federal, com fartura de provas, sob a acusação de liderarem uma organização criminosa. Para piorar, Antonio Palloci afirmou ao juiz Sergio Moro que Lula participou dos esquemas de corrupção da Petrobras!

A corrupção no Brasil é democrática: vai da direita à esquerda sem maiores constrangimentos e atinge políticos de grande, médio e pequeno porte.

Tempos atrás, o ministro do Supremo Luís Roberto Barroso disse que o sistema político brasileiro era indutor da criminalidade. Estava certo. Mas não é apenas isso. O poder do Estado e sua opacidade permitem que muitos daqueles que dirigem os negócios públicos possam se apoderar da máquina pública para fazer negócios de interesse pessoal, subverter as corridas eleitorais e perpetuar esquemas de poder e de corrupção. Tudo sob as barbas de uma elite omissa, interesseira, ideologicamente doente e incompetente.

Em tempo: a palavra Macondo, nome da cidade fictícia de Gabriel García Márquez, vem do dialeto africano Kituba e quer dizer “bananas”. Se somos mais do que Macondo, seremos mesmo uma República das Bananas e com uma elite de bananas? Cartas para a redação.

* Murillo de Aragão é cientista político