STF [Supremo Tribunal Federal]

O presidente e candidato à reeleição, Jair Bolsonaro (PL), foi a debate em televisão acompanhado do ex-ministro da Justiça e senador eleito, Sergio Moro (União Brasil) — Foto: Mariana Greif/Reuters

Rifado, Moro mira 2026 e escolhe Bolsonaro, aquele que chamou de 'ladrão' da rachadinha

Andréia Sadi,* g1

escalação de Sergio Moro (União Brasil) repete a tática de Jair Bolsonaro (PL) de colocar entre ele e Lula (PT) um personagem para provocar o adversário em temas considerados sensíveis: no debate da Globo, foi Padre Kelmon (PTB) e religião. No da Band neste domingo, escalou Moro por conta de corrupção.

A ideia usada pela campanha do atual presidente partiu do ministro das Comunicações, Fábio Faria, que procurou Moro. O ex-juiz da Lava-Jato topou e, ao ser perguntado pelo blog do porquê foi até o debate, disse que achou que seria "útil' no embate contra o petista.

Aliados dizem que Moro tem repetido a Bolsonaro que ele não é mais juiz e, sim, um político.

Mais uma vez, Bolsonaro usa Moro – e Moro se deixa usar. Mas por quê? Já que, passados quatro anos, Moro e Bolsonaro não tiveram um simples desentendimento como querem fazer parecer, agora. Moro acusou o Bolsonaro de interferir em investigações da PF para proteger seus filhos e amigos – além de chamar o presidente de ladrão, afirmar que, se deixarem investigar, vão achar "muita coisa" no governo Bolsonaro, e dizer que as pessoas da família do presidente – como Carlos – são "irrelevantes, totalmente irrelvantes."

Moro também não consegue explicar como fica o inquérito no STF que está aberto por acusação sua de que Bolsonaro cometeu um crime ao interferir na Polícia Federal. Ao deixar o governo Bolsonaro, Moro destacou em sua coletiva que a Lava Jato só conseguiu investigar a corrupção na Petrobras porque o governo Dilma deu autonomia para a PF.

Mas o ex-juiz desconversa sobre a investigação no STF. Diz que "agora é uma questão de eleição" e vê como 'golpe moral" se Lula ganhar a eleição. Já bolsonaristas, Centrão e petistas veem de outras formas a sua presença ao lado de Bolsonaro.

No Centrão, a adesão de Moro à campanha de Bolsonaro como coach é vista como um novo reposicionamento de carreira de Moro. Na verdade, tenta retomar um antigo objetivo: criar condições para que, se Bolsonaro for reeleito, ele figure entre candidatos para ocupar uma vaga no STF (não se sabe se em um STF com 11 ou 16 ministros, como cogita o governo).

Bolsonaro já chegou a dizer que esse era o grande objetivo e acordo com Moro – o que ele nega.

Perguntado sobre o Supremo Tribunal Federal, Moro nega – assim como negava que seria candidato à Presidência ou ao Senado (como conseguiu se candidatar nesta eleição).

No Centrão, a piada é que o bloco enquadrou Bolsonaro ao conseguir o controle do Orçamento Secreto e, com Moro na cadeira do Parlamento, o ex-juiz só iria para o STF se fosse enquadrado também: fizer "carta compromisso" e "beija-mão" com políticos de partidos que colocou na cadeia – e com quem, agora, fez carreira. O PP, de Ciro Nogueira, por exemplo, foi um dos partidos mais investigados na operação que lançou Moro à fama.

No domingo, Moro estava lado a lado não só com Ciro – mas, também, na caravana do Team Bolsonaro com Frederick Wassef, que abrigou o pivô do escândalo da rachadinha em sua casa: Fabricio Queiroz. A rachadinha que, para Moro, no passado recente (janeiro deste ano), foi motivo de ataque do ex-juiz a Bolsonaro.

"Vamos dar uma sugestão para o Bolsonaro: vamos pedir para ele abrir as contas lá do gabinete parlamentar dele, do filho dele, lá do Queiroz... Você tem uma mansão lá no Paranoá?", desafiou Moro, em live transmitida para dar explicações sobre seus ganhos com uma consultoria privada que tinha entre seus clientes alvos da Lava Jato.

No PT, a reconciliação de Moro ao bolsonarismo é mais uma demonstração de que Moro sempre foi político e que pensa a longo prazo. Nesse caso, na visão de assessores de Lula, ao se colocar no campo bolsonarista, o ex-juiz pode disputar como futuro candidato à sucessão presidencial de Bolsonaro em 2026.

No próprio Planalto, Moro se coloca como sucessor presidencial em 2026 porque não tem nada a perder. Em eventual derrota na disputa presidencial, Moro voltaria ao Senado. "Mas, para conseguir isso, precisa que Bolsonaro ganhe", diz um ministro do governo Bolsonaro.

A única questão, aqui, é que falta combinar com quem realmente manda: a família Bolsonaro, o Centrão – além dos políticos que estão sentados nessa janelinha bolsonarista há muito mais tempo – e sem rachadinha na aliança Tarcisio e Zema, para citar alguns (quem sabe Damares?).

E Bolsonaro? O que quer Bolsonaro? Bom, como define bem um assessor: Bolsonaro quer descer para o play e brincar com o adversário, provocando com Padre Kelman, Moro e quem mais se habilitar a ser assistente de palco do bolsonarismo.

No caso de Moro, o efeito é mais profundo porque fala com o eleitor de 2018 que votou em Bolsonaro "contra tudo que está aí", que era o centrão e o PT – todos alvos da Lava Jato que, como contou Moro, esse governo enterrou.

Mas, vida que segue para Moro e, agora, é garantir que seu desafeto pessoal, o ex-presidente Lula, não reassuma o Palácio do Planalto.

Para isso, está à disposição de Bolsonaro para recriar o ambiente de 2018 de lavajatismo, o gatilho dessa memória afetiva que tirou Lula da disputa e, ao mesmo tempo, é uma das últimas apostas de Bolsonaro para dar o empurrãozinho para rifar Lula em 2022.

Resta saber como a população verá a tabelinha Bolsonaro-Moro nesse remake.

Texto publicado originalmente no portal g1.


Daniel Silveira G1 | Foto: EVARISTO SA/AFP

PTB indica Daniel Silveira, condenado pelo Supremo, para compor duas comissões da Câmara

Elisa Clavery*, TV Globo 

Condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na semana passada, o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) foi indicado pelo partido dele para ocupar vagas em duas comissões da Câmara dos Deputados.

Silveira será membro titular da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), uma das mais cobiçadas e importantes da Casa. A CCJ é responsável por examinar se são constitucionais e se podem ser admitidas propostas que tramitam na Câmara.

Todos os projetos precisam ser validados por essa comissão, que tem o poder de arquivar ou manter a tramitação das propostas.

O parlamentar também foi indicado pelo partido, e eleito pelos pares, 1º vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.

Neste caso, o deputado foi eleito por unanimidade, com 20 votos, assim como o presidente do colegiado, Aluisio Mendes (PSC-MA), e o 2º vice-presidente, Junio Amaral (PL-MG).

Condenado pelo STF

Daniel Silveira foi condenado a oito anos e nove meses de prisão em regime fechado por ataques antidemocráticos ao Supremo e a ministros da corte.

No dia seguinte, entretanto, o presidente Jair Bolsonaro concedeu indulto individual (perdão da pena) ao parlamentar – o que, na prática, deve impedir a execução da pena.

Os ministros da Corte também determinaram a perda do mandato e dos direitos políticos, além de multa de cerca de R$ 200 mil.

A cúpula do Congresso, porém, tem defendido que cabe o mandato do deputado só poderá ser cassado com aval da Câmara à decisão do STF

Também titular na CCJ, a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS) criticou a indicação de Silveira para a vaga, o que ela considera uma provocação ao STF.

"O fato dele estar na principal comissão da casa mostra que eles seguem nessa tentativa de empoderar e dar respaldo a esses inimigos das liberdades democráticas, gente que infelizmente vocifera ódio, violência, intolerância e faz apologia ao que foi pior da nossa história, que é a ditadura militar."

*Texto publicado originalmente no G1


Eugênio Bucci: O Supremo entre a imagem e a palavra

A superexposição banaliza a reputação dos ministros e fragiliza a casa da Justiça

No domingo passado, num seminário fechado em Ilhabela – sobre democracia e Judiciário –, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), José Antonio Dias Toffoli, anunciou que, a partir de agora, a instituição que ele comanda deverá pautar-se pelo recolhimento. Sua palestra foi cadenciada e serena: “É hora de o Judiciário se recolher. É preciso que a política volte a liderar o desenvolvimento do País.” Toffoli tem absoluta razão no que preconiza. Cumpra-se.

Todo mundo já percebeu que o excesso de exposição trouxe danos sérios para o prestígio (e para a autoridade) do STF. Danos para o STF, todo mundo também sabe, são danos para a normalidade do Estado de Direito e para a expectativa de justiça que cada brasileiro nutre (ou não nutre mais) no seu coração. Quando os ministros da Suprema Corte figuram como celebridades em programas de auditório, talk shows e revistas de gente famosa, algo está fora de ordem. A Justiça parece estar fora de lugar.

Todo mundo percebeu igualmente que essa visibilidade de pop star em torno de cada um (uma) dos (das) 11 integrantes do Supremo só vem servindo para amplificar, muito mais do que os egos de cada um (e de cada uma), a vulnerabilidade da instituição diante da fúria popular (e da falsa fúria dos incendiários oportunistas). Se os ministros e as ministras se prestam – inadvertidamente – ao papel de protagonistas de um teatro de gosto suspeito (como a troca de ofensas escabrosas, no horário nobre da televisão, durante sessões do plenário), oferecem-se – involuntariamente – para ouvir impropérios de qualquer um em qualquer lugar público.

Por vezes, os membros da cúpula do Judiciário – certamente sem se dar conta – estampam cenas de um realtity show macabro. Ato contínuo, o povo, que hoje se diverte nas redes sociais dirigindo insultos contra políticos, jogadores de futebol e atrizes de telenovela, acha que pode tratar com os mesmos maus modos os magistrados da Suprema Corte. O clima vai pesando. Há campanhas irracionais pelo “impeachment” do STF nas redes sociais. Está mais do que evidente que o ciclo de superexposição se voltou contra os superexpostos, banalizando a reputação dos ministros e fragilizando a casa da Justiça.

O que nem todo mundo percebeu, ao menos no Brasil, é que há uma incompatibilidade intransponível entre a natureza da função de julgar e a natureza dos holofotes da indústria do entretenimento e da imprensa sensacionalista. A cultura política brasileira não se deu conta desse fato elementar. Não é por acaso que os ritos e os protocolos da magistratura, em qualquer sociedade, primam pelo recolhimento. No Brasil, entretanto, até mesmo as sessões do pleno do Supremo passaram a ser transmitidas pela televisão – e ao vivo. É como se as excelências acreditassem que as câmeras são neutras e inertes. É como se acreditassem que um juiz pode ser habitué de colunas sociais e, ao mesmo tempo, imprimir aos seus julgamentos a marca inquestionável da isenção e da impessoalidade. Essa crença mora na raiz do problema – e o problema, infelizmente, não foi compreendido.

Os caminhos pelos quais a letra de lei se derrama sobre o mundo cotidiano (ou, em termos menos abstratos, os caminhos da aplicação da lei) pertencem ao domínio da palavra (pensamento, razão), não ao domínio da imagem (emoções imaginárias). A Justiça, para ser perceptível, identificável, reconhecida e acessível, depende de juízes que sejam discretos e recolhidos – juízes que não atuem para roubar a cena. Quando o juiz aparece em demasia, a entidade da Justiça some da vista. A única forma de que a Justiça dispõe para se fazer presente é o trabalho de juízes sem carisma – juízes recolhidos e competentes (em pelo menos dois sentidos).

A toga, a propósito, simboliza exatamente isso: ela barra o corpo físico daquele que julga e sobre ele faz descer o manto da vontade da lei. A toga indica – ou deveria indicar – que ali não está em cena uma subjetividade eivada de paixões, idiossincrasias e vaidades, mas apenas os desígnios impessoais da lei. Hoje se nota, contudo, que a toga em voga no Supremo mais parece uma capa de Batman ou de Darth Vader. Aí, a veste talar, cujo papel simbólico seria ocultar a pessoa como forma de interditar o personalismo, serve antes para emoldurar, para enfeitar a silhueta do meritíssimo.

O que dizer, então, da TV Justiça? Muita gente de boa vontade sustenta que ela trouxe mais transparência aos atos do Judiciário. Eu mesmo já me alistei nessas fileiras. Em 2002, quando a TV Justiça estreou, eu afirmava que ela representaria para a Justiça no Brasil do século 21 o que o Concílio Vaticano II representou para a Igreja Católica no século 20: obrigaria a autoridade a parar de falar latim. Para serem compreendidos os julgadores teriam de tentar falar a língua do povo, o que seria positivo. Bem, era nisso que eu apostava e, digamos, parece que eu estava parcialmente errado (o que, de vez em quando, muito de vez em quando, acontece). Há coisas boas na TV Justiça, claro, mas, se a palavra de ordem é mesmo recolhimento, valeria repensar tudo isso.

O que o Brasil vai cobrar do seu Judiciário não passa nem perto de qualquer modalidade de estrelato. A nossa democracia espera de seus juízes que eles assegurem a vigência dos direitos fundamentais e saibam fazer valer os freios constitucionais contra o arbítrio. Para tanto eles terão de firmar padrões jurisprudenciais menos erráticos e prestigiar as decisões colegiadas sem tanto apego (egoico) às monocráticas. Só assim, pela letra da lei e pela impessoalidade, a Justiça vai aparecer como precisa. É nesse sentido que a Justiça depende do recolhimento dos seus agentes. No universo da Justiça (que é o universo do simbólico), uma palavra vale mais que mil imagens.

* Eugênio Bucci é jornalista e professor da ECA-USP