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Golpe? Que golpe?

Demorou, mas finalmente as instituições se mexeram e foi criada a CPI da Covid

Vai ter golpe? Não. Já teve. Não sei se você lembra, mas foi em 2016, contra Dilma Rousseff. Como o espaço é curto, eu vou resumir. Teve o tuíte golpista do general Villas Bôas ao Supremo, Lula foi preso, não pôde participar da eleição e Bolsonaro foi eleito, enquanto as instituições, claro, funcionavam normalmente. Sim, teve o Moro, hoje, sabe-se, um juiz suspeito.

Tudo ia muito bem para essa gente. Mas, no meio do caminho tinha uma pandemia. Demorou, demorou, mas, ufa, finalmente, as instituições se mexeram e foi criada a CPI da Covid. Eis que os senadores descobrem fortes indícios de corrupção na negociação para comprar vacinas! As suspeitas envolvem coronéis e o general da ativa que foi ministro --e também encostam em Bolsonaro.

Ele despenca nas pesquisas. O que faz, então, o presidente enfraquecido? O arauto do caos intensificou a pregação golpista contra a urna eletrônica e as eleições, contando, agora, com o reforço escancarado do ministro da Defesa, Braga Netto, conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo. A ameaça do general foi direcionada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), o mesmo que com seus poderes hipertrofiados se recusa a analisar os pedidos de impeachment contra o presidente.

Ocorre que Bolsonaro foi buscar apoio justamente no centrão de Lira. Na rapina do dinheiro público, a turma de Lira faz assim: escalpela, dilacera as vísceras e termina o repasto triturando os ossos até o tutano. O híbrido de governo miliciano, centrão, liberais defensores do Estado esquelético e militares saudosos da ditadura ainda vai produzir muitos sobressaltos.

Mas o Brasil que irá às urnas em 2022 é muito diferente daquele que votou com ódio em 2018. E tudo o que os generais herdeiros de Ustra conseguirão com seus arreganhos é se parecer cada vez mais com um bando de "maria fofoca", metidos num disse me disse de golpe. Generais, vistam o pijama e devolvam-nos o país que vocês destruíram. Não estão satisfeitos com 550 mil mortos?


Elio Gasparí: Os e$quemas do $istema $

Assim é o Sistema S. Faz homenagens e tem uma bela caixa, pela qual ao longo dos tempos já passou muita gente boa

Em dezembro de 2018, durante aquele doce período que antecede a posse de um governo, o doutor Paulo Guedes disse que era preciso “meter a faca” no Sistema S. Falava daquele conglomerado de instituições que tiram da veia do sistema produtivo até 2,5% do valor das folhas de pagamento das empresas, um ervanário que vai cerca de R$ 18 bilhões anuais.

Esse era o tempo em que Guedes acreditava ser um superministro. Em agosto de 2019 o presidente Jair Bolsonaro foi ao Piauí e inaugurou a Escola Jair Messias Bolsonaro. De quem era a escola? Do Sesc, uma das joias do Sistema S. Valdeci Cavalcante, presidente do Sesc-PI, esclareceu: “Não estamos homenageando o Bolsonaro. Ele é que irá nos homenagear se aceitar colocar seu nome em nossos anais.”

Assim é o Sistema S. Faz homenagens e tem uma bela caixa, pela qual ao longo dos tempos já passou muita gente boa. Em dois anos de ministério, Paulo Guedes não meteu sequer um canivete por esse lado sombrio do andar de cima nacional.

Felizmente, graças à Lava-Jato do Rio, e à colaboração do mandarim Orlando Diniz que começou a mandar na Fecomércio do Rio em 2004, destampou-se um dos panelões do Sistema S no Rio. Ali fraudavam-se contratos com escritórios de advocacia para corromper magistrados, fiscais, e quem estivesse a fim de receber um dinheirinho fácil.

Quando a Polícia Federal cumpriu 50 mandados de busca e apreensão em cinco Estados e em Brasília, numa operação denominada Esquema $, a Ordem dos Advogados do Brasil viu na diligência uma “clara iniciativa de criminalização da advocacia”. A menos que um anjo da guarda do Supremo Tribunal diga o contrário, houve uma confusão na redação da nota, pois o que houve foi uma clara investigação das atividades criminais de 22 advogados, um auditor do Tribunal de Contas e um jornalista (Sérgio Cabral).

A Operação Esquema $ foi socorrida pela colaboração de Orlando Diniz. No século passado ele começou com um pequeno açougue em Copacabana, presidiu o Sindicato do Comércio Varejista de Carnes do Rio, foi vizinho de Sérgio “O Gestor” Cabral e tornou-se um dos mandarins do Sistema S do Rio, em cujos domínios há até um chateau francês, com direito a chef. Meteu-se em uma encrenca com os marqueses da Confederação Nacional do Comércio e, em 2018, passou um tempo na cadeia e deixou o cargo.

Suas malfeitorias, bem como a conexão com Cabral e a advogada Adriana Ancelmo, são conhecidas desde 2013. Graças às informações que reuniu e aos atos que ratificou, Diniz deu à Lava-Jato o mapa da mina das roubalheiras embutidas em falsos contratos de advocacia.

A denúncia de 510 páginas do Ministério Público tem de tudo, parentes de magistrados, advogados de personalidades e até mesmo a cozinheira de Cabral contratada por um braço do Sistema S. Quem já bebeu águas barrentas saídas da Lava-Jato deve se acautelar à espera de sentenças judiciais. Até lá, a Operação Esquema $ poderá ajudar Paulo Guedes a “meter a faca” nessa forma de oneração da mão de obra nacional.

Todas as fraudes denunciadas, envolvendo pelo menos R$ 151 milhões, destinavam-se a proteger o Sistema e seu maganos. Em um raciocínio cínico, admita-se que uma empreiteira distribuiu R$ 10 milhões na obra de uma ponte. Tudo bem, mas a ponte foi entregue.

A Fecomércio do Rio, socorrida por suas irmãs do Sistema, torrou R$ 151 milhões para nada. Se um “mano” fizer isso no Morro do Borel, amanhece com a boca cheia de formigas. Os marqueses do Sistema S dizem que cuidam de centros culturais e escolas de aprendizado técnico. Vá lá, mas isso custa em torno de 20% do que gastam. Os 80% pagam pirâmides como o prédio da Fiesp y otras cositas más.

Uma coisa é certa, se algum dia o doutor Paulo Guedes meter a faca no Sistema S, o Sesc do Piauí não botará seu nome numa escola.

A terceira vaga

Em novembro o ministro Celso de Mello deixará o Supremo Tribunal Federal e, em junho do ano que vem, será a vez de Marco Aurélio. Assim, o calendário dará a Jair Bolsonaro o direito de preencher duas vagas na Corte.

Até agora, a corrida pelos lugares tem ofendido as regras do esporte. Primeiro porque o presidente criou a qualificação de “terrivelmente evangélico” para o preenchimento de um cargo laico. Depois, pela atividades de André Mendonça, atual ministro da Justiça. Em poucos meses, sua pasta meteu-se em ações tão espetaculares quanto ridículas, processando chargistas e intimando supermercados para justificar o preço do arroz.

A escolha dos ministros do Supremo compete ao presidente, e os candidatos têm o direito de se comportar como bem entendem. Poderiam acreditar nos próprios currículos, mas tentam lustrá-los.

A novidade está no aparecimento da teoria da “terceira vaga”. Pelas regras do jogo, a próxima vaga no STF só surgirá em maio de 2023, quando Ricardo Lewandowski completa 75 anos. A “terceira vaga” surgiria oferecendo-se uma embaixada a algum titular do Tribunal.

É coisa feia, nem tanto para quem oferece, mas para quem a aceita.

Fonte de perigo
Policiais argentinos cercaram a casa do presidente Alberto Fernández numa manifestação por aumento de salários.

Polícia e milícias são a nova forma de desestabilização das instituições na América Latina. A deposição de Evo Morales na Bolívia começou com a ação de milicianos, progrediu com uma revolta da polícia de Santa Cruz de la Sierra e desembocou no fim do mandarinato do presidente.

O Tribunal da Cidadania

Quando o Superior Tribunal de Justiça se intitula “Tribunal da Cidadania” parece marquetagem, mas sua 6ª Turma tomou uma decisão que confirma o título. Acompanhando o voto do relator, Rogerio Schietti, ela concedeu um habeas corpus coletivo que beneficiou cerca de 1.100 presos primários com bons antecedentes, sem ligações com grupos criminosos, condenados por tráfico de drogas à pena mínima de um ano e oito meses de prisão.

Quem vê essa decisão pode pensar que o STJ mandou soltar traficantes de drogas. Eram pessoas pobres, quase sempre negras, metidas com pequenas quantidades de drogas. O que o STJ fez foi travar o punitivismo do Tribunal de Justiça de São Paulo, que colocava esses condenados à pena mínima em regime fechado, nas universidades do crime que são os cárceres do estado. Agora, como acontece aos larápios brancos e abonados, eles poderão ir para o regime aberto.

O Tribunal paulista considerava “crime hediondo” esse tráfico. Vale repetir as palavras do subprocurador da República Domingos Sávio da Silveira: “Hedionda é essa jurisprudência, essa insistência em manter o corpo do pobre, do preto, do periférico nas masmorras do estado de São Paulo.”

Fux sabia
O ministro Luiz Fux deixou para o final de seu discurso a referência ao pai, Mendel, um judeu romeno fugitivo do nazismo, porque sabia que choraria.

E assim foi.


Chico Buarque: “Com esses ministros, é preferível que Cultura não tenha ministério”

Artistas e intelectuais comentam a aterrissagem de Bolsonaro em Brasília. Temor maior é corte no Sistema S

Por Beatriz Jucá, do El País

"Com esses ministros, é preferível que Cultura não tenha ministério”. A frase dita pelo cantor Chico Buarque ao EL PAÍS ilustra o mal-estar que aflige boa parte da classe artística sobre os rumos do setor no Governo Bolsonaro. As políticas culturais, que ano após ano não chegam perto de 1% do orçamento geral, são uma incógnita até mesmo para os artistas e produtores brasileiros, que têm opiniões divergentes sobre os efeitos da perda de um ministério exclusivo para o assunto. De um lado, há reações bem menos enérgicas contra a extinção da pasta que as de 2016, quando o então presidente Temer recuou da proposta pela pressão de agentes culturais. De outro, o temor de que os cortes pretendidos pela equipe econômica de Paulo Guedes no Sistema S e o enxugamento nos bancos públicos inviabilizem ações que preenchem lacunas deixadas pelo poder público na produção e no acesso à cultura brasileira.

O cantor Chico Buarque, que nunca escondeu sua afinidade com o Partido dos Trabalhadores (PT), é um dos mais contundentes ao comentar a aterrissagem do novo presidente em Brasília. “Só posso dizer o seguinte: em vista da qualidade dos ministros deste Governo, acho que é preferível que a cultura não tenha ministério”, disse ao EL PAÍS. Nem todos concordam que as mudanças promovidas pela extrema direita causarão riscos à cultura brasileira. O presidente da Ancine (órgão público que regula e promove o cinema), Christian de Castro, afirma que o setor não sofrerá nenhum impacto, que a produção é sólida e está amparada por uma legislação que existe há 20 anos. No entanto, enfatiza que a liberdade criativa é necessária para fazer filmes e vendê-los. “Sempre que há censura, perdemos dinheiro”, diz. O cinema brasileiro movimentou mais de 2,7 bilhões de reais em 2017.

Alguns anúncios feitos pela equipe do presidente, no entanto, já vinham causando preocupação a agentes culturais antes mesmo do início desta gestão. Ainda no período de transição, o ministro de Economia, Paulo Guedes, defendeu que é preciso "meter a faca" no Sistema S e cortar verbas públicas que sustentam nove entidades privadas responsáveis por promover educação e cultura no país. Entre elas, está o Sesc, que tem uma das maiores redes de promoção de atividades artísticas no Brasil. A entidade promove ações em distintas linguagens culturais em todos os estados brasileiros, que estabelecem uma agenda conforme a realidade regional, mas é também responsável por grandes ações nacionais. Entre elas, o maior circuito nacional de artes cênicas, Palco Giratório.

Sem especificar de quanto será o corte no Sistema S, Guedes argumentou que há um suposto desvio de finalidade com o investimento em "patrocínios" e não só em capacitação profissional. As declarações motivaram uma resposta do diretor estadual do Sesc de São Paulo, Danilo Miranda, em vídeo publicado nas redes sociais. Nele, alega que o Sistema S tem um caráter sociocultural, com ações voltadas para vários campos.

O diretor estadual do Sesc de São Paulo em exercício, Luiz Galina, diz que a possibilidade de cortes é preocupante, mas que até agora o Governo não fez nenhum movimento formal para efetivá-los. "Se houver redução dos recursos, não há outras entidades que possam cumprir o papel que o Sesc tem hoje. A nossa preocupação é democratizar o acesso, fazer com que pessoas de menor renda possam usufruir dessas atividades, que muitas vezes são gratuitas", defende. Também há preocupação de que os cortes de gastos pretendidos pelos novos presidentes do Banco do Brasil e da Caixa Econômica Federal afetem as ações dos centros cultuais mantidos por estas instituições, que em algumas cidades brasileiras são responsáveis por grande parte da agenda cultural disponibilizada para a população.

Lei Rouanet

No centro do furacão das políticas culturais sob Bolsonaro, ainda está a chamada Lei Rouanet, uma controvertida normativa que oferece isenções fiscais às empresas em troca do pagamento de projetos culturais. Aprovada pelo presidente Fernando Collor de Mello em 1991, foi constantemente criticada, mas é o principal meio de financiamento cultural no Brasil. Grande parte dos teatros e museus depende dela. Graças à esta lei, cinco projetos são concretizados por dia desde que entrou em vigor.

A principal crítica é que, embora o Governo deva aprovar os projetos a serem financiados, são os empresários que escolhem o que apoiar. Bolsonaro costuma insistir que essa regra foi usada pelo PT de Lula para “comprar apoio” de artistas famosos. “Vamos eliminar o Ministério da Cultura e teremos apenas um secretário para tratar do assunto. Hoje, o Ministério da Cultura é apenas um centro de negociações da Lei Rouanet”, proclamou Bolsonaro na campanha. Apesar das críticas do presidente, dados do extinto Ministério da Cultura indicam que a Lei Rouanet representa apenas 0,3% das isenções fiscais brasileiras, mas tem um impacto importante na economia: para cada real investido, é gerado 1,59 real.

A atriz Fernanda Montenegro está convencida de que o desaparecimento do ministério prejudicará a produção teatral em particular. E está irritada, tanto que fez uma declaração no Domingão do Faustão: “Eles nos tratam como se fôssemos fora da lei”, disse em um dos programas de domingo de maior audiência da televisão brasileira. “Não somos ladrões da Lei Rouanet. Que procurem os verdadeiros corruptos deste país!”. A atriz sustenta que o presidente “acusou de maneira violenta” o pessoal do teatro porque a criticada lei é sua principal fonte de financiamento.

O cantor Gilberto Gil, que foi ministro da Cultura em um dos Governos Lula, lamenta o fechamento do ministério, porque acredita que o Brasil “teria mais condições de responder às demandas da cultura”, mas pondera que a política cultural sob Bolsonaro ainda é uma incógnita. “Vamos ver como a política cultural chegará ao Governo, qual será o grau de prestígio”, disse em entrevista à Folha de S.Paulo. Apesar de suas críticas e discursos, o presidente anunciou que manterá a polêmica Lei Rouanet, mas submetida a auditorias.