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Percepção de servidores sobre corrupção no governo aumenta na pandemia

Pesquisa sobre ética e corrupção no serviço público federal, realizada pelo Banco Mundial, ouviu mais de 22 mil funcionários da União

Weslley Galzo / O Estado de S. Paulo

A crise provocada pela pandemia de covid-19 no País estimulou casos de corrupção e a conduta antiética no serviço público. A conclusão consta de pesquisa desenvolvida pelo Banco Mundial com base na percepção de servidores públicos que atuam no governo de Jair Bolsonaro. Para 55,4% dos trabalhadores, situações como interferência política nas decisões organizacionais se mantiveram iguais ou cresceram neste período. Ao mesmo tempo, mais da metade (51,7%) respondeu não se sentir seguro o suficiente para denunciar condutas ilícitas. 

A “Pesquisa sobre Ética e Corrupção no Serviço Público Federal” ouviu 22.130 funcionários públicos de maneira remota, entre abril e maio deste ano, para traçar o perfil da corrupção nos órgãos da União, como ministérios e secretarias. 

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Embora boa parte dos participantes do levantamento tenha preferido não responder a perguntas sobre atos antiéticos no seu ambiente de trabalho, cerca de 50,6% dos entrevistados afirmam ter notado aumento de conflitos de interesse entre a iniciativa privada e o setor público.

O período analisado pela pesquisa coincide com as primeiras denúncias de irregularidades do governo do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia. Abril e maio deste ano foram os primeiros meses de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado.

Na semana de encerramento da pesquisa, os senadores da CPI ouviram Mayra Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e da Educação, do Ministério da Saúde. Mayra foi a responsável pelo desenvolvimento da plataforma TrateCov – o aplicativo acabou retirado do ar após denúncias de que o protocolo sugerido indicava uso de cloroquina para pacientes de todas as idades, com diferentes sintomas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que o medicamento é comprovadamente ineficaz contra a covid-19.

Abril e maio deste ano foram os primeiros meses de trabalho da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid no Senado. Foto: Leopoldo Silva/Agência Senado

Além de Mayra, a CPI ouviu o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, que relatou ter feito uma oferta, recusada, de 100 milhões de doses da vacina Coronavac ao Ministério da Saúde. As declarações à CPI evidenciam a percepção de interferência política relatada pelos entrevistados no levantamento coordenado pelo Banco Mundial.

Outro aspecto apresentado pela consulta foi o aumento da falta de transparência e prestação de contas no processo de decisão sobre contratações e compras feitas com dinheiro público, um problema apontado por cerca de 22,4% dos entrevistados. Para 22,2%, houve aumento do lobby entre os setores público e privado durante a pandemia.

Entraves. Além de traçar o panorama da corrupção na administração pública federal, a pesquisa mostrou a existência de entraves nas estruturas dos órgãos que desestimulam os servidores a denunciar casos antiéticos, e até crimes, presenciados por eles.  Dos que responderam que não se sentem seguros o suficiente para denunciar condutas ilícitas, 58,7% afirmaram já ter observado práticas irregulares e 33% disseram nunca ter visto condutas não recomendadas no ambiente de trabalho.

"Servidores relatam altos níveis de insegurança ao denunciar atos de corrupção, o que pode ser atenuado por capacitação em programa de integridade", diz trecho do relatório do Banco Mundial. "Ter acesso a programas  de integridade está relacionado a um menor sentimento de insegurança, sendo um  importante instrumento para criação de uma cultura anticorrupção", recomenda.

Nos últimos 3 anos, período que compreende a gestão Bolsonaro, um terço dos entrevistados declarou ter testemunhado ao menos um ato antiético. No mesmo período, 52,1% garantiram não ter visto irregularidades, enquanto 14,5% preferiram não responder.

Os dados foram reunidos com apoio da Controladoria-Geral da União (CGU), do Ministério da Economia, e da Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). Na lista dos que presenciaram algum caso de corrupção ou desvio de função, a maior parte indica ter observado comportamento antiético na formulação de políticas, projetos ou programas (37,7%) ou em compras e contratações de serviços e obras (35,3%).

Uma série de reportagens do Estadão sobre o orçamento secreto revelou como o governo Bolsonaro tem distribuído recursos da União por meio das emendas de relator do Orçamento – as chamadas RP-9 –, sem critérios técnicos, a um grupo de parlamentares, principalmente às vésperas de votações de interesse do Palácio do Planalto. O caso também ficou conhecido como  “tratoraço” porque boa parte dos repasses é destinada à compra de maquinário agrícola e tratores usados em obras nos  redutos eleitorais dos aliados de Bolsonaro.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,percepcao-de-servidores-sobre-corrupcao-no-governo-aumenta-na-pandemia,70003895600


Comissão da Câmara conclui votação da reforma administrativa

Proposta seguirá para análise no Plenário da Câmara

Em uma reunião que durou mais de 13 horas, incluindo alguns minutos de tensão, a Comissão Especial da Reforma Administrativa aprovou, por 28 votos contra 18, o substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA) à Proposta de Emenda à Constituição 32/20. Entre os pontos mais polêmicos, o texto aprovado manteve os instrumentos de cooperação com a iniciativa privada e preservou os benefícios de juízes e promotores, como as férias de 60 dias.

Arthur Oliveira Maia observou que seu relatório garantiu a estabilidade e os direitos adquiridos dos servidores atuais. "Todas expectativas de direitos foram preservadas. Esta PEC não atinge nenhum servidor da ativa", comemorou.

Entre as principais inovações mencionadas pelo relator estão a avaliação de desempenho de servidores e as regras para convênios com empresas privadas.

Apesar da obstrução dos deputados da oposição, o relator reconheceu que seu parecer aproveitou as contribuições de vários parlamentares contrários à proposta. "Este texto não é do Poder Executivo, mas uma produção do Legislativo. Apesar das posições colocadas aqui de maneira tão virulenta, é uma construção coletiva", disse o relator.

Convênios
A sétima e última versão do substitutivo de Maia retirou algumas concessões que haviam sido feitas à oposição. Entre elas, o relator manteve os instrumentos de cooperação com empresas privadas. Esta era uma das principais críticas da oposição, que entende que os convênios podem desviar recursos da Saúde e da Educação, aumentar o risco de corrupção e prejudicar a qualidade de serviços públicos.

De acordo com a proposta, a cooperação com órgãos e entidades públicos e privados pode compartilhar a estrutura física e utilizar recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira. "O que se quer é lucro com dinheiro da Educação. As pessoas pobres não vão poder pagar pelo serviço público", teme o deputado Rogério Correia (PT-MG).

Já o deputado Darci de Matos (PSD-SC) rebateu que ninguém vai cobrar mensalidade de creche ou escola. "O setor privado quer dar sua contribuição. A cooperação do setor privado com o serviço público é o que há de mais moderno no mundo. Não tem nada de errado nisso", ponderou.

Temporários
Outro ponto polêmico foram as regras para contratações temporárias, com limite de até dez anos. O relator destacou que os contratos temporários terão processo seletivo impessoal, ainda que simplificado, e os contratados terão direitos trabalhistas. O processo seletivo simplificado só é dispensado em caso de urgência extrema.

A oposição teme que os contratos temporários levem à redução do número de servidores concursados. "O contrato temporário tem que ser exceção, não pode estar na Constituição", ponderou o deputado José Guimarães (PT-CE).

Redução de jornada
O relator fez uma concessão no dispositivo que permite reduzir em até 25% a jornada e o salário de servidores. No novo texto, os cortes serão limitados apenas a períodos de crise fiscal.

Ainda assim, isso não agradou a oposição. "O servidor atual fica facultativo se vai permitir ou não o corte, mas com certeza vai sofrer um assédio enorme para cortar seu salário", rebateu Rogério Correia. "Com o corte, vai ter que passar o serviço para a iniciativa privada."

Arthur Oliveira Maia argumentou que a redução é uma alternativa para que não haja demissão de servidores. "É muito melhor reduzir a jornada do que demitir", argumentou.

Para o deputado Alencar Santana Braga (PT-SP), o dispositivo joga a responsabilidade da má gestão de governadores e prefeitos nas costas dos servidores. "O servidor não vai poder pedir para reduzir sua dívida no açougue porque o governo reduziu o salário", comentou.

Juízes e promotores
O texto aprovado mantém benefícios de juízes e promotores, como as férias de 60 dias. Os deputados ainda devem votar no Plenário destaque sobre a inclusão de membros do Judiciário e do Ministério Público na reforma administrativa.

Arthur Maia justificou que um parecer da Mesa Diretora da Câmara havia entendido que a inclusão só seria possível se a proposta fosse de iniciativa do próprio Judiciário. "O importante é que cada um se manifeste no destaque. Aí vamos nos responsabilizar individualmente. Eu votarei a favor", afirmou.

A reforma administrativa acaba com os seguintes benefícios para administração pública direta e indireta, nos níveis federal, estadual e municipal:

  • férias superiores a 30 dias;
  • adicionais por tempo de serviço;
  • aumento de remuneração ou parcelas indenizatórias com efeitos retroativos;
  • licença-prêmio, licença-assiduidade ou outra licença por tempo de serviço;
  • aposentadoria compulsória como punição;
  • adicional ou indenização por substituição;
  • parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e critérios de cálculo definidos em lei;
  • progressão ou promoção baseadas exclusivamente em tempo de serviço.

Desempenho
O relator procurou colocar dispositivos para evitar arbitrariedades na avaliação de servidores. "A avaliação de desempenho terá participação do usuário do serviço público e será feita em plataformas digitais", comentou.

O substitutivo de Arthur Oliveira Maia facilita a abertura de processos administrativos para perda de cargo de servidores com avaliação de desempenho insatisfatório. O servidor será processado depois de duas avaliações insatisfatórias consecutivas ou três intercaladas, no período de cinco anos.

O relator argumenta que o servidor ainda tem direito a defesa. "À luz do fato de que há direito a uma segunda opinião e o desligamento não é automático, não se pode considerar que os parâmetros agora adotados o prejudiquem ou facilitem abusos ou iniquidades."

No entanto, deputados da oposição afirmaram que o texto prejudica o direito ao contraditório e à ampla defesa nos processos administrativos.

O substitutivo ainda estabelece regras para gestão de desempenho, com avaliação periódica e contínua. "Tem que identificar se o serviço público falhou e onde está a falha", analisa o relator.

Cargos obsoletos
O relatório acrescentou novos parâmetros para definir quem perderá a vaga caso haja uma extinção parcial de cargos obsoletos. "Não haverá espaço para o arbítrio e para atitudes indevidas", apontou Maia.

Como primeiro critério, serão afastados servidores de acordo com a média do resultado das três últimas avaliações de desempenho. Se houver empate e não for possível discriminar os alcançados por este caminho, apura-se primeiro o tempo de exercício no cargo e, em seguida, a idade dos servidores.

O substitutivo preserva os cargos ocupados por servidores estáveis admitidos até a data de publicação da emenda constitucional.

Cargos exclusivos
A reforma administrativa define o rol de cargos exclusivos de Estado, que não podem ter convênios com a iniciativa privada e serão protegidos do corte de despesas de pessoal.

São cargos exclusivos de Estado os que exerçam atividades finalísticas da segurança pública, manutenção da ordem tributária e financeira, regulação, fiscalização, gestão governamental, elaboração orçamentária, controle, inteligência de Estado, serviço exterior brasileiro, advocacia pública, defensoria pública e atuação institucional do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, incluídas as exercidas pelos oficiais de Justiça, e do Ministério Público.

No entanto, ficaram de fora dos cargos exclusivos as atividades complementares. "Ao excluir atividades complementares, todos poderão ter contratações temporárias", protestou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).

Segurança
A lista de cargos exclusivos especifica quais profissionais de segurança estarão incluídos nesta categoria. Foram contemplados guardas municipais, peritos criminais, policiais legislativos, agentes de trânsito, agentes socioeducativos, além de policiais federais, policiais rodoviários federais, policiais ferroviários federais, policiais civis e policiais penais. Ficaram de fora das carreiras exclusivas os policiais militares e bombeiros militares.

Os guardas municipais também foram beneficiados no único destaque aprovado pela comissão, entre 20 analisados. O destaque do bloco Pros-PSC-PTB dá status de polícia às guardas municipais.

O deputado Jones Moura (PSD-RJ) observou que o destaque não cria despesa. "É o clamor de um trabalhador que quer trabalhar melhor. O guarda municipal vive 30 anos em uma insegurança jurídica, por não ter sua atividade de segurança pública clara e transparente no lugar de prender bandidos e estabelecer a paz social. É uma polícia que não é militarizada, uma polícia cidadã e comunitária", declarou.

O relator alertou para o impacto da medida na previdência dos municípios. "Os municípios têm previdências próprias. A consequência imediata é que a aposentadoria dos guardas municipais vai ser igual à dos demais policiais. Isso trará um impacto importante para as previdências próprias dos municípios."

Trocas e interrupções
Deputados da oposição se queixaram da troca de oito deputados titulares da comissão antes da votação da proposta. O presidente da comissão, deputado Fernando Monteiro (PP-PE), explicou que os líderes partidários têm a prerrogativa de substituir ou indicar membros a qualquer momento. "Esta comissão era para ser composta por 34 membros. Entendendo que precisava de mais debate, conseguimos que fossem 47 membros, para que todos os partidos ficassem atendidos. Esta presidência mostra o que é democracia", defendeu.

A oposição também se irritou com as seis mudanças feitas pelo relator, Arthur Oliveira Maia, no seu parecer na última semana. Fernando Monteiro insistiu que, de acordo com o Regimento Interno, o relator pode mudar o parecer até o momento da votação.

Já os deputados favoráveis à reforma administrativa reclamaram das interrupções da oposição em sua estratégia de obstrução. "Mesmo depois de os senhores terem dito que fecharam questão contra a PEC, procurei dialogar com muito respeito e cordialidade. É uma regra da convivência humana retribuir gentileza com gentileza. Não abri minha boca para interromper ninguém", indignou-se Arthur Oliveira Maia.

O deputado Darci de Matos apontou para a necessidade de ouvir o contraditório. "Não há razão de permitir que fiquem gritando, interferindo, interrompendo. Isto é baixaria, denigre a imagem da comissão", comentou. "Em alguns momentos, vergonhosamente, aí eu falo da oposição e da situação, o nível da reunião da PEC 32 está abaixo da Câmara do menor município do Brasil, de Serra da Saudade (MG)."

Rogério Correia reclamou da menção a Serra da Saudade. "É um município mineiro e merece respeito", pediu.

Saiba mais sobre a tramitação de propostas de emenda à Constituição

Reportagem – Francisco Brandão
Edição – Pierre Triboli

Fonte: Agência Câmara de Notícias
https://www.camara.leg.br/noticias/809694-apos-mais-de-13-horas-de-reuniao-comissao-conclui-votacao-da-reforma-administrativa/


Ribamar Oliveira: Cai gasto com pessoal civil; sobe com militares

Técnicos creem que gasto com pessoal tenha caído em 2020

Um fato pouco comum merece ser registrado. De janeiro a novembro do ano passado, a despesa da União com os seus servidores civis ativos foi 0,5% menor do que aquela registrada no mesmo período de 2019, em termos nominais, de acordo com dados do Tesouro Nacional. Em compensação, o gasto com os militares ativos aumentou 12%, na mesma comparação.

A expectativa na área técnica é que esse quadro tenha se mantido no período janeiro a dezembro. Os técnicos trabalham com a previsão de que a despesa da União com pessoal ativo e inativo, civil e militar, tenha caído em 2020, em termos reais (descontada a inflação), na comparação com 2019.

O efetivo controle do gasto com pessoal civil no ano passado decorreu da lei complementar 173, que proibiu a concessão de qualquer vantagem, aumento, reajuste ou adequação de remuneração a membros de Poder ou de órgão, servidores e empregados de estatais. A LC 173 proibiu também criar cargo, emprego ou função, alterar estrutura de carreira e instituir ou majorar auxílios, vantagens, bônus, abonos, verbas de representação ou benefícios de qualquer natureza.

No caso dos militares, no entanto, a situação foi diferente. O aumento das despesas no ano passado refletiu, principalmente, o impacto orçamentário decorrente da lei 13.954/2019, que reestruturou o Sistema de Proteção Social dos militares das Forças Armadas.

Na época em que o projeto de lei que trata do assunto foi encaminhado ao Congresso, o governo informou que a reestruturação traria uma economia de R$ 10,5 bilhões em dez anos, com um ganho fiscal de R$ 97,3 bilhões e com elevação das despesas em R$ 86,6 bilhões.

Não foram apenas os militares que tiveram aumentos em 2020. A União foi obrigada, por emendas constitucionais aprovadas pelo Congresso, a incorporar no seu quadro de pessoal os servidores civis e militares dos extintos territórios de Rondônia, Roraima e Amapá. Houve também a anualização do aumento remuneratório concedido aos docentes do Ministério da Educação.

As proibições previstas na LC 173 valem até 31 de dezembro de 2021. Por isso, o governo continuará mantendo controle sobre a despesa com o pessoal ativo civil durante todo este ano. Para eles, não haverá reajuste ou qualquer outro tipo de vantagem. Os militares, no entanto, continuarão tendo aumento, em decorrência da lei 13.954/2019.

Haverá também elevação da despesa com pessoal decorrente da medida provisória 971/2020, que aumentou a remuneração da polícia Militar, do Corpo de Bombeiros Militar e da Polícia Civil do Distrito e dos extintos territórios. Mesmo com todos esses aumentos, a expectativa da área técnica é de que a despesa da União com pessoal civil e militar, ativo e inativo, continue sob controle neste ano.

Outro gasto da União que surpreendeu favoravelmente em 2020 foi com benefícios previdenciários. O Orçamento do ano passado previa uma despesa de R$ 677,69 bilhões, mas ela deve ter ficado ao menos R$ 8 bilhões menor, de acordo com estimativa de técnicos ouvidos pelo Valor

Ainda não é possível saber as razões para a forte queda do gasto previdenciário em 2020. Evidentemente, a despesa caiu em decorrência das mudanças nas regras de acesso aos benefícios, previstas na reforma da Previdência. Mas, o próprio governo projetou uma economia muito pequena nos primeiros anos da reforma. Ela irá crescer ao longo dos próximos anos.

A despesa previdenciária pode ter caído também por conta da não concessão de benefícios em função da pandemia da covid 19, que provocou, no ano passado, a suspensão do atendimento presencial nos postos do INSS. O estoque de pedido de benefícios não analisados, que já era alto no fim de 2019, deve ter aumentado durante o ano passado por causa da crise sanitária.

Para este ano, o governo terá que reprogramar as despesas com benefícios previdenciários que constam da proposta orçamentária, enviada ao Congresso Nacional no fim de agosto. A principal razão é que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), que é utilizado para corrigir o salário mínimo e todos os benefícios previdenciários e assistenciais, ficou muito acima do imaginado.

A proposta orçamentária foi elaborada com a previsão de um INPC de 2,09% em 2020, mas o governo agora estima que o índice ficou em 5,22% - mais do que o dobro do previsto inicialmente. Isto significa que o acréscimo da despesa, em relação a este ano, também será o dobro da projetada.

Um fato surpreendente foi o aumento exponencial do chamado “empoçamento” das dotações orçamentárias no ano passado. O “empoçamento” ocorre quando o Tesouro Nacional libera o dinheiro para um determinado ministério ou órgão público e ele não consegue gastar. O dinheiro fica parado, pois o governo, na maioria dos casos, não tem liberdade para usar os recursos para pagar outras despesas.

De janeiro a novembro, o “empoçamento” estava em R$ 34,8 bilhões. Para se ter uma ideia do que isso significa, em 2019 o “empoçamento” foi de R$ 17,4 bilhões. O forte aumento decorreu, principamente, da sobra de recursos destinados ao pagamento de benefícios do Bolsa Família, de acordo com fontes ouvidas pelo Valor. As pessoas optaram pelo auxílio emergencial, em vez do Bolsa Família. E a sobra de recursos ficou parada, com o governo não podendo usá-la em outras despesas.


RPD || José Luis Oreiro: Reforma Administrativa ou retorno ao Estado Patrimonialista?

Reforma Administrativa com o objetivo de preservar o teto de gastos parece ideia desprovida do mínimo senso de realidade, avalia José Luis Oreiro em seu artigo

Recentemente, o Ministério da Economia encaminhou proposta de Reforma Administrativa na forma da PEC 32/2020. A proposta parte explicitamente do pressuposto de que existiria uma série de distorções na administração pública que aumentariam o gasto com os salários e benefícios dos servidores públicos a patamares elevados como proporção do PIB na comparação com outros países, além de tornar os serviços públicos de má qualidade. Nesse contexto, a reforma administrativa permitiria reduzir de forma significativa o gasto com o funcionalismo público, liberando espaço no orçamento fiscal para o aumento do investimento público, sem violar a Emenda Constitucional do Teto de Gastos, promulgada em 2016, que estabelece o congelamento do valor real da despesa primária da União por um prazo de 20 anos.

A realização de uma Reforma Administrativa com o objetivo de preservar o teto de gastos parece-me ideia desprovida do mínimo senso de realidade. No debate econômico brasileiro atual é crescente o consenso de que não é possível manter o Teto de Gastos (EC 95), que estabelece o congelamento dos gastos primários da União em termos reais até 2036, devido ao crescimento dos gastos com Previdência Social a um ritmo de 3% a.a, mesmo após a Reforma da Previdência, realizada em 2019. O que levará a um esmagamento progressivo das despesas discricionárias como, por exemplo, os gastos com investimento público e com o custeio de Saúde e Educação.

Além disso, o elevado nível de desemprego da força de trabalho combinado com alta ociosidade da capacidade produtiva na indústria, resultantes dos efeitos combinados da grande recessão de 2014-2016 e da pandemia do coronavírus, exige aumento expressivo da demanda agregada, o que, nas condições atuais, só pode ocorrer por intermédio do investimento público. O que esbarra nas limitações legais ao aumento de gasto público imposto pela EC 95. Para não mencionar que a experiência das reformas administrativas nos países europeus após a crise financeira internacional de 2008 mostra que os ganhos fiscais obtidos são, na melhor das hipóteses, irrisórios.

Um dos principais problemas da PEC 32 é que acaba sendo vazia, uma vez que deixa para regulamentar o essencial posteriormente – como a definição de quais serão as carreiras típicas de Estado, os critérios de avaliação de desempenho e as novas formas de acesso ao serviço público, tanto quanto a política remuneratória e de benefícios percebidos pelos servidores, as regras para a ocupação de cargos de liderança e assessoramento, e a progressão e a promoção funcionais que serão tratados por projeto de lei complementar.

Outro ponto crucial é que a reforma proposta deixa de fora as maiores fontes de distorções no serviço público – os militares, os juízes e membros do Ministério Público, e os parlamentares. No caso dos militares, parece que até obterão ganhos com essa reforma, ao poderem acumular determinados cargos (docência e empregos na saúde, sob certas condições), o que é explicitamente facultado no novo texto.

Presumiu-se que seria inconstitucional o Poder Executivo arbitrar regras para membros de outros poderes. Mas a Reforma do Judiciário promulgada em 2004 foi feita a partir de uma PEC apresentada pelo então deputado Hélio Bicudo, com adendos inclusive do Executivo, com vistas a ampliar as funções da Justiça Federal. Em 2005, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) e declarou a inexistência de qualquer “vício formal” na proposta apresentada por outros Poderes que não o Judiciário.

A reforma cria também novos meios de acesso ao serviço público e tende a reduzir fortemente os cargos com estabilidade. Os concursos públicos e a estabilidade são avanços da Constituição Federal de 1988. Os concursos são processos seletivos democráticos, transparentes, comprovam a qualificação e o conhecimento de maneira impessoal (rompendo a prática de indicações, nepotismo, trocas eleitorais, ou seja, com o velho Estado Patrimonialista). A estabilidade busca dar mais liberdade aos concursados para atuarem tecnicamente, sem a necessidade de consentir com todas as práticas de seus superiores.

E já existe a possibilidade de demissão dos servidores, sendo que desde 2003 foram demitidos 7.766 servidores federais, 566 os quais em 2018, por exemplo. Esse número não está distante de outros países (levando em conta a quantidade de servidores), como é o caso do Canadá, em que houve uma média de 130 demissões ao ano entre 2005 e 2015.
Em suma, a PEC 32, ao fragilizar a estabilidade dos servidores públicos, pode transformar os servidores em funcionários do governo de plantão, ao invés de funcionários do Estado Brasileiro, constituindo-se assim num retrocesso em direção ao velho Estado Patrimonialista.

José Luis Oreiro é professor do Departamento de Economia da UnB.


Fernando Abrucio: Se pudesse, Bolsonaro mandaria embora funcionários do Ibama e da Funai

A estabilidade serve para garantir a profissionalização do serviço público e não para tornar inimputáveis os ocupantes dos cargos

O Executivo federal apresentou um conjunto de propostas de reforma administrativa, algumas já presentes numa PEC enviada ao Congresso, outras que ficarão para legislação posterior. Em linhas gerais, um diagnóstico sintético desse conjunto de medidas revela uma mistura de várias coisas: ações norteadas pela experiência internacional de reformas, proteções a corporações fortes do funcionalismo, medidas concentradoras de poder nas mãos da Presidência da República e várias lacunas ou confusões de diagnóstico, em particular uma enorme incompreensão em relação ao funcionamento dos serviços públicos num país como o Brasil. Mais do que isso, falta visão sobre o que deve ser o Estado brasileiro.

Há avanços no projeto vinculados, primeiramente, aos benefícios pagos aos funcionários públicos, que se expandiram ao longo do tempo e se tornaram, no mais das vezes, desvinculados do desempenho efetivo da burocracia. O ministro Bresser Pereira já tinha começado a limpar esse terreno, mas ainda há grandes problemas neste quesito. Também deve se atacar o uso completamente equivocado da ideia de isonomia que se alastrou pela gestão de pessoas do setor público. Um exemplo nesta linha foi a multiplicação de carreiras e o crescimento do salário inicial no plano federal.

O Executivo federal pretende mudar esse padrão, embora suas propostas, na forma em que foram apresentadas, ainda precisem ser mais bem lapidadas. A ideia de vínculo de experiência é um exemplo de proposição mal formulada. Óbvio que é preciso modificar o estágio probatório, que no mundo todo serve para formar e avaliar o funcionário público e sua continuidade no Estado, enquanto no Brasil nenhuma dessas duas coisas é feita. Porém, o que foi apresentado não deixa claro nem a formação nem a avaliação que seriam feitas.

A leitura do projeto global de reformas dá a impressão de uma proposta “pela metade”, de um reformismo incompleto. Por exemplo, o Executivo federal evitou tocar nos direitos dos atuais servidores públicos, bem como deixou em aberto os efeitos da reforma para os outros Poderes e para os demais entes federativos. Alguns podem dizer que é uma estratégia política para poder aprovar outras medidas importantes, embora mais do que uma forma de garantir o apoio dos parlamentares, a razão desse cálculo seja principalmente evitar danos eleitorais ao presidente Bolsonaro ou o aumento de seus problemas com a Justiça.

A opção reformista precisa alcançar todos os entes federativos e Poderes, e evitar que a limitação das mudanças aos futuros burocratas não crie dois mundos dentro do funcionalismo, gerando um sentimento de privilégio que poderá atrapalhar o bom desempenho governamental, além de gerar uma visão negativa junto à opinião pública. Aqui, a lição da reforma da Previdência não foi aprendida: nem todos os Estados mudaram suas regras e se os que se omitiram quebrarem, a União terá de salvá-los para manter os serviços públicos aos cidadãos que mais necessitam deles. Efeitos semelhantes poderão acontecer na reforma administrativa se não for criada uma maior simetria entre instituições e entre membros do funcionalismo.

A proposta de dar maior liberdade ao Executivo federal em montar sua estrutura administrativa é uma forma perigosa de concentração de poderes. Trata-se do retorno ao modelo de administração pública que vigorava no regime militar. A lógica democrática exige um jogo de “checks and balances” entre os Poderes e o presidente Bolsonaro tem dificuldades com esse modelo. Claro que é necessário flexibilizar muitas das estruturas enrijecidas do Estado brasileiro, no entanto, isso deve ser feito sem acabar com os controles institucionais adequados, tanto do Legislativo como do Judiciário. Se isso não existisse hoje, parte dos órgãos ambientais, de defesa dos índios, da área cultural e até mesmo no campo educacional já teriam sido extintos pelo governo atual. Qualquer flexibilização tem de cumprir os objetivos inscritos na legislação maior do país, que define algumas políticas que são essenciais, e seu desmonte deve ser impedido pelas instituições e pela sociedade.

A definição dos papéis do Estado e de como ele deve ser organizado passa não só pelo modelo de administração pública, mas também pela forma como ela lida com a política. É fundamental garantir um espaço autônomo aos políticos eleitos, mas também se deve preservar funções estatais que não se confundam completamente com o governo de ocasião. Mais do que isso: os eleitos devem nomear pessoas para postos-chave seguindo regras prévias que garantam transparência, competição entre postulantes e conhecimento/experiência adequados para a função. Por isso, a proposta enviada é bastante tímida no que se refere à seleção dos altos quadros governamentais. Neste ponto, o Brasil ainda é muito pouco republicano e sabemos que a aliança com o Centrão não é um indício de que isso mudará.

Há um tema espinhoso no projeto, que deve ser enfrentado, mas que confunde conceitos e supõe uma solução simples para algo mais complexo: a questão da estabilidade do funcionalismo. Em primeiro lugar, nenhum país razoavelmente democrático e desenvolvido do mundo garantiu estabilidade à quase totalidade dos seus funcionários, como fez o Brasil. Há diferenças entre as nações sobre quais carreiras devem ter, e com certeza as funções-meio foram retiradas dessa regra. Se o Estado brasileiro tivesse adotado só essa máxima, a maior parte do funcionalismo teria contratos ao estilo CLT, que devem estabelecer condições dignas de trabalho como deveriam sempre existir do mesmo modo no mercado privado.

Uma segunda coisa é que se desenhou um modelo que separa estabilidade de avaliação de desempenho. Na verdade, o que a proposta governamental está dizendo, de forma sutil e envergonhada, é que as chamadas carreiras típicas de Estado não poderão ser efetivamente avaliadas para fins de demissão ou correção por insuficiência de desempenho. Isso é uma falácia, pois juízes e militares deveriam ser avaliados tanto quanto professores e médicos. Todos eles são essenciais para o Estado brasileiro, de maneira que precisam ser bem selecionados, ter bons programas de capacitação e motivação, bem como têm de ser avaliados e responsabilizados - e se necessário, demitidos. O país não consegue enxergar o que é óbvio em muitas democracias: a estabilidade serve para proteger e garantir a profissionalização do serviço público nas suas funções mais importantes, mas não para tornar inimputáveis os ocupantes dos cargos.

Claro que há a desconfiança em relação aos mecanismos de avaliação, dada a enorme tradição de politização do Estado brasileiro. Isso deve ser levado em conta, como também o fato que a avaliação deve ser múltipla, gerar formas de capacitação ou correção de atos e, ademais, ser feita da maneira mais independente possível. Alguns países criaram instituições específicas para realizar essa e outras tarefas mais estruturais da gestão de pessoas no setor público, buscando evitar a perseguição administrativa ou política. O Brasil pode aprender com esses modelos, contanto que queira efetivamente instalar um processo avaliativo que, de um modo ou de outro, vai diferenciar os funcionários e/ou equipes, dando-lhes benefícios ou responsabilizações diferentes ao longo do tempo. Isso deve valer ao professor e ao juiz, ao médico e ao militar. Só assim criaremos uma burocracia que serve ao público, e não a si mesma.

Excetuadas as funções-meio, a pergunta de quem deve ganhar a estabilidade é mais complexa. A resposta deveria começar pela listagem de quais são as funções-finalísticas que constituem as tarefas mais relevantes para o país no século 21. É inegável que militares, juízes e auditores fiscais são centrais para o funcionamento do Estado. Todavia, se o Brasil quiser se desenvolver segundo o que foi colocado na Constituição de 1988 e, principalmente, pensando no que garantirá um futuro melhor aos nossos filhos e netos, médicos, professores, forças de segurança, assistentes sociais, profissionais da área ambiental e da garantia dos direitos humanos básicos são imprescindíveis.

Alguém tem dúvida de que, se pudesse, Bolsonaro mandaria embora amanhã mesmo a grande maioria dos funcionários de ponta do Ibama e da Funai, que colocam suas vidas em risco diariamente? Olhando para os integrantes do Centrão e tomando-os como espelho dos governantes de grande parte dos municípios brasileiros, é bem provável que eles barganhassem politicamente a contratação de professores, médicos e assistentes sociais, como já fazem com o enorme contingente de cargos comissionados sob sua guarida. No fundo, a pergunta é a seguinte: como evitar que o Estado social brasileiro, com funções mais próximas do século XXI e não do XIX, não seja desmanchado pelo patrimonialismo que ainda corre nas veias de nossas elites?

A resposta para perguntas como essa vai exigir uma maior sofisticação legislativa, que vai além da lógica dicotômica. A solução aqui passa pela construção de uma visão sistêmica do Estado brasileiro, que combine os componentes republicano-democrático e o do desempenho governamental. Tal combinação, infelizmente, não está na base das propostas de reforma administrativa atuais.

*Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e professor da Fundação Getulio Vargas


Zeina Latif: Provocando os contribuintes

As lideranças do funcionalismo precisam buscar o diálogo honesto para proteger aqueles que elas representam

A construção da cidadania iniciou-se tardiamente no Brasil. Em uma sociedade escravocrata e com domínio da oligarquia rural na estrutura econômica e social do País até 1930, não havia espaço para liberdades individuais e participação social ampla na esfera pública.

Além de tardia, a cidadania teve evolução muito lenta, por conta dos ciclos autoritários que marcaram nossa história, quando as liberdades de expressão e de mobilização eram suprimidas.

Da mesma forma que o ambiente era pouco propício à cidadania, o era também para a educação de massas. A ausência de educação básica universal até a década de 1990 é, ao mesmo tempo, reflexo e agravante da cidadania incipiente.

Esse quadro não impediu as várias revoltas populares em nossa história, que eram reprimidas com violência, sendo que o longo período militar deixou marcas. A repressão pode ter contribuído para uma sociedade pouco inclinada à reivindicação.

O resultado é que prevalecem os interesses de grupos organizados na agenda política, enquanto preserva-se muitas vezes o equilíbrio social com populismo e paternalismo. Uma combinação que impede o maior crescimento econômico.

As novas gerações, beneficiadas pela conectividade digital, têm desafiado a “velha ordem” e anseiam por maior participação política – ainda que por vezes as reivindicações sejam injustas. Essa foi a lição dos protestos de 2013.

A crise atual cria um ambiente mais propenso a reivindicações. O distanciamento social e a volta da economia contribuem para a população dar o benefício da dúvida aos governos. Talvez não por muito tempo. A crise ceifa oportunidades de trabalho e de desenvolvimento, gerando insatisfação.

Temas que antes eram pouco presentes no debate público têm ganhado evidências e geram indignação. É o caso das regras que regem o serviço público, com benefícios não disponíveis ao trabalhador do setor privado. A pesquisa Exame-Ideia mostra que 34% dos entrevistados são contra a estabilidade do funcionalismo. Predominam os que são a favor (52%), mas 34% não é pouco, posto que é um debate recente. Além disso, 53% são a favor de a reforma administrativa proposta pelo governo valer também para os atuais servidores, e não apenas para futuros concursados.

Enquanto isso, organizações que representam os servidores públicos mostram-se indiferentes ao sofrimento da população. Falta espírito público a um grupo que deveria servir à sociedade e que conta com estabilidade de emprego e renda.

Os sindicatos de professores recusam o retorno das aulas presenciais, deixando de lado os estudantes e os responsáveis que voltam ao trabalho e sofrem por não ter como cuidar dos filhos. Para a Apeoesp, que representa os professores da rede pública de São Paulo, “voltar às escolas é genocídio” e “o não retorno às aulas presenciais é inegociável”. Deveriam estar discutindo como retomar as aulas presenciais com segurança.

Muitos médicos peritos do INSS relutam em voltar ao trabalho. A associação que os representa, ANMP, obteve uma vitória na Justiça Federal, que suspendeu o retorno presencial, o que impede o governo de cortar o ponto dos faltosos.

Dezenas de sindicatos de servidores se unem contra a reforma administrativa governo. Muitos se acreditam especiais, enquanto o governo falha em sua comunicação.

A elite do funcionalismo, principalmente do sistema judiciário, tem conseguido preservar e até criar novos privilégios. O Ministério Público Federal obteve aprovação para contornar a regra do teto e garantir recursos para o auxílio-moradia. E juízes poderão receber mais 1/3 do salário ao assumir estoque de processos que aguardam julgamento.

Não seria justo generalizar. Não faltam servidores zelosos de suas responsabilidades, sendo que há grande desigualdade de renda dentro do serviço público. As lideranças do funcionalismo, no entanto, precisam buscar o diálogo honesto e resgatar o espírito do serviço público. Na intransigência, não estão protegendo a quem representam. Estão, sim, provocando a ira dos contribuintes.

*CONSULTORA E DOUTORA EM ECONOMIA PELA USP


Catarina Rochamonte: Reforma na República dos privilégios

A necessária reforma tem de começar por cima, cortando os privilégios ali onde eles exorbitam

O principal motivo de clamor público por uma reforma administrativa é o acúmulo de privilégios. Sendo assim, é inusitado que uma proposta de reforma comece por avisar que os mais privilegiados —magistrados, parlamentares, militares e membros do Ministério Público, justamente as categorias de maior remuneração— não serão atingidos.

A reforma proposta pelo governo Bolsonaro retira direitos de muitas categorias de funcionários públicos, ao mesmo tempo em que mantém ou fortalece privilégios do alto escalão do funcionalismo, aqueles que estão na ponta da pirâmide dos poderes.

A justificativa para ter excluído os mais privilegiados é que estes são membros de poderes, com regras próprias. O Parlamento, porém, tem poder constitucional para ampliar o texto original enviado pelo Executivo e efetivar uma reforma verdadeira, equânime, democrática e justa.

Não adianta apoiar a proposta inicial da reforma dizendo que se trata de um primeiro passo. A aprovação da proposta original, sem emendas, seria um passo em falso.

A necessária reforma tem de começar por cima, cortando os privilégios ali onde eles exorbitam despudorados, afrontosos, escandalosos.

A reforma administrativa é necessária para equilibrar as contas, enxugar e modernizar a máquina pública, melhorar a qualidade dos serviços prestados e, com isso, favorecer a população. Ocorre que a reforma ora apresentada mantém as regalias da elite do estamento burocrático que se mantém à custa do suor do trabalhador comum.

Paulo Guedes, arquiteto da proposta, não apenas defendeu tais privilégios como mostrou-se indignado por eles não serem mais amplos: “Acho um absurdo os salários da alta administração brasileira. São muito baixos”, afirmou, sem nem corar. Para o ministro, a diferença salarial entre os de cima e os de baixo não estaria ainda de bom tamanho: “Tem que haver uma enorme diferença”.

Isso não é liberalismo; está mais para Ancién Régime.

*Doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e vice-presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).


Eduardo Rocha: Desoneração com redução de jornada para geração de emprego

As desonerações feitas até agora sobre a folha de pagamento não exigiram das empresas nenhuma contrapartida no sentido de ampliar os empregos dos 17 setores beneficiados (eram 28 até abril de 2018), dentre eles os de calçados, call center, comunicação, têxtil, couro, construção civil e de infraestrutura, transporte metroferroviário, rodoviário coletivo e de cargas, automotivo, proteína animal, máquinas e equipamentos, tecnologia da informação, projeto de circuitos integrados.

A atual desoneração, de um lado, libera as empresas do desconto de 20% ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, de outro, cobra alíquotas que vão de 2% a 4,5% sobre o valor da receita bruta. O benefício fiscal, que acabaria agora em dezembro de 2020, foi prorrogado até dezembro de 2021, por decisão de deputados e senadores, mas o presidente Jair Bolsonaro vetou a prorrogação. O Congresso Nacional, contudo, votará, nos próximos dias, pela derrubada do veto presidencial e o benefício assim ganhará mais tempo de vida.

Chama a atenção que não há uma só amarração no sentido de vincular o benefício à ampliação de empregos dentro desses setores desonerados. A lógica prevalecente é a de manter ou reduzir o mínimo possível os já existentes. Já passou do ponto ou da hora de enfim capital, trabalho e governo pactuarem um conjunto de medidas orientadas para erguer uma ação público-privada baseada no tripé formado pela desoneração com redução de jornada para geração de emprego.

Isso não é impossível de ser feito. A ampliação do emprego via redução da jornada de trabalho de 39 para 35 horas semanais na França, ainda no governo de Lionel Jospin (1997-2002), virou realidade ao garantir que a redução de impostos sobre a folha de pagamento para todas as empresas com mais de 20 empregados fosse acompanhada da redução da jornada de trabalho e da contratação de trabalhadores adicionais.

O desemprego é resultado de múltiplas causas, dentre as quais se destacam a chamada reestruturação produtiva (expressão da necessidade do permanente revolucionamento da ciência e da técnica aplicadas ao processo gerador de valor) e a dos descaminhos das políticas macroeconômicas recentes e agora, fundamentalmente, a causada pela pandemia no novo coronavírus.

A Covid-19 provocou um infarto econômico mundial e reconfirmou ontologicamente o trabalho – este eterno e necessário intercâmbio entre o gênero humano e a natureza para a reprodução da vida – como a força material fundante na gênese e no desenvolvimento do ser social. A retomada da atividade econômica deve ser pautada pela inovação necessária para colocar na ordem do dia, dentre outras questões, uma nova "geografia" do tempo do trabalho para que cada um trabalhe menos para que todos possam trabalhar.

*Eduardo Rocha é economista


Cristiano Romero: Estabilidade não evitou corrupção no Estado

“Pedalada fiscal” é exemplo de interferência

Preocupados com a interferência partidária na gestão de políticas públicas, os constituintes consagraram na Constituição de 1988 a estabilidade dos funcionários públicos no emprego. O ambiente em que o assunto foi debatido não poderia ser pior. O país vivia grande efervescência política, partidos de esquerda e entidades da sociedade civil saíram da clandestinidade - a UNE (União Nacional dos Estudantes) foi legalizada em cerimônia no Palácio do Planalto - e a imprensa respirava ares mais democráticos.

Estávamos no governo de José Sarney (1985-1990), o primeiro presidente civil depois de 21 anos de ditadura militar. O momento era de transição de regime, uma vez que Sarney fora o vice da chapa eleita pelo Congresso Nacional. Tancredo Neves, o cabeça de chapa, adoeceu na véspera da posse (15 de março de 1985) e não assumiu, vindo a falecer em 21 de abril.

Pausa para o cafezinho: Tancredo não tomou posse, mas, oficialmente, sim; ele foi o primeiro presidente da Nova República. Sua eleição resultara de acordo firmado entre os generais e a oposição, na ocasião liderada pelo então deputado Ulysses Guimarães. Este os militares não admitiam que assumisse a Presidência na transição, por isso, rejeitaram a possibilidade de eleição direta naquele momento. No fim, a candidatura da oposição era encabeçada por um integrante da chamada resistência democrática (Tancredo, do PMDB) e por um prócer da ditadura (Sarney). Com a impossibilidade de posse de Tancredo, generais da linha-dura quiseram impedir que Sarney tomasse posse. Por pouco, o epílogo do regime militar não foi postergado…

Com a liberdade que lhe foi suprimida durante longos 21 anos, a imprensa cumpriu papel crucial no início da Nova República. Brasileiros tomaram conhecimento todo dia pelos jornais, canais de televisão e rádios de casos de corrupção. A impressão, absolutamente equivocada, era a de que, num governo civil, isto é, no regime democrático, a corrupção grassa com desprendimento.

A resposta dos constituintes foi estabelecer na lei máxima do país o direito de todos os funcionários, e não apenas dos ocupantes de carreiras típicas de Estado (diplomata, auditor da Receita Federal, funcionário do Banco Central, juiz, procurador etc), à estabilidade no emprego. Esta vale, portanto, para servidores da atividade-meio dos órgãos públicos e prestadores de serviço (segurança, limpeza etc).

Além da estabilidade, a Constituição premiou o funcionalismo com o direito à aposentadoria integral e à paridade, que garante a aposentados os mesmos reajustes salariais de quem está na ativa. A aposentadoria integral foi extinta pela reforma proposta pelo governo Lula (2003-2006 e 2007-2010) e regulamentada pela gestão Dilma Rousseff (2011-2014 e 2015-2016).

A Carta Magna prevê a demissão de funcionários estáveis, mas todos sabemos que isso só ocorre em casos de comprovado envolvimento do servidor com corrupção.

A estabilidade assegurada após estágio probatório de dois anos é privilégio e não direito adquirido ou benefício concedido por mérito. Estabilidade deveria ser conquistada ao longo da carreira, cumpridos critérios objetivos de desempenho.

A pergunta que não cala é a seguinte: a estabilidade no emprego evitou a corrupção e a interferência de inquilinos do poder em políticas típicas de Estado? A resposta é não.

Duas instituições de excelência viveram, recentemente, situações de interferência política, sem que tenham reagido a tempo de evitar os problemas decorrentes da ação governamental. Foi no caso das chamadas “pedaladas fiscais”, expressão cunhada pelo jornalista e colunista Ribamar Oliveira, do Valor, para a prática irregular usada pelo governo Dilma Rousseff.

A pedalada consiste no seguinte: em vez de transferir aos bancos federais recursos orçamentários para o pagamento de programas federais, o governo ordenou que as instituições bancassem essas despesas; agindo dessa forma, o então Ministério da Fazenda escondia a verdadeira dimensão do déficit das contas públicas, uma vez que esses pagamentos não apareciam como despesa primária; por conseguinte, isso lhe permitia gastar mais, com vistas a melhorar o desempenho da economia, o que por sua vez atenderia ao objetivo político de reeleição da presidente em 2014.

Essa manobra foi realizada durante dois anos. O distinto público só tomou conhecimento da verdadeira situação das finanças governamentais depois do período eleitoral, em novembro de 2014. Num seminário promovido em São Paulo pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, mostrou tabela com os “novos” números do déficit fiscal. Este saltou de 3% para 7% do PIB.

Como até o dia anterior, o conhecido eram os 3%, um ilustre integrante da mesa daquele evento - o ex-ministro e ex-deputado Delfim Netto - comentou ao ouvido do titular desta coluna: “O Guido errou. O número não é esse”. Infelizmente, tendo tomado conhecimento do valor correto um dia antes, o colunista disse: “Está certo, ministro, é isso mesmo”. Delfim fez silêncio por um instante, olhou para Mantega e comentou baixinho, com seu forte sotaque paulistano-italiano: “Eles quebraram o país”.

Pano rápido. Nos bastidores da tragédia, uma grande lição: a estabilidade no emprego não fez com que funcionários do Tesouro Nacional, do Banco Central, do Banco do Brasil (BB) e da Caixa denunciassem a manobra feita nas contas públicas com objetivos político-eleitorais. Antes que se afirme que empregados do BB e da Caixa não tenham à estabilidade, pense duas vezes. De fato, a lei não lhes assegura estabilidade, mas é o que eles têm de fato. Alguém já testemunhou a dispensa de algum funcionário do BB, da Caixa, do BNDES, do Banco do Nordeste e do Banco da Amazônia por incompetência?

A cultura patrimonialista da Ilha de Vera Cruz é tão arraigada que servidores públicos agem como se fossem donos do Estado. Isso precisa mudar, do contrário, o nobre projeto de nação inscrito na Constituição de 1988 jamais será implementado.


Merval Pereira: Reforma necessária

Agora que a reportagem da Rede Globo sobre funcionários fantasmas na Assembléia Legislativa do Rio foi indicada para o Emmy, o maior prêmio internacional da televisão, ao mesmo tempo que a investigação sobre o sistema de “rachadinha” salarial dos funcionários de diversos gabinetes de deputados estaduais, entre eles o hoje senador Flavio Bolsonaro, vai chegando a resultados concretos, é mais que hora de repisar a necessidade de uma revisão da organização dos gabinetes parlamentares em todos os níveis, do federal ao municipal.

Por sua própria natureza, a “rachadinha” demonstra que os parlamentares têm assessores em excesso, cujos salários são também supervalorizados diante do praticado pelo mercado profissional. O assessor Fabricio Queiroz era, segundo está sendo demonstrado nas investigações, o responsável por receber e redistribuir parte dos salários dos funcionários do gabinete de Flavio Bolsonaro.

O valor total da soma dos vencimentos mensais de cada gabinete da Assembléia Legislativa do Rio é de R$ 160 mil, para ser distribuído entre possíveis 40 assessores. Até mesmo auxílio-alimentação é fraudado, segundo denunciou o deputado Luiz Paulo. Segundo ele, seria melhor adotar o ticket-refeição, para evitar o que muitos servidores fazem: devolvem o dinheiro referente ao auxílio-alimentação aos deputados que os empregam, ou para a “caixa” do partido.

A reportagem da Globo mostrou que vários assessores não aparecem para trabalhar, alguns foram flagrados pela reportagem em casa em dia de semana, e uma funcionária mora em Orlando, na Flórida. Depois de a reportagem ser exibida, foram abertas duas investigações, uma da própria Assembléia e outra do Ministério Público estadual, e até agora, oito meses passados, nada foi resolvido. Marli Regina de Souza Costa continua vivendo na Flórida e, mesmo à distância, trocou de deputado, mantendo a mordomia de R$ 23 mil mensais.

Dois dos servidores denunciados aposentaram-se, ganhando mais do que na ativa e com uma vantagem, não precisam mais dar parte de seu salário para ninguém. Na Câmara dos Deputados em Brasília o valor mensal da verba de gabinete é R$ 111.675,59, e cada deputado pode contratar de 5 a 25 secretários parlamentares para “prestar serviços de secretaria, assistência e assessoramento direto e exclusivo nos gabinetes dos deputados, em Brasília ou nos estados”.

Foi num desses cargos que Nathalia Melo, filha de Queiroz foi registrada no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro, embora trabalhasse no Rio como personal trainer. No Senado, a questão é mais complicada, um “emaranhado de leis” segundo o secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, que impede que se tenha noção clara dos critérios e salários.

A Transparência Brasil dividiu estados e capitais em grupos de maiores e menores PIBs per capita, e confrontou os tamanhos das economias com os gastos parlamentares – que incluem salários, verbas e auxílios diversos a deputados estaduais e vereadores. “O que se revelou foi uma inversão lógica: segundo dados coletados junto a Assembléias e Câmaras, estados mais pobres gastam em média 20% mais do que os ricos; capitais mais pobres, 16% a mais”.

O Pará, por exemplo, que tem um terço do PIB per capita de São Paulo, gasta 30% a mais por deputado estadual. “A irracionalidade é a mesma quando se comparam as capitais: Natal tem a metade do PIB per capita de Curitiba, mas empenha com seus vereadores o dobro da capital paranaense. No entanto, as Câmaras Municipais destas gastam por vereador 16% a mais com salários, auxílios e verbas indenizatórias do que as capitais com os maiores índices de PIB per capita”.

O mesmo ocorre, segundo o relatório da Transparência Brasil, nas Assembleias Legislativas. Enquanto os 12 estados da base seus gastos com salários e verbas são 20% mais altos do que os dos 12 estados do topo.

Na reforma administrativa que se pretende fazer, este seria um tema prioritário, não apenas para impedir que esse sistema de “rachadinha” se perpetue com o desvio do dinheiro público para os partidos políticos ou o bolso do parlamentar. Também como exemplo de que prevalecerá entre os representantes do povo a postura ética que lhes é exigida pelos cargos para os quais foram eleitos.


Julianna Sofia: A terceira torre

Aumento para servidores na pandemia seria ato covarde

Na fatídica reunião de 22 de abril, Paulo Guedes (Economia) elencou a Jair Bolsonaro e seu gabinete ministerial as torres do inimigo que o governo tinha por objetivo derrubar. A primeira era o que chamou de excesso de gastos na Previdência. Jaz tombada, na avaliação do ministro. A segunda: os juros altos —missão, por ora, cumprida.

“Todo mundo tá achando que tão distraído, abraçaram a gente, enrolaram com a gente. Nós já botamos a granada no bolso do inimigo. Dois anos sem aumento de salário. Era a terceira torre que pedimos pra derrubar. Vamos derrubar agora. Não tem jeito de fazer um impeachment se a gente tiver com as contas arrumadas.”

Guedes referia-se às despesas com o funcionalismo e ao congelamento de salários dos servidores, dispositivo enxertado no socorro a estados e municípios em crise. Vangloriava-se por barrar aumentos até 2021, camuflando a inépcia em entregar a esperada reforma do Estado, apesar de suas festejadas credenciais econômicas.

Na articulação pelo congelamento, o ministro levou uma rasteira do chefe, que avalizou uma lista de exceções à regra antiaumento e depois viu-se obrigado a vetar tal lista.

Nesta semana, a bazuca contra a terceira torre voltou-se na direção de Guedes. O Senado derrubou o veto de Bolsonaro —ato covarde perante um país de 12,3 milhões de desempregados e com 46% da população afetada pela redução de renda na pandemia.

De memória curta, o presidente incorporou o discurso da austeridade. Guedes acusou o Senado de cometer crime e pediu colo a Rodrigo Maia (Câmara) e ao centrão. Na cooptação, valeu-se das moedas de troca usuais: emendas parlamentares e dinheiro para socorrer setores com poder de lobby. Estratégia exitosa e veto mantido. À espreita, o Senado promete dar o troco pelo selo de Casa da temeridade fiscal, impondo derrotas em pautas caras ao governo.

Para acalmar o comichão da gastança eleitoral, o Planalto acena com pacote de bondades na próxima semana. O Renda Brasil desencantará.


Reinaldo Azevedo: O Congresso é bom; o governo, horrível

Bolsonaro e Guedes falam asneiras, e depois cabe ao Parlamento corrigir os desatinos

Pois é… Jair Bolsonaro e Paulo Guedes fazem e falam asneiras —iguais ou desiguais, elas sempre se combinam—, e cabe ao Congresso, particularmente a Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, corrigir os desatinos. É o caso do reajuste de algumas categorias profissionais dos servidores. Às vezes, dá certo, como nesta quinta. O veto presidencial foi mantido por 316 votos a 165.

Mas Guedes não sossega. Ele já está cavando uma nova crise com a sua proposta da “PEC-Combo”, que pretende juntar tudo ao mesmo tempo agora: PEC emergencial, pacto federativo e, de aperitivo, a nova CPMF bombadona. Quem não sabe aonde vai escolhe qualquer caminho. E o Congresso que se vire.

Voltemos ao veto. Não se chega a bom lugar com dados falsos. Era mentira que “o dinheiro da Saúde seria usado para pagar servidores”. Isso é facilitação estúpida. O auxílio emergencial repõe parte do ICMS e do ISS e não sai com carimbo.

Mais: se todas as categorias excepcionadas na proposta aprovada pelo Congresso tivessem o reajuste, em todas as esferas, a conta chegaria a R$ 98 bilhões, não a R$ 130 bilhões. Mas quem disse que seria assim? É um chute. União, governadores e prefeitos agiriam como ordem unida? Aplicando o mesmo índice? Ora…

Os tais R$ 130 bilhões eram tão verdadeiros como os supostos R$ 280 bilhões que a União teria de desembolsar caso tivesse vingado o texto aprovado na Câmara no dia 13 de abril, que previa reposição a estados e municípios por seis meses, tendo como referência o arrecadado em 2019.

O Planalto não gostou e foi bater às portas do Senado. E lá se fechou a proposta que acabou aprovada: o governo impôs o congelamento como condição para a reposição —e olhem que o Congresso, na prática, não precisava de aval nenhum— e concordou em excluir as categorias profissionais que lidam diretamente com a Covid-19.

E aí Guedes estrilou a passou a pregar o veto àquilo que o próprio governo havia negociado. Na malfadada reunião ministerial do dia 22 de abril, o ministro, com aquele seu jeito desassombrado de quem não sabe o que fazer, mas tem sempre uma metáfora explosiva, definiu o congelamento: “Nós já botamos a granada no bolso do inimigo; dois anos sem aumento de salário”.

O radicalismo de Guedes não é coragem. Costuma se voltar contra quem pode menos. É falsa a informação de que o congelamento alcança todos os servidores. O governo garantiu, por MP, o reajuste a policiais militares, civis e bombeiros do DF e a parte dos PMs de Amapá, Roraima e Rondônia.

Atenção! A MP foi enviada um dia antes de o presidente sancionar o texto com os vetos pedidos por Guedes. Às enfermeiras que enfrentam a Covid-19, granada; aos policiais do DF, grana. Bolsonaro sabe ser essa a PM mais bem paga do Brasil, porque os recursos saem da União. A concessão do reajuste cria demanda por aumento nas PMs dos demais estados, e os governadores que se virem com o congelamento.

Noto adicionalmente que os Catões da moralidade pública e da severidade com o cofre assistem impassíveis à esbórnia com o orçamento da Defesa. E ninguém diz que se tira verba da Saúde para investir em canhão, não é mesmo, Guedes?

Então ficamos assim: o governo trapaceou, desde sempre, no congelamento dos salários. E, quando algo dá errado, apela-se a Rodrigo Maia, sempre ele!, para tentar resolver o problema. Até porque Guedes já saiu chutando os países baixos dos senadores.

Sim, há lá no Congresso notáveis nulidades e muita gente mixuruca que foi eleita porque tornada celebridade nas redes. Na média, no entanto, essa legislatura tem sido notavelmente eficaz. Em vez de ofender os parlamentares, Guedes deveria lhes ser grato pela reforma da Previdência, pela PEC do Orçamento Paralelo e pela aprovação do auxílio emergencial.

Memória rápida: perplexo, o ministro não sabia o que fazer. No auge da alienação, propôs mandar para casa, sem salário, trabalhadores formais e pagar três mensalidades de R$ 200 aos informais. Bolsonaro já teria sido pendurado pelos pés em praça pública.

O Congresso os salvou. E o fez de novo nesta quinta.