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Andrea Jubé: No meio do caminho, tinha um Bolsonaro

Ainda não surgiu quem representará o “antibolsonaro”

O recente cerco a dois próceres tucanos, José Serra e Geraldo Alckmin - dois finalistas da corrida presidencial - leva o PSDB de novo às cordas, num momento em que o partido tenta se reerguer no plano nacional, mesmo com outro presidenciável, Aécio Neves, ainda no chão.

O novo disparo da Lava-Jato que atingiu o PSDB reforça o processo de esgarçamento do sistema partidário. Um movimento que eclodiu em 2013, com as incendiárias jornadas de junho, e teve o seu apogeu na eleição de Jair Bolsonaro, que embora sete vezes eleito deputado federal, convenceu o eleitor de que encarnava o “antipolítico”.

O advento da Lava-Jato em 2014, e o desdobramento das investigações nos anos seguintes, acentuaram a deterioração do sistema partidário. As eleições de 2016 foram marcadas pelo antipetismo: foi simbólica a derrota do então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, pelo candidato do PSDB, João Doria, ainda no primeiro turno.

Finalmente, em 2018, impulsionados pela descrença no sistema, pelo cansaço de “tudo isso que está aí”, 57 milhões de eleitores elegeram um candidato filiado a um partido inexpressivo, sem fundo partidário e tempo de propaganda no horário eleitoral.

Dois anos depois, vê-se que os partidos resfolegam. Os entregadores de aplicativos - prestadores de serviços que se revelaram essenciais nesta pandemia - ganharam projeção ao organizarem paralisações por condições de trabalho dignas e justas. Em seus atos, também rejeitam bandeiras de partidos. Os protestos em defesa da democracia, que ocuparam as ruas de muitas capitais em plena pandemia, foram convocados por torcidas organizadas, e não por políticos profissionais.

O cientista político Fernando Abrucio, professor da Fundação Getulio Vargas, afirma que a reforma política iniciada em 2018 vai impor uma reconstrução do sistema partidário após as eleições municipais. “Haverá uma recomposição partidária na esquerda e na centro-direita, até porque a cláusula de barreira em 2022 vai ser muito séria para muitos partidos”, diz o professor, que também é colunista do Valor.

Em 2018, 14 legendas não alcançaram a cláusula de desempenho, inclusive o PRTB do vice-presidente Hamilton Mourão e o Rede Sustentabilidade de Marina Silva. Esse resultado deflagrou as primeiras mexidas para garantir acesso ao fundo partidário e ao tempo de rádio e TV no horário eleitoral: o PCdoB incorporou o PPL, e o Patriota incorporou o PRP.

Em 2022, os partidos terão de obter 2% dos votos válidos, distribuídos em um terço das unidades da federação, ou eleger pelo menos 11 deputados. Em 2018, o percentual exigido foi de 1,5%. Em 2030, chegará a 3%.

No pleito deste ano, começa a vigorar outro obstáculo aos pequenos partidos: o fim das coligações proporcionais, ferramenta que ajudava a ampliar as bancadas.

Há conversas em andamento entre as principais lideranças sobre o futuro político. O governador de São Paulo, João Doria, tenta renovar o PSDB para pavimentar o caminho rumo ao Planalto e evitar uma revoada de quadros, como o senador Tasso Jereissati (CE).
Pela centro-esquerda, os governadores do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), Marina Silva e o apresentador Luciano Huck rascunham cenários.

Há quem fale em uma fusão entre Rede e Cidadania após a eleição municipal, mas o que efetivamente foi à mesa foi a eventual fusão entre Rede e PV, ainda longe de se concretizar. Dino aventa a formação de federações partidárias, modelo que ainda precisa ser amadurecido no Congresso.

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) concorda que seja necessária a reorganização partidária. “A ideia de partido político distanciou-se do povo”, admite.

Mas Randolfe lembra que o Rede já integra uma coalizão de partidos que se uniram em torno de um mesmo discurso de oposição ao bolsonarismo e da tentativa de formarem o máximo de alianças no pleito deste ano, e quem sabe, na eleição de 2022. O Rede caminha ao lado do PDT, PSB, PV e Cidadania.

Abrucio também identifica uma crise de lideranças, e alerta que conjugada com a crise partidária, isso pode ser uma “combinação explosiva”.

Ele aposta numa renovação das lideranças nacionais, porque as atuais já cumpriram um papel: articularam a redemocratização e viabilizaram um período de muita estabilidade democrática, econômica e de inclusão social, que ele define como os anos entre os impeachments de Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Mas Abrucio ressalta que o cerco às lideranças políticas atinge os partidos. “Porque não se pode pensar em partidos sem as lideranças. O que seria do partido conservador inglês após a Segunda Guerra sem Winston Churchill?”

Abrucio vê sinais desse ocaso das lideranças na pesquisa do Instituto Paraná, divulgada na última sexta-feira. Em um dos cenários, Ciro Gomes (PDT) tem recall baixo, porque aparece empatado com Luciano Huck, que nunca disputou eleições. Também achou tímido o desempenho de Doria, que ganhou projeção nacional no combate à pandemia nos últimos meses. Mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o nome mais competitivo para enfrentar Bolsonaro em 2022, revela um desempenho aquém do que normalmente apresentaria. “Na trajetória do Lula, é pouco ainda. Das lideranças do antigo ciclo, mesmo depois de 500 dias preso, ele ainda é o mais forte”, diz o professor da FGV.

Para Abrucio, encerrou-se o ciclo pós-redemocratização da política brasileira, mas ainda não começou o seguinte. “Bolsonaro não é o novo, ele é o interregno, ele é a transição desses ciclos”.

Se a tônica da eleição de 2018 foi o antipetismo e a antipolítica, a de 2022 será o antibolsonarismo, aposta Abrucio. “O antibolsonarismo é maior que o bolsonarismo, isso é matemático. Mas o eleitor ainda não identificou quem será o polo antibolsonarista. Isso está em construção”.

Em suma, como diria Drummond: no meio do caminho da renovação, tinha Jair Bolsonaro.