Sergio Moro

Elio Gaspari: A ‘bala de prata’ feriu Moro

Se era “bala de prata”, o teor da colaboração do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci tornou-se um atentado à neutralidade do Poder Judiciário, à desejada exposição das roubalheiras do comissariado petista e à boa-fé do público.

Foi uma ofensa à neutralidade da Justiça porque o juiz Sergio Moro deu o tiro seis dias antes do primeiro turno da eleição presidencial. Trata-se de um depoimento tomado em abril que não revela o conjunto da colaboração do poderoso detento-comissário. Podia ter esperado o fim do processo eleitoral, até mesmo porque o doutor Moro é pessoa cuidadosa com o calendário. Com toda a razão, ele suspendeu dois depoimentos de Lula porque o ex-presidente transforma “seus interrogatórios em eventos partidários”.

Foi uma ofensa para quem espera mais detalhes sobres as roubalheiras petistas, porque a peça de dez páginas tem apenas uma revelação factual comprovável, a reunião de 2010 no Alvorada, na qual combinou-se um processo de extorsão, cabendo a Palocci “gerenciar os recursos ilícitos que seriam gerados e seu devido emprego na campanha de Dilma Rousseff para a Presidência da República”. Traduzindo: Palocci foi nomeado operador da caixinha das empresas contratadas para construir 40 sondas para a Petrobras. Só a divulgação de outras peças da confissão do comissário poderá mostrar como o dinheiro foi recebido, a quem foi entregue e como foi lavado. O juiz Sergio Moro fica devendo essa.

Afora esse episódio, o que não é pouca coisa, a colaboração de Palocci é uma palestra sobre roubalheiras que estão documentadas, disponíveis na rede, em áudios e vídeos, na voz de empresários e ex-diretores da Petrobras. Em julho passado, o procurador Carlos Fernando de Souza contou que a força-tarefa da Lava-Jato tratou com Palocci: “Demoramos meses negociando. Não tinha provas suficientes. Não tinha bons caminhos investigativos”. Se as confissões de Palocci à Polícia Federal quebraram a sua barreira de silêncio, só se vai saber quando o conjunto da papelada for conhecido.

Nessa parte da colaboração, Palocci, quindim da plutocracia que se aninhou no petismo, diz na página 2 que em 2003 o governo tinha duas bandas, a “programática” e a “pragmática”. Ao longo do tempo “a visão programática adotada pelo colaborador (ele) foi sendo derrotada”. Na página 6, o doutor conta que foi nomeado operador da caixinha das sondas. Isso é que é derrota. Em 2006, quando estava prestes a ser defenestrado do Ministério da Fazenda, uma pessoa presente a uma conversa no Alvorada ouviu Lula dizendo-lhe: “Pô, Palofi, você não para de mentir?”

Segundo Palocci, de cada R$ 5 gastos nas campanhas, R$ 4 vêm de propinas, e a candidatura de Dilma Rousseff recebeu algo como R$ 400 milhões de forma ilícita. Como gerente de uma parte dessa caixa, a palavra está com ele.

Até lá, o ex-ministro continuará na carceragem de Curitiba, onde teria um pequeno cultivo de alecrim e lavanda, ecoando o jardim do falsário Louis Dega na Ilha do Diabo. (Dustin Hoffman no filme “Papillon”)

Antes mesmo da “bala de prata”, Lula, Haddad e o comissariado tinham motivos para duvidar que a postura de soberba castidade do PT teria um preço. A conta chegou: a rejeição a Haddad subiu 11 pontos em uma semana, chegando a 38% na conta do Ibope. É rejeição ao PT e ao “Andrade” que percorre o Brasil blindando-o.

Faltam cinco dias para o primeiro turno, e amanhã os candidatos irão ao último debate. A ver.


El País: “Não se pode permitir que o Judiciário escolha quem governa e quem pode ser eleito”, diz Eloísa Machado

Para advogada especialista em estudos sobre o Supremo, o STF tem pautado cada vez mais as eleições presidenciais

Por Marina Rossi, do El País

Na última terça-feira, o Supremo Tribunal Federal decidiu retirar das mãos do juiz Sérgio Moro parte das delações da Odebrecht que citam o ex-presidente Lula no caso do sítio de Atibaia. Dois dias depois, Moro desafiou o Supremo, decidindo que a ação deveria permanecer em Curitiba. Para Eloísa Machado de Almeida, especialista em Direitos Humanos e uma das coordenadoras do Supremo em Pauta, é difícil saber o que as decisões, tanto do Supremo, quanto de Moro, podem significar em termos práticos. Mas ela arrisca dizer que o juiz de Curitiba está "inaugurando uma queda de braço" com o STF. "Imagino que muito em breve teremos um novo pronunciamento do Supremo sobre isso", disse, em entrevista ao EL PAÍS.

A especialista também fala sobre os diferentes tratamentos da Justiça diante dos réus políticos. Isso porque, na mesma terça-feira, em Minas Gerais, o Tribunal de Justiça dava mais passo para a lenta caminhada da condenação do ex-governador mineiro ex-presidente do PSDB Eduardo Azeredo. Por um placar apertado – três a dois – os desembargadores rejeitaram os embargos da defesa de Azeredo e mantiveram a pena de 20 anos de prisão pelos crimes de peculato e lavagem de dinheiro no caso conhecido como mensalão tucano. "O grande desafio que está colocado é a capacidade da Lava Jato ir além de Lula", diz. "Mas que não se trata do mesmo tratamento [entre um político e outro], isso é evidente".

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Pergunta. O que essa decisão mais recente da segunda turma do Supremo, de tirar das mãos de Moro parte das delações que envolvem o processo do sítio de Atibaia, significa?
Resposta. O Moro já decidiu que não vai enviar este caso para a Justiça de São Paulo.

P. Mas ele pode fazer isso?
R. Eu acho que ele está inaugurando uma queda de braço com o Supremo. O que ele diz é que o acórdão sequer foi publicado, o que é verdade, e que não há uma referência direta sobre quais partes do processo devem ser remetidas a São Paulo. Ou seja, Moro está resistindo a essa decisão. Por isso acho que muito em breve teremos um novo pronunciamento do Supremo sobre isso. Talvez explicando quais fatos relativos ao processo de Atibaia não têm conexão com a Petrobras, justificando assim a decisão de tirar da Lava Jato.

P. Na mesma terça-feira, a Justiça de Minas Gerais deu mais um passo para a condenação de Eduardo Azeredo. O processo é sobre um crime que teria ocorrido há 20 anos. Diante de um julgamento que ocorreu em tempo recorde, o do ex-presidente Lula, há dois pesos e duas medidas?
R. O grande desafio que está colocado é a capacidade de a Lava Jato ir além de Lula. Alguns movimentos ocorreram logo após a prisão dele, como o recebimento da denúncia contra Aécio Neves e agora essa nova etapa do caso de Azeredo. Mas não se trata do mesmo tratamento e isso é evidente. Principalmente quando falamos em prisão, porque estamos falando de um símbolo muito forte para uma pessoa que vive da imagem pública como Lula. Tem um efeito simbólico que vai para além da condenação. E até agora não houve nenhuma prisão de alguma figura no mesmo nível de Lula.

P. Nas eleições de 2014, elegemos um Congresso ultraconservador. Naquela época, o Supremo, era visto como uma espécie de boia de salvação no debate de pautas mais progressistas. Discussões como a da descriminalização do uso da maconha e do aborto avançavam na corte, enquanto emperravam na Câmara ou no Senado. De lá para cá as coisas mudaram? Como enxerga os últimos quatro anos de atuação do Supremo?
R. O Supremo mudou. Aquele Supremo que julgou pesquisas com células tronco e ações afirmativas, por exemplo, não é mais o mesmo. Houve uma mudança relevante de composição no tribunal e de fato, agora, o tribunal não tem conseguido avançar em grandes matérias referentes aos direitos humanos. Ainda que algumas matérias tenham sido votadas, como demarcação de terras quilombolas, o reconhecimento de união para pessoas de mesmo sexo, as cotas para negros nos concursos públicos. Houve uma série de algumas ações positivas em relação aos direitos humanos, mas a impressão que a gente tem é que esses casos foram julgados com bastante esforço, sobretudo a demarcação de terras quilombolas. Não foram casos fáceis de passar no Supremo. Havia resistência, foram sessões interrompidas. Não é mais um tribunal que tem na predominância da sua pauta ações de direitos humanos.

P. Isso é só porque a composição mudou? Ou tem outro fator relevante para ser levado em consideração?
R. Tem outras coisas. Um fator, claro, é a composição. Você muda a composição, muda o tribunal. E isso faz diferença. Há também uma agenda que se instalou no Supremo, talvez desde o mensalão, de combate à corrupção. E aí, de certa maneira, as duas grandes operações, o mensalão e a Lava Jato, acabaram por monopolizar ou deixar quase monopolizada a pauta do Supremo para esses temas. E desde 2014, também com a deflagração do processo de impeachment da Dilma, o que a gente vê é o Supremo Tribunal Federal no centro da crise institucional brasileira, não necessariamente ajudando a resolver essa crise, e trazendo questões como por exemplo o afastamento do presidente da Câmara dos Deputados, afastamento de presidente do Senado, ou sobre prisão em flagrante de senador, suspensão de exercício de mandato de senador, prisão em segunda instância... Ou seja, o STF de 2014 para cá é o STF do impeachment, da Operação Lava Jato e o STF que marcou uma nova forma de relação com os demais poderes, impondo o que eu tenho chamado de uma agenda de moralização da política. Ainda que você possa ter, e claro, como tem, a relevância da descoberta de alguns casos de corrupção, o tribunal de certa maneira aproveitou a Operação Lava Jato para impor o que ele considera ser uma visão adequada de Justiça.

P. Você acha que o STF está funcionando como deveria funcionar?
R. Não, não está. Essa agenda de moralização da política é muito perniciosa para o ambiente democrático. Tribunais com agenda são bastante complicados em uma democracia e quando a gente analisa especificamente as ações, todas elas são ações tomadas em momentos de excepcionalidade, o que trouxe uma grande insegurança para o cenário jurídico. O exemplo mais recente, claro, é o da prisão em segunda instância, onde, por conta da excepcionalidade da Operação Lava Jato, se muda o entendimento, depois com votos contados se volta atrás, e em razão da excepcionalidade do caso do Lula não se revisita esse tema. Isso sem mencionar o poder enorme ao qual o Supremo se autoconferiu ao se permitir por exemplo suspender o exercício de mandato de deputados e senadores. Isso não é uma medida prevista na Constituição, foi uma medida adotada no caso do [ex-presidente da Câmara dos Deputados] Eduardo Cunha, agora novamente no caso do senador Aécio Neves [o Senado derrubou mais tarde a decisão do STF] e mostra o grau enorme de interferência do Supremo em relação ao sistema político. Claro, tem muita coisa na Operação Lava Jato que é um processo criminal, que é interpretação, que pode ser mais ou menos dura em relação ao crime de corrupção, que envolve caixa 1, caixa dois, toda essa jurisprudência mais ou menos pesada em relação a essa agenda de combate ao crime. Mas associada à Operação Lava Jato tem também uma proposta de moralização da política que no meu entender é bastante negativa.

P. Como esse superpoder do Supremo pode interferir nessas eleições?
R. Já está interferindo. Eu não tenho dúvida de que essas eleições estão pautadas talvez mais pelo Supremo Tribunal Federal do que pelo próprio sistema político. A gente tem um pré-candidato à presidência que teve seu caso julgado recentemente, que é o Lula, que teve seu caso julgado no Supremo e em razão disso foi preso e está cumprindo provisoriamente a sua pena. Outro pré-candidato à presidência da República muito bem colocado nas pesquisas, o Bolsonaro, já responde a um processo no Supremo, que é o crime de injúria contra a deputada Maria do Rosário [em 2014, Bolsonaro disse à deputada petista que não a "estupraria" porque ela "não merecia], e ele também pode ficar fora da disputa presidencial caso seja condenado, e tem uma nova denúncia agora apresentada pela Procuradoria Geral da República que ainda não foi julgada pelo Supremo [a PGR apresentou no último dia 13 uma denúncia contra Bolsonaro pelo crime de racismo. Em abril de 2017, o deputado disse em uma palestra que quilombolas "não servem nem para procriar"].

P. E são esses dois pré-candidatos que estão liderando as pesquisas.
R. Pois é. É evidente que tem uma relação muito grande do Supremo com as eleições. Há uma terceira figura relevante agora que é o Aécio Neves (PSDB) que se tornou réu. Além de outras várias decisões que mudaram drasticamente a maneira das eleições, como, por exemplo, a proibição do financiamento privado de campanha. São muitas decisões sobre o sistema eleitoral e essas decisões hoje, especificamente as que se referem à Operação Lava Jato, estão pautando o cenário eleitoral.

P. Isso poderia ser o reflexo de uma crise institucional?
R. Sem dúvida. Uma das coisas que foram reveladas durante esse processo é o grau de promiscuidade de parte da nossa classe política, mas isso não pode servir de pretexto para que o direito substitua a política. Claro, todos esses casos devem ser investigados e devidamente punidos, mas não se pode permitir que o judiciário escolha quem governa e quem pode ser eleito. Isso gera problemas muito grandes para a qualidade da nossa democracia. E o que a gente vê hoje é que de fato, com este grau de abrangência do Supremo e da Operação Lava Jato, tudo é decidido no âmbito do Judiciário.

P. E neste contexto, temos um ex-presidente do Supremo que nem lançou a sua pré-candidatura e já aparece nas pesquisas com 10% das intenções de voto. Como você enxerga a possível candidatura de Joaquim Barbosa?
R. Ele se tornou uma figura bastante popular em razão talvez desta postura bastante dura na ação penal 430, o mensalão. E isso não é só o caso de Joaquim Barbosa. Se a gente analisar o fenômeno que se desenvolveu em torno da figura de Sérgio Moro é algo muito parecido. E isso é um reflexo deste debate que eu estou trazendo: o judiciário tem uma agenda de moralização da política onde a política passa a ser vista como algo sujo, eminentemente corrupto, onde o próprio sistema presidencialista passa a ser acusado de algo criminoso, onde ações que não são criminosas, mas são políticas, passam a ser enxergadas como algo ruim. E aí tem a substituição da via da política por esses heróis do judiciário. Me parece que é um movimento natural dessa agenda que tem sido encampada pela Procuradoria Geral da República, pelo Ministério Público -e isso é importante que se diga- mas completamente abraçada pelo judiciário.

P. Qual balanço você faz sobre a alteração da jurisprudência para prisão em segunda instância?
R. Eu sou muito crítica a essa posição do Supremo. Primeiro porque a Constituição é bastante clara. Não bastasse a Constituição, há também o Código de Processo Penal que é ainda mais explícito em relação à possibilidade de prisão até o trânsito em julgado. O tribunal que ignora uma garantia que se tem da Constituição em nome de uma suposta necessidade de se realizar justiça é algo inadmissível. Além disso, o nosso sistema de justiça é seletivo. As pessoas pobres e negras são alvos preferenciais e isso faz com que as nossas prisões sejam lugares absolutamente desprovidos de qualquer condição humana de se manter uma pessoa ali. Portanto, não há nenhuma razão para se acreditar que essa medida tomada pelo Supremo também não será afetada pela seletividade. Permitir prisão em segunda instância, inclusive sem aguardar até o habeas corpus, é bastante preocupante. E é evidente que, sendo o nosso sistema de justiça seletivo, essa medida também será aplicada seletivamente.

P. Acha que essa alteração colaborou para superlotar os presídios ou reduzir a corrupção?
R. Não. A gente não pode afirmar que isso especificamente tenha gerado superlotação. A causa principal de superlotação nos presídios ainda está associada à prisão antes de qualquer sentença. Entre 30% e 40% das pessoas que estão nos presídios sequer receberam sentença. Estamos falando de um sistema que funciona muito mal. Você não vai melhorar esse sistema simplesmente antecipando a pena com trânsito em julgado.


El País: O que a Lava Jato mudou na Justiça brasileira, e o que STF pode reverter

Quando prender, como interrogar e a forma de investigar se moldam ao "padrão Lava Jato" Brasil afora. Mas a maneira como as alterações ocorreram são criticadas por quem enxerga punitivismo excessivo

"Esse caso que fica em 3 a 2... Sinceramente, o Ministério Público fica até constrangido. Como que eu vou começar o início da execução em segundo grau com um julgamento tão apertado desde o início do recebimento da denúncia?", disse o procurador do Ministério Público de Minas Gerais Antônio Pádova Marchi Júnior após o julgamento dos embargos infringentes do ex-governador Eduardo Azeredo, na terça-feira. Pádova pediu a prisão do grande símbolo do mensalão tucano, mas está tendo de explicar até agora o constrangimento que manifestou ao fazê-lo. O desfecho desse e de outros casos espalhados pelos tribunais federais e estaduais do país provavelmente seria outro sem a existência da Operação Lava Jato.

Outro caso: depois que o processo da Lava Jato contra o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi encaminhado para a Justiça Eleitoral em abril, contrariando pedido do Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual de São Paulo chamou o caso para si, e abriu um inquérito civil por conta própria para investigar o caso. O mesmo voluntarismo em nível estadual pode ser visto no Rio de Janeiro, onde o Ministério Público local acabou provocado pelos processos do Ministério Público Federal que diziam respeito a serviços estaduais. Bem ao estilo agressivo e obstinado da força-tarefa da Lava Jato, uma série de processos decorrentes da operação desmontou o MDB fluminense.

Para a procuradora federal Silvana Batini, que atua na operação no Rio, essas podem ser consideradas reverberações do "padrão Lava Jato", que se consolidou para além do caso no Ministério Público Federal. A Lava Jato estaria forçando uma integração entre os ministérios públicos federal e estadual, além de ampliar as estruturas de cooperação internacional. Além disso, a operação motivou mudança de parâmetros no sistema jurídico nacional. "A prisão preventiva, que antes estava muito ligada à questão de periculosidade e a crimes praticados com violência, agora passou a ser trabalhada no crime de colarinho branco nas primeira e segunda instâncias e até no STJ [Superior Tribunal de Justiça]", comenta.

Outra grande vitória da agenda Lava Jato é a possibilidade de prender após condenação em segunda instância, uma luta de anos do Ministério Público Federal, com estudos publicados desde 2009. "Quando muda, muda estimulado pelo evento Lava Jato, mas ela [a operação] não caiu do céu. Ela é fruto de uma evolução institucional", diz Batini, que também defende a condução coercitiva, outra grande polêmica da operação. "É uma medida mais branda que a prisão temporária, e a gente viu isso acontecer na Operação Skala". A procuradora se refere ao caso em que pessoas próximas ao presidente Michel Temer, como o ex-assessor da Presidência José Yunes, foram presas para dar depoimento. "Eles ficaram presos por 48 horas, quando poderiam ter ficado cinco ou seis", argumenta Batini.

Na Operação Skala, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a prisão temporária de José Yunes e do ex-coronel da Polícia Militar de São Paulo João Batista Lima porque não podia pedir a condução coercitiva. Em dezembro passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes vetou liminarmente esse tipo de procedimento. O plenário do STF deve julgar em definitivo no dia 30 de maio esse dispositivo, que foi usado livremente pela força-tarefa da Lava Jato até que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornasse alvo dela. Esse será apenas mais um dos embates que vêm sendo travados apaixonadamente na Corte Suprema em decorrência da expansão do "padrão Lava Jato".

Insegurança jurídica
O STF decidiu em 2016 que a pena de um condenado pode começar a ser cumprida a partir da condenação em segunda instância. Em 2009, a decisão de um STF composto por outros ministros tinha sido em sentido contrário, de cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado — ou o último recurso possível, no próprio Supremo. Apesar do pouco tempo após a última decisão sobre o assunto, alguns ministros foram substituídos desde então e a questão permanece rondando o tribunal em duas ações diretas de constitucionalidade.

O Supremo também tem se debatido com os parâmetros para a concessão de habeas corpus e mesmo sobre a possibilidade de um ministro alterar a decisão de um colega. As trocas de críticas públicas durante as sessões e por meio da imprensa opõem dois grupos mais amplos: aqueles que acham importante "ouvir a voz das ruas" e os legalistas, mais interessados em respeitar garantias de direitos dos condenados e investigados.

No plenário do tribunal, têm favorecido decisões que contemplam o primeiro grupo, ao contrário do que ocorre na Segunda Turma, onde a maioria dos processos da Lava Jato são julgados. Isso levou ao desenvolvimento de uma estratégia pelo relator dos processos, Edson Fachin. Em vez de encaminhar os casos mais relevantes para a Segunda Turma, ele tem optado por mandá-los direto para o plenário, onde a apertada maioria de seis a cinco tende a combinar com seus pareceres. A lógica deve mudar a partir de setembro, quando o ministro Antônio Dias Toffoli, entre os garantistas, assume a presidência da Corte, e a atual presidenta, Cármen Lúcia, vai para o lugar dele na Segunda Turma: Toffoli controlará a pauta do tribunal, mas a pequena maioria da turma, de três a dois, passará para o lado de Fachin.

"Hoje, para entender o plenário do Supremo, só com bola de cristal", resume o advogado Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP. Ele atribui boa parte as mudanças processuais provenientes da Lava Jato à utilização da opinião pública pelos procuradores. "A Lava Jato soube usar essa pressão popular para gerar um constrangimento para que os tribunais não pudessem ir contra uma opinião pública ou publicada. O Supremo foi deixando até uma certa hora. Por que teve de fazer um freio de arrumação? Porque deixou o bonde desgovernar. Se os procuradores querem [alterar procedimentos], têm de bater na porta do Congresso, não na porta do Supremo", critica.

Segundo Badaró, alguns vão dizer que os ministros começam a tomar medidas como a que retirou do juiz Sérgio Moro a delação da Odebrecht que citava Lula porque os casos chegaram em determinados políticos, enquanto outros vão dizer que o tribunal simplesmente percebeu que foi longe demais ao atender aos clamores populares. Mas o fato é que o Supremo tem pretendido resolver o que está além de sua alçada em alguns casos, e nem todas as decisões podem ser avaliadas a partir da mesma perspectiva. Para o advogado, Gilmar Mendes apenas "restringiu algo que nem deveria existir" ao proibir as conduções coercitivas, porque a legislação brasileira não admite condução coercitiva com a finalidade para a qual vinha sendo utilizada.

O professor da USP considera que a mudança mais relevante motivada pela Lava Jato é a perda da possibilidade de um condenado em segunda instância de apelar sobre o motivo de sua prisão. "Eu podia ir ao Supremo discutir se ele estava ou não ameaçando testemunha, se havia risco de fuga, se havia possibilidade concreta de reiteração delitiva. Quando a execução começa a partir do segundo grau, essa pessoa não está presa porque a prisão é necessária, mas porque está cumprindo a pena, ainda que possa ser absolvida depois".

Quando o STJ negou habeas corpus preventivo a Lula em março, seu advogado e ex-ministro do STF Sepúlveda da Pertence disse que o tribunal "preferiu manter-se na posição punitivista em grande voga no país". Nesta sexta-feira, quem reclamou foi o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, ao saber pelo noticiário da intenção de ministros do STF de investigar o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima por suas críticas ao Supremo. "Não são críticas que mancham imagem do tribunal, mas posturas como a do M. G. Mendes [ministro Gilmar Mendes], q vive atacando injustamente a Lava Jato e seus agentes, como o procurador Janot, o juiz Moro e procuradores de Curitiba. Como querer impor a outros limitações q tal Ministro não impõe a si?", escreveu Dallagnol em seu perfil Twitter. Quatro anos depois de começar, a Lava Jato não parece se intimidar com os limites que se avolumam no seu entorno à medida em que avança.

 


Míriam Leitão: O passo seguinte

Com a iminente prisão do ex-presidente Lula fica mais dramático o dilema em que o país está. Há uma jurisprudência que está levando Lula à prisão, mas que depois pode vir a ser alterada. Líderes de outros partidos também enfrentam processos. Neste caso, como ficará o país, as leis e a Justiça se na hora dos outros estiver em vigor entendimento diferente?

Esse dilema fortalece a manutenção da prisão após a segunda instância e não o contrário. A jurisprudência atual deve ser mantida não para resolver esse impasse criado pelas circunstâncias difíceis vividas pelo país. O principal motivo de se confirmar a segunda instância é que essa é a forma de lutar contra a longa história de impunidade e desigualdade judicial do país. Isso ficou claro na pesada sessão do STF. Os dois lados no Supremo esgrimaram durante 11 horas. Mas foram mais convincentes os que defendiam a manutenção da regra de que a pena se cumpre após as duas instâncias que julgam o mérito, analisam as provas e a autoria do crime. A primeira e a segunda instâncias são as únicas que têm “cognição plena de matéria jurídica e fática”, como disse o ministro Alexandre de Moraes. Os outros níveis da Justiça discutirão pontos específicos e questões processuais.

As estatísticas apresentadas pelo ministro Luís Roberto Barroso são impressionantes. Preparadas pela Assessoria de Gestão Estratégica, mostram que de janeiro de 2009 a meados de 2016 foram apresentados 25.707 recursos extraordinários ou agravos. Foram acolhidos apenas 2,93%, e só 1,12% foram a favor do réu. Houve somente 9 absolvições, ou 0,035%. A Coordenadoria de Gestão de Informação do STJ informou que, de setembro de 2015 a agosto de 2017, foram 68.944 recursos interpostos. Apenas 0,62% obtiveram absolvição. “Não se pode moldar o sistema em função da exceção”, concluiu o ministro. Os números e os fatos lhe dão razão.

Os que têm a visão de que só esgotados todos os recursos é que se pode iniciar o cumprimento da pena não conseguem responder a várias questões. Como evitar as inúmeras manobras protelatórias? Como ignorar a realidade brasileira, em que a tramitação é lenta, em que os tribunais superiores não conseguem entregar com agilidade suas decisões? Como evitar que os que conseguem bons advogados possam dilatar o tempo do cumprimento da pena ao ponto da prescrição? Em que país a visão de presunção de inocência é assim tão fundamentalista? O ministro Celso de Mello falou em Itália e Portugal. Parecem exceções em um vasto número de países que têm outro entendimento.

Números, fatos e, principalmente, a realidade brasileira mostram que fazem mais sentido os argumentos pelo início da execução da pena após o encerramento do julgamento de segundo grau. Não é razoável o tempo de anos entre o crime e o início do cumprimento da condenação. A tese de que há no Brasil uma “onda de punitivismo” não se sustenta minimamente. O que existe no Brasil é a impunidade dos que são mais fortes. Sempre foi assim.

Mas o que está claro é que essa regra de prender após a condenação em segundo grau pode ser mudada em breve. Quando? Não se sabe. Mas se for alterada em curto prazo, Lula terá vivido o constrangimento do qual outros podem ser poupados. Quando estiver em pauta, a ministra Rosa Weber estará de novo, involuntariamente, nos holofotes. Ela deixou no ar que pode voltar ao seu entendimento se a questão de fundo for apreciada. Enquanto não for oficialmente mudada, ela continuará negando os habeas corpus.

Então, no país das divisões, haverá mais uma: a dos que foram julgados e, eventualmente, presos, no entendimento de 2016, e os que podem vir a ser beneficiados se o STF restabelecer a jurisprudência que vigorou por apenas sete anos no país, entre 2009 e 2016.

O ex-presidente Lula está no primeiro grupo e sua cela já foi preparada. Onde estarão os outros políticos que futuramente podem ser condenados? Onde estará, por exemplo, o senador Aécio Neves, que foi alvo de denúncia da Procuradoria-Geral da República por ter pedido R$ 2 milhões a Joesley Batista, em conversa gravada pelo próprio empresário? São inúmeros os casos. É grave o momento que o país vive. Não pode haver uma jurisprudência presente, e outra ameaçando o futuro.


Roberto Freire: Lula e a lei

Enquanto o Brasil aguarda pelo julgamento do ex-presidente Lula pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), em Porto Alegre, que analisará o recurso apresentado pelos advogados do petista contra a condenação a 9 anos e 6 meses de prisão, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, proferida pelo juiz Sergio Moro em primeira instância no processo referente ao rumoroso caso do triplex no Guarujá (SP), ficam cada vez mais evidentes o desespero do lulopetismo em relação ao futuro de seu principal líder e as constantes e desmedidas agressões do PT ao Poder Judiciário brasileiro e às instituições democráticas do país.

Nas últimas semanas, à medida que se aproxima o julgamento marcado para o dia 24 de janeiro, não foram poucos os próceres lulopetistas que se manifestaram abertamente contra o que vêm chamando de “rito de exceção” contra Lula, como se houvesse um complô com o objetivo de afastar o ex-presidente das eleições e consumar um “golpe” – mesmo termo utilizado de forma desavergonhada no período em que Dilma Rousseff foi afastada por meio do impeachment. São inúmeros os relatos de ameaças e tentativas de intimidação contra os desembargadores do TRF-4, além de palavras de ordem e gritos de guerra que indicam a possibilidade de haver quebra-quebra e atos de vandalismo caso o recurso de Lula seja rechaçado. Os bate-paus do lulopetismo não têm limites, demonstrando uma vez mais total descompromisso com as instituições republicanas e a própria democracia.

Trata-se, ao fim e ao cabo, de uma inútil e patética tentativa de mobilizar a militância do PT e seus simpatizantes, desqualificando o processo na hipótese de uma eventual condenação do ex-presidente também em segunda instância – o que parece cada vez mais provável diante da amplitude de seus crimes e das provas apresentadas pelo Ministério Público e corroboradas pelo juiz Moro na sentença. Até parece que Lula é inimputável ou está acima da lei. Nada mais autoritário ou antidemocrático do que essa interpretação.

Em alguns casos, é perceptível que se trata de certo desespero de áulicos do lulopetismo em relação à iminente condenação do grande símbolo do partido. Em outros, no entanto, talvez a grande maioria das lideranças do PT, o que se vê é claramente a intenção de solapar e até mesmo derrubar a ordem democrática vigente no país, o que nos faz recordar do período de tão triste memória da ditadura militar. É uma postura totalmente irresponsável, para dizer o mínimo.

É evidente que se trata do óbvio, mas diante de tamanha desfaçatez e da afronta do PT às instituições é importante reforçar: Lula não tem salvo conduto, assim como nenhum dos cidadãos brasileiros, para praticar crimes. A Lei da Ficha Limpa (LC 135/2010) é cristalina e não deixa margem para qualquer tipo de dúvida: em caso de condenação por um tribunal colegiado, como o TRF-4, o possível candidato se torna “ficha suja” e fica impedido de disputar eleições. Além disso, há um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que um condenado em segunda instância já pode iniciar o cumprimento de sua pena (no caso de Lula, provavelmente em regime fechado, se a sentença de Moro for referendada pelo TRF-4) enquanto apela às instâncias superiores do Judiciário. Vem daí, muito provavelmente, o desespero e o descontrole da militância lulopetista.

Como se não bastasse a mobilização do PT, também os aliados não declarados do partido, como o PSOL, já se manifestaram em uma nota oficial divulgada há alguns dias que faz coro à narrativa delirante e mentirosa de que “eleição sem Lula é fraude”. No texto, a legenda – que se diz oposição ao lulopetismo, mas costuma cerrar fileiras ao lado e Lula e seus liderados em momentos cruciais – defende o direito de o ex-presidente ser candidato mesmo se condenado pelo TRF-4, descumprindo a Lei da Ficha Limpa.

Por mais que o lulopetismo e seus satélites esperneiem sobre o que pode acontecer em Porto Alegre no dia 24, a ordem democrática do país está preservada e as instituições estão em pleno funcionamento. Se condenado, o ex-presidente não poderá participar do processo eleitoral e, mais do que isso, deverá iniciar o cumprimento da sentença na cadeia. É o que esperam os brasileiros de bem, a imensa maioria da população tão ultrajada pela roubalheira perpetrada pelo PT durante mais de 13 anos. Que se cumpra a lei. Lula não está acima dela.

 

 


Merval Pereira: Força externa

No momento em que vários movimentos contrários à Operação Lava-Jato, no Legislativo e no Judiciário, tentam conter as investigações contra a corrupção, vem do exterior o reconhecimento dos que fizeram dela um dos mais importantes trabalhos contra a corrupção já realizados.

A força-tarefa coordenada pelos procuradores da República em Curitiba foi reconhecida ontem, mais uma vez, como o órgão de investigação criminal do ano pelo prêmio da Global Investigations Review, o mesmo que já havia vencido em 2015.

E o juiz Sergio Moro, responsável pelos processos de primeira instância da Operação Lava-Jato, será, em maio de 2018, o orador convidado da 173ª turma de formatura da Universidade de Notre Dame, nos Estados Unidos, papel que já foi desempenhado em outras ocasiões pelo ex-presidente americano Barack Obama e o ex-secretário-geral da ONU Kofi Anan.

Sergio Moro havia sido homenageado em outubro com o Prêmio Notre Dame, o mesmo já concedido, entre outros, à Madre Teresa de Calcutá e ao ex-presidente americano Jimmy Carter e sua mulher, Rosalynn. O prêmio é “entregue periodicamente para homens e mulheres cuja vida e obra demonstram dedicação exemplar aos ideais pela qual a Universidade preza”. (...) “Os homenageados previamente com o Prêmio Notre Dame, cada um à sua maneira, atuaram como pilares de consciência e integridade, suas ações beneficiando seus compatriotas e, através de seus exemplos, o mundo inteiro, quando se comprometeram com a fé, a justiça, a paz, a verdade e a solidariedade com os mais vulneráveis”, informa a Universidade.

Ao receber o prêmio, o juiz Sergio Moro fez uma afirmação que já se tornou emblemática: “(...) há razões para acreditar que a era dos barões da corrupção está chegando ao fim no Brasil.”

O procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, ao anunciar a premiação da força-tarefa de Curitiba no Facebook, disse que o maior prêmio seria “resgatar o país das mãos de um sistema político criminógeno. (...) mais que prêmios, precisamos de mudanças. De outra forma, daqui a alguns anos, estaremos diante do mesmo descalabro que vemos hoje na política brasileira”.

O presidente da Universidade Notre Dame, reverendo John I. Jenkins, diz que o juiz Sergio Moro tem os valores para inspirar os estudantes. “Foi um privilégio encontrar e conversar com o juiz Sergio Moro no início de outubro. Ele serve como um claro exemplo de alguém que vivencia os valores que buscamos inspirar nos nossos estudantes. Estou grato que ele tenha aceitado nosso convite e estou certo de que ele aportará observações valiosas para nossos formandos da classe de 2018. Sua mensagem sobre integridade e o estado de direito e o seu exemplo de corajosa busca pela justiça são enormemente necessárias em nossos tempos. Nossos estudantes, suas famílias e convidados serão inspirados ao ouvir o juiz Moro”, comentou ao anunciar o convite.

“Mais do que um reconhecimento internacional, existe o crescimento de um movimento anticorrupção no mundo inteiro e, em especial, na América Latina. Neste caso, em parte, influenciado pela Lava-Jato (vide Argentina, Peru e Colômbia). Seria no contexto em que o Brasil aparece como exemplo no mundo que sofremos aqui retrocessos,” avaliou Moro.

Correção
A reunião de Lula com Joesley Batista sobre o impeachment de Dilma não se realizou em um hotel em Brasília, como escrevi na coluna de sábado, mas na casa do empresário em São Paulo, segundo denúncia do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha.

Em carta redigida de próprio punho na cadeia em Curitiba, Cunha citou um encontro entre ele, Joesley e o ex-presidente no ano passado. “Ele apenas se esqueceu que promoveu um encontro que durou horas no dia 26 de março de 2016, Sábado de Aleluia (anterior à Páscoa), na sua residência, entre mim, ele e Lula, a pedido de Lula, para discutir o processo de impeachment (de Dilma Rousseff )”.

Cunha afirmou que, no encontro, pôde “constatar a relação entre eles e os constantes encontros que mantinham.” Segundo o ex-presidente da Câmara, sua versão pode ser comprovada com o testemunho dos agentes de segurança da Casa, que o acompanharam, além da locação de veículos em São Paulo, que o teriam levado até lá.

 

 


Helena Chagas: A agenda oculta de Michel

A agenda pública de Michel Temer hoje é aprovar reformas no Congresso que ajudem a alimentar o clima de recuperação da economia e passar à história como um presidente reformista.

A agenda não declarada, mas prioritária, é uma só: não ir parar na cadeia a partir de 1 de janeiro de 2019, quando passa a presidência ao sucessor e, teoricamente, perde a proteção constitucional e a prerrogativa de foro inerentes ao cargo.

É real a possibilidade de Michel e seus auxiliares mais próximos no Planalto, como Eliseu Padilha e Moreira Franco, irem parar nas mãos de juízes como Sérgio Moro, Marcelo Bretas ou Vallisney Oliveira, dependendo do caso, para serem investigados e processados. Só para lembrar: o presidente já foi alvo de duas denúncias, temporariamente arquivadas, por corrupção, obstrução de Justiça e organização criminosa, e é investigado no inquérito que apura irregularidades no Porto de Santos.

A fogueira ganhou mais lenha com a decisão desta quarta do ministro do STF Edson Fachin de enviar a Moro as acusações por organização criminosa contra os demais personagens citados na segunda denúncia de Rodrigo Janot: Eduardo Cunha, Geddel Vieira Lima, Henrique Eduardo Alves e Rodrigo Rocha Loures. A leitura nos meios políticos e jurídicos é de que se trata de um aviso aos navegantes, e o ministro usa a palavra "suspensas" ao se referir às denúncias contra Temer, Padilha e Moreira, rejeitadas pelo plenário da Câmara.

Aliás, o argumento de que estavam apenas "suspendendo" o andamento do processo contra o presidente, a fim de preservar a economia do país, foi amplamente utilizado pelos deputados que votaram com o Planalto. Nos microfones, os que tiveram coragem de falar algo a mais do que a palavra "sim", explicavam que, encerrado o mandato, Temer será investigado.

Tudo indica que para valer, e pelo pessoal das prisões preventivas, das buscas e apreensões, das delações premiadas e dos julgamentos rigorosos da primeira instância.

É uma perspectiva suficiente para assombrar os 405 dias de governo que restam a Michel. Uma preocupação que já deflagrou, entre os mais íntimos, uma articulação para tentar resolver o assunto antes do fim do mandato. Como?

Só há dois jeitos de Michel manter o foro privilegiado do STF quando deixar a presidência - o que não lhe garante absolvição nem clemência, mas provavelmente o resguardaria de medidas extremas como a prisão preventiva e outras humilhações:

1) Sair candidato à reeleição ou a outro cargo eleitoral em 2018. Com popularidade de 3%, a reeleição não chega a ser uma hipótese. A candidatura poderia até ser um recurso para o presidente não virar o saco de pancadas de todos os candidatos presidenciais - ou, ao menos, ter espaço na campanha para se defender. Mas, como não seria reeleito, continuaria com o mesmo problema de perda do foro privilegiado - que, por outro lado, poderia ser mantido caso o Michel se elegesse para outro cargo, como deputado ou senador. Nesse caso, a eleição seria possível, tendo por trás a caneta e a máquina do PMDB. Mas há um sério problema: para concorrer em qualquer eleição que não seja para o mesmo cargo, ele teria que se desincompatibilizar, ou seja, deixar a Presidência da República, em abril do próximo ano. Quase impraticável.

2) Mudar a Constituição. Nada fácil para quem vê sua base minguar. Mas a ideia é incluir um rabicho no texto da PEC aprovada pelo Senado e em tramitação na Câmara limitando o foro privilegiado, que não valeria mais para crimes comuns de parlamentares e autoridades, com exceção dos presidentes da República, da Câmara, do Senado e do STF. A intenção seria incluir, entre vírgulas, os ex-presidentes da República na lista dos que vão manter a prerrogativa.

De quebra, beneficiaria todos os demais ex-presidentes da República, notadamente o ex-presidente Lula, o que poderia assegurar os votos do PT e de seus aliados a favor da mudança na PEC. Se aprovada, Lula sairia das mãos de Moro para as dos onze ministros do STF, alguns deles nomeados pelos governos do PT. Não é garantia alguma, mas pode fazer uma grande diferença - por exemplo, aquela que lhe daria a condição de ser candidato.

A discussão está restrita a poucos interlocutores, mas é nesse rumo que as coisas caminham. Michel pode ter virado pato manco, mas ainda tem alguma tinta na caneta e uma baita estrutura partidária. É incapaz de eleger o sucessor, mas pode influir e atrapalhar a vida de muita gente, sobretudo dentro da base aliada. É bom prestar atenção, porque todos os seus movimentos a partir de agora serão impulsionados pelas necessidades prementes dessa agenda oculta.

* Helena Chagas é jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação


Merval Pereira: Nas mãos do TRF-4

As decisões do Tribunal Federal de Recursos da 4ª Região chamam a atenção pelo rigor que sua 8ª Turma utiliza na reavaliação das condenações em primeira instância dos casos da Operação Lava-Jato, mas também dão margem a esperanças por terem absolvido, em duas ocasiões, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, depois de condenado pelo juiz Sérgio Moro.

O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha teria recuado de sua disposição de fazer uma delação premiada por, entre outras coisas, ter esperança de que o TRF-4 de Porto Alegre o absolva. Está nas mãos também dos três juízes da 8ª Turma — os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus — a candidatura de Lula à presidência da República em 2018.

Condenado em segunda instância, o ex-presidente ficaria inelegível pela Lei da Ficha Limpa, mas haverá uma ampla batalha judicial para tentar mantê-lo na disputa. Como já ressaltei aqui mesmo na coluna, além de não ser automática, dependendo da decisão do colegiado, segundo o Superior Tribunal de Justiça, a condenação de segunda instância, se não for por unanimidade, não se encerra antes que embargos sejam julgados.

Em liminar deferida pela presidente Laurita Vaz ficou definido que “acórdão de apelação julgado por maioria de votos não configura a confirmação da condenação em 2ª instância para fins de aplicação da execução provisória da pena”. Ela lembrou, ao julgar o recurso da defesa, que “na hipótese não se afigura possível a imediata execução da pena restritiva de direitos, pois, embora já proferido acórdão da apelação, o julgamento se deu por maioria de votos, o que, em tese, possibilita a interposição de embargos de declaração e infringentes.”

Mesmo que a Lei da Ficha Limpa se refira à condenação em segunda instância, não a embargos, existe a possibilidade de a defesa do condenado afirmar que se o STJ decidiu que o fato de ainda caber embargos infringentes significa que a segunda instância não foi esgotada, só se considera que há uma condenação em segunda instância quando esgotados todos os recursos cabíveis.

Todos esses recursos darão condições à defesa de Lula para postergar uma decisão final, tentando chegar a 15 de julho do ano que vem, quando começam, pela legislação eleitoral, as convenções para definir os candidatos. Há interpretações jurídicas de que, a partir da candidatura oficial registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não é possível mais embargá-la pela Lei da Ficha Limpa, embora o próprio TSE tenha definido que um candidato pode ser impugnado até mesmo depois de eleito.

Como a média de tempo para uma decisão do TRF-4 tem sido de dez a 12 meses, e a condenação de Lula chegou na corte de apelação somente 40 dias depois da sentença do juiz Sérgio Moro ter sido exarada, isto é, a 23 de agosto deste ano, é possível prever que a decisão da segunda instância deve se dar entre junho e agosto do próximo ano, em plena campanha eleitoral.

O ex-ministro José Dirceu teve sua sentença de segunda instância definida 15 meses depois de ser sido condenado pelo juiz Sérgio Moro. Como na maioria dos casos, o TRF-4 aumentou a pena dele em dez anos. Este Tribunal tem por norma determinar a prisão dos condenados em segunda instância, mesmo sendo essa decisão facultativa, de acordo com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF).

Dirceu continua em liberdade, com tornozeleira eletrônica, pois pode fazer recurso no próprio TRF-4. Depois poderá recorrer a instâncias superiores, mas provavelmente da cadeia. Os desembargadores do TRF-4 aumentaram em 218 anos o tempo de prisão estipulado pelo juiz Sérgio Moro desde o início da Operação Lava Jato, em fevereiro de 2014.

Pelas últimas estatísticas, 18 penas foram mantidas e 28 aumentadas. Em 11 vezes a pena foi diminuída, numa redução de 73 anos de prisão em relação às decisões da primeira instância em Curitiba. Em nove casos a absolvição foi mantida, e três absolvições anularam as sentenças do juiz Sérgio Moro, sendo o mais notório dos casos, o do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto.

 


Luiz Carlos Azedo: O time de Dodge

A nomeação de Branquinho foi um discreto recado para o Palácio do Planalto de que não haverá cavalo de pau na Operação Lava-Jato

A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, escalou a colega Raquel Branquinho para ser a nova supervisora da equipe de investigadores da Operação Lava-Jato. Sua tocaio, como dizem os gaúchos, comandará uma equipe de procuradores dedicados a essa tarefa, dos quais dois são remanescentes da equipe do ex-procurador-geral Rodrigo Janot: Maria Clara Barros Noleto e Pedro Jorge do Nascimento Costa. Acumula a função de secretária de Função Penal Originária no Supremo Tribunal Federal (STF), órgão que acompanha a Lava-Jato.

A nomeação de Branquinho foi um discreto recado para o Palácio do Planalto de que não haverá cavalo de pau na Operação Lava-Jato. Ou seja, a troca é mais ou menos como substituir o arco pela zarabatana: saem as flechas incendiárias e entram as setas envenenadas. São novos integrantes da equipe os procuradores José Alfredo de Paula Silva, novo coordenador do grupo, Marcelo Ribeiro de Oliveira, Hebert Reis Mesquita, José Ricardo Teixeira Alves e Luana Vargas Macedo. Como Branquinho, José Alfredo atuou na investigação do mensalão; também participou da Operação Zelotes.

O desafio é a transição da investigação da equipe de Janot para a de Dodge. O ex-coordenador da investigação Sérgio Bruno Cabral Fernandes foi escalado por Janot para a equipe de transição. Nos bastidores do Judiciário, a grande questão é a contaminação que possa ter havido nas investigações em decorrência da atuação do ex-procurador Marcello Miller, que deixou o Ministério Público Federal para atuar como advogado prestando serviços à JBS.

Advogados que atuam na Lava-Jato esfregam as mãos a cada relato da participação de Miller nas negociações de delações premiadas, como a de Fernando Baiano, por exemplo. A estratégia das bancas é utilizar o caso Miller para anular o maior número de provas possíveis. O Palácio do Planalto tenta anular as provas da primeira denúncia contra o presidente Michel Temer, que foi rejeitada pela Câmara, e forçar a devolução da segunda para a nova procuradora-geral. Além disso, quer transformar a CPI da JBS instalada na Câmara numa espécie de pelourinho para o ex-procurador Rodrigo Janot.

Existe massa crítica no Congresso para isso, mas também há uma opinião pública vigilante, que pressiona deputados e senadores toda vez que se articulam contra a Lava-Jato. Como esse é um jogo de perde-perde em termos eleitorais, o tempo corre a favor da Lava-Jato.

Pesquisas

Mesmo condenado a nove anos e seis meses de prisão pelo juiz federal Sergio Moro, de Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lidera todos os cenários para as eleições de 2018 na pesquisa CNT/MDA divulgada ontem pela Confederação Nacional de Transportes (CNT). Nas três simulações do primeiro turno, oscila entre 32% e 32,7% das intenções de voto. Jair Bolsonaro (PSC-RJ) passou de 11% para mais de 18% nos três cenários. Marina Silva (Rede) aparece em terceiro lugar em todos os cenários.

Ontem, o juiz Vallisney Oliveira, da 10ª Vara Federal de Brasília, aceitou denúncia contra Lula, que virou réu mais uma vez, por corrupção passiva. A situação do PSDB varia de acordo com o nome pesquisado: o senador Aécio Neves (MG) tem o apoio de apenas 3,2% dos eleitores, enquanto o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, e o prefeito paulistano, João Doria, têm 9,4% e 8,7% respectivamente. As intenções de voto no ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT) vão de 4,6% a 5,3%, dependendo do cenário.

Na pesquisa espontânea, Lula lidera com 20,2% das intenções de voto; Jair Bolsonaro tem 10,9%. João Doria vem em terceiro, com 2,4%. Na sequência, Marina Silva tem 1,5%; Geraldo Alckmin e Ciro Gomes, 1,2%; o senador Álvaro Dias (Podemos), 1,0%; o presidente Michel Temer (PMDB), 0,4%; e Aécio Neves, 0,3%. Do total, 37% se disseram indecisos, brancos e nulos somam 21,2% e outros são 2,0%. A pesquisa ouviu 2.002 pessoas e tem margem de erro de 2,2%.

Ou seja, tudo como antes, mas a pesquisa aumenta a pressão em relação à definição de candidatos majoritários. Enquanto o Palácio do Planalto empurra o assunto com a barriga, na base do governo atuam forças centrífugas, que tendem a se reposicionar em razão da reforma política e do fato de que as melhorias na economia não são capitalizadas pelo governo nem melhoram os índices de aprovação de Michel Temer. O estresse político maior é no PSDB, onde Alckmin e Doria se digladiam.

(Coluna de 20 de setembro de 2017)


Roberto Freire: Narrativas que caem  

Como se não bastasse o desmantelo econômico e moral legado ao país após 13 anos de governo, o lulopetismo se caracteriza pela construção de narrativas falaciosas que distorcem a realidade e tentam confundir ou mesmo ludibriar a opinião pública. Felizmente, à medida que deixamos para trás esse período de triste memória que tanto infelicitou o Brasil, as mentiras enfileiradas por aqueles que não têm nenhum compromisso com os fatos vão sendo desmascaradas uma a uma, o que só comprova o tamanho da desonestidade que marcou a atuação do PT no poder.

A mais nova narrativa a cair por terra, a partir de um estudo de repercussão internacional, é a de que teria havido uma forte redução da desigualdade durante o período em que Lula e Dilma Rousseff governaram o país. Segundo um levantamento feito pelo World Wealth and Income Database, instituto de pesquisa codirigido por Thomas Pikety – renomado economista francês e autor do já icônico “O Capital no Século XXI” –, os 10% mais ricos da população brasileira aumentaram sua fatia na renda nacional de 54% para 55%, enquanto os 50% mais pobres viram sua participação oscilar de 11% para 12%.

O crescimento econômico registrado nesse período não teve praticamente nenhum impacto na redução da desigualdade, que se manteve estável entre 2011 e 2015 e permanece em “níveis chocantes”, de acordo com a pesquisa. Isso se deu em função de 61% da expansão registrada pela economia brasileira ter sido capturada pelos 10% mais ricos, ao passo que os 50% mais pobres foram beneficiados com apenas 18% desse avanço. Os resultados apresentados vão de encontro ao que os pesquisadores brasileiros Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro, da Universidade de Brasília (UnB), já haviam apontado em estudo sobre a estabilidade no nível de desigualdade no país entre 2006 e 2012.

Como se vê, desta vez com o respaldo de dados colhidos por meio de pesquisas, o propagado avanço social cantado em prosa e verso por Lula e Dilma se resumiu a um símbolo midiático, o Bolsa Família, que jamais deixou de ser um mero instrumento de transferência de renda – e não uma ferramenta que permitisse, verdadeiramente, uma profunda transformação no Brasil.

É evidente que, para aqueles mais desassistidos e que vivem de forma muito precária, o programa proporciona uma melhoria imediata que não pode ser desconsiderada. Entretanto, não há como negar que se trata de uma solução paliativa, um remendo incapaz de mudar a realidade de milhões de brasileiros em situação de pobreza. Tanto é assim que basta uma primeira grave crise econômica, como esta que vivemos hoje e da qual finalmente começamos a sair depois de tanto sacrifício, para que as pequenas conquistas obtidas até então se esvaiam.

Além de não terem oferecido aos brasileiros mais pobres a possibilidade de transformarem a sua realidade de vida, os governos lulopetistas se revelam quase como uma contrafação do pensamento mais progressista e avançado da esquerda brasileira – que foi às ruas, por exemplo, para defender as reformas de base propostas pelo então presidente João Goulart no início dos anos 1960. Hoje, o PT e seus satélites, PCdoB e PSOL, tomam as ruas para repudiar toda e qualquer proposta de reforma. Não há nada mais conservador e até mesmo reacionário do que tal comportamento.

A desfaçatez, lamentavelmente, não se restringe à área social. Não podemos nos esquecer do desastre moral e ético dos governos petistas, escancarado pelo saque aos cofres públicos revelado diuturnamente pelas investigações da Operação Lava Jato. Atônita, a sociedade acompanha a sucessão interminável de escândalos, denúncias, indiciamentos e até condenações envolvendo os próceres do PT – especialmente Lula, o “chefe” de uma estrutura que, para o Ministério Público, a Polícia Federal e o juiz Moro, funcionava como uma sofisticada organização criminosa.

O nível de degradação da esquerda lulopetista foi de tal ordem que permitiu o recrudescimento de uma extema-direita preconceituosa e intolerante, como raras vezes se viu no Brasil - talvez jamais com essa intensidade. Essas forças autoritárias e reacionárias se organizam politicamente e vêm ganhando terreno, inclusive com vistas às eleições gerais de 2018. Isso só reforça a necessidade de construirmos uma alternativa no campo do centro democrático para livrar o Brasil de uma disjuntiva entre simpatizantes do regime de Nicolás Maduro na Venezuela, por um lado, e entusiastas das torturas praticadas pela ditadura militar brasileira nos anos de chumbo, por outro.

É necessário apresentar ao país um projeto nacional de desenvolvimento que dê condições para que a realidade econômica e social mude efetivamente - e não apenas de forma paliativa. Precisamos de menos propaganda e mais propostas. De menos narrativas e mais ações concretas. Fundamentalmente, de mais dignidade no trato da coisa pública e respeito pelo cidadão.

 


Maria Cristina Fernandes: O pavio de Lula

Mais grave que Lula não ser candidato, é a perda de relevância

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva dispensou tanto a gravata verde-amarelo quanto o avião do amigo que usara no primeiro depoimento. Tomou um litro de água na primeira meia hora. Desde o câncer, explicou, passou a secar sua garganta com mais frequência. Desde o primeiro interrogatório do juiz Sergio Moro, em maio, também encurtou seu pavio.

O depoimento do ex-ministro da semana passada e o abrigo já demonstrado pela segunda instância às suas sentenças facilitaram a vida do juiz, que só derrapou ao sugerir que Lula estivesse rancoroso. O ex-presidente perdeu o humor e a fleuma com a qual dera lições de política a Moro em maio. Deixou-se encurralar com mais facilidade e irritação. Revelou conselhos como o recebido de um ex-presidente - "Se quiser fazer as coisas e não ser bisbilhotado, não converse por telefone, nem em restaurante, caminhe com a pessoa e vá falando na estrada". E foi obrigado a engolir a repreensão do juiz para que não voltasse a chamar a procuradora que o inquiriu de 'querida'.

Lula tenta se equilibrar entre a liberdade e o legado político, mas o depoimento mostrou que custa a manter a frieza de estrategista que sempre o caracterizou. O pavio de Lula não se consumiu à toa, mas talvez não seja mais suficiente para fazê-lo candidato ou, ainda, elegê-lo novamente presidente.

Lula encurralado é talvez o dado mais relevante para o modelo de país que está por ser avalizado pelas urnas de 2018. Não apenas pela perda de competitividade do mais importante partido de esquerda do país, mas, principalmente, pela ausência de relevância da legenda nos rumos do país.

Esta é uma das principais teses de artigo, ainda inédito, da professora (USP/Cebrap) Marta Arretche, "Democracia e redução da desigualdade econômica no Brasil: a inclusão dos outsiders". Ainda não há dado empírico ou discurso político capaz de contestar o fato de que os anos petistas foram o de maior queda na desigualdade do país da redemocratização. Os novos estudos feitos a partir do Imposto de Renda, pago não mais que por 17% da população, mostram que o topo dos contribuintes e sua base avançaram igualmente na apropriação da renda enquanto a classe média refluiu.

A constatação ajuda a entender os movimentos iniciados em 2013, mas é insuficiente para explicar o que aconteceu com os demais 83% da população, beneficiada por políticas públicas, e não apenas dos governos do PT. A métrica que ignora o impacto de educação, saúde e saneamento parece inapropriada para países que ainda custam a universalizar essas políticas, como o Brasil.

Os governos do PT contribuíram mais com a redução da desigualdade porque promoveram uma maior valorização do salário mínimo e expandiram, sob o chapéu do Bolsa Família, programas sociais criados no governo anterior. Mas não foi o partido que inaugurou esse processo de inclusão. O artigo relembra que o período entre o pós-guerra e o golpe de 1964 ainda é o de maior avanço na queda de desigualdade. A ditadura não o estancou. A entrada maciça das mulheres no mercado de trabalho nos anos 1970 fincou estacas adiante.

O passo mais largo, porém, só viria com a Constituição de 1988, pela vinculação de todos os benefícios ao salário mínimo e pela fixação de patamares obrigatórios de gastos com educação e saúde. Avançou ainda com a expansão do voto para os analfabetos, que aumentou a pressão, sobre a arena eleitoral, de contingentes em busca de um ingresso para o longo e arrastado espetáculo da inclusão.

Quando esses avanços foram registrados, a esquerda somava menos de 10% das cadeiras na Constituinte. Perdida ante a possibilidade de Lula ser excluído da cédula eleitoral, a esquerda não vai encontrar rumo sem se curvar à tese arredondada no artigo de que setores conservadores da política brasileira tinham a percepção de que a democracia não seria sustentável se não comportasse políticas de combate à pobreza.

O PT surgiu na política em contraposição a um sindicalismo tradicional que resistiu a políticas universalizantes como a extensão da Previdência Social para os excluídos do mercado formal de trabalho. Sobreviverá com menos dificuldade a um ciclo eleitoral que tende a privilegiar um discurso de derrubada de barreiras ao investimento se conseguir identificar aliados no mercado partidário à tese de que a retomada do crescimento não pode se dar pela exclusão.

A busca desta convergência está longe de ser fácil. Primeiro porque o foco exclusivo na renda apropriada pelo 1% mais rico descuida das contradições inerentes às disputas do resto do bolo. Um exemplo disso é a apoplexia com a falta de reação da sociedade à reforma trabalhista. A esquerda, como lembra Marta Arretche, finge desconhecer o contingente de pessoas ocupadas que já não têm os benefícios da CLT, que dirá as prerrogativas dos estatutários.

A maioria dos eleitores continuará a votar por políticas redistributivas enquanto sua fatia no bolo for desigual. Suas preferências, no entanto, estão longe de ser homogêneas. Apenas deixarão de ser relevantes se houver mudanças no sistema que transforma voto em mandato. Daí a centralidade das regras para 2018 em tramitação no Congresso. Mais importante que o fundão público que tende a perpetuar a atual representação no Congresso são as regras que preservem a vontade da maioria eleitoral e os estímulos à convergência na política.

Dessa convergência depende a sobrevivência da esquerda como força política relevante. É inegável que sua presença na competição eleitoral pressionou partidos de centro e de direita a atender a demandas da maioria, como se viu em muitas das políticas de um Fernando Henrique Cardoso sempre acossado pelos petistas.

A velocidade com a qual a esquerda promoveu inclusão não lhe conferiu passaporte para reproduzir vícios históricos na ocupação do Estado. Seu enfraquecimento na arena eleitoral, porém, não contribui para a preservação dos interesses da maioria. O pós-Lula depende, em grande parte, da habilidade da esquerda em identificar os novos interesses e convergências de uma sociedade em que um terço dos brasileiros ingressou no mercado eleitoral depois de sua maior liderança ter chegado ao poder.

O ex-presidente teve o melhor momento do depoimento quando disse que Palocci deixou o governo porque não era possível um ministro da Fazenda brigar com um caseiro. Foi a primeira vez que falou isso publicamente. O político que até hoje melhor conheceu o povo brasileiro custou a se dar conta de que #somostodoscaseiros.


Raymundo Costa: Depoimento é decisivo para candidatura Lula  

Ex-presidente chega acuado e abatido a Curitiba. A quarta-feira 13 pode ser o Dia D da candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva às eleições de 2018.

Lula presta depoimento amanhã ao juiz Sergio Moro, em Curitiba, acuado pelas revelações feitas há uma semana por Antonio Palocci, ministro da Fazenda e da Casa Civil nos governos do PT, segundo as quais Lula estava no centro do esquema de corrupção da Petrobras e autorizou a cobrança de propina para financiar a campanha à reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff.

Se o ex-presidente se enrolar na presença de Sergio Moro, não deve ser candidato em 2018 por mais que esteja legalmente habilitado. Se for bem, pode começar por Curitiba mesmo a caravana programada para a região Sul do país, a exemplo da que liderou no Nordeste, encerrada no dia 5 em São Luís do Maranhão.

Mas Lula chega a Curitiba abatido com o depoimento de Palocci, segundo fontes que com ele convivem. Não esperava. Dizia para os mais chegados que não havia nenhuma chance de ser implicado por seu ex-ministro da Fazenda. Por dois motivos. Primeiro, o discurso de sempre: não tem ninguém que possa dizer que o viu pegar um tostão ou que tenha condição moral de dizer que colocou um centavo em sua mão. O segundo, a proximidade.

Argumentava que Palocci era do PT. Lula imaginava que seu ex-ministro da Fazenda teria, portanto, o mesmo comportamento de José Dirceu, com o qual integrou o núcleo duro do primeiro governo petista, e do ex-tesoureiro do partido João Vaccari Neto, que permanece preso em Curitiba, pois embora absolvido de uma primeira acusação, responde por outras acusações.

Não foi por falta de aviso que Lula se surpreendeu com a confissão de Palocci. Em seu primeiro depoimento o ex-ministro disse a Moro que poderia contribuir com as investigações e que estava disposto a dar as explicações necessárias no dia que o juiz quisesse, ao próprio Moro ou a pessoa que o representasse. Foi um sinal de que estava encaminhando uma delação premiada.

Outro sinal captado por amigos de Lula: Palocci não foi para o presídio de Curitiba, continua na Polícia Federal. Lá está na galeria do lado onde estão os presos que fizeram delação. Há um corredor na PF que separa as celas dos presos que firmaram um acordo de delação premiada daqueles que não o fizeram.

Pelo menos aos olhos do PT, o fato de a Justiça Federal antecipar o depoimento de Palocci para a semana passada e postergar o de Lula para esta semana foi outro indício claro de que Palocci estava pronto para entregar Lula. A agenda teria sido manipulada justamente para que Lula falasse depois que Palocci o apontasse como o chefe.

Até agora, pelo que se sabe no PT, o ex-ministro Palocci ainda não assinou um termo de delação premiada. Palocci pode ter falado para incentivar a força tarefa da Lava-Jato em Curitiba, dizendo que tem muita coisa para contar, e aliviar um pouco o próprio fardo entregando Lula.

O fato é que Lula ficou abatido e "ofendidíssimo" por tudo o que Antonio Palocci falou sobre ele. É assim que chega a Curitiba. No primeiro depoimento que prestou a Moro, o ex-presidente começou hesitante, mas reagiu e no final já desempenhava o papel de vítima, no qual sente-se bem mais confortável. A situação hoje é bem diferente.

O primeiro encontro de Moro com Lula foi em maio. O ex-presidente foi recebido em Curitiba por alguns milhares de militantes arrebanhados por todo o país, mas para amanhã apenas são esperados os militantes do Paraná. Entre outras coisas, Lula terá que responder sobre o terreno que teria recebido da Odebrecht, no valor de R$ 12 milhões, para a construção da sede do Instituto Lula. Tudo verdade, segundo Palocci.

O PT nunca admitiu ter um Plano B para candidato a presidente nas eleições de 2018. Depois do estrago provocado pelo depoimento de Palocci, o assunto entrou na ordem do dia do partido. A avaliação jurídica feita era que Lula poderia disputar em 2018 mesmo sendo condenado em segunda instância, o que o enquadraria na Lei da Ficha Limpa. Mas como a decisão do tribunal de recursos é esperada somente para junho ou julho, o partido teria tempo para arrastar uma decisão definitiva até outubro.

É possível. Mas talvez não seja o embaraço jurídico que impedirá Lula de subir nos palanques como candidato, no próximo ano. Se for mal amanhã em Curitiba, sua candidatura pode ficar ferida politica e eleitoralmente de morte. Só Lula pode desatar o nó dado por Palocci.

Previdência
O Palácio do Planalto botou na agenda a votação da reforma da Previdência em outubro. Na prática, trata-se de um balão de ensaio para testar o humor do Congresso e mostrar que o governo não está paralisado com a perspectiva de o procurador-geral, Rodrigo Janot, apresentar uma segunda denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra o presidente da República. Hoje o governo não tem os 308 votos necessários para aprovar a reforma na Câmara dos Deputados.

Troféu
De um figurão da República: a Polícia Federal fazia uma campana para pegar Geddel Vieira Lima, ex-ministro da Secretaria de Governo do presidente Michel Temer, e seus R$ 51 milhões em flagrante, mas teve de precipitar a operação para apresentar os resultados ao Ministério Público Federal antes da saída do procurador-geral, Rodrigo Janot.

Apostas
A prisão de Joesley Batista vence na sexta-feira. A bolsa de apostas está aberta: o procurador Rodrigo Janot vai ou não pedir a prisão preventiva do empresário? A decisão de Janot pode elucidar o que para boa parte do mundo jurídico de Brasília foi um pacto - sobre o que conversaram Janot e Pierpaolo Bottini, o advogado de Joesley, num botequim de Brasília, no sábado?