Sérgio Besserman Vianna
Sérgio Besserman Vianna: Diversidade da vida
Crise de biodiversidade, a extinção das espécies vivas da natureza do nosso tempo, é uma degradação que já ultrapassou em muito a fronteira do perigo.
Não para a natureza, que não tem problema algum no tempo dela, de milhões, dezenas de milhões de anos. A humanidade não tem poder nessa escala de tempo, apesar de sermos muito poderosos no nosso mísero tempinho curto de milhares, dezenas de milhares de anos.
O planeta já passou várias vezes por gigantescas crises de extinção da vida. As cinco maiores são conhecidas em biologia e geologia como “As Grandes Extinções” e, se a humanidade existisse em qualquer uma delas, com todas as forças que possui hoje, a probabilidade de que um único humano sobrevivesse tenderia fortemente a zero.
O que a ciência nos ensina? Que, de cinco a dez milhões de anos depois, a vida terá ocupado novamente todos os nichos ecológicos do planeta. Diferente e ainda mais biodiversa. Se destruirmos grande parte da vida, em um estalar de dedos (em sua escala de tempo), a vida ressurgirá. Mas a humanidade, não. Terá desaparecido para sempre.
A ciência tem demonstrado que estamos destruindo a vida em escala assombrosa, em velocidade similar à das grandes extinções. As duas maiores causas hoje são o uso do solo, especialmente o desmatamento, e as espécies exóticas. E então virá um tsunami: o aquecimento global.
Quando o tema surgiu, tratava-se de uma questão de valor, de amor à vida. Muitos dos humanos temos amor à natureza, aos biomas, aos animais, às plantas e sentimos indescritível horror frente à possibilidade de, sem necessidade alguma para o bem-estar da humanidade, eliminarmos para todo o sempre essas maravilhas da vida.
Desenvolvimentistas rasteiros ridicularizavam: são poetas, amam bichos e plantas e esquecem a pobreza, o crescimento econômico etc. O que a ciência nos ensina? Que os “poetas” estavam intuitivamente certos e que os argumentos dos “desenvolvimentistas” eram pura ignorância.
A crise de biodiversidade está se tornando, se não mudarmos de rumo, a sexta grande extinção. Há custos elevados: um reservatório genômico com potencial de curar muitas doenças e aumentar muito a produtividade e a sustentabilidade vai desaparecer antes de ser conhecido, e biomas destruídos não prestarão os serviços ecossistêmicos que ofertam hoje provocando colapsos no abastecimento de água, produtividade agrícola etc.
Difícil pensar em melhor exemplo do que o fato de que o desmatamento da Amazônia tende a provocar uma dramática redução na oferta de água no Sudeste brasileiro.
Mas o maior problema é outro. Trata-se de gestão de risco. Conhecemos muito pouco ou quase nada sobre quantas espécies existem, como elas se relacionam, sobre a biosfera, enfim. Dependemos totalmente dela. E estamos provocando a Sexta Grande Extinção. Você assinaria esse contrato? Por enquanto, está assinado e sendo cumprido.
* Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Sérgio Besserman Vianna: Corredores da vida
Temos o poder de degradar severamente a natureza de nosso tempo
O Ministério do Meio Ambiente criou o Programa Conectividade de Paisagens — Corredores Ecológicos, aos quais está dando prioridade. Governos estaduais e municipais, empresas privadas, ONGs e atores sociais e individuais também procuram priorizar em seus programas de reflorestamento a conectividade entre territórios conservados ou sendo restaurados.
Parece algo importante, mas é muito mais do que isso. Um quadro com nove “limites planetários” — espaço operacional seguro para a manutenção da humanidade — foi definido em 2009 por um grupo de cientistas ambientais liderado por Johan Rockström, do Stockholm Resilience Centre, na Suécia, e Will Steffen, da Universidade Nacional Australiana.
Os “limites do planeta” não são um problema para a natureza da Terra. Esta conta seu tempo em milhões, dezenas de milhões de anos. A humanidade não tem capacidade de fazer mal à natureza nesse tempo longo. Entretanto, temos, no nosso tempo curto, contado às dezenas ou centenas de anos, o poder de degradar severamente a natureza de nosso tempo e, dessa forma, afetar também severamente as condições de vida e bem-estar da humanidade nas próximas décadas.
A humanidade já ultrapassou, entrando na “zona de perigo”, quatro dos nove “limites planetários”, segundo estudo atualizado publicado pelo mesmo grupo na “Science” de janeiro de 2015. São eles: a alteração do ciclo biogeoquímico do nitrogênio e fósforo, mudanças no sistema terrestre, as mudanças climáticas e a crise de biodiversidade, as duas últimas consideradas fronteiras fundamentais.
O risco envolvido no último limite citado, a extinção das espécies, inclui a queima da “Biblioteca de Alexandria Natural”, ou seja, o reservatório genômico das espécies que serão extintas para todo o sempre. Mas, na verdade, o risco é muito maior.
A perda de integridade da biosfera pode acarretar colapsos ecossistêmicos, ruptura de cadeias alimentares e, com isso, causar grandes perdas e muito sofrimento, especialmente para os mais vulneráveis, os pobres de todo o mundo, contados às centenas de milhões.
Suas maiores causas são o uso do solo (desmatamento e outras destruições) e as espécies exóticas. Mas aproxima-se uma ameaça ainda maior, que põe em risco até mesmo a eficiência das políticas de conservação e restauração: as mudanças climáticas, que tornarão hostis a muitas espécies seus habitats atuais, mesmos os de áreas conservadas.
Muita ação humana, ciência, luta e paixão serão necessárias para enfrentar tamanho desafio. Mas para que os seres vivos possam enfrentar o impacto destruidor das mudanças climáticas, o principal será fornecer à natureza os meios para que ela mesma descubra e construa caminhos para a adaptação ao novo clima.
A ferramenta principal é a conectividade entre os espaços naturais remanescentes ou restaurados, os corredores ecológicos, ou corredores da vida.
* Sérgio Besserman Vianna é presidente do Instituto Jardim Botânico do Rio de Janeiro