sergei eisenstein

‘México sempre atraiu cineastas revolucionários’, analisa Lilia Lustosa

Em artigo na revista Política Democrática Online de outubro, autora de artigo cita grandes nomes da arte no país

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“O México sempre atraiu cineastas revolucionários: não à toa Luís Buñuel o adotou como segunda pátria, e Sergei Eisenstein não queria mais ir embora dali”, lembra a crítica de cinema Lilia Lustosa, em artigo que produziu na revista Política Democrática Online de outubro. Todos os conteúdos da publicação, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília, podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade.

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Em seu artigo, Lilia afirma que, no início dos anos 1930, o cineasta soviético passou uma temporada no México, depois de rápida e decepcionante passagem por Hollywood, onde não conseguira desenvolver nenhum dos projetos que tinha em mente. “Os Estados Unidos daquela época não estavam preparados para abraçar a alma revolucionária do diretor de A Greve (1925), O Encouraçado Potemkin (1925) e Outubro (1927)”, afirma.

Para não perder a viagem e incentivado por Charles Chaplin, diz a crítica de cinema, Eisenstein aceitou a proposta do escritor Upton Sinclair para rodar um filme em solo mexicano, a fim de mostrar o povo e a cultura daquele país. “¡Qué viva México!  tinha orçamento inicial de 25 mil dólares, que deveria cobrir despesas de hospedagem, alimentação e transporte da pequena equipe – Eisenstein, seu assistente Grigori Aleksandrov e o cinegrafista Eduard Tisse – durante um período de 3 a 4 meses, quando o filme deveria estar concluído”, escreve Lilia, em seu artigo na Política Democrática Online.

No entanto, em vez de 4, a equipe soviética acabou ficando 14 meses no México, excedendo em muito o orçamento estipulado e, pior, sem conseguir finalizar o projeto. “Pressionados por Sinclair e pelo próprio Stalin, que temia a deserção dos cineastas, os três tiveram de retornar para a URSS sem nenhum rolo de filme debaixo do braço. O material não-editado foi enviado diretamente para Hollywood”, acrescenta Lilia Lustosa.

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RPD || Lilia Lustosa: Sarape¹ mexicano

Ousado, Que Viva Eisenstein! veio para abalar as suscetibilidades de muitos conservadores e pseudoliberais mundo afora e libertar Sergei Eisenstein de uma vez por todas, avalia Lilia Lustosa em seu artigo

O México sempre atraiu cineastas (e) revolucionários: não à toa Luís Buñuel o adotou como segunda pátria, e Sergei Eisenstein não queria mais ir embora dali.

No início dos anos 1930, o cineasta soviético passou uma temporada no México, depois de rápida e decepcionante passagem por Hollywood, onde não conseguira desenvolver nenhum dos projetos que tinha em mente. Os Estados Unidos daquela época não estavam preparados para abraçar a alma revolucionária do diretor de A Greve (1925), O Encouraçado Potemkin (1925) e Outubro (1927). Para não perder a viagem e incentivado por Charles Chaplin, Eisenstein aceitou a proposta do escritor Upton Sinclair para rodar um filme em solo mexicano, a fim de mostrar o povo e a cultura daquele país.

¡Qué viva México! tinha orçamento inicial de US$ 25 mil, que deveria cobrir despesas de hospedagem, alimentação e transporte da pequena equipe – Eisenstein, seu assistente Grigori Aleksandrov e o cinegrafista Eduard Tisse – durante um período de três a quatro meses, quando o filme deveria estar concluído. Acontece que, em vez de quatro, a equipe soviética acabou ficando 14 meses no México, excedendo em muito o orçamento estipulado e, pior, sem conseguir finalizar o projeto. Pressionados por Sinclair e pelo próprio Stálin, que temia a deserção dos cineastas, os três tiveram de retornar para a URSS sem nenhum rolo de filme debaixo do braço. O material não-editado foi enviado diretamente para Hollywood.

¡Qué Viva México! acabou virando uma espécie de lenda no meio cinematográfico, atraindo a atenção de historiadores, cinéfilos e cineastas do mundo inteiro. Muitos foram os que tentaram reconstruí-lo. Em 1933, três versões foram lançadas, montadas por Sol Lesser, a pedido do próprio Sinclair: Thunder over Mexico, Death Day e Eisenstein in Mexico. A ideia era transformar aqueles negativos em algo minimamente comercial. Em 1940, foi a vez de Marie Seton, futura biógrafa de Eisenstein, tentar sua sorte com o Time in the Sun. Em 1958, Jay Leyda, ex-aluno do cineasta, usou o material que estava agora em posse do MoMA e montou Eisenstein’s Mexican Films: Episodes for Study, uma versão de 255 minutos. Já nos anos 70, quando os negativos finalmente voltaram para a URSS, Aleksandrov – único sobrevivente da trupe à época – montou uma versão baseada nos escritos e storyboards deixados por Eisenstein, intitulando-a ¡Qué Viva México! (1979). Outras versões foram feitas e, seguramente, outras ainda surgirão, mas essa é considerada a mais “original” de todas!

Atraída pela lenda, chegando ao México, saí (virtualmente) em busca de informações sobre a passagem de Eisenstein por aqui, tentando descobrir, quem sabe, alguma novidade sobre o dito filme. Já na primeira googleada, inteirei-me do ¡Que Viva Eisenstein! - 10 Dias que Abalaram o México (2015), do diretor inglês Peter Greenaway. Uma ficção barroca que pinta com diferentes matizes os dias que o cineasta soviético passou em Guanajuato, cidade localizada a 350 km da Cidade do México. Reza a lenda que foi ali que ele assumiu sua homossexualidade, ao conhecer o intelectual mexicano Palomino Cañedo, que lhe servia de guia. E é exatamente aí que Greenaway põe a lupa, retratando as inquietações, dúvidas e descobertas do homem (mais que do cineasta) ao ter contato com a cultura mexicana mais de perto. Uma cultura que trata a morte com respeito e alegria e que teve profundo impacto na obra vindoura de Eisenstein.

Morte e sexo (vida) estão, aliás, no centro dessa história, contada de maneira nada convencional, usando e abusando de efeitos cinematográficos, com uma linguagem fragmentária, cheia de contrastes e artificialidades, e com uma montagem inquieta e plena de rupturas. Trechos de filmes de Eisenstein convivem com imagens computadorizadas, câmeras digitais bailam ao som de Prokofiev, split-screens se sucedem na tela… Greenway parece ter querido colocar aqui todos os recursos disponíveis para homenagear de forma irreverente seu grande ídolo, um dos maiores cineastas de todos os tempos, um pensador da sétima arte, criador, entre outras coisas, da famosa montagem intelectual. Um grande artista que, por causa do sistema opressor da época, foi obrigado a reprimir sua sexualidade, casando-se inclusive com sua secretária para despistar as autoridades soviéticas. Autoridades cujos sucessores, até hoje, parecem ter dificuldades em aceitar a homossexualidade do cineasta, haja vista a recepção nada calorosa que ¡Que Viva Eisenstein! teve em terras de Putin.

¡Que Viva Eisenstein! é um verdadeiro “sarape mexicano” – como deveria ter sido o próprio ¡Qué Viva México! de Eisenstein (palavras dele) –, com seus contrastes escandalosos e vibrantes, “um poema sobre a vida e a morte”, um filme ousado que veio para abalar as suscetibilidades de muitos conservadores e pseudoliberais mundo afora e para libertar Eisenstein de uma vez por todas.

[1] Espécie de coberta de lã ou colcha de algodão, geralmente de cores vivas, com abertura ou não no centro para a cabeça.