SEGURAÇA PUBLICA

Raul Jungmann: Por quem os sinos dobram

Hoje, no Rio de Janeiro, as milícias e o tráfico dominam 57% do território da cidade e 33% da população

“As polícias do Rio de Janeiro são hoje elementos de contaminação de todas as polícias brasileiras. Pela alta visibilidade e pelo ethos guerreiro, fixam um paradigma cultural de instituições totais de enfrentamento bélico, horrivelmente desconstitutiva dos mandamentos constitucionais atribuídos aos policiais.” (Ricardo Balestreri).

Pesquisas e estudos constatam que o método de combate das polícias cariocas ao crime organizado, como na comunidade do Jacarezinho, não leva à redução da violência, do tráfico de drogas, e nem das mortes violentas.

Mas produz efeitos colaterais, como a morte de inocentes, e favorecem disputas de uma facção sobre outra no domínio do tráfico e controle de uma comunidade. Ainda assim, boa parte da população as apoia. Qual a razão?

Creio que são três as principais. Em primeiro lugar, a violência endêmica, potencialmente universal, que a todos torna inseguros e potenciais vítimas. Em segundo, a incapacidade do Estado, via segurança pública, de assegurar a vida e o patrimônio da população, os mais pobres à frente, abrindo espaço para organizações criminosas o substituírem nesse papel. Por último, a incapacidade, lentidão e/ou parcialidade atribuída ao sistema de justiça em punir culpados e dirimir conflitos.

No conjunto, estas causas operam uma regressão em princípios e valores civilizatórios e humanitários da sociedade, que despe os que são estigmatizados como bandidos, criminosos ou suspeitos – usualmente o negro, o favelado, e o pobre -, da sua integral humanidade.

Instala-se uma lógica da vingança, do olho por olho, dente por dente. Hoje, o Brasil é o país que mais lincha no mundo, segundo o sociólogo José de Souza Martins. Essa lógica, do combate e guerra contra o crime, nos tem levado no sentido contrário de uma maior segurança.

Hoje, no Rio de Janeiro, as milícias e o tráfico dominam 57% do território da cidade e 33% da população, que vivem sem direitos e garantias constitucionais.

Milícias, que continuam avançando, em que pese os recorrentes massacres de “suspeitos” ou bandidos; milícias, que possuem uma porta giratória pela qual passa parte dos efetivos policiais e vice-versa.

Portanto, quando um novo combate se travar e mortos às dezenas, inclusos inocentes e/ou crianças, forem recolhidos nas ruas das favelas, não pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram por você e por todos nós.

*Raul Jungmann foi Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.

Fonte:

Capital Político

https://capitalpolitico.com/por-quem-os-sinos-dobram/


Raul Jungmann: Por quem os sinos dobram

“As polícias do Rio de Janeiro são hoje elementos de contaminação de todas as polícias brasileiras. Pela alta visibilidade e pelo ethos guerreiro, fixam um paradigma cultural de instituições totais de enfrentamento bélico, horrivelmente desconstitutiva dos mandamentos constitucionais atribuídos aos policiais.” (Ricardo Balestreri).

Pesquisas e estudos constatam que o método de combate das polícias cariocas ao crime organizado, como na comunidade do Jacarezinho, não leva à redução da violência, do tráfico de drogas, e nem das mortes violentas.

Mas produz efeitos colaterais, como a morte de inocentes, e favorecem disputas de uma facção sobre outra no domínio do tráfico e controle de uma comunidade. Ainda assim, boa parte da população as apoia. Qual a razão?

Creio que são três as principais. Em primeiro lugar, a violência endêmica, potencialmente universal, que a todos torna inseguros e potenciais vítimas. Em segundo, a incapacidade do Estado, via segurança pública, de assegurar a vida e o patrimônio da população, os mais pobres à frente, abrindo espaço para organizações criminosas o substituírem nesse papel. Por último, a incapacidade, lentidão e/ou parcialidade atribuída ao sistema de justiça em punir culpados e dirimir conflitos.

No conjunto, estas causas operam uma regressão em princípios e valores civilizatórios e humanitários da sociedade, que despe os que são estigmatizados como bandidos, criminosos ou suspeitos – usualmente o negro, o favelado, e o pobre -, da sua integral humanidade.

Instala-se uma lógica da vingança, do olho por olho, dente por dente. Hoje, o Brasil é o país que mais lincha no mundo, segundo o sociólogo José de Souza Martins. Essa lógica, do combate e guerra contra o crime, nos tem levado no sentido contrário de uma maior segurança.

Hoje, no Rio de Janeiro, as milícias e o tráfico dominam 57% do território da cidade e 33% da população, que vivem sem direitos e garantias constitucionais.

Milícias, que continuam avançando, em que pese os recorrentes massacres de “suspeitos” ou bandidos; milícias, que possuem uma porta giratória pela qual passa parte dos efetivos policiais e vice-versa.

Portanto, quando um novo combate se travar e mortos às dezenas, inclusos inocentes e/ou crianças, forem recolhidos nas ruas das favelas, não pergunte por quem os sinos dobram, eles dobram por você e por todos nós.

*Raul Jungmann foi Ministro da Defesa e Ministro Extraordinário da Segurança Pública do governo Michel Temer.

Fonte:

Capital Político

https://capitalpolitico.com/por-quem-os-sinos-dobram/