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A catastrófica reação em cadeia à seca do rio Paraná

Quando um rio seca, a tragédia é visível. Suas águas desaparecem, dando lugar a uma paisagem terrosa e estampada com novas ilhas

Juliana Gragnani / BBC News Brasil

Por trás dessa imagem, contudo, uma série de eventos catastróficos começam a acontecer em cadeia, como num efeito dominó.

O caudaloso rio Paraná, que percorre quase 5 mil quilômetros desde sua nascente no Brasil até sua foz no Rio da Prata, está secando. Trata-se do segundo maior rio da América do Sul depois do Amazonas, um que alimenta importantes afluentes, como o Iguaçu, onde ficam as cataratas, e que drena o sul do continente - Paraguai, Argentina, Bolívia e o sul do Brasil. É ali, na fronteira entre Brasil e Paraguai, que fica a Usina Hidrelétrica de Itaipu.

A pior seca em 91 anos no Brasil causou uma diminuição histórica das águas do rio, afetando sua navegabilidade, por onde há exportação agrícola e industrial, e quem depende dele para sobreviver. Com a estiagem, sofrem pescadores da beira do rio, trabalhadores de hidrovias, operadores logísticos, empresários do agronegócio e, claro, a população brasileira, vítima da alta de preços e de uma grave crise energética.

Sem contar os vizinhos argentinos e paraguaios, com problemas semelhantes, principalmente em relação ao escoamento de produção.

Essa reação em cadeia a um só evento ilustra temores do que nos espera no futuro, com a emergência do clima e mais eventos climáticos extremos, como previsto no último relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre o Clima da ONU). Por causa da ação humana, o planeta está aquecendo, fato que já vem provocando consequências alarmantes. Na América do Sul, o aumento da seca e da aridez é uma das previsões do grupo de cientistas da ONU.

No caso do Paraná, especialistas apontam o desmatamento descontrolado, a crise do clima e ciclos naturais como causas da seca dos últimos anos. A diferença, diz Oscar Fernandez, professor de Geografia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (campus de Marechal Cândido Rondon), é que a população que habita essa região hoje em dia é muito mais numerosa. "Há 91 anos, quando houve uma seca assim nessa região, a população era muito menor, então o impacto sobre a população também era muito menor."

Com tanta gente que depende das águas do rio Paraná - alguns de maneira óbvia, outros de forma indireta -, a BBC News Brasil explica nesta reportagem a reação em cadeia causada por sua seca.

A vida dos peixes e a pesca

"Ao sul de Iguaçu, já tem lugares que pessoas estão passando à pé porque o rio está muito raso", diz Fernandez. E isso afeta diretamente a fauna do rio.

"Com a diminuição da profundidade do rio, o peixe vai perdendo seu habitat, e sua reprodução é afetada. Os peixes têm espaços exclusivos para a desova e espaços para seu desenvolvimento. Todos esses habitats diminuem ou desaparecem com a seca do rio."

Operação de resgate de peixes no Rio Paraná
Com a diminuição da profundidade do rio, peixe perde seu habitat e tem sua reprodução afetada. Foto: Cespe/Divulgação

O turismo pesqueiro e a pesca para subsistência são atividades comuns no rio Paraná. No trecho do rio do outro lado da fronteira brasileira, na Argentina, há várias colônias de pescadores e relatos de milhares de famílias de pescadores enfrentando uma crise pela seca do rio.

No Brasil, também há registros de que peixes estão sendo afetados. Para guardar água e conseguir suprir a demanda de energia nos próximos meses (mais sobre isso no fim da reportagem), o Ministério de Minas e Energia recomendou que algumas usinas do rio Paraná reduzissem sua vazão.

Entre elas, a Porto Primavera, que fica entre os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul. A diminuição de sua vazão, segundo a Companhia Energética de São Paulo (Cesp), foi "parte de uma forma emergencial de mitigar os efeitos da seca nas demais usinas que compõem o sistema".

Com a redução da vazão, as laterais do rio baixaram e lagoas isoladas se formaram, ameaçando a fauna que vive ali.

Por isso, foi preciso fazer o resgate de peixes. A Cesp diz ter realizado avaliação, rastreio, resgate e transposição de peixes para áreas seguras.

Foram resgatadas cerca de 2 toneladas de peixes nativos, que foram transportados para o leito do rio. Além disso, foram retiradas 2,5 toneladas de peixes mortos. Segundo a Cesp, 90% desses peixes eram de espécies exóticas, da região amazônica, que foram introduzidas na bacia do rio Paraná e são mais sensíveis ao frio.

O uso da hidrovia e a alternativa mais poluente

Uma das principais hidrovias do país, a Tietê-Paraná encerrou os trabalhos em 2021. O motivo? Falta água para viabilizar a navegação.

Pelos 2,4 mil quilômetros de extensão da hidrovia escoam grãos do Centro-Oeste, parte de Rondônia, Tocantins, Minas Gerais e São Paulo. Parte dos produtos seguem em ferrovia ou rodovia para o porto de Santos e saem para exportação - daí a localização da hidrovia ser tão estratégica. O porto de Santos é o maior da América Latina.

Cerca de 3,5 a 4 milhões de toneladas de produtos agropecuários, como milho, soja, cana-de-açúcar e etanol, são transportados por ano por ali, diz o presidente do Sindicato dos Armadores de Navegação Fluvial do Estado de São Paulo (Sindasp), Luizio Rizzo.

A hidrovia já havia ficado paralisada por quase todo 2014 e 2015 também por causa da escassez hídrica. Dessa vez, diz Rizzo, a expectativa é voltar em janeiro.

Segundo ele, a estimativa de produtos agropecuários que seriam levados pela hidrovia entre agora e dezembro é em torno de 1,5 milhão de toneladas. O impacto econômico, estima ele, é de R$ 3,5 bilhões, considerando perdas com transporte, renda geral dos municípios e dos produtores.

Além disso, o fechamento da hidrovia impacta também seus trabalhadores: ao longo do rio, trabalham os estaleiros de manutenção e de construção naval, além dos marinheiros que viajam nas barcaças, com chefe de máquina, cozinheiro, entre outros. Há 1.500 pessoas empregadas diretamente. E há empresas, diz Rizzo, que já demitiram 90% de seus funcionários.

Operação de resgate de peixes no Rio Paraná
Cerca de 2 toneladas de peixes nativos foram resgatadas depois da redução da vazão do rio. Foto: Cesp/Divulgação

"Esse fantasma da paralisação da hidrovia do Tietê, sem expectativa de retorno, estava nos assombrando", diz Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica de infraestrutura e logística da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil.

Outro fechamento como o de 2014-2015 acaba afastando investimentos privados e criando insegurança jurídica, diz ela. Rizzo cita este problema como o mais grave de todos: "Hoje há muitas empresas que querem investir, mas não investem por falta de confiança no modal. As empresas estão recuando com projetos", diz ele.

O dissabor com o desincentivo ao investimento se acentua porque essa forma de transporte é uma das mais sustentáveis e baratas. Lopes elenca as vantagens de uma hidrovia: apesar de ser a matriz de transporte minoritária no Brasil (só 4% dos grãos são transportados assim), a hidrovia é muito mais sustentável que o transporte rodoviário.

Enquanto o transporte por caminhões produz 100 gramas de Co2 a cada tonelada por quilômetro transportado, na hidrovia são 20 gramas. Além disso, é um transporte mais barato, já que carrega muito mais: uma barcaça pode transportar até 6 mil toneladas, enquanto caminhões carregam de 35 a 40 toneladas. O valor chega a ser 35% do valor do transporte rodoviário.

Ou seja, no caso da Hidrovia Tietê-Paraná, que transporta 10 milhões de toneladas de produtos por ano (incluindo os 3,5 milhões de produtos agropecuários), são 250 mil viagens de caminhões retiradas por ano das estradas.

"Caminhões produzem externalidades negativas, como acidentes, depreciação da via, altos custos de transporte e poluição", diz Lopes.

A logística do agronegócio e o consumidor

Assim, a suspensão da hidrovia afeta a logística do agronegócio, que não pode escoar grãos por ali nem subir insumos pelo rio, afetando a safra seguinte.

Com a paralisação da hidrovia, diz Lopes, "o produtor rural terá de assumir o custo, reduzindo sua margem de lucro".

Também entram na conta o embarcador, o transportador, o elo todo, diz ela.

Pessoas passam por uma barcaça encalhada na margem do Rio Paraguai, afluente do Paraná, pois a falta de chuvas no Brasil, onde o rio nasce, baixou o nível das águas, obrigando os navios de carga a reduzirem a quantidade de grãos que são carregados para exportação, em Ypane, Paraguai 30 de agosto de 2021
Paraguai utiliza via do rio Paraguai (na foto), que também passa por um momento de estiagem, e se junta ao Paraná, para levar cargas a portos do Uruguai e da Argentina. Foto: Reuters

E, como a alternativa rodoviária é mais cara, isso pode chegar até o consumidor. Se os produtos estiverem atendendo o mercado interno, "acaba ficando mais caro também para a sociedade como um todo, para o Brasil", diz Lopes. "O produto chega mais caro na gôndola de supermercado."

Rizzo concorda. "Os produtos vão ter que sair de caminhão e de trem, que têm um frete mais caro que a hidrovia. Quando aumenta o frete, isso acaba refletindo em tudo. Na cadeia, sobe o preço da ração, do óleo… e quando esse produtor for comprar insumo, como aumentou o preço do frete, vai encarecer o fertilizante que ele vai comprar. No final da conta, quem paga somos nós. Vai refletir na mesa do consumidor", diz.

Exportação dos países vizinhos

Apesar de o Brasil sofrer com a seca do rio, são nossos vizinhos que pagam uma conta mais alta.

O Paraguai, por exemplo, exporta a maior parte de sua produção por meio do transporte fluvial. O país utiliza a via do rio Paraguai, que nasce no Brasil, passa pela Bolívia, atravessa o Paraguai e se junta ao rio Paraná. Por meio desse extenso caminho da hidrovia Paraguai-Paraná, o Paraguai leva cargas a portos do Uruguai e da Argentina para exportação.

A Argentina, maior exportador de farelo de soja do mundo, também sente a crise, já que utiliza o rio Paraná para escoar sua produção pelo porto de Rosário. Como os produtores brasileiros, os argentinos estão tendo de buscar outras rotas para exportar sua carga, aumentando o custo do frete. Além disso, navios já tiveram de cortar a quantidade de carga que estão transportando para poder navegar no rio.

O presidente da Argentina, Alberto Fernández, declarou em julho um estado de emergência hídrica durante 180 dias em diversas províncias, incluindo a de Buenos Aires.

mapa mostra localização do rio Paraná

A crise de energia

Com a pior crise hidrológica desde 1930 e um país que produz a maior parte de sua energia por meio de hidrelétricas (63,2%, segundo dados do ONS), é possível que o Brasil tenha problemas na geração de energia elétrica. Nos últimos sete anos, os reservatórios das usinas no país receberam volume de água inferior à média histórica, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

O ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque fez um pronunciamento em cadeia nacional na semana passada sobre a crise energética. Ele pediu que a população desligasse luzes e aparelhos fora de uso, reduzisse o uso de chuveiros elétricos, aparelhos de ar-condicionado e ferro de passar roupa.

"O período de chuvas na região Sul foi pior que o esperado. Como consequência, o nível dos reservatórios de nossas usinas hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste sofreram redução maior que a prevista", declarou.

O temor é que o país não tenha energia elétrica suficiente para atender a demanda nos horários de maior consumo no fim do ano, com risco de apagão.

O rio Paraná entra nessa conta, claro - faz parte da bacia com maior capacidade instalada de geração de energia hidroelétrica no país, por volta de 60%. Além disso, cerca de um terço da população brasileira vive nesta região.

Para Paulo César Cunha, consultor da área de energia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o conjunto de bacias que deságuam na bacia do Paraná é "a mais relevante" do Brasil. "É nosso principal conjunto de rios e barragens, onde ficam os principais sítios de geração de energia."

Uma seca nessa região, portanto, "é preocupante".

A seca afeta a geração de energia de duas formas, ele explica: na vazão da água, ou seja, a quantidade de água que passa nas turbinas, e na altura da água do rio, que define a potência de energia que a máquina consegue produzir.

Pegadas são retratadas em uma área seca às margens do rio Paraná, em Rosário, Argentina. A falta de chuvas no Brasil, de onde nasce o rio, fez baixar o nível das águas na Argentina, obrigando os cargueiros a reduzir a quantidade de grãos carregados para exportação. 8 de julho de 2021.
Pegadas são retratadas em uma área seca às margens do rio Paraná, em Rosário, Argentina; país utiliza rio para escoar sua produção até porto de Rosário. Foto: Reuters

Em um estudo prospectivo de agosto deste ano, o ONS declarou que "os níveis de armazenamento dos reservatórios localizados na bacia do rio Paraná não se recuperaram de forma satisfatória ao longo do período úmido 2020/2021".

A situação hidrológica da bacia do rio Paraná, que engloba as bacias dos rio Paranaíba, Grande, Tietê e Paranapanema, é "crítica", e as usinas dessa bacia são "de extrema importância para a operação do SIN (o Sistema Interligado Nacional, ou sistema de produção e transmissão de energia elétrica do Brasil), pois os recursos neles estocados são capazes de garantir energia nos períodos secos, quando não há contribuições significativas das usinas instaladas na região Norte do País", diz o relatório.

Por isso a diminuição da vazão adotada em algumas usinas, com o objetivo de guardar água para a geração de energia. "Só que isso prejudica os outros usos da água, como a navegação, a pesca e a irrigação", diz Cunha.

O relatório da ONS diz que não há expectativas de chuva que proporcionem melhoria nos armazenamentos dos reservatórios até o próximo período chuvoso e que, "considerando a relevância hidroenergética das usinas hidroelétricas localizadas na bacia do rio Paraná (...), a situação hidroenergética desfavorável na qual se encontra a bacia do rio Paraná requer atenção".

Na perspectiva de médio prazo, avalia Cunha, a situação é "muito ruim". Os anos seguidos com poucas águas vai fazendo o terreno ficar "impróprio, muito seco", diz ele. "Até conseguir uma nova situação de água acumulada que permita voltar à normalidade, teria que ter bastante água por bastante tempo."

Contudo, para ele, até o final de 2021, o país terá condições para gerar energia. "Sempre tem o risco de apagão, e o risco aumentou. Mas 2022 é uma incógnita. Se as chuvas que começarem em novembro forem tão ruins como do ano passado, será preocupante. O que pode salvar 2022 é a chuva do período úmido."

De qualquer forma, o preço da energia já subiu. A Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) anunciou na semana passada uma nova modalidade de bandeira tarifária, a "Escassez Hídrica", com valor de R$ 14,20 /100 kWh, que já entrou em vigor e terá validade até 30 de abril de 2022. O Ministério de Minas e Energia estimou que a nova bandeira gerará aumento de 6,78% na tarifa de luz para os consumidores.

"O preço sobe, os custos de maneira geral sobem, e espera-se que o consumo se reduza", diz Cunha. "Isso tem interferência no conforto e na produção: surtos de crescimento econômico acabam sendo frustrados porque a energia fica tão cara que as pessoas não conseguem usar adequadamente", diz ele, citando mais algumas das reações em cadeia à seca nessa região.

Fonte: BBC Brasil
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-58441586


O Estado de S. Paulo: O drama da seca no maior reservatório do Brasil

Serra da Mesa, em Goiás, está com 9% da sua capacidade total de armazenamento

André Borges, enviado especial, O Estado de S.Paulo

URUAÇU E NIQUELÂNDIA (GO) - Há uma mentira escrita sobre o portal de entrada do “Memorial Serra da Mesa”. Nas margens do que ainda resta do maior reservatório da América Latina, encravado no Estado de Goiás, o que se lê sobre o pórtico do museu é que “O rio que passa, fica”. O rio não ficou. O reservatório, tampouco. Passados quase 20 anos desde a sua inauguração, o principal lago do País em volume de água armazenada está sumindo a olho nu.

 

Serra da Mesa está com 9% de sua capacidade total de armazenamento, situação trágica que já supera a fase de maior agonia da represa, registrada em 2001. O nível atual da água está 35 metros abaixo da cota máxima que a represa comporta, uma altura equivalente à de um prédio de 14 andares. Se a situação de hoje for comparada com a cota média da represa nos seus 20 anos, são 26 metros abaixo do que se tinha regularmente. O nível da água cai entre quatro e cinco centímetros por dia.

Nas últimas semanas, a longa ponte de concreto que ligava os municípios de Uruaçu e Niquelândia e que ficou no fundo da represa após o fechamento da barragem voltou a ressurgir na paisagem. Pescadores locais, que anos atrás passavam com seus barcos metros acima da estrutura, agora cruzam a ponte caminhando, com as águas pelas canelas, levando as tralhas de pesca para tentar fisgar algum peixe que ainda não foi embora, por conta da redução do oxigênio na água e do aumento de sua temperatura. O turismo evaporou.

Em seus dias áureos, o lago de Serra da Mesa, que tem seu curso principal formado sobre o Rio Tocantins, chegou a guardar algo próximo de 54,4 bilhões de metros cúbicos de água, uma imensidão líquida que se espalha por 1.784 quilômetros quadrados, área maior que a cidade de São Paulo, com seus 1.521 km². Desde o fim de 2012, no entanto, a escassez das chuvas tem transformado esses números em história. O nível da água só caiu e, agora, atinge seu pior cenário desde a criação da barragem, no dia 12 de junho de 1998, exibindo as rugas de uma estiagem severa que castiga a região há cinco anos.

Salvador Ferreira de Almeida, o “Deuzin”, é um dos tantos pescadores que tiraram o sustento da família com o trabalho na pesca e no transporte de milhares de turistas que vinham atrás dos tucunarés nessa região da represa, no entorno de Uruaçu. Deuzin ainda veste a camisa verde com seu nome estampado, telefone e a frase “Alugam-se barcos”. Faz oito meses que Deuzin não transporta nem um pescador sequer.

 

Serra da Mesa
Salvador Ferreira de Almeida, o Deuzin, está há 8 meses sem receber turistas para pescar no lago. Em épocas de cheia, era preciso fazer reserva antecipada. Foto: André Borges/Estadão

 

“Tem quatro anos que a coisa foi ficando feia, muito feia, e nunca mais voltou. É uma tristeza o que gente tem passado aqui”, lamenta Deuzin, um dos pescadores mais antigos da região. “Quando fizeram essa represa, disseram que ela ia ter uma cota mínima, que ia ser mantida. Hoje a gente não sabe mais que cota mínima é essa, porque a situação só piora.”

Como o peixe nativo rareou nos últimos anos, os pescadores passaram a criar tilápias em cativeiro, lançando tanques de aço com mantas de nylon na beira do lago. No ano passado, o negócio promissor converteu-se em drama financeiro e ambiental. Deuzin cuidava de cinco toneladas de peixe em seus viveiros. De um dia para o outro, os peixes deixaram de comer e, na manhã seguinte, amanheceram todos mortos. “Disseram que foi por falta de oxigênio. Depois falaram que podia ser o agrotóxico que veio de plantações da região. O que sei mesmo é que perdi R$ 22 mil.”

Ao todo, foram mais de 100 toneladas de peixes jogados no lixo, episódio que praticamente quebrou a Cooperativa dos Piscicultores do Lago Serra da Mesa (Cooperpesca), que reúne 33 pescadores. Em vez de peixes, o que criaram foi uma dívida de mais de R$ 300 mil.

Maior lago do Brasil agoniza com a seca

Neste ano, Deuzin voltou a colocar dinheiro nos criadouros. Dessa vez, contudo, são apenas 2 mil tilápias, o equivalente a 1,8 tonelada do pescado. “A gente até quer colocar mais peixe na água, mas e o medo de passar por aquele pesadelo de novo? Deus me livre”, diz o pescador.

A seca também afastou os visitantes da “Praia Generosa”, estrutura de lazer criada ao lado do Memorial Serra da Mesa. Quiosques de sapé que ficavam na beira da água agora estão há centenas de metros de distância. A maior parte dos bares fechou. Alguns restaurantes flutuantes foram abandonados na paisagem empoeirada, longe da orla.

Pela praia não há mais como acessar o lago, por conta das vegetações que reapareceram no caminho. Quando Serra da Mesa foi represada, boa parte das árvores que ficariam submersas não foi retirada. O que se vê na paisagem de hoje, quando o lago teima em se acabar, são os imensos “paliteiros” de troncos pretos, um emaranhado de natureza morta.

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