SARS-CoV-2

Saiba o que a tecnologia de vacinas contra Covid pode fazer por outros pacientes graves

Revista mensal da FAP mostra que técnicas científicas para produção de imunizantes lançam luz sobre tratamento de pacientes com câncer e esclerose múltipla

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

Reportagem especial da revista Política Democrática Online de março mostra que a pressão da pandemia da Covid-19 impõe um iminente risco de colapso hospitalar em boa parte dos hospitais pelo mundo, mas também mostra o avanço da ciência para abrir um leque de esperança até para pacientes com outras moléstias.

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Com periodicidade mensal, a revista é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania. A versão flip, com todos os conteúdos, pode ser acessada gratuitamente na seção de revista digital do portal da entidade.

De acordo com a reportagem da revista da FAP, estudos sinalizam que a tecnologia genética exclusiva de vacinas contra o coronavírus pode ser aplicada no tratamento de pessoas com doenças graves, como câncer e esclerose múltipla.

Material genético

O texto conta que novas tecnologias para produção de vacinas, notadamente aquelas que usam o material genético do vírus Sars-Cov-2, podem rapidamente ser adaptadas para novos agentes causadores de doenças, de acordo com o médico Alexander Precioso, diretor da Centro Farmacologia, Segurança Clínica e Gestão de Risco do Instituto Butantan.

“A tecnologia genética exclusiva das vacinas Moderna e Pfizer/BioNTech contra a Covid-19 é uma das que podem ser aplicadas no tratamento de outras doenças, incluindo câncer”, diz um trecho. “O método mRNA, usado na imunização, tem o potencial de fornecer grandes avanços médicos em outras áreas, de acordo com a Innovations Origins”, continua

Os pesquisadores da vacina contra a Covid-19 descobriram uma maneira de entregar o RNA mensageiro às células sem ser destruído prontamente pelo sistema imunológico. Eles embrulharam o mRNA em uma armadura protetora de moléculas de gordura para disfarçar o material.

Como é

Funciona da seguinte forma: com é entregue com segurança às células, o mRNA programa o corpo para produzir proteínas do vírus contra o inimigo. Neste caso, é a proteína spike do SARS-CoV-2, o vírus que causa o Covid-19.

Ao receber mensagem genética escrita em uma molécula de RNA, o organismo faz suas próprias células produzirem proteínas de que necessita para imunizar-se, explica o texto jornalístico.

A reportagem especial da revista Política Democrática Online também mostra que o início da vacinação no Brasil levantou muitas dúvidas na população. Todas as vacinas, no entanto, seguem protocolos rígidos até começarem a ser aplicadas nas pessoas.

No caso do Brasil, devem ser aprovadas antes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No país, por enquanto, apenas a Coronavac e da AstraZeneca/Oxford estão permitidas.

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RPD || Reportagem especial: Tecnologias de vacinas contra Covid lançam luz sobre tratamento de outras doenças graves

Estudos em andamento mostram que técnicas genéticas podem ser aplicadas em tratamento contra câncer e esclerose múltipla

Cleomar Almeida, da Assessoria de Comunicação da FAP

A pressão da pandemia da Covid-19 impõe um iminente risco de colapso hospitalar em boa parte dos hospitais pelo mundo, mas também mostra o avanço da ciência para abrir um leque de esperança até para pacientes com outras moléstias. Estudos sinalizam que a tecnologia genética exclusiva de vacinas contra o coronavírus pode ser aplicada no tratamento de pessoas com doenças graves, como câncer e esclerose múltipla.

Novas tecnologias para produção de vacinas, notadamente aquelas que usam o material genético do vírus Sars-Cov-2, podem rapidamente ser adaptadas para novos agentes causadores de doenças, de acordo com o médico Alexander Precioso, diretor da Centro Farmacologia, Segurança Clínica e Gestão de Risco do Instituto Butantan.

A tecnologia genética exclusiva das vacinas Moderna e Pfizer/BioNTech contra a Covid-19 é uma das que podem ser aplicadas no tratamento de outras doenças, incluindo câncer. O método mRNA, usado na imunização, tem o potencial de fornecer grandes avanços médicos em outras áreas, de acordo com a Innovations Origins.

As grandes corporações farmacêuticas CureVac, Moderna e BioNTech já estão trabalhando em drogas anticâncer, junto com drogas para a gripe comum e outras doenças, usando a fórmula de RNA mensageiro, que já existe há mais de uma década.

Os pesquisadores da vacina contra a Covid-19 descobriram uma maneira de entregar o RNA mensageiro às células sem ser destruído prontamente pelo sistema imunológico. Eles embrulharam o mRNA em uma armadura protetora de moléculas de gordura para disfarçar o material.

Funciona da seguinte forma: com é entregue com segurança às células, o mRNA programa o corpo para produzir proteínas do vírus contra o inimigo. Neste caso, é a proteína spike do SARS-CoV-2, o vírus que causa o Covid-19. Ao receber mensagem genética escrita em uma molécula de RNA, o organismo faz suas próprias células produzirem proteínas de que necessita para imunizar-se.

Dessa forma, de acordo com Innovations Origins, os pesquisadores podem desenvolver vacinas contra o câncer para treinar o corpo a reconhecer células cancerosas e destruí-las de maneira semelhante.  

O médico Gabe Mirkin, palestrante de renome mundial em pesquisa de saúde, afirmou à Newsmax que o corpo normalmente reconhece as células cancerosas como inimigas e matá-las. “Se o sistema imunológico perder a capacidade de dizer que célula cancerosa é diferente de célula normal, as células cancerosas podem crescer e se espalhar por todo o corpo”, disse.

Mirkin explicou que, durante anos, os cientistas tentaram encontrar maneiras de fazer cópias de células cancerígenas que podem ser enviadas por meio do mRNA para restaurar a capacidade do corpo de reconhecer e destruir o inimigo.

Esta pesquisa está sendo acelerada pelos recentes sucessos no desenvolvimento da vacina contra o coronavírus”, afirmou ele. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer, os testes clínicos estão em andamento, nos Estados Unidos.

A ideia por trás das vacinas de RNA mensageiro contra a covid-19 é considerada muito simples, e os cientistas acreditam que não há limites de aplicação a outras infecções e doenças. A equipe que desenvolveu a vacina da BioNTech, a primeira eficaz contra o coronavírus, publicou estudo em fase inicial que exemplifica o potencial dessa técnica.

De acordo com as informações preliminares, os pesquisadores já conseguiram, por exemplo, reverter em animais a esclerose múltipla, uma doença cuja causa é desconhecida e para a qual não há cura, a esclerose múltipla. É uma doença neurológica, crônica e autoimune, ou seja, as células de defesa do organismo atacam o próprio sistema nervoso central, provocando lesões cerebrais e medulares.

A esclerose múltipla não tem cura e pode se manifestar por diversos sintomas, como fadiga intensa, depressão, fraqueza muscular, alteração do equilíbrio da coordenação motora, dores articulares e disfunção intestinal e da bexiga. Os sintomas são variados, incluindo, ainda, leve formigamento nos membros e paralisia quase completa.

Alguns médicos chamam de doença das mil faces. “No mundo, é a segunda causa de incapacidade física entre jovens, perdendo só para trauma”, disse o neurologista Rodrigo Thomaz, especialista em esclerose múltipla do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

Katalin Karikó: Cientista é considerada a mãe da vacina da BioNTech contra a Covid-19
Foto: Jessica Kourkounis

A cientista Katalin Karikó, considerada a mãe da vacina da BioNTech contra a covid-19, e o CEO da empresa e cientista Ugur Sahin publicaram um estudo recentemente no qual mostram que uma molécula de RNA mensageiro pode fazer o sistema imunológico de ratos com doença semelhante à esclerose múltipla aprender a tolerar a mielina e, assim, parar de causar danos.

Publicado na Science, a pesquisa mostra que tratamento baseado em RNA mensageiro modificado foi bem tolerado por animais. A injeção é essencialmente muito semelhante à da vacina contra a covid-19, mas, neste caso, produz uma proteína capaz de modular o sistema imunológico.

De acordo com o estudo, os ratos tratados mostraram, no primeiro momento, a interrupção dos primeiros sintomas e, em seguida, a reversão da doença. Houve casos de a vacina reverter paralisia dos animais. Os pesquisadores mostraram, ainda, que a vacina não impede o sistema imunológico dos animais de identificar outros patógenos, como o da gripe.

O desafio atual é impedir a progressão da doença, segundo a cientista Vanessa Moreira Ferreira, pesquisadora no Brigham and Women’s Hospital, da Escola de Medicina de Harvard. “As medicações mais recentes reduzem inflamações em curso e previnem novas lesões, mas ainda não temos drogas capazes de reparar danos já ocorridos e impedir a progressão das incapacidades”, afirmou ela.

Atualmente existem mais de 10 tratamentos aprovados contra a esclerose múltipla em humanos. São drogas que modulam a resposta do sistema imunológico, mas têm efeitos colaterais, como reduzir a eficácia das defesas contra outros patógenos.

Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil

Um dos desafios dessa doença é que quase todo paciente apresenta um tipo diferente de aflição, mediada por diferentes antígenos, proteínas que causam uma reação do sistema imunológico, no caso, autoimune, pois ataca o próprio corpo.

O trabalho da equipe da vacina da BioNTech e demais especialistas de universidades e hospitais alemães destaca que a nova abordagem tem um tipo barata de se produzir, o que, segundo eles, poderia permitir o desenvolvimento de moléculas de RNA mensageiro específicas para cada paciente.

Isso é algo que a empresa e outras, como a Moderna, já estão tentando para pacientes com diversos tipos de câncer. Esses tipos de vacinas poderiam ajudar no controle de “doenças autoimunes complexas”, destacam os autores da pesquisa.

A pesquisa, porém, está em estágio muito inicial e ainda são necessários muitos estudos para demonstrar a eficácia em humanos daquilo que funciona em ratos, sem causar problemas.

Fernando de Castro Soubriet Especialista em esclerose múltipla, Fernando de Castro Soubriet, considera o avanço “muito interessante”. “Os resultados são espetaculares, mesmo quando a doença [encefalomielite autoimune experimental] já começou a apresentar sintomas. Mais do que uma vacina, acho que isso pode ser interessante como um possível tratamento”, explicou à imprensa.

De acordo com o cientista, alguns dos tratamentos mais eficazes da atualidade – como os anticorpos monoclonais que geram tolerância à mielina – tem os medicamentos mais caros do mundo, com um preço que pode beirar os 80 mil euros, o equivalente a R$ 520.000, por paciente.


Vacinas seguem protocolos rígidos e têm técnicas diferentes

Foto: Breno Esaki/Agência Saúde

O início da vacinação no Brasil levantou muitas dúvidas na população. Todas as vacinas, no entanto, seguem protocolos rígidos até começarem a ser aplicadas nas pessoas e, no caso do Brasil, devem ser aprovadas antes pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). No país, por enquanto, apenas a Coronavac e da AstraZeneca/Oxford estão permitidas.

Outras farmacêuticas seguem os trabalhos de negociação junto ao governo brasileiro. O comum de todas é o uso da tecnologia para alcançar a maior eficácia possível da imunização contra a crescente e intensa onda de disseminação do coronavírus no mundo e, especialmente, no Brasil.

Vacina de origem chinesa, a Coronavac, também desenvolvida pelo Instituto Butantan, é feita com o vírus inativado. Ele é cultivado e multiplicado numa cultura de células e depois inativado por meio de calor ou produto químico. Assim, o corpo que recebe a vacina com o vírus — já inativado — começa a gerar os anticorpos necessários no combate da doença.

 As células que dão início à resposta imune encontram os vírus inativados e os capturam, ativando os linfócitos, que são as células especializadas capazes de combater microrganismos. Os linfócitos produzem anticorpos, que se ligam aos vírus para impedir que eles infectem nossas células.

Já a vacina de AstraZeneca, de Oxford, produzida no Brasil pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocfuz), usa tecnologia conhecida como vetor viral não replicante. Por isso, utiliza um "vírus vivo", como um adenovírus, que não tem capacidade de se replicar no organismo humano ou prejudicar a saúde.

Armazenamento de vacinas Coronavac produzidas pelo Instituto Butantan
Foto: Breno Esaki/Agência Saúde

O adenovírus é modificado por meio de engenharia genética para passar a carregar em si as instruções para a produção de uma proteína característica do coronavírus, conhecida como espícula. Ao entrar nas células, o adenovírus faz com que elas passem a produzir essa proteína e a exibam em sua superfície, o que é detectado pelo sistema imune, que cria formas de combater o coronavírus e resposta protetora contra um.

No caso da Pfizer/BioNTech, a tecnologia chamada de mRNA ou RNA-mensageiro é diferente da usada para a CoronaVac ou AstraZenca/Oxford, que utilizam o cultivo do vírus em laboratório. Os imunizantes são criados a partir da replicação de sequências de RNA por meio de engenharia genética, o que torna o processo mais barato e mais rápido.

O RNA mensageiro mimetiza a proteína spike, específica do vírus Sars-CoV-2, que o auxilia a invadir as células humanas. Essa "cópia", no entanto, não é nociva como o vírus, mas é suficiente para desencadear uma reação das células do sistema imunológico, que cria uma defesa robusta no organismo. O imunizante da Pfizer precisa ser estocado a -75ºC.

Assim como a da Pfizer, a vacina da Moderna também utiliza a tecnologia de RNA mensageiro, que mimetiza a proteína spike — específica do vírus Sars-CoV-2 — e o auxilia a invadir as células humanas.

No entanto, essa "cópia" também não é nociva como o vírus, mas é suficiente para desencadear uma reação das células do sistema imunológico, que cria uma defesa robusta no organismo. A única diferença para a vacina da Pfizer é que esta necessita de armazenamento de -20ºC.

Fabricação da Sputnik V, no Distrito Federal
Foto: Renato Alves/Agência Brasília

Assim como a da AstraZeneca, a Sputnik V, desenvolvida pelo Instituto Gamaleya de Pesquisa da Rússia, é uma vacina de "vetor viral". Ela utiliza outros vírus previamente manipulados para que sejam inofensivos para o organismo e, ao mesmo tempo, capazes de induzir uma resposta para combater a covid-19.

Uma vez injetados no organismo, os outros vírus entram nas células e fazem com que elas passem a produzir e exibir essa proteína em sua superfície. Isso alerta o sistema imunológico, que aciona células de defesa e, desta forma, aprende a combater o Sars-CoV-2


El País: 'Este vírus vai continuar entre nós para sempre', diz Ian Lipkin

Ian Lipkin, um dos maiores especialistas do planeta em vírus emergentes, avalia que será impossível erradicar o SARS-CoV-2

Nuno Domínguez, El País

Em 1999, uma patologista do Zoológico do Bronx encontrou vários corvos mortos na entrada do parque. Pouco depois, flamingos e outras aves começaram a morrer no mesmo recinto, todos com estranhas hemorragias cerebrais. Quase ao mesmo tempo, a cidade de Nova York detectou um número incomum de emergências de inflamação cerebral em humanos. Sete pessoas morreram. Ninguém tinha clareza sobre a causa da morte.

O médico e epidemiologista Ian Lipkin foi um dos primeiros a identificar o culpado graças à análise genética. Era o vírus do Nilo Ocidental, um patógeno originado na África e importado para a América, provavelmente por meio do tráfico ilegal de animais.

Desde então, Lipkin se tornou um dos maiores caçadores de vírus do planeta — descobriu mais de 1.500 —, incluindo outro patógeno misterioso que matou quatro pessoas em uma cadeia de contágios relacionados a transplantes de órgãos na África do Sul.

Lipkin dirige o Centro de Infecção e Imunidade da Universidade Columbia (EUA), onde continuam chegando de todo o mundo amostras de animais e humanos para sua análise. Em 2002, ele foi escolhido pelo Governo chinês como conselheiro para conter um coronavírus preocupante que matou quase 800 pessoas, o SARS, para o qual desenvolveu o primeiro teste de detecção. Em 2012, foi contatado pela Arábia Saudita e ajudou a identificar o animal de onde surgiu o segundo coronavírus preocupante por sua letalidade: o MERS 2012, que saltou de camelos para humanos. Desde janeiro, voltou a colaborar com as autoridades chinesas, agora na investigação do SARS-CoV-2 para desenvolver melhores testes de detecção do vírus.

Pergunta. Em que trabalha atualmente?

Resposta. Durante muitos anos pesquisei novas maneiras de detectar infecções e entender a forma como os agentes infecciosos causam doenças. Agora trabalho com um engenheiro da Columbia que cria circuitos nos quais as moléculas são impressas: proteínas ou DNA, por exemplo. Se o SARS-CoV-2 ou outro vírus estiver presente no detector, essas moléculas se ligarão a ele e enviarão um sinal positivo. O mais interessante é que isso também permite identificar outros vírus que podem produzir os mesmos sintomas do SARS-CoV-2. É um teste múltiplo. É o futuro.

P. Que moléculas utiliza para detectar os vírus?

R. Anticorpos de lhamas. Os camelídeos não só produzem anticorpos convencionais como os de outros mamíferos, como também outros muito menores, de cadeia simples. Eles são muito eficazes unindo-se aos vírus. Em teoria, o teste poderia funcionar com amostras de saliva, sangue e até aerossóis, algo fundamental agora que estamos pensando em reabrir teatros, salas de concerto e outros espaços públicos. Esperamos ter os primeiros protótipos em janeiro.

P. Quando avalia que esta pandemia terminará?

R. Vamos viver o resto de nossas vidas com este vírus. Não vai desaparecer. Os recém-nascidos terão que ser vacinados para sempre e provavelmente teremos que dar doses de reforço adicionais aos já vacinados. Vai ser um problema recorrente. Não acho que a vida volte a ser completamente normal de novo.

P. Nem mesmo se eliminarmos todos os possíveis reservatórios animais?

R. Compare com a varíola, a única doença infecciosa erradicada. Não possui reservatório animal e todos os infectados sofrem a doenças. Nesta ocasião, não se dá nenhuma dessas duas coisas. Há transmissão assintomática ou pré-sintomática e também muitos animais em todo o mundo que vão se tornar reservatórios desse vírus. Morcegos, mustelídeos, talvez outros. Assim que começarmos a vacinação em massa, os níveis de infecção cairão drasticamente. Essas vacinas mais a imunidade associada à infecção real farão com que a partir de 2022 tenhamos uma redução drástica nas mortes. Mas o SARS-CoV-2 não desaparecerá e teremos que continuar monitorando.

P. Qual sua opinião sobre os últimos resultados de eficácia das vacinas?

R. Os dados sobre as vacinas baseadas em RNA mensageiro da Moderna e da Pfizer são surpreendentes. Tenho certeza de que essas vacinas também vão reduzir a quantidade de vírus que uma pessoa infectada gera e também reduzirão o tempo em que uma pessoa transmite vírus contagiosos. E seremos capazes de distribuir essas vacinas na maior parte da Europa e nos Estados Unidos. Mas levá-las aos países em desenvolvimento será um desafio extraordinário. Nessas áreas, precisamos de vacinas que não precisam de frio.

P. Essas vacinas nos permitirão voltar à normalidade?

R. A única maneira de voltar à normalidade é alcançando a imunidade de grupo global. Para isso, entre 60% e 80% da população mundial tem que estar imune. A covid-19 requer soluções globais e é encorajador ver o G20 se comprometer com um programa de vacinação mundial, em vez de buscar soluções nacionais. Não acredito que voltaremos à normalidade de antes da pandemia, da mesma forma que não retornamos à normalidade anterior ao 11 de Setembro. A covid-19 nos mostrou nossa vulnerabilidade a vírus emergentes, mas também demonstrou nossa capacidade de responder com ciência, compaixão e um objetivo comum.

P. Como acha que este vírus se converteu em pandemia?

R. A única coisa que podemos dizer com certeza é que ninguém, nenhum ser humano, criou deliberadamente este vírus. Afora isso, ninguém sabe como aconteceu. A China vai investir muito dinheiro na análise de animais selvagens. Em 2012, quando fomos buscar a origem da MERS, começamos a procurar em morcegos porque o vírus mais semelhante a este que se conhecia foi encontrado nesses animais. Mas o paciente zero do MERS tinha quatro camelos e então começamos a olhar para esses animais. Descobrimos que tinham anticorpos. Começamos a estudar camelos em praticamente toda a península arábica e descobrimos que 75% de todos os camelos tinham anticorpos. Fomos a bancos de sangue de camelos e vimos que esse vírus já circulava havia pelo menos 10 anos. Provavelmente havia casos de MERS em humanos que ninguém soube ver.

P. Nossos sistemas de vigilância podem ser aprimorados contra novos vírus?

R. Minha equipe estimou que existem pelo menos 320.000 vírus desconhecidos que podem infectar mamíferos. Outras estimativas falam de um milhão. Nos Estados Unidos se discutiu um projeto de cooperação internacional que iria destinar cerca de 6 bilhões de dólares [32 bilhões de reais] na caracterização de todos esses vírus. O problema dessa abordagem é que encontrar um desses vírus não indica se ele infectará humanos ou não. Considerando os recursos limitados, esta é a melhor forma de gastar o dinheiro? Acredito que existem outras formas. Por exemplo, há zoológicos em todo o mundo. Cada novo patógeno que chega pode se infiltrar nos zoológicos. Alguns animais podem morrer e estudá-los nos daria muitas pistas. O mesmo pode ser feito com animais selvagens mortos e também domésticos. Eles podem ser o termômetro de que um novo vírus está circulando. Caracterizar esses surtos é mais simples do que procurar o vírus em si.

P. Há mais formas de chegar antes?

R. Antes de uma epidemia estourar, o vírus circula silenciosamente por um período de tempo. Foi o que aconteceu com o HIV na década de 1940. O mesmo acontecerá com o SARS-CoV-2. Quando tivermos a tecnologia adequada baseada em anticorpos, possivelmente vejamos que havia pessoas infectadas muito antes de ser detectado em Wuhan em dezembro. Pode ter sido até mesmo anos antes. Uma maneira de detectar isso é usando bancos de sangue; fazer ensaios sorológicos. Outra forma é fazer mais autópsias. São feitas pouquíssimas porque são caras e em geral não são muito úteis. Mas se pudermos encontrar uma maneira de fazer uma autópsia rápida baseada na sorologia, poderíamos saber muito mais do que sabemos sobre este e outros vírus.

P. Você também está estudando, como tratamento, o uso de plasma de pessoas curadas. Há resultados?

R. Temos um estudo com cerca de 200 pacientes que recebem plasma imune ou plasma normal. São pacientes em estado grave. Depois teremos outro ensaio com pessoas com sintomas muito leves. Acreditamos que é nesses casos que essa intervenção funcionará melhor: você evita que a infecção se dissemine e descarta a possibilidade de que o próprio sistema imunológico reaja exageradamente e cause covid-19 grave.

P. Qual sua opinião sobre o remdesivir, o primeiro fármaco aprovado contra a covid-19, ao preço de 2.000 euros [cerca de 13.000 reais]?

R. Tem um efeito muito modesto. Encurta a hospitalização, mas não reduz a mortalidade. Não é um bom fármaco. Provavelmente não vale seu preço. Mas as pessoas o vão tomar porque foi aprovado. Como os anticorpos monoclonais e o plasma, é possível que só funcione nos estágios iniciais da doença. Depois que o vírus se espalhou por todo o corpo, é tarde demais. Nesse caso, será mais importante controlar a resposta imune com esteroides e usar anticoagulantes.

P. Colabora há anos com a China e esteve lá em fevereiro. Acredita que realmente conteve o vírus?

R. Sim. Na China, se o Governo decide fazer algo, faz. Não é como na Espanha ou nos Estados Unidos, onde pode haver debate sobre confinamentos e fechamentos. Todo mundo obedece. Existem vantagens e desvantagens nas ditaduras, mas na saúde pública claramente a política é muito mais consistente. Em comparação, a UE e os EUA deveriam ter políticas mais consistentes.

P. Em 2011, você foi consultor científico de Contágio, um filme que contava como um vírus pandêmico se apoderava do mundo. Está surpreso com a semelhança com a realidade?

R. Não estou surpreso com a precisão do que o filme expôs porque nos baseamos em nossa experiência durante os surtos do vírus do Nilo Ocidental, do SARS, do Ebola, do estado em que se encontravam os programas de vigilância biológica de novos vírus emergentes e em como as redes sociais estavam evoluindo.