Ricardo Henriques

Folha de S. Paulo: Juventude vive crise voraz com inserção precária no mercado de trabalho, diz Ricardo Henriques

Na avaliação de economista, o Ministério da Educação se eximiu de coordenar a política educacional ao longo do pandêmico 2020

Érica Fraga, da Folha de S. Paulo

O Ministério da Educação se eximiu de seu papel de coordenar iniciativas que pudessem mitigar os efeitos negativos da crise atual, como um possível aumento na evasão escolar de jovens em consequência do isolamento social.

Essa é a opinião do economista Ricardo Henriques, 60, superintendente-executivo do Instituto Unibanco, instituição que apoia governos estaduais e municipais em projetos principalmente para melhorar a gestão educacional.

“A economia das instituições nos ensinou há décadas que, nas crises, você precisa de mais coordenação. No caso da educação no Brasil, ocorreu o contrário disso. O MEC saiu de cena”, disse Henriques à Folha.

Uma retomada desse papel de coordenação das políticas educacionais seria crucial para melhorar as perspectivas futuras dos jovens brasileiros que estão prestes a deixar a escola, segundo o economista, que coordenou a implementação do Bolsa Família, de 2003 a 2004, quando foi secretário-executivo do Ministério de Assistência Social.

Ele defende uma agenda que combine o combate à evasão com uma oferta relâmpago de cursos profissionalizantes no curto prazo. Sem isso, há o risco de aumento do desemprego estrutural dos jovens, segundo Henriques, que, no entanto, não é otimista em relação a ações do governo federal nessa direção.

Por que os jovens sofrem mais do que outras faixas etárias nas crises?
A primeira razão é que, em períodos de crise, o mercado de trabalho tende a buscar pessoas com mais experiência. A segunda que, na crise, você diminui o investimento em treinamento, que é muito importante para uma maior mobilidade futura dos jovens dentro das empresas.

O não engajamento no mercado de trabalho assim que você se torna disponível, seja saindo do ensino médio seja no pós-universidade, tende em geral a criar mais vínculos informais. Isso te distancia do mercado mais estruturado e dificulta o desenvolvimento tanto de competências específicas a certas ocupações quanto de práticas gerais associadas ao mundo do trabalho. Isso não é uma exclusividade do Brasil, acontece no mundo todo.

A juventude que vive crises muito vorazes tem inserções mais precárias do que as juventudes anteriores e posteriores.

Há características estruturais do Brasil que aumentem os impactos nocivos dos períodos de crise para os jovens? 
O fato de que o Brasil não criou, sobretudo nos últimos 30 anos, uma formação técnica em larga escala para a juventude diminui ainda mais as oportunidades para os jovens. Essa é uma diferença importante nossa em relação a alguns outros países. Desenvolvemos um traço estrutural binário de ou concluir o ensino médio tradicional ou ir para a universidade.

A reforma do ensino médio busca endereçar isso ao criar a opção de itinerários, que incluem a possibilidade de uma formação técnica. Mas não deu tempo ainda dessas mudanças começarem a sair do papel. Se elas começarem, como o esperado, no próximo ano e mantiverem um ritmo razoável, teremos uma quantidade maior de jovens entrando na rota do ensino profissionalizante por volta de 2023.

Que política pública existente pode ajudar a mitigar os efeitos desses anos de crise sobre a geração jovem atual? 
Há muito pouco. A política de cotas e de financiamento privado aumentou o contingente de 18 a 24 anos que vai para a universidade, mas o patamar é ainda muito inferior ao que gostaríamos. E, para alguns, que não vão para o ensino superior, há a possibilidade de uma formação técnica, pós-ensino médio, sobretudo no sistema S, mas concentrada no Senai.

A situação é ainda mais grave quando percebemos que a crise atual também implicará uma reconfiguração do mundo do trabalho, já que ela impulsionou ainda mais as empresas mais intensivas em tecnologia, que demandarão mão de obra técnica em uma escala muito maior do que a gente tem.

Ou seja, se não investirmos em uma formação técnica e profissionalizante intensa, o caráter estrutural do desemprego desses jovens vai aumentar.

O que pode ser feito, principalmente em relação aos jovens mais vulneráveis, no curtíssimo prazo? 
Neste ano e no próximo, é fundamental uma política de busca ativa e intensa dos jovens que estão na iminência de abandonar a escola. Seria importante ter apoio do governo federal para isso, mas os governos estaduais precisam de uma política muito intensa de manutenção e regresso para a escola, porque o tamanho do buraco pode ser maior do que estamos prevendo.

Dado o tamanho da crise, é importante também começarmos a pensar em programas específicos de renda e de formação pós-ensino médio. Poderia ocorrer uma parceria mais estruturada do governo federal com o sistema S e os governos estaduais para oferecer aos jovens mais vulneráveis bolsas de estudo para uma formação pós-ensino médio. Precisaríamos de uma blitz para esse período de 2021 a 2023. Acho que isso deveria ser feito, mas não sou muito otimista de que esse governo venha a fazer isso.

Por que o sr. não é otimista? 
Não parece ter muitos vetores nessa direção. Mas a ideia de alguns estados de ofertar o quarto ano do ensino médio para os jovens que podem continuar estudando é uma possibilidade interessante. Para quem não tiver essa chance, é melhor se formar em 2020 do que abandonar os estudos. Mas aqueles que puderem ficar mais um ano estudando terão perspectivas melhores.

Como o Instituto Unibanco adaptou seus programas, como o Jovem de Futuro, neste ano? 
Como a gente tem muita metodologia de gestão da escola, ainda em março fizemos uma adaptação para práticas mais ágeis, instituindo gabinetes de crise com as secretarias das quais somos parceiros e criando várias adaptações, por um lado, para o ensino remoto e, por outro, para essa retomada do ensino híbrido.

Como o sr. avalia a resposta das diferentes redes de ensino do país à pandemia? 
Houve heterogeneidade, mas acho que o copo cheio dessa história é que houve uma grande adaptação tanto de estados como de municípios, sobretudo os grandes, correlata à ausência do Ministério da Educação. O ministério se eximiu de ser um ator que tivesse relevância para os contornos da política educacional ao longo de 2020.

Mas os estados e os municípios assumiram a responsabilidade sobre isso e criaram desenhos adequados cada um à sua realidade, garantindo desde a segurança alimentar —que é um baita desafio fora do contexto das aulas presenciais— até a provisão das mais variadas formas de aulas.

E isso aconteceu sem coordenação alguma do Ministério da Educação, que não instituiu um gabinete de crise, não aproveitou para coletar informações dos estados e municípios e, com isso, gerar conhecimento novo.

Esse empoderamento dos estados e municípios aumenta sua capacidade de instituir a agenda de reformas prevista para os próximos anos? 
Acho que sim, tomara que sim. Mas temos que tomar cuidado porque não podemos prescindir da ideia de um sistema nacional de educação. Até porque redes estaduais mais empoderadas solicitariam incidências mais finas, sutis e sofisticadas do Ministério da Educação.

É um regime federativo. É cada vez mais necessário um sistema integrado e articulado.

Que risco corremos se essa articulação não ocorrer? 
Menor geração de conhecimento, menor troca de boas práticas, criação de obstáculos desnecessários. Você vai ficar ao bel prazer do secretário do Pará querer conversar com o secretário do Paraná para saber o que aconteceu. Já um sistema que funcione bem gera um repositório de práticas, gera análise sobre isso, produz protocolos, dissemina conhecimento.

A economia das instituições nos ensinou há décadas que, nas crises, você precisa de mais coordenação. No caso da educação no Brasil, ocorreu o contrário disso. O MEC saiu de cena.

Há motivo para otimismo em relação a uma mudança desse cenário? 
Não tenho bola de cristal. Mas não há nenhum sinal de o MEC caminhar nessa direção. O cenário não é otimista. Eu espero que caia a ficha e que o ministério se recomponha rapidamente. Mas, até agora, passados oito meses de crise, o MEC segue distante de ocupar esse papel tão necessário.


Coronavírus: Como epidemia pode afetar crescimento econômico da China e do Brasil?

Em artigo produzido para Política Democrática Online, economista José Luis Oreiro cita que economia do Brasil pode ter crescimento inferior a 1,5% em 2020

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A epidemia do coronavírus pode contribuir na projeção da redução do crescimento da China para 4% em 2020 e queda de 33% no ritmo de crescimento na comparação com 2019, segundo analistas. A avaliação é reforçada pelo professor associado do Departamento de Economia da UnB (Universidade de Brasília) e doutor em economia José Luis Oreiro. Em artigo que produziu para a 16ª edição da revista Política Democrática Online, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), ele analisa como o aumento de casos de infecção pelo coronavírus também pode impactar, negativamente, a economia do Brasil. A íntegra do artigo e outros conteúdos podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 16ª edição da revista Política Democrática Online

“Nesse contexto, é possível que a economia brasileira apresente crescimento inferior a 1,5% em 2020, completando assim quatro anos de crescimento medíocre após o fim da grande recessão”, afirma o economista. A produção da indústria brasileira recuou 1,1% em 2019 na comparação com 2018, segundo informações divulgados no mês passado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ele tem um site próprio e já publicou mais de 80 artigos em revistas científicas no Brasil e no exterior.

 De acordo com o economista, o recuo da produção industrial interrompe o movimento de tímida recuperação da produção industrial ocorrido em 2017 e 2018. “Os dados de recuo da produção industrial jogaram um balde de água fria nas expectativas de uma aceleração mais robusta do crescimento em 2020”, afirma Oreiro. Ele acrescenta que não há como escapar da conclusão de que a grande recessão de 2014 a 2016 produziu redução da tendência de crescimento da economia brasileira.

Dados divulgados pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), conforme ressalta o economista, mostram que a formação bruta de capital fixo recuou 2,7% no quarto trimestre, na comparação com o período imediatamente anterior. “Diante dos dados recentemente divulgados, os analistas do mercado financeiro já começaram a reduzir suas previsões de crescimento para 2020, as quais já se encontram bem abaixo de 2,5%, com algumas até mesmo abaixo de 2%”, afirma o professor da UnB.

A questão relevante, de acordo com o professor da UnB, é saber qual o motivo. “Na minha visão, a redução do potencial de crescimento de longo prazo é um fenômeno que vem ocorrendo desde meados da década passada, em função da desindustrialização crescente da economia brasileira; fenômeno esse que foi tardiamente percebido pelas administrações petistas e enfrentado de forma tíbia e inconsistente no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff.

Oreiro foi professor do departamento de economia da Universidade Federal do Paraná de 2003 a 2008, onde exerceu o cargo de Diretor do Centro de Pesquisas Econômicas (CEPEC), de vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico (2004-2008) e de coordenador do Boletim Economia & Tecnologia (2005-2007), do qual foi o fundador.

Além de escrever para a revista Política Democrática Online, o economista já publicou artigos em outras veículos de grande relevância, como Journal of Post Keynesian Economics, Cambridge Journal of Economics, International Review of Applied Economics, Investigacion Economica, Revista de la Cepal, Economia (Anpec), Revista de Economia Política, Economia e Sociedade e Estudos Econômicos.

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Brasil precisa avançar na construção de sistema nacional de educação, diz Ricardo Henriques

Em entrevista à Política Democrática Online, superintendente executivo afirma que Ministério da Educação deveria ter mais força reguladora

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

“Precisamos, ainda, avançar muito na construção de um sistema nacional de educação”, afirma o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, em entrevista exclusiva à 16ª edição da revista mensal Política Democrática Online. De acordo com ele, o país avançou numa definição genérica de um regime de colaboração. “Só que não logramos transformar isso num sistema nacional, com responsabilidades compartilhadas em todas as instâncias – federal, estadual e municipal”, afirma ele. Todos os conteúdos da revista, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), podem ser acessados gratuitamente no site da entidade.

» Acesse aqui a 16ª edição da revista Política Democrática Online

Na entrevista, o superintendente do Instituto Unibanco diz que, se o ensino for de qualidade e equânime, os estudantes brasileiros estarão aprendendo a aprender, arquivando-se o registro do ensino enciclopédico, da memorização, da decoreba. Além disso, ele afirma que o país acumulou, ao longo da história, sobretudo pós-Constituinte, uma visão, por um lado, e uma prática, por outro, de que o compartilhamento da responsabilidade sobre a educação básica entre os entes da Federação fortalece a chance de uma agenda consistente a serviço das crianças e dos jovens no Brasil.

Na avaliação de Ricardo Henriques, o Ministério da Educação deveria ter muito mais força, poder e exercício de função reguladora, de controle de qualidade, de certificação, de garantia de que o pacto federativo funcione a contento, isto é, que a interação entre estados e municípios se aperfeiçoe. “Ao Ministério da Educação, cabe regular essa interação, critérios de qualidade e a universalidade da educação, com o que seria possível aumentar a mobilidade educacional, desde a primeira infância até o ensino médio”, ressalta.

Ricardo Henriques possui uma longa carreira na área da educação. Foi secretário nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação e secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social, quando coordenou o desenho e a implantação inicial do programa Bolsa Família. É membro do Conselho de Administração do Todos pela Educação, Anistia Internacional, GIFE, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Sou da Paz e do Instituto Natura.

O superintendente do Instituto Unibanco cita também, ao longo da entrevista concedida à revista Política Democrática Online, a necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e o papel do Instituto Unibanco, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.

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Revista Política Democrática || Entrevista Especial: 'Precisamos avançar na construção de um sistema nacional de educação', avalia Ricardo Henriques

Para o superintendente executivo do Instituto Unibanco, Ricardo Henriques, se o ensino for de qualidade e equânime, os estudantes brasileiros estarão aprendendo a aprender, arquivando-se o registro do ensino enciclopédico, da memorização, da decoreba

Por Caetano Araújo e Cleomar Almeida

“Precisamos, ainda, avançar muito na construção de um sistema nacional de educação. Avançamos numa definição genérica de um regime de colaboração, só que não logramos transformar isso num sistema nacional, com responsabilidades compartilhadas em todas as instâncias – federal, estadual e municipal”, avalia Ricardo Henriques, economista e superintendente executivo do Instituto Unibanco, na entrevista que concedeu à Revista Política Democrática Online, em sua 16ª edição

“Acumulamos ao longo de nossa história, sobretudo pós-Constituinte, uma visão, por um lado, e uma prática, por outro, de que o compartilhamento da responsabilidade sobre a educação básica entre os entes da Federação fortalece a chance de uma agenda consistente a serviço das crianças e dos jovens no Brasil”, complementa Henriques.

Ricardo Henriques possui uma longa carreira na área da educação. Foi secretário nacional de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da Educação e secretário executivo do Ministério de Desenvolvimento Social, quando coordenou o desenho e a implantação inicial do programa Bolsa Família. É membro do Conselho de Administração do Todos pela Educação, Anistia Internacional, GIFE, Fundação Maria Cecília Souto Vidigal, Instituto Sou da Paz e do Instituto Natura.

Nesta entrevista, Ricardo Henriques fala da necessidade de o país adotar uma Base Nacional Curricular Comum e do papel do Instituto Unibanco, que já conta com 35 anos de atuação em todo o país, entre outros assuntos.

Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Revista Política Democrática Online (RPD): Por que uma instituição como o Itaú, vocacionada a trabalhar com a parcela mais afortunada da sociedade, se interessa pela educação de jovens?
Ricardo Henriques (RH): A questão remete a uma visão estratégica do que é responsabilidade pública na sociedade contemporânea, do que é o espaço público. Hoje, não é mais um espaço estritamente governamental. É um espaço que propicia a interação entre os responsáveis pela função pública e a sociedade civil organizada, os movimentos sociais, o setor privado e o mundo fundacional. A sociedade brasileira, diante de seu desafio de enfrentar a desigualdade, solicita esse tipo de engajamento. A questão de fundo é que esse espaço público compartilhado torna consistente uma opção do mundo fundacional privado, para se comprometer, de forma categórica, com a produção dos bens públicos.

A partir daí, temos o Instituto Unibanco, que existe há 35 anos, e trabalha há mais de uma década em cooperar com o poder público no âmbito da garantia de direitos, com foco na melhoria de aprendizagem dos estudantes do ensino médio, sua permanência na escola e redução da desigualdade de aprendizagem.

Este é o foco prioritário que elegemos: trabalhar com a gestão da educação. Atuamos baseados em três pilares: foco no estudante, corresponsabilização entre as instâncias, ou seja, secretarias regionais de ensino atuando com a prática; planejar, executar, avaliar, corrigir rotas com a aprendizagem e troca de experiências.

RPD: Como você acaba de indicar, o Instituto privilegia parcerias com os governos estaduais. De seu ponto de vista, a política de educação no Brasil deve ser projeto a partir da esfera estadual ou, mesmo, municipal, e não do governo federal?
RH: Acumulamos ao longo de nossa história, sobretudo pós-constituinte, uma visão, por um lado, e uma prática, por outro, de que o compartilhamento da responsabilidade sobre a educação básica entre os entes da federação fortalece a chance de uma agenda consistente a serviço das crianças e dos jovens no Brasil. Precisamos, ainda, avançar muito na construção de um sistema nacional de educação. Avançamos numa definição genérica de um regime de colaboração, só que não logramos transformar isso num sistema nacional, com responsabilidades compartilhadas em todas as instâncias.

O Ministério da Educação deveria ter muito mais força, poder e exercício de função reguladora, de controle de qualidade, de certificação, de garantia de que o pacto federativo funcione a contento, isto é, que a interação entre estados e municípios se aperfeiçoe. Ao Ministério da Educação, cabe regular essa interação, critérios de qualidade e a universalidade da educação, com o que seria possível aumentar a mobilidade educacional, desde a primeira infância até o ensino médio. A preocupação obsessiva deve ser com o desenvolvimento integral dos estudantes, mantendo-os na escola e garantindo que eles aprendam em igualdade de condições. À semelhança do sistema nacional de saúde, seria implantado um sistema nacional de educação, distribuindo-se as atribuições pelas três instâncias – federal, estadual e municipal.

RPD: O Instituto prega a adoção de uma base nacional curricular comum, que já foi aprovada, aliás. Como isso é possível em um país como o Brasil, com tantas disparidades regionais e sociais?
RH: Sem dúvida, é um desafio, e o primeiro degrau nesse sentido seria entender o valor de uma Base Nacional Comum Curricular. Ela será responsável, como ocorre em outras partes do mundo, por definir as expectativas de aprendizagem para todos os estudantes ao longo do ciclo escolar obrigatório, de 12 anos. Defendo o que, na literatura, se chamam as competências necessárias para cada estudante desenvolver ao longo de sua vida e as habilidades associadas a isso. Nisso está embutida a ideia de que, se o ensino for de qualidade e equânime, os estudantes estarão aprendendo a aprender, arquivando-se o registro do ensino enciclopédico, da memorização.

Definidos esses parâmetros da política educacional, podemos começar a estruturar os currículos dos estados e municípios. Depois tenho de desenhar as medidas de avaliação, capazes de captar esse desenvolvimento do ponto de vista das competências e habilidades a partir da base. Hoje ocorre exatamente o contrário. Defino uma prova como o ENEM e organizo todo o sistema de ensino em função disso. É o cachorro que abana o rabo ou o rabo que abana o cachorro? O que acredito é que a base deve criar os incentivos corretos para que as avaliações se deem conforme aquilo que é esperado que se aprenda. Vou aferir se isso acontece ou não e, se for o caso, introduzir as correções.

A segunda questão, como variável principal em um processo de ensino de aprendizagem, é como se dá a relação entre professor e aluno.

É fundamental ter nesse grande sistema de ensino professores com condição de trabalho e qualificação técnica adequadas às altas expectativas de aprendizagem dos estudantes. Daí a importância de um forte investimento na formação inicial da nova geração de professores, nas universidades públicas e privadas. Isso está associado tanto às competências técnicas para esse professor, do ponto de vista dos conteúdos específicos, como a práticas e técnicas didáticas mais contemporâneas, que saiam da armadilha da disciplina, reconheçam a densidade das disciplinas e favoreçam projetos, de forma a envolver os estudantes e levá-los a se encantar com o ato de aprender.

É preciso uma formação adequada para isso. Sem esquecer a geração que já está em serviço e que vai ficar muitos anos lecionando. Ela também deve receber o devido treinamento na sua capacitação profissional.

Trata-se de uma base que calça um sistema integrado de formação e valorização de professores. Há uma clara dimensão ético-política, que tem a ver com altas expectativas sobre esses profissionais e suas relações com os estudantes e, em última instância, a garantia de direitos; e há, também, uma dimensão técnico-pedagógica, de desenvolvimento da capacidade de ensinar bem e para todos.

O bom professor não dará a aula que quer dar; dará a que é necessário dar. A aula de hoje poderá ter conteúdos distintos da aula de ontem ou da de amanhã, em função das configurações próprias de cada turma, seja pelo número de alunos, grau de história sócioemocional, econômica, de conteúdos associados àquela disciplina, elementos que solicitam técnicas didáticas também diferenciadas, e os professores devem se adequar.

A formação tem de ser dedicada simultaneamente a essas duas dimensões. A Base Nacional Curricular Comum haverá de viabilizar o parâmetro nacional com que os professores, tanto os ativos das redes de ensino básico, como os que forem ensinar nas universidades, poderão contar como referência da formação escolar dos alunos.

RPD: Nessas parcerias, o que o Instituto oferece às secretarias estaduais?
RH: Focamos em três elementos: o desenvolvimento integral e pleno do estudante; a necessidade de coerência entre os níveis de intervenção, ou seja, secretarias regionais de ensino e a escola; e a ideia de aprender com a prática.

A parceria se move, então, a partir de uma visão contemporânea de gestão, gestão do sistema educacional e gestão da escola, da sala de aula, e está totalmente dedicada àqueles três pilares. Nas parcerias, produz-se o saber na prática cotidiana dessa visão mais contemporânea de gestão, a serviço da qualidade da educação.

Essa agenda envolve várias ações: a formação das equipes e profissionais de educação; a governança – reuniões entre a secretaria  e o Instituto Unibanco; a assessoria técnica – equipe do Instituto atuando junto às equipes técnicas  das secretarias; o sistema de dados – tecnologia que apoia as instâncias com dados e informações sobre os planos de ação, monitoramento e resultados; e a comunicação que mobiliza todo esse contingente de pessoas que todos os dias acordam para trabalhar pelos nossos jovens. O objetivo é instituir, na rotina da escola até a secretaria, aquilo que chamamos de “circuito de gestão”. Por exemplo, o planejamento se dá na escola a partir de protocolos que ajudam a viabilizar planos de ação que levem em conta técnicas de planejamento adaptadas à cada realidade. Cada escola tem seu plano de ação. As instâncias regionais têm um plano de ação para quem estiver sob sua responsabilidade, e a secretaria, um plano de ação integrado.

Definido o plano de ação, o Instituto entra no circuito, para articular-se com a secretaria, na etapa de execução. O monitoramento é conduzido por um supervisor – funcionário da secretaria – que acompanha cada escola, até um conjunto de seis. Esse acompanhamento – gerido por reuniões semanais ou quinzenais – gera avaliações sobre o funcionamento do sistema, que posteriormente viram troca de práticas entre os diretores da escola, entre os coordenadores pedagógicos, técnicos das secretarias e/ou na correção de rotas. Mas o foco será sempre o estudante.

O “circuito de gestão” opera com sentido de urgência e privilegia os horizontes de inclusão e aprendizagem; para isso, ocorre três vezes no ano: garantindo resultados antes da evasão escolar, da reprovação ou do aumento da desigualdade de oportunidades.

RPD: Raramente se ouve falar de ensino profissionalizante como meio para fazer ingressar contingentes crescentes de mão de obra no mercado de trabalho e contribuir, assim, para a elevação da competitividade do setor produtivo. O que o Instituto pensa a respeito?
RH: Infelizmente, ao longo da história, o Brasil investiu pouco no ensino técnico-profissionalizante. Não podemos esquecer que, de cada 100 crianças que entram no primeiro ano do ensino fundamental, somente 65 concluem o ensino médio; é um arranjo absolutamente perverso da sociedade, que abre mão de 35% da população infantil.

O mais grave é: o que os que concluíram o curso, os mencionados 65%, aprenderam? Qual é a qualidade e qual o significado do que aprenderam? A resposta está em que, destes 65%, cerca de 20% chegam à universidade. E os outros? Só se sabe que esses não concluíram sequer o ensino médio – em si um desastre absoluto –, não foram para a universidade e, tampouco, tiveram a oportunidade de uma formação técnico-profissionalizante.

Quando mencionei um sistema nacional de educação integrado, referia-me a uma visão estratégica que tivesse a noção de desenvolvimento pleno e integral dos estudantes, o que não acontece apenas pelo caminho propedêutico, acadêmico. Todos têm o direito de acessar a universidade, é um direito de garantia da cidadania, que tem de ser universal.

O valor das altas expectativas de aprendizagem para todos abrange tanto o ensino técnico vocacional, como o técnico-profissionalizante de qualidade. Vários países, além dos 12 anos obrigatórios, oferecem trajetórias técnico-profissionalizantes que se desdobram para pessoas com inserção no mercado de trabalho, preparando-as também para, se o desejarem mais tarde, cursar o pós-médio, o técnico na universidade e, depois, o universitário e, até mesmo, o pós-universitário.

O ensino técnico que habilitará à inserção no mercado de trabalho não inviabiliza, portanto, futura requalificação acadêmica. Tanto mais porque, na sociedade do conhecimento, no umbral da quarta revolução industrial, o aprendizado no ensino técnico ainda será insuficiente para uma inserção digna e dinâmica do ciclo de vida do cidadão.

Em outras palavras: a reconfiguração da sociedade do conhecimento tem início, forçosamente, na educação básica; precisa ser complementada, porém, pelo saber em esferas superiores, isto é, no nível universitário ou pós-universitário. Temos de criar condições para atingir esse objetivo. O desafio é gigantesco, mas não há opção se quisermos superar nosso atraso em relação a tantos outros países, inclusive no grupo dos emergentes.

PRD: O Instituto assina convênios de parcerias com todas as unidades da Federação? Já se podem identificar histórias de sucesso nessas parcerias?
RH: Temos, atualmente, parceria com seis redes estaduais – Ceará, Espírito Santo, Goiás, Minas Gerais, Piauí e Rio Grande do Norte. Buscamos desenvolver soluções que gerem resultados concretos e sustentáveis pelos próprios Estados parceiros, sem transferência de recursos financeiros entre o Estado e o Instituto Unibanco.

Na parceria são investidos recursos relevantes nossos, sem o uso de leis de incentivo, e também próprios do sistema público de ensino.

Ao longo de 11 anos de nossas parcerias, fizemos avaliação de impacto, tal como o definiu o último prêmio Nobel de economia. Ou seja, uma avaliação de impacto em que, no início do programa, se faz um pareamento, escolhem-se escolas equivalentes, do ponto de vista educacional e socioeconômico, e sorteiam-se as que vão começar no projeto. Ao cabo de três anos, mantém-se um grupo dentro do projeto, e outro grupo fora do projeto. Depois, no quarto ano, todo mundo entra, e aí ficamos mais cinco anos no Estado. São oito anos de parceria.

A avaliação de impacto traz os seguintes grandes resultados: no quesito resultado de aprendizagem, os estudantes, após os três anos do programa, aprenderam 35% a mais do que os outros alunos de Língua Portuguesa. E, em matemática, o incremento foi de 40%.

Além disso, o programa reduziu o número de estudantes que estavam em nível muito crítico de aprendizagem e contribuiu para que dez mil estudantes, que se estimava fossem evadir-se em 2017, não se evadissem. Em síntese, o programa registrou aumento significativo de aprendizagem, redução de evasão e, portanto, redução de desigualdade na aprendizagem.

Em 2017, segundo dados da avaliação externa do Ministério da Educação – o IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) –, entre os Estados da Federação, Goiás foi o primeiro do ranking no ensino médio; o segundo lugar foi o Espírito Santo; e o quarto lugar, o Ceará. O terceiro lugar do ranking ficou com Pernambuco, que adotara estratégia semelhante à nossa, de gestão orientada para resultado de aprendizagem.

É interessante destacar que nenhum dos Estados mencionados está entre os mais ricos da Federação. Mas o programa de parcerias do Instituto logrou demonstrar que o padrão de desigualdade que nós temos hoje, e a estagnação do ensino médio, quando submetidos a uma estratégia de gestão preocupada e dedicada empiricamente à garantia do direito à educação, são reduzidos por resultados intensos e rápidos.