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Antonio Corrêa de Lacerda: É preciso mais que o auxílio emergencial para enfrentar a crise

Muitos países têm adotado programas de fomento às atividades e à infraestrutura para estimular a retomada da demanda e da renda

O atendimento da população vulnerável tem sido fundamental no enfrentamento dos efeitos da pandemia. No ano que passou o pagamento do auxílio emergencial foi determinante para amenizar a situação. Para 2021 é crucial mantê-lo, pelo menos nos mesmos termos, apesar das dificuldades de ordem orçamentária. O agravamento da crise tornou-o absolutamente imprescindível para apoiar as pessoas que estão impedidas de exercer sua atividade e é preciso oferecer-lhes outras formas de sustento.

Para além da medida de amparo social, tendo em vista o aprofundamento e extensão da crise, outras medidas se tornam cruciais para o seu enfrentamento. Note que muitos países têm adotado programas de fomento às atividades e à infraestrutura como forma de estimular a retomada da demanda efetiva, portanto, da renda, do emprego e da arrecadação tributária.

Trata-se, por exemplo do caso dos EUA. Depois de ter aprovado um pacote social da ordem de US$ 1,9 trilhão, foi anunciado, mais recentemente, pelo presidente Biden o “Plano de Emprego Americano”. O programa prevê investimentos em infraestrutura de US$ 2,25 trilhões, contemplando a economia verde, em áreas como residencial, transportes e mobilidade urbana em geral, dentre outras.

Europa também anunciou plano de incentivo à economia no valor de 750 bilhões de euros, acompanhado de uma proposta de orçamento de longo prazo para o período 2021-2027, que abrange a oferta de crédito a custos competitivos para empresas e pessoas físicas. A China tem longa tradição de adoção de medidas anticíclicas mediante perspectiva de diminuição da demanda efetiva.

Essa ação de coordenação de políticas e medidas adotadas por vários países denota o esforço concentrado tanto de combater a crise decorrente da pandemia como também empreender uma clara estratégia de desenvolvimento. Eles estão corretamente conduzindo um diagnóstico de debilidades e lacunas nos vários campos social e de infraestrutura para fomentar e induzir o crescimento em bases sustentáveis, envolvendo dentre outras questões, a energia renovável. Subsidiária e complementarmente também se denota o foco na ampliação da competitividade sistêmica, a melhora do “ambiente” de negócios.

Outro traço comum das ações em curso é a combinação da coordenação e atuação do Estado com o setor privado. Seria um equívoco atribuir essa responsabilidade somente a um deles. Ambos exercem papel relevante para superar a crise. Mas a iniciativa deve ser necessariamente do Estado, uma vez que o investimento público é determinante no processo. Dado o seu efeito multiplicador e de “demonstração”, ele estimula o setor privado a também fazê-lo, sinalizando futuro crescimento da demanda e criando efeito positivo retroalimentado.

Quanto ao aspecto fiscal, vale lembrar que o impulsionamento das atividades gera efeito positivo sobre a arrecadação de impostos, o que, no médio prazo, tende a compensar a necessária ampliação dos desembolsos. Muitos países têm ampliado seu déficit e o endividamento público. No âmbito do G-20, por exemplo, o indicador da relação dívida/PIB retomou o nível máximo atingido em 1946, logo após a 2.ª Grande Guerra. Há ainda medidas de reforma tributária em vista visando a ampliar os recursos financeiros.

No caso brasileiro, no curto prazo, além das medidas já citadas, urge criar alternativas para romper amarras orçamentárias, algumas autoimpostas, como a “Lei do Teto de Gastos” (EC 95). Além disso há que se rever os incentivos e subsídios fiscais que não geram retorno social.

*Professor-Doutor, Diretor da FEA-PUC-SP, presidente do Conselho Federal de Economia (Cofecon), publicou, entre outros, “O mito da austeridade” (Editora Contracorrente).


Rosângela Bittar: Revival

Decisão do Supremo tornou possível o revival, a mesma urna de dois anos atrás

O risco do futuro é repetir o passado indesejado. Ou, diante da urna eletrônica de 2022, os eleitores viverem a mesma perplexidade que experimentaram em 2018. Naquele tempo, todos contavam com o benefício de desconhecer os limites da ignorância de Jair Bolsonaro. No ano que vem já não haverá o álibi. A pandemia expôs a realidade e revelou o presidente por inteiro. Seu retrato, ainda sem número, tem lugar reservado.

A decisão do Supremo Tribunal Federal de devolver a Lula condições eleitorais, seja por sentimento de culpa dos magistrados ou por Justiça, foi decisiva. Tornou possível o revival, a mesma urna de dois anos atrás, sina de que só o êxito da CPI da pandemia nos livrará.

O lado da esquerda também não mudou. Seus dois principais candidatos, Ciro Gomes e Lula, reaparecem agora tal como no passado. O ex-presidente repete até seus fatais encontros marcados com o MDB. Já o cearense de Pindamonhangaba se reapresentou surpreendendo: promoveu um rompimento precoce com Lula e o PT em geral. Tudo igual. Talvez com o agravo de atribuir a Lula um dos traços mais condenáveis e marcantes em Bolsonaro: o ódio a tudo e a todos.

Também os candidatos, ditos de centro, comparecerão em grande número. Talvez vingue uma ou outra surpresa. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, do DEM de Minas Gerais, está sendo considerado nas novas hipóteses. É possível, ele tem pressa. Mas sua sorte depende do sucesso da CPI da pandemia. Houve ainda uma fumaça de esperança com o aceno do presidente do PSDB, Bruno Araújo, de pré-lançamento do senador Tasso Jereissati, o que revigoraria o partido que perde terreno a cada eleição.

Do seu polo, o candidato à reeleição, Jair Bolsonaro, apresenta-se com mais densidade que em 2018. Mas não deixa de ser um clone de si mesmo. Nestes dois anos e quatro meses, não melhorou a biografia, e não projeta expectativas. Seus defeitos se realçaram mais que as possíveis qualidades. Entre os traços descobertos entre uma eleição e outra, um determina os últimos movimentos de poder do presidente: a falsidade. Bolsonaro tem sido mestre em ludibriar, adversários e aliados.

Em três circunstâncias recentes o presidente ficou exposto na mágica da enganação. Continua determinado a promover o presidente do BC a ministro da Economia. Roberto Campos Neto, porém, impõe uma condição, só aceitará substituir o amigo Paulo Guedes se o próprio conduzir abertamente o processo. Assim a equação não se desenvolve.

Outro quadro de contradição são os choques públicos de opinião entre o presidente e o seu quarto ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Tudo não passa de um acerto pragmático. Ao convidar Queiroga, ouviu dele que, como médico, não poderia renegar o uso de máscara e o isolamento social, nem mesmo recomendar a cloroquina. Bolsonaro, já cansado do mesmo problema, nem piscou: “Você fala o que quiser e eu faço o que quiser”.

Também o Senado comemorou cedo demais a demissão do chanceler Ernesto Araújo, o terceiro fato recente da falsidade presidencial. Araújo saiu do cargo, mas permanece ativo, representante de Olavo de Carvalho no governo, agora atuando informalmente ao lado de quem deveria ter sido demitido antes dele, o assessor do presidente, Filipe Martins. Aquele tal personagem do gesto racista exibido em rede nacional durante uma sessão do Senado.

Segue o presidente, assim, com seu discurso padrão, do qual se pode destacar, com o recrudescimento da crise sanitária, uma triste impressão. Bolsonaro parece estar apostando que as mortes serão esquecidas até lá. Por isso prefere insistir nos problemas de sobrevivência, amplificados pela economia fechada. A fome, pelo que transparece de suas convicções, terá melhor efeito eleitoral.

A não ser que a CPI da pandemia consiga restabelecer a verdadeira identidade do presidente Jair Bolsonaro.