revista pd #49

PD #49 - Monica de Bolle: A falência das nações

O lastro de qualquer reforma é a credibilidade do governo que a propõe: a da Previdência está aí como exemplo.

Por que alguns países são ricos e outros pobres? Por que alguns países são inicialmente mais ricos do que outros,  mas, com o passar dos anos, tornam-se mais pobres? O que explica o crescimento econômico sustentável e a melhoria na qualidade de vida das sociedades?

Em 2012, os economistas Daron Acemoglu e James Robinson publicaram um livro extraordinário intitulado Why Nations Fail: The Origins of Power, Prosperity and Poverty. Embora o tenha lido quando de seu lançamento, na época não soube apreciar adequadamente a relevância da obra para o Brasil.  Ao  relê-lo,  vi retratadas em suas páginas todas as mazelas que nos afligem –  da  falência institucional à crise econômica, às inúmeras dificuldades  de  fazer reformas sem profunda mudança política.

O livro expõe com clareza – ilustrando em detalhe a experiência de diversos países – que é a natureza das instituições políticas que determina a distribuição de  recursos,  o  cresci- mento, e o relativo “sucesso” econômico das nações. De forma simplificada, países onde as instituições  políticas  são  moldadas por grupos interessados em  extrair  recursos  do  Estado  em  vez  de garantir o bem-estar da sociedade,  instalam-se  o  caos, as crises, a pobreza, a corrupção.

Curiosamente, os autores dedicam parte de um  capítulo  ao Brasil – não como exemplo de  nação  “falida”,  mas  como  exemplo de superação: citam a mobilização social e a ascensão do PT  ao poder em 2003, como exemplo de reconstrução das instituições brasileiras, tornando-as mais “inclusivas”.

Passados os anos do lulopetismo, que jamais teria se consolidado sem a ajuda do que havia de mais status quo na política brasileira, sabemos que não houve revolução alguma. Os que ocuparam – e ainda ocupam – os mais altos escalões do poder, usaram e continuam a usar as instituições em  benefício  próprio. Sem que haja a desejada transformação política capaz de remodelar as instituições em favor da sociedade, corremos o risco de assistir repetecos infindáveis dessa história.

Sem que haja a desejada renovação política, tampouco é possí-   vel esperar que  as  reformas  econômicas  de  que  necessitamos sairão do papel sem serem desvirtuadas e distorcidas. O lastro de qualquer reforma é a credibilidade do governo que a propõe – a reforma da Previdência está aí como exemplo. Inicialmente formu- lada pelos princípios corretos, hoje está profundamente diluída e descaracterizada em nome da sobrevivência política daqueles que ainda andam com desenvoltura por Brasília, apesar de seus desmandos e tropeços, áudios e visitas. Não falo apenas do presi- dente da República e de seu círculo íntimo de assessores defenes- trados, mas do senador e ex-candidato à Presidência em 2014.

Que respaldo terá uma reforma aprovada por esse senhor e por outros de seus colegas no Congresso Nacional também envolvidos em atos escusos? O que é melhor, fazer uma reforma da Previdência de qualquer jeito, deixando de fora boa parte das causas principais de nossos problemas fiscais de médio prazo por conveniência política, ou aguardar os resultados de outubro de 2018?

Sem querer exagerar a relevância da experiência de nossos vizinhos, a Argentina parece estar conseguindo fazer a renovação política, o que aumenta as chances de que boas reformas, respaldadas pela credibilidade conferida pelas urnas, sejam levadas a cabo.

Há no Brasil muita movimentação e pressão para que venha a renovação. Movimentos como o Agora! e outros estão empenhados em promover mudanças políticas que garantam a modernização institucional, sem a qual as necessárias reformas sofrerão o mesmo destino de tantas outras feitas por nós e por outros países, o roteiro delineado por Acemoglu e Robinson mundo afora.

Ao mesmo tempo, há um sentimento inexplicável de nostalgia por um passado inexistente, uma onda que tenta pregar o liberalismo na economia e o retrocesso nas questões sociais, levantando a bandeira de um conservadorismo velho, gasto, que parecia em vias de extinção. Este conservadorismo corre o risco de abraçar o que aí está com caras supostamente novas, mas que não necessariamente defendem a renovação institucional.

O conservadorismo mais puro é aquele que prega que “tudo mude para que nada mude”, como escreveu Giuseppe di Lampe- dusa. É isso o que precisamos evitar em 2018.

 


PD #49 - Jarbas de Hollanda: Reformas versus corporações e populismos. Agora e no embate maior de 2018

Deixada para trás a segunda denúncia do ex-chefe da Procuradoria Geral da República, Rodrigo Janot,  contra  o mandato do presidente Michel Temer, e superados os maiores riscos institucionais por ela gerados, temos  à  frente  –  daqui até às eleições do próximo ano – um complexo e tenso cenário dominado pelo confronto em torno  de  medidas  e  propostas  para enfrentamento da aguda crise fiscal do  país  e  para reformas  da economia entre seus apoiadores e forças corporativas e populistas (de apelo esquerdista ou direitista), com reações agressivamente contrárias.

Tais reações à agenda reformista  (corretamente  reassumida como prioritária pelo presidente da República), que vão juntar grande parte da elite do funcionalismo com os autointitulados “movimentos sociais”, a rigor antissociais, terão seus alcance e legitimidade esvaziados pela crescente evidência do imperativo de respostas – duras mas essenciais – à dramática crise fiscal legada pelo lulopetismo ao atual governo: de  uma  dívida  pública  bruta  que aumenta R$ 50 bilhões, a cada ano, até a explosão da criminalidade (sobretudo mas não só no Rio de Janeiro) como um dos múltiplos efeitos dessa crise nos governos das três esferas político-administrativas.

A cobrança das referidas respostas vai passando a ser feita não apenas pelo conjunto do empresariado mas também por muitos segmentos da população, de par com um progressivo reconheci- mento dos ganhos já conseguidos: o fim da recessão com um PIB positivo, a queda da inflação e dos juros básicos, reversão do desem- prego, o desmonte do custosíssimo e corrupto gigantismo estatal, com o saneamento da Petrobras e a privatização da Eletrobras.

Ignorando os enormes custos econômicos, sociais e éticos da desastrosa herança dos governos petistas e na contramão dessa cobrança, o ex-presidente Lula, em suas caravanas de “perseguido do juiz Sérgio Moro”, propõe um referendo para anulação das medidas de ajuste fiscal, como o teto de gastos estatais, e das reformas já institucionalizadas e em tramitação no Congresso, como a do Ensino Médio, a Trabalhista, a Tributária, a da Previdência. Anulação também proposta por Ciro Gomes e outros igualmente empenhados em substituir Lula como candidato após sua esperada condenação em 2ª instância, entre eles o ultrarradical Guilherme Boulos.

O conflito entre uma agenda modernizadora do país e a de uma volta ao populismo estatizante e inflacionário passará a configurar-se como predominante eixo de polarização no embate presidencial de 2018. Num contexto em que a convergência, conclusiva, em favor do candidato mais competitivo do campo reformista se dará num processo tenso e demorado, sujeito a influências e desdobramentos das investigações da Lava-Jato. E envolvendo legítimas disputas internas nos principais partidos e entre estes e movimentos de setores empresariais, de forte teor reformista, fortalecidos pelo elevado déficit de credibilidade que afeta significativamente os primeiros. Os quais, porém, deverão prevalecer, apoiados sobre- tudo nas regras partidárias e eleitorais estabelecidas.

A configuração (do referido eixo) começa a evidenciar-se no intenso debate sobre as MPs publicadas no Diário Oficial da União, de 31 de outubro (que vão garantir ao Tesouro Nacional R$ 12,6 bilhões de recursos extras, com economia de despesas e aumento de receita) e a retomada da PEC da Previdência (na tentativa da aprovação de pontos básicos do relatório produzido no Senado, meses atrás).

O enfrentamento decidido da crise fiscal, de par com a proposta do Executivo dos critérios de privatização da  Eletrobras,  motivarão, de  um  lado,  agressivas  reações  corporativas  e  esquerdistas.  E, de outro, deverão favorecer a reafirmação de posturas reformistas de grande parte da bancada de deputados do PSDB, bem como   da do PPS e de parlamentares de outros partidos com posturas similares que – a meu ver, compreensivelmente mas equivocada- mente – posicionaram-se pelo  acolhimento  da  denúncia  da  PGR  de Janot contra o presidente.

Quanto ao oposicionista Jair Bolsonaro certamente tentará, nesse debate, combinar a capitalização do aumento da criminalidade (que é seu forte) com votos contrários às MPs restritivas de ganhos da elite do funcionalismo.


PD #49 - Leonardo Cavalcanti: Encontro marcado com a Previdência

Nas entranhas da economia, o macroambiente de negócios inclui pelo menos seis variáveis: sociais, ecológicas, legais, tecnológicas, políticas e demográficas. De forma geral, se fosse possível estabelecer um ranking, os especialistas acreditam que o último desses fatores seja o mais emblemático para um crescimento sustentável, pois trata do tamanho da população, da taxa de natalidade, da distribuição de renda, da expectativa de vida e do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).

Tudo junto é capaz de influir positivamente ou não no futuro de país. Na prática, isto significa que análises demográficas seriam mais importantes do que as avaliações sobre as taxas de inflação e os juros, as balanças comercial e de pagamentos, o emprego, a renda e a infraestrutura. Reforço: é impossível isolar hierarquicamente tais coisas, mas aqui trataremos tudo isso num livre exercício de riscos e cenários, antes que alguém se sinta estimulado a começar a atirar pedras.

A demografia superaria, assim, nesse ranking fictício, leis tributárias e trabalhistas, resultados eleitorais e impactos tecnológicos. A análise de cenários e riscos, portanto, deveria levar em conta o crescimento ou a queda na população. Isso tem a ver com   a atual política brasileira,  principalmente  às  vésperas  da  votação da reforma da Previdência. Nos estudos das  tendências  estruturais, há a previsão de envelhecimento da população e a queda  da  taxa de natalidade nos países de Terceiro Mundo.  Mais  uma  vez, tais coisas são mais fortes do que as revoluções tecnológicas e até mesmo aspectos ambientais – como, por exemplo, a escassez  de  água –, por mais fortes que tais comparações possam parecer.

Quanto mais o país demorar a encarar a reforma da Previdência, pior para os brasileiros, algo que só se complicará para as próximas gerações. E aqui os sindicatos de servidores públicos e de trabalhadores da iniciativa privada terão de ser cobrados no futuro pelos atos irresponsáveis de não defenderem o debate efetivo. E tal cobrança será feita pelos filhos e netos, pois serão eles os mais prejudicados com ausência de mudanças na legislação.

Referendar estudos contaminados sobre a saúde do Estado é fechar os olhos para governos estaduais. Mesmo com todos os desmandos políticos e toda a corrupção instalada, negar o déficit  é quase uma covardia com os que virão. O mais  contraditório disso está no fato de os sindicatos se apoiarem na base mais fisio- lógica do governo federal no Congresso Nacional para isolar qual- quer possibilidade de debate.

Rombo

O rombo do Instituto Nacional do Seguro Social (lNSS) chega hoje a R$ 150 bilhões.

Temos ainda uma conta de mais R$ 77 bilhões no serviço público – e não adianta a tal conversa do tal fundo do funcionalismo, pois o Estado continua a ser mais do que generoso com a turma. Antes da sanha endoidecida recair  sobre  este  articulista,  entretanto,  vale  dizer que, sim, há poucas iniciativas mais nobres e efetivas do que  oferecer proteção ao servidor público. Um Estado só avança com políticas públicas elaboradas por gente  séria  e  com  estabilidade,  livre de pressões e perseguições políticas. Mas isso não significa que  os funcionários possam inviabilizar uma discussão necessária e urgente, independentemente de ser travada por governos de centro, direita ou esquerda. Na falsa polêmica dos contrários a qualquer reforma, os mais prejudicados seriam os mais pobres.

Como se disse, é falso e, mais uma vez, um argumento covarde na tentativa de justificar a manutenção de privilégios.

Um país, para apresentar qualquer crescimento, precisa de crescimento sustentável e de igualdade social. Apenas uma sociedade justa é capaz de se proteger do autoritarismo e de defender políticas mais amplas, favoráveis ao crescimento, implodindo uma casta política.

Assim, mesmo que o governo Michel Temer não consiga mexer no texto da Previdência, as mudanças serão feitas um dia, caso o país pretenda oferecer algum alento para a população mais pobre. Apenas um candidato cínico será capaz de ser contra mudanças previdenciárias. E teremos um encontro marcado com a reforma, queiram os corporativistas ou não. O Planalto sabe das dificulda- des de votar o texto até o fim do ano.

As chances de o país voltar à inflação e aumentar o desemprego parecem reais, distantes de qualquer chance efetiva de crescimento. A saída seria acreditar que os concorrentes ao Palácio do Planalto sejam capazes de abrir a discussão com a sociedade. Mas aí é ser otimista em demasia. Não custa.

 

4


PD #49 - Mauricio Huertas: Na política muda-se tudo para não mudar nada!

Quem acompanha o noticiário político diário já deve ter dado um nó em seus neurônios! Quando você vai dormir, as regras que estão valendo são de um jeito; quando você acorda, já estão de outro. Isso vale principalmente para esse desarranjo eleitoral (que alguns chamam de “reforma”) promovido a toque de caixa por deputados e senadores que fazem de tudo para não largar o osso do poder.

Cria-se um fundo público bilionário, obviamente beneficiando os maiores partidos; recria-se a cláusula de desempenho, desta  vez,  obviamente, prejudicando  os   pequenos  partidos.  O maior problema, entretanto, não é enfrentado. As novas regras não punem os maus políticos, nem aquelas legendas de aluguel que vendem seus preciosos minutos da propaganda na TV para  os candidatos favoritos. Quem se dá mal nisso tudo são as siglas de conteúdo ideológico e que abrigam os políticos verdadeira- mente interessados em fazer uma política diferenciada e voltada para o bem comum.

A quantidade de coisas acontecendo ao mesmo tempo, as idas e vindas das reformas no Congresso, a enxurrada de escândalos, denúncias, delações, depoimentos – tudo muda o tempo todo no mundo, e cada vez mais rápido! Mas, ao contrário do que canta o   Lulu Santos na música “Como uma onda”, aqui parece  que  nada passa e, se é verdade que tudo o que se vê  não  é  igual ao  que  a gente viu há um segundo, no fim das contas parece que tudo acaba mudando só para voltar exatamente ao que era antes, porque os políticos vivem fugindo da realidade e mentindo sem escrúpulos.

Tudo bem, vamos relativizar, afinal a ética e o bom senso ensinam a não generalizar. Mas, cá entre nós, quantos são os políticos que se distinguem pela ética e pelo bom senso? É a minoria  da minoria! Dá para contar nos dedos! Político honesto é bicho em extinção! O que se vê no dia a dia do Congresso, das assembleias estaduais e câmaras municipais é de encher de vergonha quem busca um pouquinho de seriedade, vocação democrática, interesse público e espírito republicano nos representantes do povo.

As eleições de 2018 serão prioritárias para o redirecionamento do futuro do país. Estamos em uma encruzilhada histórica. Para onde desejamos caminhar? Retroceder, virar à esquerda, à direita ou seguir em frente e ao centro? Claro que essa simbologia é apenas uma simplificação de todo um contexto político, econô- mico, social e cultural muito mais complexo. Mas não deixa de ser representativo da realidade. Vamos acertar o passo?

A jovem democracia brasileira está em crise e não é de hoje, mas a ressaca pós-PT ajuda a aumentar a sensação de frustra- ção e de fraude ideológica. A onda de conservadorismo é avassa- ladora. Num indo e vindo infinito ressurgem o ódio, a intolerân- cia, a censura, o preconceito nas ruas e nas redes. Gritam por intervenção militar. Enxovalham as instituições. Depreciam o valor da luta pela redemocratização do país como se fosse um fato de menor importância. Que momento político triste este que vivemos… Precisamos reagir!

Para onde caminha o brasil?
O livre pensar é um direito. Uma conquista. Então, vamos  lá: Para onde caminha  o  Brasil?  Parece  haver  consenso  nos  dois lados da trincheira, entre governistas e  opositores,  que  o  governo do presidente Michel Temer é simplesmente uma transição  do pós-PT para algo que  está  por  vir,  um  futuro ainda desconhecido. A escolha democrática se dará em outubro de 2018.  O  grupo  que está hoje no poder é simplesmente consequência dos caminhos políticos e institucionais trilhados – e não há aqui qualquer julga- mento de mérito, apenas uma constatação óbvia dos fatos.

Esteja você do lado que estiver, tendo gritado “Fora Dilma” ou “Fora Temer” (ou ambos), situado mais à direita ou mais à esquerda no velho mapa partidário e ideológico, a sua cota de responsabilidade será cobrada nas eleições de 2018, quando escolheremos o(a) presidente da República, senadores e deputados federais que guiarão os rumos do país no Executivo e no Congresso Nacional.

Grosso modo, teremos em 2018 um menu bastante variado de opções, possibilitando que os eleitores votem livremente naqueles candidatos que considerem melhores, mais preparados ou mais adequados para o momento que o país vive. Nunca se teve tanta informação e transparência tão reveladora das entranhas do sistema político-eleitoral como se tem agora, o que não se traduzirá necessá- ria e automaticamente na melhoria da qualidade dos eleitos.

É por isso que este convite à reflexão nos parece tão urgente e oportuno. De que adianta seguirmos militando nas redes e nas ruas, manifestando nossas preferências ou, ao contrário, protes- tando contra tudo aquilo e todos aqueles que repudiamos,  às  vezes em disputas fratricidas dentro de um mesmo campo demo- crático e republicano, se não formos capazes de promover ações verdadeiramente transformadoras através do voto?

O cenário das próximas eleições é ainda bastante incerto, mas já começam a se desenhar no horizonte as primeiras candidatu- ras. Num contexto global de exacerbação do radicalismo, com o quadro nacional propenso também a buscar salvadores da pátria aleatórios diante do descrédito da política mais tradicional, tornam-se preocupantes os destinos do país, da economia, dos direitos sociais e individuais, das garantias constitucionais de liberdade, segurança, desenvolvimento, bem-estar, igualdade e justiça como valores supremos.

Mas não venham apontar a Lava Jato e outras operações da Polícia Federal e do Ministério Público, nem suas gravíssimas implicações na Justiça, como “culpadas” da degradação que macula, desonra e constrange a maioria dos partidos e de seus mandatários. É triste que tenhamos chegado tão fundo do poço moral e ético, mas é alvissareiro que ainda possamos reagir demo- craticamente para sanear e desenxovalhar a política sem atalhos fascistas, autoritários e antirrepublicanos.

É salutar que velhos caciques, sobretudo os envolvidos em esquemas de corrupção e Caixa 2, percam o lugar cativo que mantinham há décadas, abrindo espaço para novas lideranças e organizações que possam arejar a nossa democracia representativa, aprimorar a democracia participativa e instituir mecanismos cada vez mais necessários da democracia direta.

Portanto, é difícil afirmar diante das incertezas da política para onde caminha o Brasil, mas seguramente o rumo certo será dado na medida em que o maior número de cidadãos tiver a capa- cidade de se reunir, refletir e agir com isenção, responsabilidade, consciência, ética, equilíbrio, maturidade e espírito coletivo para enfrentar os desafios que se colocam à nossa frente. Que essas dores do crescimento sejam apenas sintomas naturais da construção de uma verdadeira nação.

Refundar a Esquerda Democrática?
Depois de fundada pelo Partidão na década de 20, aprofundada pelo Partido dos Trabalhadores na década de 80, infundada pela clonagem de legendas com o mesmo DNA petista nas décadas de 90 e 2000, e finalmente afundada pelos chamados governos de coalizão (feat corrupção) de Lula e Dilma, parece ter chegado a hora de refundar a esquerda brasileira com os sobreviventes deste período paleolítico e potenciais agregados, como jovens ativistas, sustentabilistas, socialdemocratas e hackers da nova política.

Não que seja tarefa simples, a começar pela definição do que é   ser de esquerda ou de direita hoje. Diante da complexidade do  mundo atual, o binarismo ideológico se torna cada vez mais obso- leto, extemporâneo e inconclusivo.  Isto  se  já  não  bastasse,  além  do fracasso do socialismo no mundo, o PT ter enxovalhado esse conceito teórico sem nunca ter executado minimamente um programa de esquerda – vide os exemplos petistas em administrações municipais, estaduais e no governo federal.

As experiências mais próximas vivenciadas pelo Brasil  com  o que se convencionou chamar de esquerda não passaram de  discursos  oposicionistas  e,  no  governo,  de  flertes  esporádicos:  com o trabalhismo populista de Getúlio Vargas, a brevidade  de  Jango entre o parlamentarismo oportunista e o golpe de 64, e posteriormente com os acenos à socialdemocracia de FHC e Lula, sendo o tucano – que surfava na onda do Real – prejudicado pelo casamento arranjado com o PFL e por episódios como a compra de votos para a reeleição; e o petista, apesar do sucesso de políticas compensatórias e ações  de  combate  à  miséria,  por  ter  se  rendido a tudo aquilo que o PT prometia enfrentar desde a sua criação.

Fato é que chegamos a esta crise sem precedentes – o que leva   a população a  condenar  genericamente,  não  sem  razão,  a  política e os políticos,  mas  sobretudo  a  esquerda,  cujas  ideias  jamais foram implementadas por aqui. Eis o desafio de quem ainda busca vida inteligente na terra arrasada da democracia representativa brasileira, com algum viés esquerdista: a opção pela redução das desigualdades, pela justiça social, pela cidadania plena, pela distribuição de renda, pela  promoção  da  cultura  da  paz,  pelo papel regulador do Estado e até pela manutenção da utopia – características que em geral a direita despreza.

É neste contexto, por exemplo, que o filósofo Ruy Fausto apresenta o livro Caminhos da esquerda – que a grande imprensa tem debatido – e que outros grupos vêm se reunindo  para  tentar  ir além do debate político partidarizado, polarizado,  raivoso  e  estéril, dispostos a encontrar alguma luz no fim do túnel para trans- portar os ideólogos da esquerda democrática  da  atual arena visceral para um campo vicejante.

Se é desalentador um cenário em que as primeiras sondagens para 2018 apontem a força crescente de um Bolsonaro à direita ou a teimosa e renitente popularidade de Lula quase como um novo Macunaíma, o herói sem caráter da esquerda preguiçosa, também é verdade que chegou o momento de agir com firmeza e efetividade para construir uma alternativa melhor.

A luz que o eleitorado busca não pode ser, à esquerda, o fogo- fátuo da decomposição petista, nem o farol da direita bolsonarista que se apresenta como trem-bala mas não passa de maria-fumaça. Para repor a esquerda nos trilhos, também parece pouco adequado depositar esperanças nos maquinistas de trem fantasma Guilherme Boulos e Ciro Gomes, que se lançam com ações e pensamentos descarrilados.

Exercícios de futurologia à parte, o mais provável é que o  próximo eleito seja um nome do atual sistema – até porque a necessária reforma  político-partidária  não  avançou  muito  além dos limites protecionistas e do instinto de sobrevivência dos atuais congressistas. Alguém tarimbado e de perfil mais próximo  do  centro, evitando as saídas mais extremistas, é o que se busca na maioria dos partidos.

A centro-direita busca uma peça confiável na plataforma mais tradicional (Geraldo Alckmin, Rodrigo Maia ou Henrique Meirelles, por exemplo) ou reconfigurada (João Doria). A centro-esquerda não descarta um movimento de código aberto (lança balões de ensaio como Joaquim Barbosa e busca outras figuras  do meio jurídico para a vaga de vice), mas deve mesmo optar por algum relançamento: Marina Silva, Eduardo Jorge, Fernando Gabeira, Cristovam Buarque, Álvaro Dias e até Fernando Haddad são nomes sempre bem cotados.

Outra opção seriam os outsiders da política, salvadores da pátria que surgem como astros com luz própria e acabam quase sempre com o brilho efêmero de um vaga-lume. Historicamente podem se dar bem com um banho de marketing “collorido”, como ocorreu em 1989 com o fictício caçador de marajás que se tornou presidente do Brasil. Mas o fim dos aventureiros costuma ser trágico e a eleição presidencial não pode servir como startup de malucos. Por isso é hora de reinstalar o sistema da esquerda democrática, eliminando os bugs da velha política.


PD #49 - Luiz Werneck Vianna: A sucessão e o novo espírito do tempo

A política brasileira encontra-se criptografada, indecifrável para os mortais comuns, que a cada dia são  aturdidos  pelos meios de comunicação com notícias de que o fim do nosso mundo está próximo e não há o que fazer para salvá-lo do pântano da corrupção em que estaria atolado.

Nossos profetas do apocalipse são prisioneiros de suas fabulações sobre a História do país, que identificam como um experimento malsucedido a ser “passado a limpo” por sua intervenção redentora. Querem nos fazer crer que atuam em nome de ideais e sem interesse próprio, mas o gato está escondido com o rabo de fora, pois em meio à alaúza que provocam se pode entrever a manipulação da sucessão presidencial de 2018.

Esta sucessão abre uma janela de oportunidades para uma agenda inovadora que procure, em meio a um amplo processo de deliberação pública, identificar novos rumos legitimados pelo voto para o país. No entanto, caso se frustre esse caminho por desas- tradas ações dos agentes políticos, pode apontar para o derrui- mento do regime da Carta de 88, concedendo passagem às potências malignas que ora nos espreitam. O cenário que se tem pela frente, é forçoso reconhecer, não favorece previsões de desenlaces felizes para os dilemas com que ora nos confrontamos.

Aqui, ao que parece, Maquiavel foi banido do nosso repertório político desde o advento da Operação Lava-Jato, há três anos presença dominante na conjuntura sem que, salvo exceções, a copiosa literatura que lhe é dedicada leve em conta as circunstâncias que envolvem as ações dos atores e dos fins que erraticamente perseguem.

Desarmados de suas lições, anacronicamente recuamos ao medievo, atribuindo-se – “maquiavelicamente”? – precedência dos valores da moralidade sobre a razão política. Ignora-se que  o realismo político que Maquiavel preconizava  estava  a  serviço  de  um ideal cívico, qual seja o de criar na Itália um Estado capaz de livrá-la da dominação estrangeira.

No campo do Direito, é Weber o ignorado em sua veemente recusa às pretensões “patéticas”, em suas  palavras,  dos  juízes que se comportam nos seus julgamentos em “nome de postulados de justiça social”. Exemplares, no caso, os juízes que desafiam a ordem racional-legal ao recusarem, em nome do que sua corporação entende como o justo, a aplicação a lei da reforma da Consolidação das Leis do Trabalho, a CLT.

Quem busca o futuro opera no plano do aqui e  agora a  partir  de experiências acumuladas – a História não conhece o tempo  vazio. Há sempre um começo, uns mais felizes que outros por propiciarem um terreno seguro para o bom andamento de suas sociedades, tal como  Tocqueville  caracterizava  a  singularidade  do caso americano; outros, ao contrário, vão  exigir   esforços sempre renovados a fim de que  a  sociedade  venha  a  encontrar,  por ensaio e erro, um sistema de ordem que favoreça a sua reprodução ao longo do tempo.

Em nosso caso, dadas  as  condições  de  origem  –  uma  colônia de exploração que logo recorreu ao trabalho escravo –, os “caminhos para a civilização”, que não nos seriam naturais, deveriam proceder de cima pela ação de uma elite a exercer um papel pedagógico que nos trouxesse da barbárie às luzes do ideário do liberalismo político, na luminosa análise de Euclides da Cunha em  ensaio famoso. Desde aí o acesso ao moderno nos viria da ação de elites ilustradas, fórmula conservada pela República ao longo do processo de modernização que vai de Vargas a Lula.

Somos filhos dessa longa construção, de cujos lógica, arquitetura e estilo começamos a nos desprender quando o governo de Dilma Rousseff, distante um oceano do pragmatismo do seu mentor, hipotecou, em nome de suas convicções pessoais, a sorte da sua administração na tentativa arriscada de conceder sobre- vida ao que, à vista de todos, Lula incluído, mais se assemelhava a um caso terminal. A própria presidente Dilma, logo após sua reeleição, vai reconhecer a exaustão do modelo vigente de capitalismo de Estado ao nomear o liberal Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda.

Nesse sentido, o impeachment importou bem mais do que uma trivial crise política, na medida em que trouxe consigo a crítica da modelagem do nosso capitalismo centrado no papel do Estado, levado a uma situação falimentar no governo Dilma, crítica que se radicalizou quando foram sentidos os efeitos nefastos da severa depressão  econômica  que  se  abateu  sobre  o  país.  O  passado deixou de iluminar o futuro, como amargamente agora constatamos, em que pesem os sucessos acumulados no curso do nosso longo processo de modernização.

Processos de modernização pelo alto, em suas variantes brandas, como os que ocorreram nos governos de JK, FHC e Lula, ou duras, incidentes no Estado Novo de 1937 e no recente regime militar, têm a característica comum de serem, mais ou menos, segundo os casos, refratários à auto-organização da vida social. Nosso sindicalismo, mais forte presença entre nós de vida associativa dos setores subalternos, que nasceu  nos  primeiros  anos da República animado pelos princípios da autonomia, foi, como notório, incorporado à malha estatal pela chamada Revolução de 30, que, de fato, veio a estabelecer na política brasileira a modelagem típica dos processos de modernização autoritária.

A derrota dessa experiência, inesperada da forma  como  ocorreu – um impeachment encaminhado por um parlamentar a quem faltava densidade política contrariado em seus interesses,  fundado em razões técnicas ininteligíveis para o homem comum –, deixou atrás de si um imenso vazio.

Sem as escoras do nosso passado, que cederam pela ação corrosiva de um novo espírito do tempo, marchamos nas trevas.   A hora da sucessão é mais que propícia para a descoberta  de novas luzes que tenham sua fonte de energia na sociedade civil, aliás, já identificadas nas jornadas de junho de 2013.