Renovação Política

Jantar com supremacista branco aumenta fritura de Trump no Partido Republicano

Thiago Amâncio*, Folha de S. Paulo

Alvo de fritura por setores do Partido Republicano após um resultado abaixo do esperado nas midterms e uma série de investigações que ganham corpo contra ele, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump deu um jeito de subir ele mesmo a temperatura do óleo.

O político recebeu em seu resort de Mar-a-Lago, na Flórida, Nick Fuentes, notório supremacista branco, em um jantar que contou com a presença do rapper Kanye West, ou Ye, como ele se apresenta hoje.

O supremacista branco Nick Fuentes, conhecido por opiniões racistas e antissemitas
O supremacista branco Nick Fuentes, conhecido por opiniões racistas e antissemitas - William Edwards - 9.mai.17/AFP

O encontro se deu dias depois de Trump se apresentar como pré-candidato à Presidência em 2024 e ver crescerem as cobranças pelo desempenho ruim do partido nas eleições de meio de mandato —ele bancou candidatos inexperientes e extremistas, que afastaram eleitores moderados dos republicanos.

Nesse contexto, receber um racista declarado e um rapper envolto em controvérsias de mesmo quilate na semana do Dia de Ação de Graças, um dos feriados mais importantes do país, só aumentou a pressão.

Fuentes, 24, é considerado supremacista branco pelo próprio Departamento de Justiça dos EUA. Ele foi expulso de redes sociais como YouTube e hoje usa seu podcast para propagar abertamente um discurso antissemita e racista —ele nega o Holocausto, por exemplo.

Ele participou da marcha racista "Una a direita", na Virgínia, em 2017, que reuniu supremacistas e neonazistas e terminou com três mortos. Depois que Trump perdeu a eleição para Joe Biden, em 2020, instou apoiadores do republicano a "invadir o Legislativo de todos os estados até 20 de janeiro", data em que o democrata tomou posse, e liderou manifestantes nas imediações do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, em Washington, quando o prédio foi invadido.

Críticos do ex-presidente foram rápidos em subir o tom. "Andar por aí com um supremacista branco antissemita e pró-Putin não é complicado; é indefensável", disse a deputada Liz Cheney, da ala mais anti-Trump do Partido Republicano e que integra o comitê da Câmara que investiga o ataque ao Congresso.

Senadores também se manifestaram, e até um governador, Asa Hutchinson, do Arkansas, criticou o jantar. "Não acho boa ideia um líder que é visto como exemplo pelo país e pelo partido se encontrar com um racista e antissemita declarado", disse ele à rede CNN. "Fique longe disso." Hutchinson, republicano, prepara-se para dar lugar a Sarah Huckabee Sanders, do mesmo partido.

Mesmo aliados próximos fizeram questionamentos, caso de David M. Friedman, advogado do político e ex-embaixador em Israel. "Ao meu amigo Donald Trump: você é melhor do que isso", escreveu ele no Twitter, chamando Fuentes de escória humana, e o encontro, de inaceitável. "Conclamo que você [Trump] rejeite esses vagabundos e relegue-os para a lata de lixo da história, onde pertencem."

Cresce dentro do partido a dúvida quanto à capacidade do ex-presidente de ganhar uma nova eleição, enquanto nomes como o de Ron DeSantis ganham cada vez mais força. O governador reeleito da Flórida, visto como uma espécie de Trump da nova geração, preferiu se manter distante da controvérsia.

Outro pré-candidato, o ex-vice de Trump, Mike Pence, não fez o mesmo. "O presidente errou em dar lugar à mesa a um nacionalista branco, antissemita e negacionista do Holocausto. Ele deve pedir desculpas."

O político até tentou se distanciar e escreveu em rede social que não conhecia Fuentes. "Kanye West me ligou para jantar em Mar-a-Lago. Pouco depois, apareceu de forma inesperada com três amigos, sobre os quais eu não sabia nada", afirmou. "Jantamos na noite de quinta-feira com muitas pessoas no pátio. O jantar foi rápido e desimportante. Depois eles foram para o aeroporto."

A questão aqui é que, além de Fuentes, Ye é acusado de racismo e antissemitismo —e sua aproximação com o ex-presidente também incomoda a ala mais ao centro do partido.

O rapper Ye, com boné com o lema político de Trump, em encontro com o então presidente na Casa Branca, em 2018 - Kevin Lamarque - 11.out.18/Reuters

O rapper se lançou pré-candidato à Presidência na última semana e disse que foi a Mar-a-Lago pedir que Trump seja seu vice —o que, segundo o próprio músico, foi rejeitado de pronto. "Trump começou basicamente a gritar comigo e dizer que eu iria perder. Isso já funcionou com alguém alguma vez na história?", disse ele, em um vídeo publicado no Twitter e depois deletado. "Eu disse: 'Calma, calma, calma, calma, calma, Trump. Você está falando com Ye'."

Os democratas aproveitaram a oportunidade oferecida pelo jantar. Biden, questionado no fim de semana sobre o caso, foi seco: "Vocês não querem ouvir o que eu acho disso". Nesta segunda (28), a porta-voz da Casa Branca, Karine Jean-Pierre, afirmou que "não há lugar para esse tipo de forças vis na sociedade" e que não se manifestar contra o racismo "também é incrivelmente perigoso".

O caso coroa uma nova fase ruim para Trump, que viu voltar ao noticiário uma antiga acusação de agressão sexual. No mesmo dia em que entrou em vigor em Nova York uma lei que permite que vítimas de crimes do tipo processem seus abusadores mesmo que o episódio tenha acontecido há muito tempo, a jornalista E. Jean Carroll abriu uma ação contra Trump por difamação e agressão. O estupro teria ocorrido em 1995, e ela já havia processado o ex-presidente por difamação em 2019. Ele nega as acusações.

*Texto publicado originalmente na Folha de S. Paulo


Situação de pobreza | Imagem: reprodução/Shutterstock

"Situação caótica": Randolfe diz que falta verba para proteção de pessoas em áreas de risco

Cristiane Sampaio*, Brasil de Fato

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse, nesta terça-feira (22), que a Defesa Civil está com o orçamento escasso para 2023, primeiro ano da gestão Lula (PT), e que falta dinheiro para ações relacionadas ao socorro da população que vive em áreas de risco no país.

De acordo com o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), 8,2 milhões de brasileiros moram em locais do tipo e é comum esse segmento precisar de iniciativas emergenciais por parte dos governos durante o período de chuvas, que ocorre especialmente a partir de janeiro em diferentes pontos do país.

"Para se ter ideia da gravidade da situação, para as eventualidades de acionamento da Defesa Civil em janeiro, nós não temos nenhuma dotação orçamentária. Para não se dizer que não se tem nenhuma, a dotação da Defesa Civil para contenção de encostas é de R$ 2 milhões. Eu acho que R$ 2 milhões são insuficientes para uma enchente em uma cidade do interior do país", exemplificou Randolfe.

O parlamentar integra o Grupo Técnico (GT) de Desenvolvimento Regional que atua no processo de transição, núcleo que reúne nomes como o do senador eleito Camilo Santana (PT-CE), do senador Otto Alencar (PSD-BA) e do governador do Pará, Helder Barbalho (MDB).

A equipe se reuniu pela primeira vez nesta terça, em Brasília (DF), com o ministro do Desenvolvimento Regional do governo Bolsonaro, Daniel Ferreira, e trouxe à tona a preocupação dos aliados de Lula com o que Randolfe chamou de "situação caótica e dramática" na pasta.

"O primeiro cenário que encontramos no ministério é um cenário que inspira muitos cuidados. Pela situação orçamentária que nós temos na atualidade, em janeiro, a União não terá capacidade nenhuma de investimento na área de desenvolvimento regional. Os recursos orçamentários do ministério estão todos desfragmentados", disse, ao acrescentar que o problema está relacionado ao chamado "orçamento secreto" da gestão Bolsonaro, também conhecido como emendas do relator ou RP-9.

Randolfe destacou que a forma como o governo do ex-capitão decidiu manusear os recursos mostra uma "ausência de sintonia" em relação à execução orçamentária nessa área. "Ao passo que tem quase R$ 2 bilhões destinados à Codevasf, por outro lado, falta dinheiro para ser investido em contenção de encostas, em obras da Defesa Civil. E, como todos sabem, [por conta das] emergências, nós precisaremos ter uma atuação já em janeiro deste [próximo] ano por conta das chuvas de verão e da iminência dessa situação."

Ligada ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) foi entregue por Bolsonaro ao centrão em troca de apoio político e hoje é alvo de investigações da Polícia Federal (PF) por conta de acusações de fraude em licitação pública.

Realocação

Randolfe afirmou que a situação atual do MDR amplia a necessidade de diálogo da equipe de Lula com o parlamento em torno da realocação de verbas na administração federal. O grupo trabalha atualmente no sentido de tentar emplacar a "PEC da Transição" junto ao Congresso Nacional. O foco do presidente eleito neste momento é a obtenção de apoio político para a aprovação do texto, que deve dar ao novo governo condição para custeio de algumas ações.

"Nós temos para a Habitação algo em torno de R$ 18 milhões. Não tem mais política habitacional no Estado brasileiro neste momento. Precisamos ter redirecionamento de recursos para política habitacional, precisamos voltar a construir casas. Nós estamos com muito dinheiro para as necessidades parlamentares individuais e estamos com ausência de dinheiro para as necessidades discricionárias do Estado brasileiro", acrescentou Randolfe.

O parlamentar destacou que o cenário tem maior gravidade pelo fato de Bolsonaro ter desmontado uma série de políticas públicas e também os fundos constitucionais. Estes últimos são fontes geralmente estáveis de verbas utilizadas para investimento no desenvolvimento das regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste. "A situação orçamentária é grave. É um quadro que inspira muita atenção", disse Randolfe.

O deputado distrital Leandro Grass (PV), que integra o mesmo GT do senador na equipe de transição, acredita que a equipe de Lula conseguirá remanejar recursos para garantir uma injeção de verbas nas áreas mais sensíveis do MDR, como é o caso dos investimentos do segmento de habitação.

"São pontos de alerta, mas também não são pontos irreversíveis. Acho que é mais uma questão de inteligência orçamentária e planejamento para que, no momento em que for reordenada a estrutura ministerial, a gente saiba o que vai para onde".

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Palácio do Planalto diagonal ao entardecer | Foto: Shutterstock/Diego

Revista online | Editorial: O caminho da democracia

Como esperado, o segundo turno da eleição presidencial resultou na vitória do candidato do campo democrático sobre o candidato da situação, por uma margem consideravelmente inferior, contudo, à previsão inicial. Na verdade, o leque de recursos financeiros e políticos mobilizados pelo governo, de legalidade ao menos duvidosa, mostrou alguma eficácia, da liberação indiscriminada de verbas e créditos novos às operações de restrição da mobilidade dos eleitores no dia do pleito.

Em condições de normalidade democrática, a disputa estaria encerrada, e todos ficariam em situação de vencedores e vencidos, engajados, de forma aberta e cooperativa, no processo de transição. Ocorre que no último quadriênio, como sabemos, não houve normalidade democrática no país. Em consequência, o governo reconheceu sua derrota de forma ambígua e tardia, ao tempo em que encorajou a mobilização de partidários seus na frente dos quarteis, em protesto contra o resultado eleitoral, em favor de intervenção militar, com a finalidade declarada de inverter a vontade manifesta dos cidadãos e declarar a minoria como se maioria fosse.

Veja todos os artigos da edição 48 da revista Política Democrática online

A permanência de militantes governistas nas ruas, com a complacência dos responsáveis pela manutenção da ordem e o apoio financeiro cotidiano de redes de empresários golpistas, constitui um desafio aberto à democracia brasileira, desafio que deverá ser enfrentado de forma permanente, por todos nós, a partir do primeiro dia do novo governo.

Hoje, contudo, a tarefa imediata dos democratas é sua articulação firme e mobilização ampla contra as manifestações golpistas, que configuram um crime contra o estado democrático de direito, assim como contra a propaganda favorável a elas, que caracteriza uma atitude de apologia a esse crime. Urge assegurar, depois da vitória eleitoral, a diplomação e a posse dos eleitos, os degraus posteriores da sequência prevista na regra eleitoral.

Apenas a partir da posse poderá ter início o processo efetivo de metamorfose da frente ampla eleitoral que se formou entre o primeiro e o segundo turno das eleições em frente ampla política e programática. Esse não será, claro está, um processo simples. Seu sucesso dependerá em boa medida da capacidade de os participantes construírem as convergências necessárias e manter, simultaneamente, a manifestação aberta e transparente de suas diferenças para informação e julgamento da opinião pública.

As tarefas não são fáceis, mas o caminho a ser trilhado está claro: contra toda tentativa de subverter o resultado das urnas; todo apoio ao processo de transição; pela diplomação e posse dos eleitos; pela constituição de um governo de ampla frente democrática, com a participação de todas as forças contrárias ao projeto autoritário e retrógrado do governo que se encerra!

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Luiz Inácio Lula da Silva | Foto: Isaac Fontana/Shutterstock

Desafios de Lula passam por garantir auxílios e aumentar salários

Gabriel Carriconde*, Brasil de Fato

Desde a eleição, o atual presidente e candidato derrotado Jair Bolsonaro sumiu e o país parece estar sem governo até 31 de dezembro. Até por isso, muito das especulações e do sobe-e-desce da economia vêm sendo atribuídos a falas do presidente eleito, Luiz inácio Lula da Silva. Numa disputa em que os chamados “mercados” e mesmo a imprensa corporativa pretendem enjaular o próximo presidente para que ele não faça mudanças na economia prometidas em campanha.

Num momento em que os truques de Bolsonaro para tentar ganhar a eleição já começam a dar com os burros n’água, com, por exemplo, alta nos preços, depois de uma deflação ocasionada pela tirada de impostos dos combustíveis dos estados. Além dos muitos furos no orçamento do ano que vem, enviado por Bolsonaro, que o novo governo vem tentando enfrentar desde já.

O discurso do presidente eleito contra a fome, no encontro com parlamentares aliados em Brasília, por exemplo, no último dia 10, foi usado nessa especulação, por conta de uma suposta flexibilidade fiscal e o rompimento do teto de gastos para garantir dinheiro para programas sociais.

“Qual é a regra de ouro deste país? É garantir que nenhuma criança vá dormir sem tomar um copo de leite e acorde sem ter um pão com manteiga para comer todo dia. Essa é a nossa regra de ouro”, disse Lula. O discurso “assustou” o mercado especulativo e fez o índice Bovespa cair 3% e o dólar subir para R$ 5,32 em um dia.

Pressão

Para a economista Juliane Furno, o sistema financeiro, que vem especulando a respeito das decisões que Lula tomará na economia, irá cumprir um papel de pressão política. “O mercado vai fazer o que já fez em outros governos Lula, que é pressionar politicamente o governo. O que provavelmente eles irão defender é uma estabilidade nos preços, com controle da inflação e pressionar para um controle dos gastos do estado”, afirma.

O presidente eleito ainda não confirmou os nomes para comandar a economia e negocia com o Congresso um Projeto de Emenda à Constituição (PEC) para garantir o pagamento de 600 reais do Auxílio Brasil em 2023. Os nomes de Pérsio Arida e André Lara Resende, mais liberais, e de Nelson Barbosa e Guilherme Mello, mais ligados ao PT, formam o grupo de trabalho econômico no governo de transição.

Com a pluralidade de visões da equipe econômica de transição, reunindo nomes históricos ligados ao PSDB, caso de Lara Resende e Pérsio Arida, Furno reflete que algumas linhas deverão ser seguidas. “Temos dois nomes mais ligadas ao PT, o Pérsio Arida, que é mais liberal, e o Lara Resende, que é um crítico do teto de gastos. O que esse grupo irá desenhar em curto prazo é uma fuga do teto de gastos, em médio prazo é uma nova regra fiscal, que possibilite uma meta de gastos, e não só de contenção”, reflete.

Com o orçamento reduzido em diversas áreas sociais, como o Farmácia Popular, Auxílio Brasil, e até para a saúde, o desafio do futuro governo será garantir promessas de campanha como o aumento do salário mínimo e a recuperação de programas sociais, com um orçamento apertado, apresentado pelo governo Bolsonaro.

Estado de tragédia

Em entrevista para uma rádio de Curitiba, o deputado federal e membro do grupo do Planejamento, Orçamento e Gestão, Ênio Verri, afirmou que o orçamento federal para 2023, elaborado pelo governo Bolsonaro, é trágico.

“O orçamento de 2023 está em estado de tragédia, teremos enormes desafios. Com o teto de gastos, está faltando, para atingirmos o mínimo necessário, 15 bilhões”, disse.

Verri ainda afirmou que a prioridade do novo governo será a manutenção do Auxílio Brasil, recuperar obras paradas e o retorno do Farmácia Popular. “O desafio que nós temos é garantir o Auxílio Brasil, garantir o aumento do salário mínimo, garantir os recursos para saúde, recuperar o Farmácia Popular e recuperar as obras paradas'', afirmou.

Entenda o que está em jogo agora

  • Teto de gastos: Criado no governo Temer por uma emenda constitucional, o teto de gastos impede que o governo aumente seus gastos primários além da inflação por 20 anos desde a adoção da medida. Resumindo, não pode aumentar despesas com saúde, educação etc. É bom lembrar que a medida não impede o aumento das despesas com juros, o que beneficia os bancos e o tal “mercado”.
  • Salário mínimo e auxílios: Nos últimos quatro anos, não houve aumento real do salário mínimo. Lula está tentando negociar com o Congresso medidas para voltar a dar aumento para o salário, além de garantir a continuidade do Bolsa Família e dos Auxílios Emergenciais maiores, que não têm recursos previstos no orçamento.
  • Geração de empregos: Outro ponto importante, é conseguir recursos para programas como o Minha Casa Minha Vida para a geração de empregos no país. A queda na taxa de desemprego nos últimos meses está ligada principalmente ao crescimento do trabalho informal e com salários mais baixos.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Queimadas na Amazônia | Foto: Pedarilhosbr/ Shutterstock

Boicote ao Fundo Amazônia foi "opção política" da gestão Bolsonaro

Nara Lacerda*, Brasil de Fato

O Brasil tem mais de R$ 3 bilhões de reais parados no Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), que deveriam ser destinados à preservação da floresta amazônica, mas foram desprezados pela gestão de Jair Bolsonaro (PL).

Ao decidir que não iria cumprir as regras para uso dos recursos do Fundo Amazônia, o governo de extrema direita mandava um recado para a comunidade internacional: o país estava fora dos debates globais sobre preservação ambiental. 

Em entrevista ao programa Bem Viver, da Rádio Brasil de Fato, a coordenadora de Política e Direito Socioambiental no Instituto Socioambiental (ISA), Adriana Ramos, afirma que o boicote foi uma "opção política".

Em 2019, o ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, extinguiu os dois comitês responsáveis pela gestão dos recursos. A formação dos grupos, que atuam no controle e na aplicação do dinheiro, é uma obrigação contratual. Sem eles, o fundo deixa de existir.

"Nenhum país tirou dinheiro do Fundo Amazônia. Foi o governo Bolsonaro que fez a escolha de cancelar o funcionamento desses dois comitês. Foi uma opção política não utilizar esse recurso. Esse recurso só pode ser utilizado para conservação, fiscalização e promoção do desenvolvimento sustentável. O governo não conseguiria utilizar esse recurso para outros fins. Então, ele preferiu que não fosse utilizado, porque esse não era o objetivo da política dele para a Amazônia."

O descumprimento das condições exigidas pelos países financiadores do fundo sabotou um mecanismo importante e estremeceu as relações com outras nações. O estrago foi considerável, porque o Brasil sempre dependeu de cooperação internacional para políticas ambientais.

"Ficou evidente que quem tinha interesses que não eram adequados era o governo Bolsonaro. Isso é tão reconhecido internacionalmente, que já no processo eleitoral havia essa sinalização de que acredita-se que o governo Lula vá recompor essas instâncias."

Na semana seguinte à vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas urnas, Alemanha e Noruega – os dois financiadores do fundo – declararam que vão retomar o aporte de recursos para preservação da Amazônia.

Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal retome o mecanismo  e recomponha os comitês responsáveis pela gestão dos recursos.

Enquanto o Fundo Amazônia estava parado, as taxas de desmatamento aumentaram em todos os biomas, principalmente na Amazônia. A devastação este ano já é 33% maior do que tudo o que foi registrado em 2021.

Confira abaixo entrevista completa.

Brasil de Fato: O que o Fundo Amazônia representa para a política de preservação ambiental no Brasil?

Adriana Ramos: O Fundo Amazônia foi criado para que o BNDES recebesse um recurso que foi, na época, destinado pelo governo norueguês. Depois teve um aporte também do governo alemão, reconhecendo os esforços na redução do desmatamento, que aconteceu exatamente a partir do primeiro mantado do governo Lula e até o início do primeiro mandato do governo Dilma.

O Brasil foi um dos países que mais reduziu emissões de gases que causam o efeito estufa com a redução do desmatamento. Nesse sentido, se qualificou como país que poderia receber recursos para investimentos nessa área. Como um pagamento por resultados que já tinham sido alcançados pelo governo brasileiro.

Esse fundo é administrado pelo BNDES, mas conta com dois comitês. O primeiro é um comitê técnico que atesta as taxas de desmatamento que estão sendo alcançadas no país para sinalizar quanto o país tem de resultados a aferir financeiramente.

O outro comitê é o comitê orientador do Fundo Amazônia, criado para reunir parte do governo federal, os governos estaduais da Amazônia e a sociedade civil, para discutir as grandes diretrizes de investimentos do fundo. Quais são as áreas que deveriam ser privilegiadas, como os projetos poderiam acontecer e poder ajudar o fundo a direcionar esforços para manter as políticas e ações que ajudam o desmatamento a ficar baixo.

Essa foi a lógica do fundo. Ele funcionou por praticamente dez ano, com muitas dificuldades já nos últimos tempos, em função dessa disputa muito grande de vários setores, como o agronegócio e a mineração, com pressão sobre a floresta.

Obviamente o fundo cumpre um papel fundamental, mas ele sozinho não dá conta do recado. Ele precisa estar ancorado em uma política. Ele foi criado no âmbito de prevenção e combate ao desmatamento, mas a desmobilização desse plano também afetou o fundo. Tendo em vista que não há esforço de investimento suficiente que resista a baixa aplicação da legislação e uma certa leniência com a ilegalidade, que nós vimos nos últimos quatro anos

Como ocorreu a extinção do Fundo Amazônia?

O que temos que entender é que nenhum país tirou dinheiro do Fundo Amazônia. Foi o governo Bolsonaro que fez a escolha de cancelar o funcionamento desses dois comitês, que eram uma condição contratual dos financiadores pra utilização dos recursos.

Mais de R$ 3 bilhões estão parados nas contas do BNDES desde o início do governo Bolsonaro. Foi uma opção política do governo Bolsonaro não utilizar esse recurso. Porque esse recurso só pode ser utilizado para conservação, fiscalização e promoção do desenvolvimento sustentável.

O governo não conseguiria utilizar esse recursos para outros fins, então ele preferiu que não fosse utilizado, porque esse não era o objetivo da política dele para a Amazônia.

O que aconteceu quando o fundo foi criado é que o contrato dos doadores com o BNDES tem as chamadas salvaguardas, exatamente para não permitir que o dinheiro seja usado para qualquer coisa. Uma delas é a existência desses comitês com a participação da sociedade.

Esses comitês é que definem as prioridades onde o recurso pode ser utilizado. Ao editar uma medida que cancelava o funcionamento desses comitês, o governo fez a opção por não utilizar o recurso.

Talvez eles tivessem a expectativa de que sem os comitês eles poderiam destinar o dinheiro como quisessem. É aí que essas medidas aparecem como salvaguardas, porque foram feitas exatamente para salvaguardar o interesse público diante de algum interesse específico que não fosse adequado aos objetivos do fundo. Ficou evidente que quem tinha interesses que não eram adequados era o governo Bolsonaro.

Isso é tão reconhecido internacionalmente que no processo eleitoral já havia essa sinalização de que acredita-se que o governo Lula vá recompor essas instâncias. Agora de qualquer maneira, porque a decisão do Supremo Tribunal Federal manda o governo, seja lá qual for, recompor essas instância.

Os doadores foram além, os resultados das eleições fizeram com que eles sinalizassem a vontade de continuar apoiando o fundo, além desse recurso que já está lá. O que é uma ótima notícia, porque a verdade é que o Brasil sempre dependeu de cooperação internacional para fazer suas políticas ambientais avançarem e, cada vez mais, vamos precisar disso.

Como é possível recuperar esse prejuízo de quatro anos?

Tem muita coisa para fazer. Eu acho que esse primeiro anúncio mostra que o presidente Lula ainda está na memória dos demais dirigentes como o presidente que mais reduziu o desmatamento no Brasil.

O fato de ele ter ao lado dele, nessa campanha de segundo turno, a ex-ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, trazendo uma proposta que deu mais consistência à agenda ambiental no programa de governo, também é uma sinalização muito objetiva para quem já teve oportunidade de ver que essas pessoas juntas conseguiram fazer a diferença.

Agora, o desmonte é muito grande. Há centenas de medidas revogadas ou editadas que precisam ser revistas, porque todas as estruturas do sistema nacional do meio ambiente e do Ministério do Meio Ambiente foram alteradas.

O Observatório do Clima fez um mapeamento, no âmbito do projeto Brasil 2045, um mapeamento  das políticas e das normas que precisam ser revistas. O grupo do Instituto Talanoa, Política por Inteiro, também produziu um material nesse sentido.

Então tem tudo muito sistematizado. São mudanças que vamos precisar que sejam feitas imediatamente, assim como a recomposição das instâncias do comitê do Fundo Amazônia, a recomposição da participação da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), todas as estruturas dos procedimentos de fiscalização e aferição de multas de crimes ambientais, que foram totalmente alteradas para beneficiar aqueles que estavam atuando de forma irregular.

Temos muita coisa que precisa ser refeita e estruturalmente, para que se possa começar a trabalhar no desenvolvimento de novas políticas.

O governo eleito de Lula sinaliza para a possibilidade de derrubar as medidas da gestão atual que representaram desmonte. No chamado revogaço prometido por Lula, quais são os pontos mais urgentes para o meio ambiente?

É muita coisa e muita coisa que é norma infralegal. Portarias, instruções normativas, que organizavam como uma burocracia funcionava e que foram alteradas.

Temos um exemplo no processo de fiscalização. O fiscal vai a campo, autua alguém que ele encontrou agindo de forma irregular e, na área ambiental, foi estabelecido um procedimento de que essa multa, antes de entrar no sistema direto do fiscal, ela tem uma verificação em uma instância acima do fiscal, que seria uma instância política para verificar se aquela multa vai adiante ou não.

Pequenas coisas que fazem muita diferença no sistema como um todo. Foi esse pente fino que as organizações ajudaram a fazer para poder identificar. Então são muitas medidas. Essa eu acho que ela é muito simbólica porque ela mostra como, ao alterar uma rotina de trabalho da fiscalização ambiental, você diminui a responsabilização por aqueles que agem na ilegalidade. Vai diminuir a forma de cobrar multa.

Tivemos, por conta dessas mudanças recentemente, muitas multas que estavam para expirar o prazo e aí é o poder público que perde. É o interesse público que perde quando você abre mão dessa cobrança.

Existem várias instâncias de conselhos que são importantes para definir como a política vai avançar. Medidas que revogaram essas instituições precisam ser revogadas para que as normas voltem a valer.

São coisas que mexem no dia a dia dos órgãos até grandes decisões, como as decisões no caso do Conama. Como você definir o que vai ser regulamentado no âmbito do Conselho, fortalecendo a instância de participação como a instância prioritária da política ambiental.

Já temos, inclusive, uma grande mobilização da sociedade civil. Nesta semana saiu uma carta do pessoal que trabalha com a Rede Brasileira de Educação Ambiental, pedindo a retomada de uma política nacional de educação ambiental. Existe uma legislação, mas foi tudo desmontado também. Tem várias áreas do governo em que isso vai precisar ser refeito.

Quais são as expectativas para a Conferência do Clima das Nações Unidas (COP27) e para a participação do presidente eleito no encontro?

O Brasil já vinha sendo representado só pela sociedade civil, com o governo não fazendo questão de se colocar nesse debate, e esse anúncio da ida do Lula gerou muita expectativa. Porque essa é uma COP que discute muito mais implementação do que grandes acordos. Os parâmetros dos acordos da convenção estão mais ou menos dados.

Então, para uma COP que vai discutir implementação, é animador que o país que detém a maior área de floresta tropical - portanto, uma área sensível e relevante para a agenda climática - esteja chegando com uma nova abordagem, com um novo governo e com um compromisso já anunciado pelo presidente Lula de implementação de políticas que são centrais no combate ao desmatamento.

É o caso da retomada da demarcação das terras indígenas, dos territórios, que são elementos centrais em qualquer estratégia de um país como o Brasil para lidar com essa questão. Então, é claro que o mundo se anima com a perspectiva de ter um ator importante nessa conversa, que é o Brasil, se colocando em outro patamar.

Obviamente vai ser uma coisa meio maluca, porque você vai ter a presença de um governo esvaziado e uma presença, que ainda não é governo, ainda é sociedade, mas que obviamente vai ter muito mais o que dizer do ponto de vista de compromissos futuros.

*Texto publicado originalmente no site Brasil de Fato


Ciro Gomes com microfone na mão | Foto: Antonio Scorza/Shutterstock

Nas entrelinhas: Ciro Gomes esbanjou bom humor e fez propostas audaciosas no JN

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Foi uma mudança da água para o vinho a entrevista do candidato do PDT à Presidência da República, Ciro Gomes, aos jornalistas Willian Bonner e Renata Vasconcellos, no Jornal Nacional (TV Globo), na terça-feira à noite, em comparação com a do presidente Jair Bolsonaro, na véspera. Ciro estava de bom humor, focado nas suas propostas e pautou a entrevista, que transcorreu de forma bem mais produtiva do que a de segunda-feira.

O ex-governador do Ceará afirmou que irá cortar os privilégios criados para acúmulo de renda e criticou a corrupção. Questionado sobre a dificuldade que teve em formar alianças nacionais em torno da sua candidatura, disse que irá mudar o modelo de governança política instaurado na redemocratização e que trouxe caos para os presidentes em todos os anos de 1989 até aqui. “A corrupção é feita por pessoas, e o desastre econômico e privilégios criados é o que faz com que o Brasil tenha cinco pessoas acumulando a renda das 100 milhões mais pobres e da classe média”, afirmou.

“Trinta e três milhões de pessoas estão com fome e 120 milhões não fizeram as três refeições hoje. E determinados grupos políticos são responsáveis por essa tragédia (…) A ciência da insanidade é você repetir as mesmas coisas e buscar resultado diferente”, afirmou. Além de combater a corrupção, Ciro adiantou que pretende mudar o modelo de governança do país, acabando com o presidencialismo de coalizão: “O Collor governou com esse modelo e foi cassado. O Fernando Henrique e o PSDB nunca mais ganharam uma eleição nacional com esse modelo. O Lula foi parar na prisão. Esse modelo é o que se convencionou chamar de presidencialismo de coalizão, na expressão elegante de FHC, ou na adesão vexaminosa e corrupta ao Centrão”, disparou. Não será uma tarefa fácil sem bancada numerosa no Congresso.

Questionado sobre isso, Ciro disse que pretende dialogar com o Congresso Nacional e, em casos de impasse, convocará a população para decidir em plebiscitos, que são usados na América Latina com propósitos populistas, principalmente para esvaziar o Congresso. Amparou-se nos modelos da Europa e dos Estados Unidos. No Brasil, depois da redemocratização, houve dois plebiscitos: um sobre o parlamentarismo, a maioria decidiu manter o presidencialismo; outro sobre a venda de armas, o povo optou pelo direito de comprar.

Ciro criticou a Nicarágua e a Venezuela, mirando o ex-presidente Lula e o PT, e atacou a política ambiental do governo Bolsonaro. Segundo Ciro, a principal forma de retomar o controle das políticas ambientais é fazer com que as legislações existentes sejam respeitadas é punir os infratores. Em seu eventual governo, frisou, “a algema vai voltar a funcionar”.

A proposta mais arrojada de Ciro é a criação de um imposto para grandes fortunas, ao qual atribui a possibilidade de arrecadar o suficiente para financiar um programa de renda básica universal de R$ 1 mil. A ideia é taxar fortunas acima de R$ 20 milhões. “Cada super rico vai pagar a vida digna de 821 mil brasileiros mais pobres”, disse.

Outro tema no qual pretende focar é a segurança pública. “Quantas vezes eu ouvi, nos governos dos quais eu tive perto, que segurança é problema dos estados. Se o governo federal não assumir para si a tarefa inteirinha de investigar, prender, fazer a comunicação ao Ministério Público, julgar e aprisionar, isolando a comunicação das cabeças das organizações criminosas, nenhum estado será capaz de resolver isso.” Sua proposta é federalizar os crimes associados a facções criminosas, milícias, narcotráfico, contrabando de armas, lavagem de dinheiro e crimes de colarinho branco.

Projeto iluminista

Ciro conseguiu pautar a entrevista para consolidar a imagem de candidato preparado para governar o país, que apresenta propostas claras de novo projeto nacional, mas está isolado politicamente e entra na disputa com pouco tempo de televisão para expor suas ideias. Terceiro colocado nas pesquisas de intenções de voto, porém, faz uma campanha importante para arejar o debate político. Entretanto, foi ensanduichado entre o ex-presidente Lula e a senadora Simone Tebet (MDB), que pretende tomar seu lugar quando começar o horário eleitoral. Ciro é um candidato iluminista, na linha de pensadores brasileiros como Caio Prado Junior, Celso Furtado e, principalmente, Mangabeira Unger, que foi seu professor em Harvard.

Segundo o sociólogo Pedro Cláudio (Cunca) Bocayuva Cunha, professor do Programa de Pós-graduação de Políticas Públicas em Direitos Humanos do NEPP-DH da UFRJ, “seu esforço em encontrar boas soluções técnicas num programa neodesenvolvimentista, de tipo schumpeteriano, que pensa o Brasil (na chave abstrata da Coreia do Sul de 1970), não tem sujeitos sociais e povo na racionalidade”. Chamar a população sem se colocar com ela é uma repetição da “fórmula do caçador de Marajás”, critica. De acordo com ele, o debate programático exige a sustentação de uma nova maioria”.

Esse olhar crítico de Cunca Bocayuva reflete a posição de setores de esquerda, inclusive ligados ao PDT, que veem a candidatura de Ciro como divisionista. Entretanto, é inegável o papel positivo na candidatura de Ciro Gomes, mesmo que não tenha possibilidade de chegar ao segundo turno, porque está fomentando o debate com um olhar para o futuro e não, para o passado, a marca da polarização Lula versus Bolsonaro.

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Supremo Tribunal Federal à noite DF | Imagem: rafastockbr/Shutterstock

Nas entrelinhas: Uma Rosa no comando do STF (e o espinho)

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.

Não, esse texto não tem nada a ver com o velho samba de Nelson Cavaquinho, em cuja a alegoria poética o espinho quer apenas passar com sua dor, jamais machucar a flor. Estamos tratando da eleição da ministra Rosa Weber para a Presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), ontem, para liderar a Corte de 12 de setembro até outubro de 2023, quando se aposentará compulsoriamente, ao completar 75 anos. Assumirá no lugar do ministro Luiz Fux, em pleno curso do processo eleitoral, tendo como vice-presidente Luís Roberto Barroso, um dos alvos preferidos dos ataques do presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Supremo.

Como magistrada, é uma rosa de ferro, acostumada a tomar decisões difíceis. Na segunda-feira, por exemplo, enviou para a Procuradoria-Geral da República (PGR) um pedido de investigação de Bolsonaro por ter feito ataques ao sistema eleitoral, sem provas, durante encontro com embaixadores estrangeiros.

Deu sequência à ação na qual parlamentares da oposição questionam a conduta do presidente por abuso de poder econômico, improbidade administrativa e crime contra o Estado democrático de Direito. Houve forte reação da opinião pública e das chancelarias estrangeiras aos ataques que Bolsonaro fez ao sistema eleitoral brasileiro, principalmente à urna eletrônica, à Justiça Eleitoral e aos ministros Edson Fachin, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e Alexandre de Moraes, que assume o comando da Corte durante as eleições.

Apesar de pôr mais lenha na fogueira das tensões entre Bolsonaro, o espinho, e o Supremo, essa foi uma decisão de praxe, pois cabe à PGR decidir se pede a instauração de apurações formais contra autoridades com foro privilegiado, o que é muito improvável. O procurador-geral da República, Augusto Aras, é um aliado quase incondicional de Bolsonaro. Provavelmente, a PGR pedirá o arquivamento do caso, como vem fazendo sistematicamente em assuntos que envolvem o presidente. Nos bastidores, Aras é uma das autoridades que mais se queixam da atuação do Supremo, que teria usurpado atribuições do Executivo e do Legislativo, segundo afirma nos bastidores da Praça dos Três Poderes.

Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber tomou posse na Suprema Corte em 2011, depois de ter sido indicada pela então presidente Dilma Rousseff. Presidiu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018 a 2020, ou seja, durante a eleição de Bolsonaro. Fez carreira na Justiça do Trabalho, na qual ingressou em 1976, como juíza substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). Em 1981, foi promovida ao cargo de juíza-presidente, que exerceu sucessivamente nas Juntas de Conciliação e Julgamento de Ijuí, Santa Maria, Vacaria, Lajeado, Canoas e Porto Alegre.

Judicialização

Pela própria trajetória como magistrada, Rosa é protagonista de um fenômeno polêmico, que vem sendo muito questionado e também estudado no Brasil: a judicialização da política, a partir de uma concepção formal sobre as atribuições e relações entre os poderes. O debate político, porém, deu à expressão, cujo sentido é normativo, um caráter pejorativo.

A rigor, há dois modelos em discussão. No primeiro, trata-se de uma República constitucional com predomínio das instâncias eleitorais-majoritárias de representação, na qual o Judiciário é voltado à aplicação da lei aos casos individuais e com limitada interferência nas decisões legislativas e governamentais. É mais ou menos nesse campo que se posicionam Bolsonaro, os militares que ocupam o Palácio do Planalto, os políticos do Centrão que dão sustentação ao governo e Aras.

O outro modelo consagra a cooperação e complementariedade entre os poderes nas decisões políticas, com base na Constituição de 1988, que deu ao Estado brasileiro as características de uma democracia ampliada, com maior participação da sociedade civil nas agências governamentais. Nesse modelo, o Judiciário tem o papel de formular os valores compartilhados e servir de canal de expressão para grupos minoritários cujos direitos não são levados em conta pela representação da maioria.

Nesse contexto, ao longo dos últimos 20 anos, o Supremo emergiu como poder moderador na relação entre os poderes Executivo e Judiciário e entre o Estado e sociedade, ocupando espaços na definição de políticas públicas e na garantia de direitos sociais, sempre que o Executivo os contrariava ou o Legislativo se omitia, como nos casos do aborto, das terras indígenas, das relações homoafetivas etc.

A existência da Justiça Trabalhista e da Justiça Eleitoral, que antecedem a Constituição de 1988, já era expressão dessa tendência, que ganhou mais vigor a partir da democratização do país. São inúmeros os temas nos quais o STF é demandado em ações diretas de inconstitucionalidade (Adins) para garantir direitos de entes federados ou dos cidadãos em sua relação com o Estado. Rosa tende a reafirmar essa tendência à frente do Supremo, até por uma questão de coerência doutrinária e trajetória pessoal na magistratura.

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Nas entrelinhas Neoliberalismo | Imagem: reprodução/Correio Braziliense

Nas entrelinhas: Fracasso do Novo reflete o colapso do neoliberalismo

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Candidato do Novo, Felipe d’Avila até agora não emplacou. Na última pesquisa do Ipespe, registrou 1% de intenções de votos. Com 58 anos, nascido em São Paulo, é cientista político, mestre em administração pública pela Universidade de Harvard. Fundou, em 2008, o Centro de Liderança Pública, uma organização sem fins lucrativos dedicada à formação de líderes políticos. Com 10 livros publicados, é o candidato da chamada “nova política”, mas não consegue sensibilizar os eleitores.

O Novo é um projeto político que antecedeu as manifestações de junho de 2013, uma explosão de insatisfeitos de todos os matizes, contra o governo Dilma Rousseff. Com a reeleição da petista, a movimentação espontânea foi sendo direcionada para a campanha do impeachment dela. Nesse processo, surgiram vários movimentos cívicos; a turma do Novo, porém, desde o primeiro momento, apostou na formação de um partido ideológico, sem concessões ao pragmatismo político. A política do Novo é o neoliberalismo.

A grande façanha do Novo em 2018, quando elegeu oito deputados federais e 12 deputados estaduais, foi a eleição do governador de Minas Gerais, Romeu Zema, que lidera as pesquisas sobre o pleito para o governo do estado como candidato à reeleição. Entretanto, não existe transferência de votos para Fernando d´Avila em Minas. Com palanque aberto, Zema enfrenta o ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, aliado do ex-presidente Lula, que lidera as pesquisas para a Presidência em Minas. O governador mineiro trafega nas bases de Bolsonaro, mas mantém um posicionamento independente.

O Novo foi o único partido que votou contra a chamada PEC das eleições, que aprovou o Auxílio Brasil e os subsídios para caminhoneiros e taxistas. Mantém sua coerência em relação aos princípios e valores que levaram à fundação da legenda, a ponto de devolver os recursos dos fundos partidário e eleitoral. Essas bandeiras vão ao encontro do cidadão comum que tem ojeriza à política e aos políticos, mas não têm apelo eleitoral até agora.

A abertura econômica está entre as principais propostas de d’Ávila, que chove no molhado: “O Brasil precisa de um presidente capaz de vencer esse populismo que nos deixou com estagnação econômica há 20 anos, recorde de desemprego, aumento da miséria. A abertura econômica do Brasil é fundamental. Nenhum país do mundo ficou rico mantendo a sua economia fechada”. O candidato do Novo defende a “conciliação” do agronegócio com o meio ambiente, a descentralização do poder e o empoderamento do cidadão por meio da digitalização do governo. E empunha a bandeira da “pacificação”, ao criticar a polarização entre o ex-presidente Lula e o presidente Bolsonaro.

Quatro décadas

O discurso envelheceu. O neoliberalismo está sendo responsabilizado pelo aumento das desigualdades no mundo e das baixas taxas de crescimento. Segundo o economista Joseph Stiglitz, Nobel de Economia, a diminuição simultânea da confiança no neoliberalismo e na democracia não é coincidência, nem mera correlação. “O neoliberalismo minou a democracia durante 40 anos. A forma de globalização prescrita pelo neoliberalismo deixou indivíduos e sociedades inteiras incapazes de controlar uma parte importante de seu próprio destino”, argumenta.

Segundo Stiglitz, o sistema capitalista precisa ser reformado, porque fomenta um crescimento de desigualdades, destruição do meio ambiente, polarização de nossas sociedades e um permanente descontentamento, que não podem ser negados. “Precisamos de um novo contrato social, que espalhe solidariedade em nossas sociedades e pelas gerações. Isso significa um papel diferente para os governos, menos ajuda para as empresas e mais ajuda aos cidadãos que necessitam, impostos progressivos e, acima de tudo, reescrever as regras da economia”, argumenta o economista.

Esse cenário é corroborado até pela diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, segundo a qual o “o capitalismo está fazendo mais mal do que bem”. O FMI fala em “cultura da solidariedade” e “globalização da esperança”. Também fala em melhorar os sistemas globais do comércio, de controlar os fluxos de capitais pelos danos que podem causar e sobre a sustentabilidade da dívida. Trocando em miúdos, o projeto de d’Ávila está descolado da realidade do Brasil e do mundo.

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No meio do caminho tinha um Janones | Foto: reprodução/OTempo

Nas entrelinhas: No meio do caminho tem um Janones

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O presidente Jair Bolsonaro vive o rescaldo da grande convenção de domingo que oficializou sua candidatura. Seu discurso no Maracanãzinho mirou aquilo que as pesquisas estão mostrando e seus marqueteiros também: (1) precisa do voto das mulheres, daí o discurso de Michelle, a primeira-dama, na convenção, dirigido ao mundo evangélico para chegar ao eleitorado feminino; (2) está em franca desvantagem junto à população de mais baixa renda, em que o ex-presidente Lula nada de braçadas, situação que tenta reverter prometendo manter o Auxílio Brasil no valor de R$ 600 após as eleições (apesar de a equipe econômica só conseguir garantir R$ 400 remanejando o Orçamento da União de 2023); e (3) sonha com os votos de classe média que recebeu em 2018 e está perdendo, por causa de seu radicalismo, principalmente nos estados do Sudeste. Jovens e o Nordeste são batalhas perdidas.

Acontece que Bolsonaro não se aguenta e fala o que realmente pensa, não o que as pesquisas qualitativas da equipe de campanha estão mostrando: na convenção, fugindo ao script, partiu novamente para cima do Supremo Tribunal Federal (STF) e das urnas eletrônicas, o que é um tiro no pé, porque reforça a imagem de candidato perdedor e a ideia de que prepara um golpe de Estado, ainda mais depois de ter feito uma nova convocação para mais uma manifestação contra o Supremo no 7 de Setembro.

O Dia da Independência pode ser um Rubicão. É aí que o papel do candidato a vice, general Braga Netto, precisa ser observado com atenção. Além de ser o responsável pelo programa de governo, que promete entregar nas próximas semanas, ascendeu à condição de articulador da campanha e está viajando aos estados. O ex-ministro da Defesa transita muito bem no universo de apoiadores de Bolsonaro, não esconde sua afinidade com as teses golpistas e é o mais preparado para cuidar, com outros militares, da mobilização da militância de campanha. Como todos sabem, Bolsonaro tem uma milícia política armada.

Ciro Gomes (PDT), Simone Tebet (cuja candidatura sofre um ataque da ala lulista do MDB, às vésperas da convenção para homologar seu nome) e André Janones (Avante), juntos, somam de 12% a 13%, o suficiente para levar a eleição ao segundo turno e manter Bolsonaro dois dígitos distante de Lula, caso a polarização entre ambos se mantenha. Mesmo que esse quadro não se altere a favor de uma terceira via, são candidaturas que têm um papel a cumprir no debate político e na negociação do segundo turno, porque forçariam um entendimento em direção ao centro. Entretanto, temos uma eleição com forte tendência de polarização, com 70% do eleitorado supostamente já definido, que pode registrar o voto útil tanto em favor de Bolsonaro como de Lula na reta final do primeiro turno.

Esse é um tipo de aposta incorporada à narrativa da frente de esquerda que apoia Lula, para vencer no primeiro turno, alimentada pelos arreganhos autoritários de Bolsonaro e da extrema direita que o apoia. Mas não existe eleição decidida de véspera, os 45 dias de campanha de rádio e televisão tanto podem abduzir completamente os candidatos de terceira via como provocar o contrário, com um dos três postulantes à terceira via se beneficiando do aumento da rejeição aos dois candidatos, em razão da pancadaria entre Lula e Bolsonaro.

David contra Golias

A candidatura do deputado André Janones à Presidência da República foi oficializada no sábado. A convenção foi em Belo Horizonte, com o grande Teatro do Minascentro lotado. Advogado, filho de uma empregada doméstica, Janones é um fenômeno das redes sociais, seu primeiro emprego foi como cobrador de ônibus. Nas pesquisas divulgadas ontem, figurava com 2% de intenções de votos; vem sendo assim, teimosamente. Ele é um fenômeno da antipolítica: em 2016, quando se candidatou à Prefeitura de Ituiutaba pelo PSC, perdeu; em 2018, surfou a greve dos caminhoneiros e foi o terceiro mais votado nas eleições para deputado federal em Minas. Disputa pela primeira vez a Presidência da República, é um David contra Golias.

Janones é uma pedra no caminho do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, porque a resiliência de seus eleitores pode inviabilizar uma vitória do petista no primeiro turno, somada aos votos de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). O candidato do Avante tem seu discurso na ponta da língua: “Só de eu poder dizer que nós temos de fato um projeto para o país, para mim, já fez tudo valer a pena. Hoje, nós temos um projeto que contempla todas as áreas: saúde, segurança, educação, agro… Todas as áreas e todos com a mesma mensagem, com o mesmo objetivo: a diminuição da desigualdade social no nosso país, a diminuição da distância entre os mais ricos e os mais pobres”, explica.

O deputado mineiro defende um programa de combate à pobreza, financiado por uma reforma tributária, para taxar lucros e dividendos, e criar um imposto sobre grandes fortunas, rever os atuais incentivos fiscais, sem sacrificar a classe média com mais tributação. Na convenção, André Janones defendeu a democracia; em entrevistas, já disse que não apoiará Bolsonaro, no segundo turno. O Avante tem oito deputados federais, 16 deputados estaduais, 82 prefeitos e 1.074 vereadores.

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Ciro Gomes com microfone na mão | Foto: Antonio Scorza/Shutterstock

Nas entrelinhas: Resiliência mantém Ciro na disputa do primeiro turno

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

O perfil político do ex-governador do Ceará Ciro Gomes pode ser sintetizado numa palavra da moda: resiliência. Ontem, o PDT aprovou em convenção nacional, por aclamação e sem votos contrários, a escolha do seu nome como candidato à Presidência da República. Ele resistiu a todas as investidas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para desestabilizar sua candidatura. O petista comeu pelas beiradas as alianças do PDT nos estados, mas o político cearense, intempestivo e destemperado, duas palavras que também constituem o seu perfil, resistiu bravamente. Manteve-se em cena com uma fatia de 8% do eleitorado, que segue firme e forte apoiando sua candidatura.

Esta será a quarta vez que Ciro disputará a Presidência, que é a sua grande obsessão política. Nunca chegou ao segundo turno, mas sempre deu trabalho aos adversários, nos pleitos de 1998 e 2002, pelo antigo PPS, e 2018, pelo PDT, quando obteve seu melhor desempenho, com 13,3% dos votos.

Ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco, foi responsável pela implementação do Plano Real, quando Fernando Henrique Cardoso (PSDB) deixou o cargo para concorrer e vencer as eleições de 1994, derrotando Lula. Ciro tem uma trajetória bem-sucedida de gestor público, como prefeito de Sobral e Fortaleza e governador do Ceará, que hoje se destaca por ter uma das melhores redes de ensino público e gratuito do país.

Ciro é um caso raro de resiliência porque trafega numa faixa muito estreita do eleitorado, mantendo-se sempre em torno dos 8% de intenções de votos, conforme o último levantamento do Instituto DataFolha. Sua campanha eleitoral está a cargo de João Santana, o ex-marqueteiro das campanhas vitoriosas de Lula, em 2006, e Dilma Rousseff, em 2010 e 2014.

Santana está entre aqueles que foram flagrados recebendo dinheiro de caixa dois pela Lava-jato, mas fechou delação premiada e, assim, saiu da prisão. Conhece como ninguém as relações de Lula com seus velhos aliados e o eleitorado, principalmente o nordestino.

“Vote em um e se livre de dois” é o bordão criado por Santana para abrir caminho na polarização eleitoral protagonizada por Lula e o presidente Jair Bolsonaro (PL). Ao contrário dos demais, que ainda não apresentaram suas plataformas, Ciro tem um programa de governo com princípio, meio e fim, no qual busca uma espécie de aggiornamento do velho trabalhismo brizolista, que é o DNA do PDT. A chave é o modelo nacional-desenvolvimentista, considerado esgotado pela maioria dos economistas. Suas propostas estão publicadas no livro Projeto Nacional: O Dever da Esperança.

Programa

Ciro quer revogar o “teto de gastos”, rever a autonomia do Banco Central, abandonar o tripé da política monetária (meta de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal), criar 5 milhões de empregos nos dois primeiros anos de governo com uma canetada, mudar a política de preços da Petrobras, adotar o programa de renda mínima universal do ex-senador petista Eduardo Suplicy, investir pesadamente em escolas federais em tempo integral e criar um complexo industrial de saúde, focado na produção de medicamentos.

Velhas propostas de campanhas anteriores foram exumadas pelo programa, como a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas, com alíquota progressiva para patrimônios acima de R$ 20 milhões; a tributação de lucros e dividendos; e um imposto progressivo sobre heranças e doações, além de dois impostos gerais: um para pessoa física e outro para a jurídica. Também pretende promover uma nova reforma da Previdência, atingindo o setor público, com adoção do regime de capitalização. Seu guru é o economista Mangabeira Unger, professor da Harvard, de quem foi aluno.

O político cearense é um osso duro de roer numa campanha. Não tem medo das agruras da corpo a corpo na rua, onde enfrenta os desafetos petistas e bolsonaristas. Nos debates, é contundente e preparado para defender seus pontos de vista. Esses atributos, porém, também são seu ponto fraco, porque é destemperado e disposto até a resolver no braço as diferenças, quando é agredido verbalmente. Nada disso, porém, abala a fatia do eleitorado que lhe permanece fiel. O seu problema é de outra natureza: sair dessa bolha.

Ciro se coloca como uma alternativa ao PT. Nas eleições passadas, quando ficou fora do segundo turno, viajou para Paris, com o propósito de não votar nem em Bolsonaro nem em Fernando Haddad, o candidato do PT. Busca ser uma alternativa para os eleitores e as forças políticas de centro, mas seu programa político acabou se tornando um obstáculo para isso. Quem conseguiu ampliar as alianças ao centro foi Lula, ao atrair o ex-governador tucano Geraldo Alckmin, que se filiou ao PSB, para ocupar a posição de candidato a vice.

As forças de centro que se mantiveram distante de Lula sempre apostaram numa terceira via, mas nunca aceitaram que fosse liderada por Ciro. O PSDB e o Cidadania, que fizeram uma federação, optaram por apoiar a candidatura de Simone Tebet (MDB), que agora também sofre um ataque especulativo do petista. Mesmo isolado e sem coligação, a candidatura de Ciro foi bancada pelo presidente do PDT, Carlos Lupi, que deixou em aberto a vice. Caso o MDB, cuja convenção será 27 de julho, resolva defenestrar a candidatura de Tebet, o jogo fica zerado na terceira via. E Ciro pode voltar a ser uma alternativa a algumas das forças que compõem esse campo, como o Cidadania.

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Bolsonaro discursa com semblante de raiva | Foto: NANCY AYUMI KUNIHIRO/Shutterstock

Nas entrelinhas: Bolsonaro faz campanha de anticandidato

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Em termos diplomáticos, o encontro de ontem do presidente Jair Bolsonaro (PL) com embaixadores de vários países para denunciar suspeitas não comprovadas sobre o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), seus ministros e a segurança das urnas eletrônicas foi um tiro no pé. Para a maioria dos diplomatas, seu discurso é de candidato derrotado por antecipação e sinaliza a intenção de realmente não aceitar o resultado das urnas. Obviamente, sua escalada contra as urnas eletrônicas é uma campanha de anticandidato, passa para o mundo — e internamente – a ideia de que pretende se manter no poder pela força.

Existe uma correlação entre a política nacional e nossas relações internacionais. Apesar da excelência e dos esforços dos nossos diplomatas de carreira, toda vez que Bolsonaro faz política internacional própria é um desastre. É o que está acontecendo, por exemplo, no caso da guerra da Ucrânia. No mesmo dia em que promoveu o desastrado encontro com os embaixadores, conversou por telefone com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky: “Discutimos a importância de retomar as exportações de grãos para prevenir uma crise de alimentos provocada pela Rússia”, escreveu Zelensky em seu Twitter. “Convoco todos os parceiros a se unirem às sanções contra o agressor.”

Para bom entendedor, a conversa de Bolsonaro com Zelensky não foi nada boa. Ao divulgar seu pedido de adesão do Brasil às sanções contra a Rússia, o presidente ucraniano criou um constrangimento para o Brasil, que assumiu uma posição de neutralidade, na tradição da política de Estado do Itamaraty. Porém, pessoalmente, Bolsonaro cada vez se aproxima mais do presidente russo Vladimir Putin. Por óbvio, esse posicionamento tem muito mais peso nas relações com os países ocidentais do que as suspeitas que levantou sobre a segurança das eleições.

Bolsonaro utilizou as dependências do Palácio da Alvorada e a estrutura de governo para uma série de acusações sem provas contra a Justiça Eleitoral e os ministros Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Também atacou seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva (PT), cujo prestígio internacional só aumenta na medida em que mantém o favoritismo nas pesquisas e as eleições se aproximam. Atacou o petista, porém acabou criticado por dois adversários que sonham tomar seu lugar contra ele, Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB). Ou seja, Bolsonaro está se colocando como alvo fixo de todos os principais concorrentes.

Os ministros Carlos França (Relações Exteriores), Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), Ciro Nogueira (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria-Geral) e Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), que formam o estado-maior da Presidência, participaram da reunião, que Fachin classificou como um encontro de pré-candidato a presidente da República, ao declinar do convite, com o argumento de que deveria ter uma posição imparcial como responsável pela condução do processo eleitoral. Na Ordem dos Advogados do Paraná (OAB-PR), à tarde, Fachin classificou a apresentação como uma “encenação”. Sem citar Bolsonaro, disse que há “inaceitável negacionismo eleitoral por parte de uma personalidade pública” e uma “muito grave” agressão à democracia.

Discurso de perdedor

E o anticandidato? É um sinal trocado. Bolsonaro está agindo como perdedor antecipado das eleições, como quem não pretende aceitar o resultado das urnas e quer virar a mesa, como tentou sem sucesso o ex-presidente norte-americano Donald Trump, seu aliado. Está fazendo uma campanha de anticandidato, que deixa em desespero os aliados do Centrão. O ministro Paulo Sérgio Nogueira reverbera as acusações de Bolsonaro e arrasta as Forças Armadas para uma posição que evoca o passado do regime militar. Somente após as eleições saberemos se age por disciplina, pois Bolsonaro é presidente da República e comandante supremo das Forças Armadas, ou por convicção golpista e autoritária.

A propósito do passado autoritário, o mais ousado desafio ao regime militar, no auge do seu poder, foi o lançamento da “anticandidatura” de Ulysses Guimarães à Presidência da República, pelo MDB, em setembro de 1973, no colégio eleitoral que elegeria o general Ernesto Geisel à Presidência. Como um Dom Quixote, Ulysses percorreu o país desafiando os militares, ao lado do ex-governador de Pernambuco Barbosa Lima Sobrinho, que depois viria a ser presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI).

“Não é o candidato que vai percorrer o país. É o anticandidato, para denunciar a antieleição, imposta pela anticonstituição que homizia o AI-5, submete o Legislativo e o Judiciário ao Executivo. Possibilita prisões desamparadas pelo habeas corpus e condenações sem defesa, profana a indevassabilidade dos lares e das empresas pela escuta clandestina, torna inaudíveis as vozes discordantes, porque ensurdece a nação pela censura à imprensa, ao rádio, à televisão, ao teatro e ao cinema”, discursou Ulysses, cuja plataforma era centrada na revogação do Ato Institucional 5 (AI-5), na anistia e na convocação de uma Assembleia Constituinte. Quanta ironia. Bolsonaro faz campanha em busca do passado.

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Pesquisa eleitoral destaque | Foto: Shutterstock/Andrii Yalanskyi

Revista online | Cenário eleitoral e guerras de narrativas

Rodrigo Augusto Prando*, especial para a revista Política Democrática online (44ª edição: junho/2022)

Vamos às urnas de dois em dois anos, no Brasil. Alternamos eleições municipais e eleições para deputados, senadores, governadores e presidente da República. Em 2022, nossas instituições e, no limite, a própria democracia terão seu maior teste desde a Nova República. 

A sociedade brasileira encontra-se no bojo de uma cultura política, não raro, autoritária, ainda assentada em elementos do clientelismo, do patrimonialismo e de líderes carismáticos e messiânicos. Há tempos, contudo, encontra-se no léxico da política o termo “narrativa”, seja no campo do marketing e da comunicação política, seja no dos atores políticos, jornalistas e cientistas sociais. As narrativas, assim, constituem armas numa guerra de versões na qual importa menos a trajetória do político, o que ele tem a dizer e os fatos da realidade, e mais aquilo que os indivíduos querem acreditar. Se, não faz muito, as narrativas eram produtos de profissionais do marketing político cujas remunerações eram milionárias, hoje, temos narrativas geradas no âmbito das redes sociais e que tomam proporções inimagináveis e numa velocidade distinta do tempo analógico. 

Após os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (FHC), o Partido dos Trabalhadores (PT), com Lula, assumiu o topo da República. Não tardou para que, objetivando afastar-se do antecessor, Lula e sua militância iniciassem sua fábrica de narrativas. Das muitas e bem-sucedidas narrativas criadas, uma – em especial – chama a atenção: a de que FHC e os tucanos haviam legado, ao país, uma “herança maldita”. Conjuga-se à tese da “herança maldita”, na oratória lulista, a frase “nunca antes na história deste país” com a qual costumava afirmar que era, praticamente, o inaugurador, a força fundacional, de um novo país em detrimento dos governos tucanos neoliberais e insensíveis aos pobres. Ali, surgia, no lulopetismo, com força, a retórica do “nós” contra “eles”. No que tange à comunicação política e a força destas narrativas, pode-se rememorar que os então candidatos do PSDB, José Serra e Geraldo Alckmin, nas disputas com os petistas, se deixaram guiar pelo adversário e esconderam FHC de suas campanhas. 

Coletiva de imprensa | Imagem: Shutterstock/zieusin
E-Título | Foto: Shutterstock/rafapres
Fake news & redes sociais | Foto: Shutterstock/pixxelstudio91
FHC escoltando | Foto: Shutterstock/Nelson Antoine
Jair Bolsonaro discursando | Foto: Shutterstock/Marcelo Chello
Lula de vermelho em discurso | Foto: Shutterstock/JFDIORIO
Pesquisa eleitoral | Imagem: Shutterstock/Andrii Yalanskyi
Votação | Foto: Shutterstock/Nelson Antoine
Campanha eleitoral | Imagem: Salivanchuk Semen/Shutterstock
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A polarização PT x PSDB deu a tônica da política no plano nacional até 2018, ano em que, numa eleição disruptiva, Jair Bolsonaro, deputado do baixo clero e inexpressivo em seus mandatos, ganhou a eleição. Bolsonaro agudizou a polarização, não mais na direção de um partido ou adversário, mas em relação a “tudo o que está aí”. Bolsonaro e seus bolsonaristas teciam novas narrativas e, na campanha e no governo, assumiram um presidencialismo de confrontação. Tornaram os adversários inimigos – inimigos reais ou imaginários, internos ou externos –, interditaram o debate, atacaram (e atacam), impiedosamente, com mísseis de fake news e torpedos de pós-verdades e, ainda, com narrativas alicerçadas sobre teorias da conspiração e toda a sorte de negacionismos. Cabe, novamente, rememorar 2018, quando, na campanha, os candidatos à presidência montavam suas equipes e estratégias digitais, ao passo que Bolsonaro já era chamado de “mito” há anos.   

O cenário eleitoral em tela traz a musculatura política e eleitoral de Lula, em primeiro lugar nas pesquisas, seguido de Bolsonaro, na segunda posição. Tais forças espremeram as candidaturas da tão desejada “terceira via”, os políticos que buscam se afastar do lulopetismo e do bolsonarismo. Lula está no centro da disputa eleitoral no plano nacional desde 1989. Ele foi derrotado três vezes (Collor, FHC e FHC), vitorioso duas vezes (contra Serra e Alckmin), fez a sucessora, Dilma Rousseff, duas vezes, e, em 2018, teve força, mesmo preso, de lançar Fernando Haddad, que foi derrotado no segundo turno por Bolsonaro. O atual presidente conta com cerca de 30% de intenções de voto, segundo pesquisa Datafolha divulgada em 26/5/22 e, na mesma sondagem, Lula tem 54%, nas respostas estimuladas e apenas com os votos válidos. Bolsonaro teve atuação assaz criticada durante os piores momentos da pandemia, mormente, por sua conduta, no discurso e na prática, negacionista e de desprezo pelas vacinas e pelos brasileiros vitimados pela Covid. Todavia, tem apoio do Centrão e, a seu favor, pesa o retrospecto de que todos os presidentes que concorreram à reeleição foram vitoriosos. 

A guerra de narrativas está na disputa política e na vida cotidiana do brasileiro. Mantendo-se o cenário em voga, os principais atores serão Lula e Bolsonaro, uma disputa com líderes carismáticos e com suas militâncias aguerridas; ambos com alta rejeição. A narrativa lulista é da lembrança positiva de seu governo, escondendo, se possível, Dilma e com um claro aceno ao centro trazendo Alckmin como vice. A narrativa bolsonarista repetirá, com força, nas redes e nas ruas, a estratégia de 2018 de confrontação e de ataques ao sistema eleitoral, tensionando a relação com os demais Poderes e a nossa democracia. 

Sobre o autor

*Rodrigo Augusto Prando é professor e pesquisador. Graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp).

** O artigo foi produzido para publicação na revista Política Democrática online de junho de 2022 (44ª edição), editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na revista Política Democrática online são de exclusiva responsabilidade dos autores. Por isso, não refletem, necessariamente, as opiniões da publicação.

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