Renan Calheiros

Ricardo Noblat: Bolsonaro escolhe perder para Renan a primeira batalha da CPI

Que vantagem Maria levou? Nenhuma!

Deu-se com prova de esperteza e de jogo de cintura do presidente Jair Bolsonaro seu telefonema recente para o governador Renan Calheiros Filho (MDB), de Alagoas. Por meio dele, Bolsonaro tentava apaziguar suas relações com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que será o relator da CPI da Covid-19.

Renan, pai, e Bolsonaro jamais foram próximos à época em que se cruzaram como deputados na Câmara. Houve uma chance de os dois se entenderem quando Bolsonaro se elegeu presidente, e Renan disputou a reeleição para presidente do Senado. Mas aí, Bolsonaro ajudou Davi Alcolumbre (DEM-AP) a derrotar Renan.

Depois de ouvir de Renan, o governador, que o pai não guardava mágoas dele e que se comportaria com equilíbrio como relator da CPI, que fez Bolsonaro? Autorizou a deputada Carla Zambelli (PL-SP), uma bolsonarista de quatro costados, a acionar a justiça para que impedisse Renan de ser o relator.

Um juiz federal de Brasília decidiu que Renan não poderá ocupar a função. Rodrigo Pacheco (DEM-MG), presidente do Senado, respondeu que a decisão não tem cabimento e que por isso será simplesmente ignorada. A instalação da CPI se dará, hoje, em sessão marcada para às 10h. E Renan será ungido relator.

Que vantagem Maria leva? O que Bolsonaro imaginou ganhar com uma manobra destinada ao fracasso? O despacho do juiz parece uma peneira cheia de rombos. Ele afirma, por exemplo, que Renan não poderá ser votado para relator. Não haverá votação. O presidente da CPI indica o relator de comum acordo.

Bolsonaro conseguiu uma coisa que parecia impossível: tornar Renan um político menos controverso do que sempre foi.

Pazuello, um general ruim de serviço até quando mente

Caiu a máscara

Neste governo, só o presidente Jair Bolsonaro deve sentir-se livre para mentir mesmo quando tudo o que diga possa soar como inverossímil do começo ao fim. Não é o cargo que lhe confere tal direito, mas o número de vezes que desrespeitou a verdade. Seus devotos e adversários se acostumaram e não ligam. Os mais tolerantes entre eles até acham graça.

O general Eduardo Pazuello, especialista em logística militar de fama duvidosa e desastrado ministro da Saúde, não aprendeu a lição e deu-se mal. Foi flagrado passeando sem máscara em um shopping de Manaus. Indagado por uma fotógrafa por que não usava máscara, retrucou: “Onde vende a peça?” Em seguida, foi socorrido por uma mulher que lhe deu uma de presente.

A foto viralizou nas redes sociais e um dia e meio depois ele decidiu se explicar ao invés de manter o silêncio porque o estrago estava feito. E o que disse por meio de sua assessoria? Que entrou no shopping justamente para comprar uma máscara, o que fez depois de caminhar apenas cinco metros. Falta credibilidade a Pazuello para mentir, o que deixa Bolsonaro muito assustado.

Afinal, o que o general poderá dizer quando for convocado para depor diante dos 11 senadores que formam a CPI da Covid-19? Haverá treinamento suficiente para tornar convincentes as respostas que dê sobre as mais delicadas questões que desafiarão sua argúcia? Não poderá ignorar as perguntas por mais capciosas que sejam, nem pedir para respondê-las depois por escrito.

Nos anais do Congresso não há registro sobre depoimentos de generais da ativa prestados em comissões parlamentares de inquérito. Pazuello será o primeiro. Terá essa elevada honra!


O Globo: Senado deve ignorar liminar que impede Renan de assumir relatoria da CPI da Covid

Parlamentares consideram que decisão judicial não tem embasamento; Rodrigo Pacheco criticou interferência e disse que indicação cabe ao presidente da CPI

Julia Lindner e Paulo Cappelli, O Globo

BRASÍLIA - O Senado deve ignorar a decisão da Justiça Federal do Distrito Federal que impede Renan Calheiros (MDB-AL) de assumir a relatoria da CPI da Covid. Parlamentares consideram que a decisão não tem embasamento jurídico por citar uma regra inexistente no regimento interno sobre a indicação no colegiado (a eleição do relator). A tese é apoiada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que criticou a interferência entre poderes.

“A escolha de um relator cabe ao presidente da CPI, por seus próprios critérios. Trata-se de questão interna corporis do Parlamento, que não admite interferência de um juiz. A preservação da competência do Senado é essencial ao estado de direito. A Constituição impõe a observância da harmonia e independência entre os poderes", disse Pacheco, em nota.

Na decisão, o juiz Charles Frazão de Morais, da 2ª Vara Federal Cível da Justiça de Federal do Distrito Federal, afirma que Pacheco deve impedir que o nome de Renan Calheiros seja submetido à votação para compor a CPI na condição de relator. Não há, no entanto, eleição para a relatoria. A prerrogativa da indicação é do presidente do colegiado, que é eleito na primeira sessão.

Leia: Liminar de primeira instância impede que Renan assuma relatoria da CPI da Covid

"Determino que a União diligencie junto ao Senado da República, na pessoa do seu presidente, para que este obste a submissão do nome do Ilustríssimo Senhor Senador José Renan Vasconcelos Calheiros à votação para a composição da CPI da Covid-19 na condição de relator", diz trecho da decisão.

Segundo pessoas próximas, Pacheco sinalizou que iria ignorar a decisão por considerar que ela não tem embasamento. Na visão dele, o documento indica desconhecimento com o regimento interno da Casa. Além disso, o constrange a eventualmente tomar uma decisão que caberia exclusivamente ao presidente da CPI - o escolhido deve ser o senador Omar Aziz (PSD-AM). 

O senador Otto Alencar (PSD-BA) afirma que os trabalhos seguirão normalmente nesta terça-feira e que Renan ainda pode ser indicado como relator. Por ser o integrante mais velho da comissão, Alencar é responsável pela abertura dos trabalhos no colegiado.

— Sim, claro [pode seguir normalmente]. Foi uma decisão sem embasamento jurídico, ao ponto do despacho do juiz dizer que o Renan não pode ser eleito, mas o Renan será designado por decisão do presidente eleito — avaliou.

Relembre: Zambelli anuncia nas redes ação na Justiça contra relatoria de Renan Calheiros na CPI da Covid

Ao GLOBO, Renan classificou a decisão como "uma interferência indevida de um juiz de primeira instância no poder Legislativo, limitando a liberdade de atuação do parlamento". Para ele, a iniciativa de Carla Zambelli (PSL-SP), autora da ação, faz parte de uma estratégia do governo.

— Estamos apresentando recurso. A CPI é uma investigação, ela tem poderes constitucionais. Não há precedente quanto a uma decisão tão esdrúxula quanto essa. Nunca houve uma decisão tão esdrúxula e indevida, de primeira instância, e que contém censura prévia, porque sequer fui escolhido relator (oficialmente). Isso não é Carla Zambelli, isso é uma questão do governo, vide a entrevista que o Flávio [Bolsonaro] deu [ao GLOBO]. Estão fazendo muito esforço — declarou Renan.


Andrea Jubé: Em política, fundo do poço tem mola

Grupo de Renan venceu Alcolumbre em palco secundário

As velhas raposas do Congresso ensinam que se pode cobrar quase tudo de um político no cemitério: que conforte a viúva, segure uma das alças do caixão, encomende a coroa de flores. Só não se pode exigir desse político que pule no buraco e se aconchegue do lado do morto.

Político tem instinto de sobrevivência como os animais. Um decano do Congresso ilustra, por exemplo, um erro de articulação de amador cometido pelo ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ), ao tentar atrair deputados para o bloco de Baleia Rossi (MDB-SP) no papel de franco atirador contra o presidente Jair Bolsonaro.

Este político veterano lembra que os deputados no segundo biênio do mandato estão focados na reeleição. Por isso, não querem confronto com o governo - qualquer governo.

Ao contrário, procuram afinar a relação com o Executivo para assegurar emendas para sua base eleitoral, fidelizar prefeitos, e assim, pavimentar o caminho para o sucesso nas urnas.

Convencer um parlamentar a brigar com o governo a dois anos de sua reeleição é o mesmo que convidá-lo para saltar no buraco e se aconchegar ao morto dentro do caixão. Na vida real, discurso de independência na relação com o Executivo é conversa para boi dormir.

Um dos políticos mais experientes da cena política, o ex-senador Heráclito Fortes, do DEM do Piauí - um quadro que conviveu com figuras como Ulysses Guimarães e Eduardo Campos - costuma lembrar que, em política, fundo de poço - ou de buraco - tem mola.

Seu partido agonizou na era Lula, e emergiu como uma das principais forças políticas do último pleito. Independente do embate público entre Rodrigo Maia e ACM Neto, o DEM voltou com protagonismo ao palco político.

A metáfora do poço com mola no fundo vale para o MDB de Renan Calheiros (AL) no Senado. O observador distraído dirá que a bancada perdeu pela segunda vez a luta contra Davi Alcolumbre (DEM-AP) pela presidência da Casa. Mas um observador atento alertará que Renan ganhou a revanche contra Alcolumbre no fundo do palco.

O grupo de Renan derrotou um importante aliado de Alcolumbre na eleição para a primeira vice-presidência, o segundo cargo na hierarquia do Senado.

Num segundo “round”, o grupo liderado por Renan mira mais dois cargos estratégicos, com poder de fogo para elevar a pressão contra o governo: a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cobiçada por Alcolumbre; e a presidência da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Saúde.

Nas articulações pelo apoio à candidatura de Rodrigo Pacheco (DEM-MG), um astuto Alcolumbre prometeu a primeira vice-presidência ao PSD e também ao MDB. Os emedebistas dobraram a aposta e levaram a disputa para o voto. Ao fim, Veneziano do Rêgo (MDB-PB) derrotou o aliado de Alcolumbre, o senador Lucas Barreto (PSD-AP), por 40 votos contra 33.

A vitória de Veneziano simboliza a revanche do MDB contra Alcolumbre, ainda que num palco menor, porque o senador da Paraíba representa o grupo autêntico de Renan e José Sarney. Apesar da passagem pelo PSB, Veneziano é um emedebista-raiz, irmão do ex-senador Vital do Rêgo, hoje ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), e aliado de berço de Renan. Vital foi alçado ao TCU pelo voto de 63 senadores em 2014, e mantém até hoje vínculos com a Casa. Vital encabeçou ao lado de Renan a articulação do jantar de reconciliação entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o então presidente Rodrigo Maia no começou de outubro.

Nos próximos “rounds”, o grupo de Renan quer nocautear Alcolumbre na disputa pela presidência da CCJ. E senadores ouvidos pela coluna não descartam que Renan assuma um cargo na CPI da Saúde: a presidência ou a relatoria.

Outro candidato a cargo de direção da CPI é o líder do MDB, Eduardo Braga, senador do Amazonas, e aliado de Renan, que tem demonstrado profunda indignação com o descontrole da pandemia em sua base eleitoral.

Com o MDB com fôlego renovado, Rodrigo Pacheco terá de demonstrar a mesma destreza que utilizou para atrair o PT para sua candidatura.

Completando uma semana no cargo, vai sofrer dupla pressão nos próximos dias. A pressão de 31 senadores - inclusive Renan e Braga - pela leitura do requerimento de criação da CPI da Saúde, que abre caminho para a instalação do colegiado.

Autor do requerimento da CPI da Saúde, o líder da Rede, senador Randolfe Rodrigues (AP), receia que Pacheco tentará adiar a leitura do requerimento até a realização da audiência para ouvir o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, na esperança de que a temperatura baixe até lá.

O governo ainda pode agir para retirar assinaturas da CPI até meia-noite do dia da leitura, mas Randolfe não acredita em recuo dos senadores que apoiaram a investigação dos erros e responsabilidades das autoridades no enfrentamento da pandemia, em especial no Amazonas. “Quem retirar a assinatura vai pagar um preço além do comum junto à sociedade”, diz Randolfe.

Em outro foco de pressão sobre Pacheco, Bolsonaro tem de decidir até o fim do mês sobre o pedido da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de veto ao artigo que fixou prazo de cinco dias para que a agência se manifeste sobre uso emergencial das vacinas, e possa chancelá-las, caso tenham sido autorizadas por uma das nove autoridades sanitárias estrangeiras relacionadas na lei.

Se o veto se consumar, o Congresso já está armado para derrubá-lo, em sessão que será presidida por Pacheco.

Se há controvérsia em torno da eleição da deputada Bia Kicis (PSL-DF) para a presidência da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), está praticamente certa a nomeação do deputado Darci de Matos (PSD-SC) para relatar a PEC da reforma administrativa no colegiado. O presidente Arthur Lira (PP-AL) já elencou a proposta entre os itens prioritários da agenda econômica. Mudando regras apenas para os futuros servidores, lideranças da Casa acreditam que a matéria pode avançar.


Andrea Jubé: Cuidado com a onça!

Para Renan Calheiros, “só a política dirá o que é possível fazer”

A “velha política” enfrentou revezes na eleição que consagrou Jair Bolsonaro e o bolsonarismo. Notórios caciques foram varridos das urnas, enquanto outros se enroscaram na Lava-Jato.

Mas o mundo dá voltas, e dois anos depois, são os velhos caciques que voltam a dar as cartas e ditar o ritmo do jogo.

Eleito com a bandeira da antipolítica, o presidente Bolsonaro nem titubeou: quando o cerco apertou, com a abertura de três inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF) que emparedam a ele e seus aliados - e tendo a prisão de Fabrício Queiroz como estopim -, ele repetiu seus antecessores e escolheu o lado certo onde se acomodar.

O presidente seguiu a máxima preconizada pelo decano dos decanos na política, o ex-presidente do Senado e do MDB Jader Barbalho: “Caititu, se andar fora do bando, vira comida de onça”. Em bom português: isolamento em política é sentença de morte.

É por isso que Bolsonaro uniu-se à velha política, e a velha política uniu-se a Bolsonaro.

A sequência de jantares entre autoridades dos últimos dias é a prova de que a lição de Jader não prescreveu: ninguém quer ficar à deriva. Na batalha naval, navio que sai da esquadra é o primeiro a ser abatido.

Ontem o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas abriu a casa para um jantar de tentativa de reconciliação entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), num esforço coletivo para evitar o naufrágio da agenda econômica num cenário de caos fiscal.

É certamente singular que os idealizadores do evento sejam o senador Renan Calheiros (MDB-AL), três vezes presidente do Senado, e o ex-senador e ministro do TCU, Vital do Rêgo.

“Qualquer crise tem que ser resolvida com conversa. Só a política dirá o que é possível fazer”, disse Renan à coluna, sobre os arrufos entre Guedes e Maia.

Renan é professor, enquanto o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), virou seu aluno nas coxias. Egresso do baixo clero, Alcolumbre elegeu-se com o discurso de que mudaria “tudo isso que está aí”. Caiu nas graças do “Muda, Senado”.

Menos de um ano depois, assim como Bolsonaro, caminhava de braços dados com os decanos do Senado. Porque, ao fim e ao cabo, “quem sabe, faz”. Política não é ofício para amadores. E o próprio “Muda, Senado” está em declínio.

Renan perdeu a eleição para o quarto mandato à frente do Senado, mas não perdeu a destreza na articulação. Depois de um período de isolamento forçado em sua fazenda em Murici, Alagoas, para fugir da pandemia, e após submeter-se a uma cirurgia para retirada de nódulo benigno do rim em São Paulo, Renan é navio que retornou à esquadra.

O ex-presidente do Senado estava perdendo terreno para seu adversário histórico em Alagoas, o líder do Centrão, deputado Arthur Lira (PP-AL) - pule de dez do Planalto para a sucessão de Rodrigo Maia na Câmara. Como num jogo de tabuleiro, Lira vem expandindo seus domínios: depois de se instalar no gabinete presidencial, abriu espaço para que seu correligionário, o deputado veterano Ricardo Barros, se consolidasse na liderança do governo.

O decano Renan, num piscar de olhos, reagiu e agora se articula para virar patrono da reconciliação de Guedes e Maia.

Depois da alta hospitalar, Renan e a senadora Kátia Abreu (PP-TO), uma de suas fiéis aliadas - e voto declarado na reeleição de Alcolumbre -, reuniram-se com Guedes no último dia 24. Sondaram o terreno para a reconciliação.

Foi preciso esperar a recuperação de Maia, em isolamento compulsório pelo coronavírus. (Olha a onça!)

Ultrapassado o risco de transmissão da covid-19, Renan e Vital encontraram-se com Maia no último sábado. Receberam o sinal verde do presidente da Câmara para organizar o jantar com Paulo Guedes. Bruno Dantas, ligado a Renan, seria o anfitrião.

Maia foi receptivo ao encontro com Guedes. Como mostrou o Valor hoje, interessa a Maia dar fôlego à agenda de reformas em seus últimos meses no comando da Casa. A reforma tributária votada, ao menos na Câmara, é a ambição de Maia.

“É uma briga inútil, não serve pra nada, é perde, perde”, definiu Renan, em conversa com a coluna, sobre o entrevero entre Maia e Guedes. “Eu me coloquei à disposição para selar as pazes”, disse o senador, esclarecendo que tudo que lhe interessa é uma “agenda mínima de reformas, com responsabilidade fiscal”.

Guedes e Maia nunca se bicaram. Mas a política fabrica relações para as quais Deus torce o olho. Em novembro de 2018, antes da posse de Bolsonaro, Guedes declarou que bastava dar “uma prensa” no Congresso para que a reforma da Previdência fosse aprovada. De lá para cá, foi uma sucessão de aspas desastradas. Mas a política é feita com pragmatismo, e não com o fígado.

Por isso, há esperança de reconstrução das relações após o jantar de ontem idealizado por Renan. “Espero que a conversa seja produtiva”, emendou o senador.

A pauta-desejo de Renan contempla a reforma tributária, a eliminação de “subsídios ineficientes e de salários acima do teto no setor público”, uma alíquota diferenciada para quem ganha acima de R$ 50 mil. “Só a politica pode fazer esses balizamentos”, defendeu Renan.

Discípulo de Jader Barbalho, nem Bolsonaro quis saber de isolamento, com medo de virar comida de onça. Somente na última semana, ele jantou duas vezes com o ex-presidente do STF Dias Toffoli. Uma das refeições foi na residência do ministro Gilmar Mendes.

Com três inquéritos assombrando a família Bolsonaro, o presidente quer andar em bando também no Supremo Tribunal Federal. Um deles será a despedida do decano Celso de Mello do STF, que relata o caso.

Mello sustenta que Bolsonaro tem de prestar depoimento pessoalmente à Polícia Federal porque é investigado na denúncia formulada pelo ex-ministro Sergio Moro. Significa na prática impor um constrangimento ao presidente da República.

Nessa conjuntura, expoentes da ala extremista, como Olavo de Carvalho e Sara Winter, protestaram nos últimos dias contra os movimentos de Bolsonaro para outras bandas. Olavo e Sara que se cuidem: vão virar comida de onça.


Fernando Gabeira: Adeus às velhas raposas

Renan achou ser um produto da novidade eleitoral só porque se reelegeu. Engano

As eleições no Senado marcaram o fim de uma hegemonia de décadas do velho MDB. Nesse aspecto, houve uma renovação. Ela não veio com o melhor espetáculo possível. Nem se pode afirmar ainda a amplitude dessa renovação. O consenso é que as reformas ficaram mais fáceis. Acredito ser essa uma das vantagens da renovação.

Mas minha alegria com um Senado propenso às reformas é limitada. Isso significa que pode respaldar ou mesmo melhorar as reformas vindas do governo, mas não demonstrou ser capaz de dar uma contribuição singular, que, além das reformas, é capaz de nos dar grandes projetos.

Mal conheço o presidente Davi Alcolumbre. Vi o senador Randolfe Rodrigues compará-lo a Rui Barbosa porque suportou em silêncio as críticas dos adversários. Em silêncio todos se parecem com Rui Barbosa. O problema é quando começam a falar.

A eleição no Senado foi num momento em que os corpos ainda estão sendo retirados da lama, num desastre com cerca de 350 mortos, lastimado no mundo inteiro, do papa a Theresa May. Houve poucas menções a isso, na verdade havia até uma certa pressa, confessada nos microfones, de comemorar a posse com as famílias. Será que nos trabalhos centrais, reforma da Previdência e pacote contra o crime, vão encontrar um espaço para a segurança nas barragens?

O governo mandará um projeto nesse sentido. Mas o Congresso tem papel vital na formulação de um marco regulatório.

A Vale decidiu fechar as barragens que têm o mesmo modelo de construção das de Mariana e Brumadinho. Está fechando por contra própria. Se o desastre de Mariana tivesse inspirado os parlamentares, elas deveriam ter sido proibidas no Brasil, como já o são em alguns outros países.

Naquela gritaria insana dos senadores, pensei, como todo mundo, que o nível estava baixo. Mas não me alonguei nesse sentimento. Não sou um turista sueco. Esse é o nível e é com ele que temos de trabalhar.

A grande inspiração para seguir a política no Brasil vem dos bombeiros de Minas, rastejando na lama em busca dos corpos e sobreviventes. Não importam a paisagem nem o cheiro.

A possibilidade de obter um avanço no controle da indústria é real depois desses dois grandes desastres. As chances são maiores porque a influência da indústria foi menor nas eleições de 2018. A anterior, de 2014, foi a última financiada por empresas. A Vale destinou então cerca de R$ 75 milhões aos candidatos.

Senadores que me parecem bem-intencionados, como o próprio Randolfe e Simone Tebet, para citar alguns, vão ter um papel importante neste processo de renovação do Senado. Muitas vezes declararam que seu objetivo era aproximar o Senado da sociedade. Para dizer a verdade, a própria sociedade se aproximou do Senado e deu um empurrão final em Renan Calheiros.

O mandato que começa é muito diferente dos anteriores. Talvez a pressão social sobre os eleitos seja mais intensa e isso muda o jogo. Votações abertas criam um vínculo com os eleitores. Eles cobram e agora sabem com clareza quem votou o quê.

Existem, evidentemente, alguns raros momentos em que a pressão social se choca com a consciência do parlamentar. Mas isso se revolve, são perdas e ganhos. Rui Barbosa jamais foi presidente.

Não será apenas na segurança de barragens que eles podem ter um papel. Também na segurança pública, algo que move mais a população do que a reforma da Previdência.

No texto de Moro, as milícias são consideradas organizações criminosas, ao lado do tráfico de drogas. Ambos dominam grande parte do território no Rio e, em menor escala, em outras cidades.

O ex-ministro Raul Jungmann percebeu bem o que chamou de coração das trevas, a inevitável associação dos donos do território com políticos eleitos ou ainda em busca de voto. De modo geral, esse nó se desata fora do Parlamento, a partir das investigações policiais. Mas se parlamentares não reconhecerem essa limitação da democracia, essa impossibilidade de votar e ser votado em todo o espaço urbano, aí, então, a tarefa será mais difícil.

O quadro geral na imprensa é de que a coisas começam bem para a agenda do governo. Mas sempre existe algo que não aparece na agenda, a não ser em sobressaltos. É o caso do meio ambiente. De nada adianta argumentar nesse campo, porque os desastres, naturais ou provocados, são de uma eloquência cada vez mais poderosa.

Da mesma maneira, não é possível um Parlamento ignorar que um país vizinho ao Brasil vive uma grande crise e que o governo Maduro agoniza. No caso de uma guerra civil sangrenta, certamente haverá mais gente na fronteira. A Venezuela tornou-se um problema internacional. Isso não significa que o papel do Brasil se tornou supérfluo. Discute-se em todo o mundo, mas é em alguns países vizinhos que sofreremos as consequências.

São apenas algumas ideias inspiradas nesta estreia do Senado. Na verdade, não teria espaço ainda para discuti-las. Se estivesse lá, certamente eu manteria silêncio, não ia perder esta única chance de ser como Rui Barbosa.

O jogo político começa agora. De janeiro para cá, apenas o governo apareceu. Agora é mais amplo. A sensação que tive inicialmente é de que não há blocos organizados.

Continuo achando que o número de surpresas será grande. Mas nesta altura, o melhor é garimpar alguns avanços no que às vezes parece um caos, um circo, um botequim.

O velho grupo caiu. São as consequências das eleições. Renan achou que era um produto da novidade eleitoral só porque se elegeu. Engano. Os ventos continuam soprando e o levaram para o espaço. Onde, aliás, já estão todos os seus colegas derrotados. Renan apresentou-se como um falso novo. Até que ponto o novo que venceu representa mesmo uma novidade? Os tempos não estão favoráveis às manipulações.


Carlos Melo: Janelas para o futuro estão fechadas

O 'novo' na política patina em antigos problemas

A política brasileira quase nunca surpreende, e qualquer absurdo tem precedente. Ainda assim, mesmo quem acompanha sua dinâmica há tempos ficou perdido com os episódios do Senado, logo na abertura da atual legislatura. É dispensável repetir o que se passou e talvez impossível explicar o que ocorreu; no Brasil, a realidade bate, de longe, a ficção. Mas curiosas são as semelhanças entre aquela eleição e a da Presidência da República, ano passado --além das coincidências com o que ocorre pelo mundo.

Como o eleitor comum, os senadores votaram "contra", não "a favor"; o gesto foi, antes, de desamor. Quando é assim, perdem-se rigor e critérios; faz-se opção emocional, pressionada por sentimentos e circunstâncias, sem pesar consequências.

As qualidades do escolhido deixam de ser importantes, desde que seja capaz de derrotar o mal maior -- seja ele o PT ou Renan Calheiros. Os símbolos da tragédia passada precisam ser removidos e não há possibilidade de diálogo, menos ainda de conciliação.

Claro que erros do passado precisam ser cobrados. Mas há exageros, perdendo-se o sentido de complexidade sistêmica que envolve a crise. Culpa-se o status quo pelos males do mundo moderno, sem perceber o status perdido diante de ondas de comunicação e novos processos políticos derivados da transformação tecnológica. Como se fosse possível negar a realidade e a modernidade incômodas, demoniza-se o adversário e substituem-se "ideologias" --o termo voltou à moda-- por outras ainda mais ultrapassadas.

São utopias regressivas, sobretudo, nos costumes; uma fuga para a nostalgia de um passado que retornará apenas como farsa. Um novo tipo de bonapartismo tende a piorar o que já era péssimo. Um otimismo forçado precisa ser sustentado, mas no íntimo suspeita-se que foi um tiro no pé.

Enfim, a despeito de qualquer alerta, a derrota do inimigo é mais comemorada que a vitória de quem ficará responsável pelo Executivo ou Legislativo --o Judiciário parece mais protegido, pelo menos por quanto tempo.

Do novo dirigente não importam o estofo cultural, o entendimento que tenha do mundo, sua biografia e conexões, nem a qualificação para o cargo; suas habilidades políticas mais amplas são ignoradas; não interessam.

Sem liderança, coordenação e condução políticas adequadas, a passagem para o que se imagina ser o futuro eleva muito mais os custos do que processos moderados de transição gradual e negociada -- peremptoriamente descartada.

São períodos que geram impasses, o que ocorre agora em vários quadrantes do planeta, como atestam os resultados da Primavera Árabes, do brexit, no Reino Unido, ou da eleição de Donald Trump, nos Estados Unidos. Não é um muro que se ergue, mas um beco que se forma. Lá estão tanto semelhanças quanto os fantasmas de consequências que parecem não tardar a surgir por aqui.

O fato é que uma massa disforme que representa a parte mais mobilizada e furiosa da opinião pública --sem representar toda a opinião pública-- se arroga como "o povo", num jacobinismo pueril que toma a frente do processo, sem assumir qualquer coordenação da ação coletiva. As lideranças não apenas são atropeladas, como se apequenam e desaparecem. Há pavor em se contrapor ao radicalismo confortável das redes sociais.

O resultado até aqui parece ser a destruição do passado e de seus personagens, como também da política. Não se abrem janelas para o futuro. E, depois de tudo, elas ainda estarão fechadas.

Com pretensos ares de renovação, o "novo" patina em antigos problemas, seja porque a suposta ruptura não traz novidade ou porque sobram inexperiência e inaptidão aos novos agentes.

E quase nunca há saída fácil para esses impasses a não ser purgar erros ao longo dos mandatos, torcendo para que instituições e o tecido social não se esgarcem completamente. Fica-se à espera de que no longo prazo essa destruição possa produzir algo de realmente criativo, antes que estejamos todos mortos de verdade.

*Carlos Melo, cientista político e professor do Insper


Marco Aurélio Nogueira: De manobra em manobra, Renan foi à lona

O mais importante de tudo não foi a eleição de Davi Alcolumbre. Foi a qualidade do processo.

Importa pouco constatar que o novo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), venceu a disputa com Renan Calheiros graças a uma série de golpes, pequenos truques antirregimentais e grandes apoios externos que derrubaram a aparente invencibilidade do adversário, exibida até as vésperas da eleição.

Manobras são comuns em política, mesmo em ambientes com poucos eleitores. Fazem parte do manual de políticos onde quer que seja. Por vezes são manobras sórdidas e sujas, por outras se limitam ao uso inteligente e malicioso de recursos disponíveis, seja em termos retóricos, seja valendo-se da força política propriamente dita, apoios inesperados ou arduamente conquistados. Dividir as hostes adversárias é tão importante quanto unir os próprios apoiadores. Converter inimigos de meu inimigo em amigos ajuda demais, e pode mesmo ser decisivo.

Renan perdeu porque muitas forças de ergueram contra ele. Mostrou uma fadiga de material que não parecia flagrante no meio da semana passada, quando se vangloriava de ter recebido telefonema de Bolsonaro que, na sua visão, sinalizava um apoio antecipado. O desgaste apareceu dentro do MDB, quando Simone Tebet conseguiu 5 votos contra 7 e quase conseguiu sair candidata do partido. E ficou flagrante quando o plenário do Senado decidiu que a eleição do presidente seria por voto aberto, contrariando o regimento interno da casa. Quando Toffoli, na madrugada de sábado, decidiu que o voto secreto deveria ser seguido, já era tarde demais, Renan estava na lona. Articulações palacianas (Onix Lorenzoni) somaram-se à fragilidade dos apoiadores de Renan e ao prazer de vários senadores, meio de oposição, meio governistas, de ver o outrora poderoso político alagoano pedindo água, secundado por uma senadora Katia Abreu que não se envergonhou de fazer um verdadeiro barraco no Senado.

De nada adiantou. O MDB permaneceu dividido, Alcolumbre ganhou aos poucos força magnética, cresceu a ideia de seria bom “renovar” a liderança da Casa. Ao final da tumultuada sessão, Renan jogou a toalha e Alcolumbre conseguiu os votos necessários para presidir a Casa, abraçado a Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Major Olímpio (PSL-SP), Álvaro Dias (Podemos-PR) Simone Tebet (MDN-MT), Reguffe (DF-sem partido), Coronel Ângelo (PSD-CE) e Esperidião Amin (PP-SC). Novos equilíbrios acabaram por prevalecer.

O mais importante de tudo, porém, não foi a eleição. Foi a qualidade do processo. Como se se estivesse em um circo, houve de tudo. Erros grosseiros de encaminhamento, manobras juvenis que fariam corar manipuladores de centro acadêmico, discursos patéticos, um baixo nível generalizado, fraudes nas urnas, roubos de pastas com documentos, em meio a um plenário atarantado e barulhento, que seguia os ventos do poder externo e a conversa mole da “nova política” que pareceu se manifestar tão-somente pelas alocuções das redes sociais. Tudo lá dentro era velho, cheirava a naftalina.

Agora foi dada a partida, o jogo começou para valer. Se permanecer o padrão do Senado, dias complicados virão pela frente. Os senadores poderão, claro, melhorar a performance, por a mão na consciência e descobrir onde foi que erraram e o que podem fazer para que se recupere a grandiosidade institucional do Senado. Podem, para começar, se organizar melhor, formar bancadas inteligentes, escolher coordenadores experimentados e com capacidade de articulação, agregação e definição de rumos.

É de se duvidar que algo assim ocorra de imediato. Pode ser que jamais ocorra. O cenário descortinado sexta e sábado não respalda expectativas otimistas. Há uma falta gritante de vida democrática inteligente, as lideranças mais calejadas hibernaram, as novas ainda não se apresentaram, a situação é um amontoado de gente e na oposição falta praticamente tudo.

Mas a política tem parte de sua beleza na capacidade de surpreender e no momento resta esperar para ver se alguma surpresa nos reservarão os próximos dias.

*Marco Aurélio Nogueira, professor titular de teoria política da Unesp


Ricardo Noblat: Com que cara fica Toffoli?

Autoridade desafiada

Responsável pelo plantão do Supremo Tribunal Federal no último fim de semana, o ministro Dias Toffoli soube que trabalharia duro quando o Senado, na noite da sexta-feira, suspendeu a sessão que deveria ter sido concluída com a eleição do seu novo presidente.

Toffoli correu para responder às pressas e de maneira convincente a consulta do MDB sobre eventuais irregularidades cometidas durante a sessão. E pouco antes das 4 horas do sábado, sua decisão estava pronta e foi imediatamente divulgada. Cumpra-se.

Em parte foi cumprida. Mas só em parte. Na sexta-feira, por 50 votos contra 2, o Senado decidira que a eleição se faria por meio do voto aberto e nominal. Quer dizer: no painel eletrônico, apareceria o nome de cada senador e o seu respectivo voto.

Não, nada disso, decretou Toffoli. O voto teria de ser secreto porque o regimento interno do Senado manda que seja assim. E também porque em despacho recente, o próprio Toffoli já estabelecera que o voto fosse secreto. Na Câmara, por exemplo, é secreto.

A ordem de Toffoli foi ignorada por diversos senadores – entre eles, Flávio Bolsonaro, filho de quem é. Meia dúzia ou mais de senadores anunciou em voz alta em quem votaria e, para provar, mostrou a cédula preenchida com o nome do seu candidato.

Foi um escancarado gesto de desrespeito à decisão do presidente da mais alta corte de justiça do país. O desrespeito representa também um desafio a Toffoli: o que ele fará? Deixará tudo por isso mesmo? Fingirá que nada de grave aconteceu? Vida que segue?

Onyx ri à toa

De quem ele ri?

Onyx Lorenzoni, chefe da Casa Civil da presidência da República, ri de Paulo Guedes, o todo poderoso ministro de tudo o que tenha a ver com a economia, mais conhecido como o Posto Ipiranga do presidente enfermo Jair Bolsonaro.

Guedes aproximou-se de Renan Calheiros e vice-versa contando com o apoio dele para aprovar no Senado a mãe de todas as reformas – a da Previdência. E tudo o mais que o governo viesse a precisar. Confiava na eleição de Renan para presidente do Senado.

Ao passar a perna em Renan, Onyx, o mentor da candidatura de Davi Alcolumbre (DEM-AP) à presidência do Senado, passou também a perna em Guedes que nunca lhe conferiu muita importância. Doravante, será obrigado a fazê-lo.

Alcolumbre comerá na mão de Onyx. Como também quem mais venha a precisar da sua ajuda. Ele é a quarta pessoa mais importante da República, só abaixo de Bolsonaro, do vice Mourão e de Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados.

Foram subestimar Onyx? Olha o troco aí.


Leandro Colon: Davi não representa nova política

O presidente do Senado não tem nada de novato e precisou de velhas práticas para derrotar Renan

Em seu discurso de candidato a presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) falou em "formas ultrapassadas e injustas da velha política". Apresentou-se aos pares como uma alternativa ao modelo antigo de atuação parlamentar.

Aos 41 anos, Davi é uma figura jovem em uma Casa tradicionalmente ocupada por senhores e senhoras que já percorreram longa trajetória pública como governadores, vários mandatos no próprio Senado, e até como presidente da República.

A sua vitória depois de dois dias de vergonhosas sessões enfim solapou não só Renan Calheiros (MDB-AL), mas um grupo que, tutelado por José Sarney, mandou e desmandou, desde os anos 90, no plenário e na exagerada estrutura administrativa (incluindo a polícia legislativa). Fez (e mal) o que bem quis no Senado.

A mudança deveria então criar expectativas morais? Nem tanto. O presidente do Senado não tem nada de novato. Vive há quase 20 anos da política. Elegeu-se vereador em Macapá em 2000.

Foi deputado federal por três mandatos, de 2003 a 2014, e é senador há quatro anos. Tem PhD no baixo clero, por onde passam negociatas das mais indecorosas do submundo parlamentar.

Seu principal padrinho na eleição do Senado foi Tasso Jereissati (PSDB-CE), que possui camarote vip no Carnaval dos coroneis do Congresso. Davi agradeceu os "conselhos" do tucano, desafeto público de Renan.

O novo comandante do Senado já mostrou do que é capaz ao usar a cadeira de presidente temporário para operar em plenário uma manobra em benefício próprio. O STF cassou rapidamente a maracutaia regimental do voto aberto, mas o circo já estava montado para derrotar Renan.

E nada é mais velho do que a interferência do Palácio do Planalto em uma disputa no Congresso. Davi deve muito ao ministro Onyx Lorenzoni por sua eleição e precisa ser grato ao enrolado senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, que abriu o voto a seu favor. As suspeitas sobre Flávio envolvem práticas corriqueiras da velha política.


Bruno Boghossian: Circo da eleição mostra que nem senadores levam a política a sério

Entre Renan e Bolsonaro, parlamentares fazem concurso de trapaças e se dobram a curtidas

O circo erguido na eleição para o comando do Senado prova que a briga pelo poder é sempre feia, mesmo que se tente disfarçá-la com ares moralizadores. A disputa que durou mais de 24 horas começou com uma trapaça, passou por uma suspeita de fraude e terminou com um cacique abatido.

Com o patrocínio do governo, Davi Alcolumbre (DEM) armou uma tramoia para capturar a presidência da Casa e entregá-la aos pés do Palácio do Planalto. Amarrou-se à cadeira e, para tentar derrotar Renan Calheiros (MDB), resolveu mudar as regras do jogo com a bola rolando.

O código do Senado diz expressamente que a eleição deve ser secreta, mas Alcolumbre decidiu que isso não importava e tentou fazer o voto aberto. O grupo do MDB bateu no Supremo Tribunal Federal de madrugada para manter o sigilo.

Renan quase foi vítima de uma arte que domina: a manipulação para preservar o poder. O desenrolar da história mostra que seu tempo passou.

A disputa chegou ao ponto do vexame com a cena infantil em que Kátia Abreu (PDT) roubou a pastinha do presidente da sessão. No dia seguinte, uma excelência tentou fraudar a eleição ao depositar dois votos na urna. Para o deboche ficar completo, o senador escalado para triturar as cédulas foi Acir Gurgacz (PDT) —que cumpre pena de prisão, mas dá expediente no Congresso.

Ao fim da tragicomédia, Davi venceu com o impulso dos calouros do Senado, que queriam destronar Renan. Os novos tempos da política, porém, caem podres quando abraçam o discurso demagógico rasteiro.

Lasier Martins (PSD), por exemplo, defendeu atropelar as regras do jogo porque as vozes nas redes sociais eram “a-vas-sa-la-do-ras”. Jorge Kajuru (PSB) disse que tudo se justificava porque não queria ser vaiado ao embarcar num avião.

As autoridades deveriam levar a sério o papel que desempenham no plenário. A responsabilidade é maior do que as curtidas nas redes sociais ou a tentativa desesperada de manter o poder a qualquer custo.


Eliane Cantanhêde: O líder da oposição

Com Senado dividido, Renan vai dar o troco e Alcolumbre terá dificuldade para virar protagonista

Diante da derrota iminente, Renan Calheiros renunciou à disputa por um quinto mandato na presidência do Senado e automaticamente vira candidato a líder da oposição ao governo Jair Bolsonaro, reunindo parte da esquerda, do centro e da direita. Será um teste de força para um dos últimos líderes políticos remanescentes, num momento de grande fragilidade do Congresso. Renan tanto pode estar nos estertores de seu poder quanto diante de uma janela de oportunidade na oposição.

Experiente e audacioso, o senador alagoano foi considerado favorito até a quinta-feira, quando começou a receber um turbilhão de más notícias: a vitória apertada (7 x 5) para a senadora Simone Tebet no MDB, 50 votos do plenário a favor da eleição aberta, a determinação do opositor Davi Alcolumbre (DEM-AP) e a histeria de Kátia Abreu, que teve efeito oposto.

Renan não acordou otimista nem mesmo depois que Dias Toffoli, do STF, providencialmente determinou o voto secreto. Os senadores deram de ombros a Toffoli, ao STF e ao próprio regimento do Senado e, um a um, abriam seu voto, desafiadoramente. Na segunda votação, quando os apoiadores do próprio Renan começaram a fazer o mesmo, só restou jogar a toalha.

Ao contrário da Câmara, a renovação foi decisiva no Senado, não só contra Renan, mas contra o que ele representa, como campeão de investigações entre os que têm foro privilegiado no Supremo. De um lado, ficaram os que defendem a Lava Jato e Sérgio Moro e, de outro, os que preferiam blindar o mundo político. Pena as cenas lamentáveis: Alcolumbre na dupla condição de juiz e competidor, Kátia Abreu apropriando-se da pasta com questões de ordem, o vexaminoso voto a mais, o festival de manobras.

O presidente Jair Bolsonaro foi prudente e sai ileso da guerra pelas presidências da Câmara e do Senado, mas é cedo para se dizer o mesmo do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Ele bancou Alcolumbre, que ganhou por um mísero voto, e cutucou um adversário implacável. Como bem sabem FHC, Lula e Dilma, Renan é um precioso aliado ou um temível adversário.

Onyx torceu o nariz para a reeleição de Rodrigo Maia e, quando o Planalto abriu o olho, Maia já tinha cristalizado sua vitória. O PSL aderiu e Jair Bolsonaro reagiu bem, mas Maia pode exibir orgulhosa independência. Outro erro de Onyx foi optar pelo desconhecido Alcolumbre e dar a chance ao seu partido, o DEM, de levar três ministérios importantes, mais a presidência das duas Casas. Se o partido ratear, a culpa vai cair no chefe da Casa Civil.

O foco de poder de Onyx é Jair Bolsonaro, o que, obviamente, não é pouco. O presidente é grato a ele porque, lá atrás, aquele gaúcho do DEM jogou todas as suas fichas na campanha do capitão, contra o seu partido e todas previsões. Comprou na baixa. Já o vice Mourão deixa claro que não tem nada a ver com Onyx, o general Heleno (GSI) mantém distância e olhar crítico, Eduardo Bolsonaro já bateu de frente, Paulo Guedes corre por fora, Bebianno (Secretaria-Geral), padrinho do recente casamento de Onyx, tem lá seus próprios planos de poder e vem, discretamente, ganhando espaços na articulação política.

O Legislativo sabe para onde os ventos sopram, tem canal direto com Paulo Guedes e Bebianno e tem à disposição Flávio e Eduardo Bolsonaro, para emergências. Todo mundo sabe para onde os ventos sopram. Onyx respira aliviado com o resultado de ontem, mas que se prepare para a independência e os canais próprios de Maia, o troco de Renan num Senado dividido ao meio e as dificuldades que o coadjuvante Alcolumbre vai enfrentar para assumir protagonismo. A vida de Onyx não parece fácil nem no governo nem na nova composição da Câmara e do Senado.


Luiz Carlos Azedo: O cavalo do cão

“A eleição de Alcolumbre fortaleceu o DEM e o chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni, que passaram a controlar o Senado. Ou seja, o presidente Jair Bolsonaro foi o grande vitorioso”

As duas sessões para eleição do novo presidente do Senado revelaram os lados da moeda do novo ciclo legislativo que se abre: na sexta-feira, a tumultuada condução dada pelo senador Davi Alcolumbre (DEM-RJ) subverteu as regras do jogo para escolha dos presidentes dos Poderes, com a adoção do voto aberto; ontem, a Casa voltou à calma, sob a presidência do velho senador José Maranhão (MDB-PB), que restabeleceu o voto secreto, seguindo determinação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli. Essa contradição entre o “novo” e o “velho” pautará as relações na Casa durante a legislatura. Mesmo assim, Alcolumbre foi eleito no primeiro turno, com 42 votos, depois que Renan Calheiros (MDB-AL), ao perder o favoritismo, renunciou. Não deu zebra na eleição; para usar uma expressão do grande derrotado, deu cavalo do cão.

O que houve foi uma rebelião. O Senado havia aprovado o voto aberto para eleição, por 50 votos a favor contra dois, decisão que indicava os rumos das coisas, mas contrariava o regimento da Casa e a liminar de 9 de janeiro do próprio Toffoli, que determinava a realização de votação secreta para a eleição. Diante dessa decisão, MDB e Solidariedade fizeram três pedidos ao STF: assegurar a validade do regimento interno da Casa que prevê a eleição de forma secreta; anular a votação da “questão de ordem”, submetida ao plenário pelo senador Davi Alcolumbre, que tratava da votação aberta aos cargos da Mesa; e reconhecer que candidatos à Presidência do Senado Federal não possam, em nenhum momento, presidir reuniões preparatórias. Alcolumbre, realmente, havia exorbitado na condução.

Toffoli, em liminar assinada na madrugada de ontem, anulou as decisões de Alcolumbre e restabeleceu o voto secreto: “Declaro a nulidade do processo de votação da questão de ordem submetida ao plenário pelo senador da República Davi Alcolumbre, a respeito da forma de votação para os cargos da Mesa Diretora. Comunique-se, com urgência, por meio expedito, o senador da República José Maranhão, que, conforme anunciado publicamente, presidirá os trabalhos na sessão marcada”, determinou o ministro.

Impasse
O impasse se deu por causa da disputa entre o DEM e o MDB pelo controle do Senado, com o ministro-chefe da Casa Civil, Onix Lorenzonni, operando fortemente para eleger Davi Alcolumbre. A candidatura de Renan Calheiros (MDB-AL), que pleiteava o quinto mandato, nunca foi pacífica nem no seu partido. Simone Tebet (MDB-MT) havia recebido cinco votos dos 13 da bancada. Além disso, Renan enfrentou forte reação de senadores veteranos com os quais já tinha antigas desavenças, como Tasso Jereissati (PSDB-CE), com quem quase trocou tapas na sessão. Major Olímpio (PSL-SP) e Álvaro Dias (Podemos) retiraram suas candidaturas, assim como Simone Tebet, que era candidata avulsa, todos declarando votos para Alcolumbre. Collor de Mello (PTB-AL), Reguffe (DF-sem partindo), Coronel Angelo (PSD-CE) e Esperidião Amin (PP-SC) mantiveram as candidaturas. A correlação de forças havia mudado no Senado, com os novos senadores em sintonia com as redes sociais.

A primeira votação foi um vexame: apareceram 82 votos para 81 senadores. Foi preciso realizar outra votação, para evitar a implosão da sessão, que passou por outros tumultos. A aliança heterodoxa entre o líder da Rede, Randolfe Rodrigues (AP), autor do requerimento do voto aberto, e Alcolumbre, decisiva para a vitória no primeiro turno, não surgiu ontem, vem das eleições no seu estado, onde ambos caminham juntos há várias eleições, numa disputa com o grupo do ex-presidente José Sarney (MDB). A defesa do voto aberto, com amplo respaldo da opinião pública, referendou a aliança, em nome da renovação da liderança da Casa, independentemente de ideologias. Somente o PT se manteve firme na aliança com Renan, que reproduz os acordos entre os senadores dos dois partidos nos estados do Nordeste. Entretanto, quando Flávio Bolsonaro (PSC-RJ) revelou seu voto em Alcolumbre, Renan tomou consciência de que seria mesmo derrotado e resolveu sair da disputa.

Qualquer que fosse o resultado da eleição, o processo ocorrido no Senado esgarçaria igualmente as relações do governo com o MDB; porém, a vitória de Alcolumbre fortaleceu o DEM e o ministro-chefe da Casa Civil, Onix Lorenzoni, que passaram a controlar o Senado. Ou seja, o presidente Jair Bolsonaro, embora tenha se declarado neutro, foi o grande vitorioso no embate. É uma situação muito diferente da Câmara, onde Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi reconduzido pela terceira vez ao comando da Casa, com 334 votos, eleito no primeiro turno, numa votação secreta e muito tranquila — apesar da grande renovação que houve na Casa, que começa a legislatura em ambiente de entendimento, pacificada.

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