reforma trabalhista

Senado derruba MP com minirreforma trabalhista

Plenário derrubou a MP 1.045/2021, do novo programa de redução de salários e jornada, e impõe derrota ao governo

Augusto Castro / Agência Senado

O Plenário do Senado rejeitou, nesta quarta-feira (1º), a Medida Provisória (MP) 1.045/2021, que originalmente criou novo programa de redução ou suspensão de salários e jornada de trabalho durante a pandemia de covid-19, mas sofreu tantos acréscimos na Câmara dos Deputados que foi chamada de “minirreforma trabalhista” por senadores. Foram 47 votos contrários, 27 votos favoráveis e 1 abstenção. A MP 1.045/2021 será arquivada.

O texto original da MP, editado pelo presidente da República, no final de abril, instituiu o novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, em moldes parecidos aos do ano passado. 

A iniciativa trouxe medidas trabalhistas para o enfrentamento da emergência em saúde pública provocada pelo coronavírus, no intuito de garantir a continuidade das atividades empresariais, com permissão de redução de salários e suspensão de contratos de trabalho. A MP 1.045/2021 foi publicada no Diário Oficial da União em 28 de abril.

O programa instituiu o Benefício Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda, pago pela União nas hipóteses de suspensão ou redução da jornada de trabalho, independentemente do cumprimento de período aquisitivo, do tempo de vínculo empregatício ou do número de salários recebidos. A MP estabeleceu, também, a possibilidade de redução da jornada de trabalho e do salário dos empregados e suspensão temporária dos contratos de trabalho, juntamente com o pagamento do benefício, por até 120 dias. Todas as ações tomadas durante a vigência da MP até agora continuarão válidas.

Na Câmara dos Deputados, a MP foi aprovada na forma do PLV 17/2021, apresentado pelo deputado Christino Aureo (PP-RJ), que acatou várias emendas e incluiu outros temas no texto.

Com as modificações na Câmara, o PLV passou a instituir três novos programas de geração de emprego e qualificação profissional: o Programa Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego (Priore), o Regime Especial de Trabalho Incentivado, Qualificação e Inclusão Produtiva (Requip) e o Programa Nacional de Prestação de Serviço Social Voluntário; além de alterar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), o Código de Processo Civil e uma série de outras leis.

Senadores Eduardo Girão (C); Rodrigo Pacheco (E) e Confúcio Moura (D) no plenário do Senado. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Novos Programas

Em seu voto, o relator no Senado, senador Confúcio Moura (MDB-RR), retirou todas as alterações na CLT e manteve a criação dos três novos programas de geração de emprego, mas a maioria dos senadores preferiu rejeitar a matéria como um todo, temendo que a MP voltasse para a Câmara e os deputados federais reintroduzissem os chamados “jabutis”. Com isso, também caíram as mudanças propostas pelos deputados em relação à jornada de trabalho de mineiros e em relação ao direito à gratuidade na Justiça trabalhista.

— O Brasil tem alto histórico de informalidade, que é ainda maior nas Regiões Norte e Nordeste, especialmente no Maranhão, 64%, enquanto em Santa Catarina são 23%, em Rondônia, 46% e, no Amazonas, 61% de informalidade, valores astronômicos. A informalidade é mais alta em jovens de 18 a 29 anos. A pandemia já produziu, infelizmente, 14,8 milhões de desempregados, 14,7% da força de trabalho brasileira. Apenas um terço da força de trabalho é formal no Brasil, um terço. Os jovens são os que mais sofrem numa crise de recessão. Efeito cicatriz traz prejuízo ao longo de toda a vida laboral de quem entra no mercado de trabalho neste momento — disse Confúcio.

Vários senadores sugeriram que o governo agora envie ao Congresso projetos de lei tradicionais para a criação desses novos programas.

Pedidos de impugnação

Antes da votação, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, rejeitou pedidos de impugnação feitos por diversos senadores referentes aos dispositivos acrescidos pelos deputados na MP. Os senadores alegaram que esses acréscimos não tinham pertinência temática com o texto original do Executivo e criticaram a tentativa de promover tantas mudanças trabalhistas por meio de MP, e não de projeto de lei.

Pacheco rejeitou a alegação, disse que a apresentação de emendas é inerente à atividade parlamentar e que eventuais impugnações em MPs deve se restringir a dispositivos que não guardem nenhuma pertinência temática com o texto original, o que não seria o caso no seu entendimento. Para ele, as mudanças promovidas pela Câmara relacionavam-se de modo direto à MP original, pois também regulavam relações de trabalho.

— Embora não previstos originalmente, os dispositivos guardam conexão com o objeto da MP. Indefiro os requerimentos de impugnação de matéria estranha — disse Pacheco.

Ao pedir a impugnação de todas as alterações promovidas pelos deputados federais, o senador Paulo Paim (PT-RS) afirmou que as novidades precisavam ser mais debatidas no Parlamento e com a sociedade. Ele disse que havia “cerca de 70 jabutis” no PLV que criavam novos programas “que não foram debatidos com ninguém, autônomos e desvinculados do programa emergencial de manutenção de renda”.

O senador José Aníbal (PSDB-SP) disse que o texto original do Executivo tinha 25 artigos e saiu com 94 artigos da Câmara.

Paulo Rocha (PT-PA) afirmou que desde o governo de Michel Temer as relações de trabalhos estão sendo precarizadas e o desemprego continua alto.



Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
 Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Jabutis

O senador Lasier Martins (Podemos-RS) disse que o texto principal da proposição foi descaracterizado a partir das alterações feitas na Câmara, que ele classificou como “jabutis”.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), tentou salvar a votação concordando com o relatório de Confúcio, mas não obteve sucesso. Ao destacar a importância dos programas contemplados na MP, o líder do governo disse que não se trata de precarizar a relação trabalhista, mas de oferecer possibilidade de renda para 20 milhões de desalentados.

— Fizemos um acordo com a participação dos presidentes da Câmara e do Senado, retirando todos dispositivos que alteram a MP, que serão tratados por meio de projeto de lei, dando tempo para que a matéria seja debatida, conforme manifestação de alguns senadores. Se o relatório do senador Confúcio Moura não for respeitado pela Câmara dos Deputados, eu me retiro da liderança do governo. Os programas são valiosíssimos, são legítimos, oferecem esperança, uma oportunidade para milhões de brasileiros que estão hoje à mercê daqueles que contrabandeiam, operam no mundo das drogas, tirando dos nossos jovens a oportunidade de ir à escola e ter um trabalho digno – afirmou Fernando Bezerra.

O senador Carlos Portinho (PL-RJ) manifestou apoio à questão de ordem apresentada por Paim. Portinho agradeceu ao relator o acatamento de suas quatro emendas, mas disse que certos temas não podem ser tratados "de afogadilho" no Senado, sem o devido aprofundamento do debate. Para o senador, a MP tem méritos. No entanto, ele apontou que os programas Requip e Priore “se anulam” e “empurram o problema com a barriga”.

Tramitação

O senador Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) afirmou que suas críticas “não vão no sentido do mérito, mas no sentido da tramitação”. Ele disse confiar no relator, mas admitiu não confiar na Câmara dos Deputados. Oriovisto ainda reclamou do fato de o relatório ter ficado à disposição de senadores e assessores apenas na tarde desta quarta-feira. 

— Essa MP já cumpriu seu papel. Tem mais é que cair mesmo. Eu me coloco frontalmente contra essa MP – declarou o senador.

Otto Alencar (PSD-BA), por sua vez, disse que a MP traz precarização para os trabalhadores e defendeu que o Senado deixasse que ela perdesse a validade. Ele afirmou não ser possível confiar que a Câmara vá aceitar as mudanças dos senadores. 

— Essa reforma já foi recusada, é a Carteira Verde e Amarela [MP 905/2019] disfarçada. Não dá para aprovarmos assim. É deixar o trabalhador à sua própria sorte, sobretudo o que está começando, que vai ganhar metade de um salário mínimo — disse Otto.

A senadora Zenaide Maia (Pros-RN) avaliou que a MP representava um aprofundamento da reforma trabalhista de 2017 [Lei 13.467] e disse acreditar que ela não vai gerar empregos. Zenaide também criticou as políticas econômicas do governo.

— Não tem um plano para alavancar a economia. Tudo que vem [para o Congresso] é para tirar direito de trabalhador — afirmou Zenaide.

Plenário do Senado durante a sessão que tratou do o novo Programa Emergencial de Manutenção do Emprego. Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Retirada de direitos

O senador Weverton (PDT-MA) criticou a proposta e afirmou que as reformas defendidas pelo governo estão empobrecendo a população. 

 — Geração de emprego não veio, a carne está um absurdo, o gás está um absurdo. E, infelizmente, a economia do governo falhou. A população lá embaixo está com fome. E não adianta mais vir dizer que vai gerar emprego. Até agora só está servindo para [prejudicar] o aposentado, o trabalhador, e solução boa eles não deram — disse Weverton.

O senador Izalci Lucas (PSDB-DF) sugeriu uma reunião entre Senado, Câmara e Executivo. Ele disse que é preciso que o Executivo respeite o Congresso e que a Câmara e o Senado se respeitem. Para o senador, a MP tem “várias coisas boas”, mas não existe segurança de que as mudanças promovidas pelo Senado seriam respeitadas pela Câmara.

Líder do Cidadania, o senador Alessandro Vieira (SE) destacou a tentativa reiterada do governo de fazer uma reforma trabalhista por meio de Medida Provisória, o que para ele é “juridicamente inadequado e moralmente inaceitável”. Ele apontou, ainda, a tentativa de uso da pandemia para retirar direitos dos trabalhadores. 

— Se o governo quer mexer nas regras que protegem o trabalhador, ele apresenta projetos e os projetos são discutidos pelas Casas legislativas. Não cabe ao governo, na linha daquilo que Paulo Guedes disse na famosa reunião que acabou tendo o vídeo vazado por ordem do Supremo Tribunal Federal, “colocar uma granada no bolso do trabalhador” a cada oportunidade — disse Alessandro.

O senador Jean Paul Prates (PT-RN) foi mais um a defender a impugnação da proposta pela inclusão de matéria estranha por meio de emendas.

— É hora de dar um basta nesses jabutis. Há uma falácia envolvida na questão desses programas adicionados ao programa original. Estes outros “jacarés”, mais do que jabutis, são colocados a pretexto de criar emprego novo. E isso não é verdade. Estas medidas só os substituem por empregos velhos com as mesmas pessoas, precarizadas — afirmou Prates.

A senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA) afirmou que o objetivo original era melhorar o emprego, mas disse considerar que as mudanças retiram direitos dos trabalhadores e conquistas históricas do Brasil. O mais grave, segundo a senadora, é que isso vem em um momento em que a população já enfrenta dificuldades. 

— Isso é inaceitável, é empurrar a nossa juventude para mais perto ainda do precipício — disse a senadora, ao sugerir que o texto fosse rejeitado ou que não fosse votado, a fim de que perdesse o prazo de vigência.

O senador Eduardo Braga (MDB-AM) disse se posicionar “a favor do trabalhador e contra a MP”. Segundo o senador, as mudanças introduzidas pela Câmara são um atalho para mudar a CLT. Ele pediu um amplo debate para “modernizar as leis trabalhistas, mas não para tirar direitos do trabalhador”. 

— Não queremos ser coniventes com nenhuma retirada de direitos dos trabalhadores – registrou Braga.

Mais debate

O senador Cid Gomes (PDT-CE), líder do seu partido, antecipou o encaminhamento pela rejeição da MP. Ele disse estar percebendo entre os senadores a disposição de resistir ao que  entende ser um "atalho" usado pela Câmara dos Deputados para fazer prevalecer a sua vontade na negociação de propostas.

— Está madura uma posição de "basta". O Senado não permitirá mais que a Câmara se aproveite dos prazos estabelecidos em MPs pra tentar fazer reformas profundas sem discussão — afirmou Cid Gomes.

Também debateram os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES), Nilda Gondim (MDB-PB), Esperidião Amin (PP-SC), Mara Gabrilli (PSDB-SP), Rogério Carvalho (PT-SE), Dário Berger (MDB-SC), Humberto Costa (PT-PE), Randolfe Rodrigues (Rede-AP), Reguffe (Podemos-DF) e outros.

Para Randolfe, gás de cozinha, gasolina, conta de luz, feijão e carne estão aumentando de preço enquanto “governo acha que vai gerar emprego retirando direitos dos trabalhadores”.

— Nós queremos debater qualquer mecanismo de geração de emprego, mas não desse jeito. Que o governo envie por projeto de lei — disse Randolfe.

Humberto Costa afirmou que 35 milhões de brasileiros estão trabalhando na informalidade e Rogério Carvalho acrescentou que o país tem 14 milhões de desempregados ao mesmo tempo em que a inflação está alta e a economia com baixo crescimento.

Mara Gabrilli também falou contrária à MP por recusar as “profundas mudanças que retiram direitos dos trabalhadores”. Para ela, qualquer novo programa para geração de empregos e renda precisa ser mais bem debatido no Parlamento e com a sociedade.

O senador Omar Aziz (PSD-AM) defendeu a necessidade de um debate mais profundo sobre o tema. 

— É lógico que eu quero discutir o mérito da matéria. Com a gasolina a R$ 7, o diesel a não sei quanto, o gás ,10% do salário mínimo, o governo quer oferecer R$ 125 por trabalhador e acha que a gente está fazendo grande coisa? Não, presidente! Há mais de 14 milhões desempregados no Brasil e não é com política paliativa que nós vamos resolver esse problema — disse Omar.

Fonte: Agência Senado
https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/09/01/senado-derruba-mp-com-minirreforma-trabalhista


População negra será a mais prejudicada com reforma trabalhista

Empregos informais e instáveis, baixos salários e longas jornadas marcam nova reforma trabalhista

Caroline Nunes / Agência Alma Preta

A Câmara dos Deputados aprovou uma nova reforma trabalhista no início do mês, que altera diversas regras para os trabalhadores. Com 304 votos a favor e 133 contra, a Medida Provisória (MP 1045/2021), de autoria do deputado Christino Áureo (PP-RJ), aguarda parecer positivo do Senado para entrar em vigor.

Para a economista e diretora técnica adjunta do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Patrícia Pelatieri, as perspectivas de futuro para a população negra e periférica não são promissoras.

“Esse quadro de precarização pode contribuir para a interrupção e desestímulo em relação à formação, qualificação e desenvolvimento dessa população. A proposta aprovada tende, inclusive, a reforçar e legitimar a contratação e substituição de jovens e adultos, em postos de trabalho cada vez mais instáveis, que não caracterizam vínculo empregatício, mal remunerados e sem proteção previdenciária, ao mesmo tempo em que concede subsídios para as empresas contratantes, gerando efeitos futuros cada vez piores para a estruturação produtiva no país”, ressalta a economista.

A diretora salienta ainda que as oportunidades de trabalho para esse grupo serão marcadas pela desigualdade social, com postos de trabalho de baixa qualidade, empregos informais e instáveis, baixos salários, longas jornadas e possibilidade reduzidas de ascensão profissional.

Mudanças

Caso aprovada no Senado, a nova reforma trabalhista cria uma modalidade de trabalho que não garante o direito às férias, 13º salário ou FGTS. Outro ponto é a possibilidade de trabalhar sem carteira assinada (Requip) ou direitos trabalhistas e previdenciários. Nessa modalidade, o trabalhador recebe apenas uma bolsa auxílio e vale transporte.

O texto também prevê, de acordo com a diretora técnica do Dieese, a redução dos direitos trabalhistas na contratação de jovens em primeiro emprego (Priore - Primeira Oportunidade e Reinserção no Emprego) e de adultos com 55 anos ou mais de idade.

“Além disso, flexibiliza a jornada por meio de negociação individual entre patrão e empregado, e reduz o adicional de horas extras que atualmente é de 50%. Também altera os limites da jornada no setor do minério, eliminando o limite de seis horas diárias para permitir jornadas de até 12 horas”, explica a economista.

O pagamento de horas extras, como coloca Patrícia, também é reduzido para algumas categorias específicas, como bancários, jornalistas e operadores de telemarketing. O texto da reforma trabalhista também proíbe que juízes anulem aspectos de acordos extrajudiciais entre empresas e trabalhadores, e restringe o acesso à justiça em geral, para além da esfera trabalhista.

“Na prática, impossibilita o acesso do trabalhador à Justiça do Trabalho, quando determina o pagamento dos honorários sucumbenciais pelo trabalhador que perder uma ação trabalhista, mesmo que seja beneficiário da justiça gratuita”, pontua Patrícia.

Além dessas mudanças, a reforma prevê o seguinte: contratação temporária feita pelas prefeituras; limite de salário de R$ 2.200 para beneficiários do Priore e restrição de acesso à Justiça gratuita.

Sindicalistas se posicionam contra a reforma

As Centrais Sindicais se posicionam contra o que prevê a reforma trabalhista. Em nota oficial, os sindicalistas afirmam que “as novas medidas de flexibilização laboral e afastamento dos sindicatos das negociações mais uma vez seguem a linha da precarização e aumentarão a vulnerabilidade dos trabalhadores e das trabalhadoras''.

O secretário geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves pondera que desde o governo Michel Temer (MDB), e agora na gestão de Jair Bolsonaro (sem partido), os sindicatos estão sendo retirados da função de negociadores. “Em nossa opinião, isso deixa o funcionário à mercê dos patrões, que decidem individualmente o que vai ser feito”, afirma.

O secretário ainda pontua que os sindicatos foram criados para negociar por todos, para que o trabalhador não se sinta vulnerável por estar sendo pressionado. “Essa redução de custos, citada na reforma trabalhista, é na verdade uma retirada de direitos. E a luta dos trabalhadores desde sempre vem no intuito de garantir esses direitos, até quando o trabalhador fica desempregado”, avalia João Gonçalves.

Impacto na população negra e desemprego

“Em direção contrária ao que deveria ser uma política de emprego inclusiva, as propostas apresentadas e aprovadas não oferecem alternativas consistentes e também não estimulam a permanência da população negra e periférica em seus postos de trabalho”, diz a diretora do Dieese, Patrícia Pelatieri.

Ela explica ainda que o mercado de trabalho brasileiro é estruturalmente desigual e heterogêneo, e tem como característica a oferta de postos de trabalho com baixa exigência de qualificação profissional. “Boa parte dessa população ingressa no mercado de trabalho em condições inferiores às desejadas, como forma de garantir seu sustento e de seus familiares”, salienta.

Com a reforma trabalhista aprovada, o secretário da Força Sindical também teme por esse grupo. Segundo João, “os negros são os mais vulneráveis, em quem o desemprego atinge mais. Novamente essa parcela será a mais prejudicada”, lamenta.

Fonte: Agência Alma Preta
https://almapreta.com/sessao/politica/entenda-o-que-muda-com-a-nova-reforma-trabalhista


O Estado de S. Paulo: Sindicatos perdem 90% da contribuição sindical no 1º ano da reforma trabalhista

Para sobreviver, entidades patronais e de trabalhadores são obrigadas a cortar custos com pessoal, imóveis e atividades; fusões de sindicatos e criação de áreas de coworking em prédios próprios também são alternativas

Cleide Silva, de O Estado de S. Paulo

Sindicatos de trabalhadores e de patrões tiveram os recursos drenados pelo fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, como era esperado. Dados oficiais mostram que em 2018, primeiro ano cheio da reforma trabalhista, a arrecadação do imposto caiu quase 90%, de R$ 3,64 bilhões em 2017 para R$ 500 milhões no ano passado. A tendência é que o valor seja ainda menor neste ano.

O efeito foi uma brutal queda dos repasses às centrais, confederações, federações e sindicatos tanto de trabalhadores como de empregadores. Muitas das entidades admitem a necessidade de terem de se reinventar para manter estruturas e prestação de serviços. Além de cortar custos com pessoal, imóveis e atividades, incluindo colônia de férias, as alternativas passam por fusões de entidades e criação de espaços de coworking (leia mais abaixo).

O impacto foi maior para os sindicatos de trabalhadores, cujo repasse despencou de R$ 2,24 bilhões para R$ 207,6 milhões. No caso dos empresários, foi de R$ 806 milhões para R$ 207,6 milhões. O antigo Ministério do Trabalho – cujas funções foram redistribuídas entre diferentes pastas –, teve sua fatia encolhida em 86%, para R$ 84,8 milhões (ver quadro).

Os valores podem cair ainda mais por duas razões. Primeiro, na sexta-feira passada, o governo editou Medida Provisória que dificulta o pagamento da contribuição sindical. O texto acaba com a possibilidade de o valor ser descontado diretamente dos salários. O pagamento agora deverá ser feito por boleto bancário. O governo diz que o objetivo é reforçar o caráter facultativo do imposto. Segundo, sindicalistas preveem que a arrecadação será menor neste ano, pois muitas empresas ainda descontaram o imposto na folha salarial em 2018 porque tinham dúvidas sobre a lei.

Fusão
Para sobreviver ao modelo estabelecido na reforma trabalhista, em vigor desde novembro de 2017, o Sindicato dos Empregados na Indústria Alimentícia de São Paulo, que representa 30 mil profissionais, vai se unir aos sindicatos de trabalhadores da área de alimentação de Santos e região, de laticínios e de fumo no Estado. Juntos, passarão a ter base de quase 50 mil funcionários. Do lado empresarial, está em andamento a fusão, em uma única entidade, de sete sindicatos da indústria gráfica de várias cidades do Rio.

Em uma difícil tarefa para tentar reverter o fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, anunciada há quase duas semanas, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC teve seus recursos obtidos por meio do imposto reduzidos de R$ 5,94 bilhões em 2017 para R$ 46 milhões no ano passado.

O encerramento da produção de veículos da Ford vai deixar na rua grande parte dos 4,5 mil empregados diretos e indiretos. Dirigentes do sindicato estão buscando apoio em todos os níveis governamentais para tentar convencer a multinacional americana a voltar atrás.

A entidade afirma que o corte certamente gera impactos, mas diz ter outras formas de sustento, até porque devolvia o valor do imposto sindical aos associados. A base do sindicato é formada por 71 mil trabalhadores (39 mil a menos que em 2011), dos quais cerca de 50% são sócio.

O sindicato é filiado à CUT, que em 2017 ficou com R$ 62,2 milhões do repasse da contribuição, o maior valor recebido entre as seis centrais que têm direito a cotas. No ano passado, o valor caiu para R$ 3,5 milhões, deixando a entidade atrás da Força Sindical e da UGT, que receberam R$ 5,2 milhões cada.

Segundo a CUT, os grandes grupos que empregam sua base de trabalhadores, como montadoras e bancos, foram os primeiros a suspender o recolhimento, enquanto empresas de menor porte continuaram fazendo o desconto por terem dúvidas em relação às novas regras.

A central ressalta que sua base tem promovido debates sobre novas formas de contribuição. Sindicatos como o dos Bancários de São Paulo já aprovaram o recolhimento da contribuição negocial, paga após as negociações da data base. Boatos de que a entidade colocou à venda sua sede no bairro do Brás foram desmentidos mas, se surgir uma boa proposta, a central avisa que pode estudar.

Imóvel vendido
Presidente da UGT e do Sindicato dos Comerciários de São Paulo, Ricardo Patah diz que a entidade promoveu uma reestruturação que reduziu seus gastos de R$ 7 milhões para R$ 4,3 milhões no ano passado.

“O número de funcionários do sindicato foi reduzido de 600 para 200, promovemos uma redução de jornada e salários por seis meses, fechamos três subsedes e vendemos, por R$ 10,3 milhões, um edifício que mantínhamos alugado no centro de São Paulo”, exemplifica Patah. “Agora estamos numa ampla campanha de sindicalização.”

A Força Sindical, por sua vez, pede R$ 15 milhões pelo prédio de 12 andares de sua sede no bairro da Liberdade e está assessorando associados a promoverem fusões para compartilhar custos. A intenção é adquirir uma sede menor ou ocupar algumas salas no imóvel vizinho do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Imposto é um dia de trabalho

A contribuição sindical equivale a um dia de salário de cada trabalhador com carteira assinada. Do lado patronal, é recolhido com base no capital social da empresa.

Na divisão da verba dos trabalhadores, 60% vão para os sindicatos, 15% para as federações, 10% para as centrais, 5% para as confederações e 10% para a pasta do Trabalho. No caso dos empregadores, a diferença é que 20% ficam com a pasta do Trabalho, pois não existe a figura das centrais.

A cobrança do imposto continua sendo legal, desde que trabalhadores e empresas autorizem o desconto compulsório. O recolhimento de taxa negocial, alternativa que os sindicatos de trabalhadores estão buscando para compensar a falta do imposto sindical, não será oficialmente contabilizado por ser desvinculado da pasta do Trabalho.


Míriam Leitão: Atalhos no labirinto

Os sindicatos têm razão de tentar se mobilizar em manifestações porque um dos pontos principais da lei é o fim do imposto sindical. Sem o dinheiro fácil, eles terão que mostrar que são efetivos na defesa dos direitos da maioria dos trabalhadores de cada categoria e não donos de cartório. A reforma trabalhista que começa a valer hoje está a uma distância lunar da necessidade, mas tem qualidades.

A CLT foi escrita nos anos 1940 e recebeu ao longo das décadas um cipoal de normas. Nada do que se escreveu na labiríntica legislação do trabalho consegue proteger 40% dos trabalhadores brasileiros que permanecem na informalidade. Se fosse eficiente, ao longo da sua vida longeva, teria conseguido incluir todos os trabalhadores dentro do marco legal. Hoje, dos 90 milhões de brasileiros, 33 milhões têm carteira assinada. Há os funcionários públicos, os trabalhadores por contra própria e uma multidão sem direitos.

A reforma tem alguns pontos positivos e outros obscuros. Empresários do comércio acham que conseguirão agora organizar a um custo menor o trabalho formal nos fins de semana, principalmente em cidades turísticas. Empresas de turismo acham que o trabalho intermitente é perfeito para o setor que tem sazonalidades muito marcadas. O funcionário que quiser sair da empresa não precisa criar o conflito para receber indenização e FGTS porque agora há a demissão consensual, em que o trabalhador recebe parte das verbas rescisórias e 80% do FGTS. Acaba-se assim com os exóticos acordos em que um lado fingia que demitia e o outro lado tinha que devolver a verba rescisória de forma velada e ambos conspiravam para que o trabalhador tivesse acesso ao seu dinheiro no Fundo. Difícil explicar para um estrangeiro tamanha bizarrice.

No mundo, muitos países flexibilizaram e atualizaram suas legislações. Quem fez isso de forma mais inteligente tem menos desemprego. Quem mantém regras rígidas demais permanece com alta taxa de desocupação. As velhas leis não comportam os novos trabalhos, o coworking, o home office, o tempo colaborativo, o mundo digital, o trabalho por tarefa e não pelo expediente.

A nova lei brasileira não teve tanta ambição. Ela não preparou o mundo do trabalho para os novos tempos, apenas criou alguns pontos de flexibilidade. Nesse momento em que há 13 milhões de pessoas procurando emprego sem encontrar e outros milhões em desalento, a possibilidade de criar formas novas de contratar parece promissora.

Mas é preciso não esquecer em que país estamos. No Brasil, o mesmo ministro que quer criar a carteira de trabalho eletrônica que possa ser acessada pelo trabalhador do seu celular é aquele que assinou recentemente a portaria retrógrada sobre trabalho escravo. A mesma construção civil que se prepara para a contratação de empregados pelo trabalho intermitente é a que pediu que a portaria fosse editada.

A Justiça do Trabalho custa, segundo o “Valor” de ontem, usando dados de 2015, R$ 17 bilhões, e a maioria dos juízes abre a conversa com as partes litigantes propondo acordo. Parece louvável, mas o temor da parte que rejeita o acordo é ter um resultado desfavorável. E no fim, como lembra o economista José Márcio Camargo, se o trabalhador está reclamando direitos legítimos ele receberá apenas uma parte deles. Ou seja, a lei é rígida, mas a Justiça acaba flexibilizando os direitos.

A nova lei criou atalhos no labirinto da CLT mas não simplificou a lei porque isso seria uma batalha muito maior do que é possível ser travada num governo curto e impopular. Ela abre possibilidades de que parte da informalidade possa ser absorvida no mercado formal através dos novos tipos de contrato. A nova lei certamente provocará muita confusão porque tem pontos não regulamentados e porque há juízes dizendo que simplesmente não vão levá-la em consideração.

No Brasil, há sindicatos com representatividade e outros de fachada, controlados por grupos, às vezes familiares, por décadas. Mas uns e outros não precisavam fazer esforço algum de sindicalização porque todo trabalhador formal era obrigado a pagar o imposto. A partir de hoje só os primeiros terão condição de sobreviver. Mas no Congresso algumas centrais tramam para que o pagamento compulsório seja recriado.

 


José Márcio Camargo: O fim da Era Vargas

Ao superproteger o trabalhador, o Estado o tornou incapaz de lutar por seus direitos e deveres

Após décadas de discussões, finalmente foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente da República uma reforma trabalhista que muda a essência da CLT. Como esta foi uma das reformas mais discutidas no País durante décadas, a crítica de que ela foi aprovada de forma açodada é, no mínimo, desinformação e, no máximo, desonestidade intelectual.

Alguns jovens acadêmicos estão certamente mal informados. Mas, como bons acadêmicos, deveriam se informar antes de se manifestar. Porém, as maiores críticas vêm de corporações, como a da Justiça do Trabalho e dos sindicatos, que sobrevivem do imposto sindical, por serem incapazes de convencer os trabalhadores de sua importância, que estão perdendo seus privilégios e o poder político.

A legislação trabalhista brasileira foi imposta à sociedade pela ditadura do Estado Novo, uma das mais violentas de nossa história. Como foi imposta por um regime fascista, tem estrutura fascista. Um dos objetivos da CLT é proteger o trabalhador da “sanha” das empresas por lucros e evitar o conflito entre trabalhadores e empresas. Sempre que tem um conflito, a solução é dada pela Justiça do Trabalho. E Justiça não se contesta, se obedece. Daí o enorme poder do Estado e a fraqueza dos sindicatos de trabalhadores.

Ao superproteger o trabalhador, o Estado o tornou incapaz de lutar por seus direitos e deveres. Não apenas na relação de trabalho, mas na vida em sociedade. O trabalhador não pode decidir quanto vai poupar para o futuro, isto está determinado pelo FGTS e pela Previdência Social. Não pode decidir como quer dividir suas férias, quantas horas por dia e quantos dias por semana quer trabalhar. Se prefere ter meia hora para almoçar e sair mais cedo para estar com seus familiares. Se prefere ter uma redução de salário, em vez de ficar desempregado. Se quer ou não contribuir para um sindicato ou se prefere ter um contrato individual de trabalho, e assim por diante.

Com a reforma, estas decisões e muitas outras serão negociadas entre o trabalhador e seu empregador. O empregador vai buscar o contrato de trabalho que dará a maior produtividade e o maior lucro possível. O que irá aumentar o potencial de crescimento e de geração de empregos da economia. E o trabalhador irá buscar o emprego que lhe dará o maior salário e bem-estar. Em lugar de esperar pela proteção do Estado, os trabalhadores terão de lutar por suas conquistas.

Se isso significa se filiar a um sindicato, ou investir em treinamento e qualificação, ou investir em educação, ou buscar ofertas de emprego mais compatíveis com suas disponibilidades, será uma escolha do trabalhador. Em momentos de desemprego alto os trabalhadores terão menos poder de barganha e vice-versa. Mas essa é uma característica de qualquer mercado e cabe aos trabalhadores se prepararem para aumentar seu poder de barganha em qualquer situação.

Será uma revolução nos incentivos. Teremos trabalhadores e cidadãos mais responsáveis, mais qualificados, mais produtivos, com mais incentivos a investir na relação de trabalho, mais empreendedores e, portanto, mais capazes de lutar por seus interesses. Teremos menos conflito, mais produtividade, mais crescimento e menos pobreza.

Já em 1994, o então presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, em seu discurso de despedida do Senado, apontava para a necessidade de acabar com a chamada Era Vargas, “ao seu modo de desenvolvimento autárquico e ao seu Estado intervencionista”. Infelizmente, o ex-presidente pouco conseguiu fazer neste sentido.

A aprovação da reforma não é uma demonstração de força de um governo terminal, como sugerem alguns. É o início do fim da Era Vargas. Apesar da enorme crise política, com a aprovação da reforma trabalhista, o presidente Michel Temer começou a cumprir a promessa feita pelo ex-presidente FHC. E por um governo democraticamente eleito. Falta aprovar a TLP e a Previdência. Vamos em frente!
* É professor do Departamento de Economia da PUC/RIO e economista da Opus Gestão de Recursos

 


Cristovam Buarque: Porque sou favorável à reforma trabalhista

Senador do PPS explica motivos do apoio às mudanças na legislação trabalhista

Nosso País não tem obstáculos naturais ao seu progresso, como outros países: dividido em etnias, línguas, seitas; com o território desértico ou submetido a intempéries periódicas; tampouco somos uma destas minúsculas ilhas perdidas no oceano, distantes do resto do mundo. Apesar disto, não temos conseguido acompanhar o progresso dos países ricos, com elevado nível civilizatório, porque sempre nos recusamos a fazer as reformas que toda sociedade necessita para ajustar-se às transformações que ocorrem no mundo: fugimos do progresso como uma nação conservadora, presa ao passado. Criamos nossos próprios obstáculos que nos amarram. A principal causa disto tem sido a dominação das estruturas sociais pelas elites.

A falta de sentimento nacional e de compaixão de nossa elite nos fez manter o obstáculo do latifúndio e da escravidão, amarrando nosso progresso, enquanto os outros países entravam na revolução industrial, promovendo o trabalho livre, a educação das massas e o incentivo à criatividade tecnológica.

Foi preciso esperar o final do século XIX para abolirmos a escravidão, mesmo sem completar a educação: mantivemos nossas amarras por falta de oferta de educação pública e da necessária reforma agrária. Mantivemos amarrados o potencial do conhecimento e da terra distribuída. Quando a proposta da Lei Áurea chegou ao Parlamento, por meio de um governo conservador, o grande abolicionista Joaquim Nabuco apoiou essa reforma libertadora, manifestando sua posição de que ainda faltava muito para liberar as forças criativas do Brasil.

Ao longo do século XX demos saltos na produção, sem quebrar os obstáculos e as amarras, sem fazermos as reformas necessárias para liberar nosso potencial. Quando o governo Goulart tentou levar adiante as reformas, a elite reacionária derrubou sua presidência e implantou uma longa ditadura. O regime militar investiu em infraestrutura, criou leis de incentivo, ofereceu créditos, conseguiu fazer o Brasil crescer, mas não eliminou qualquer dos obstáculos que nos amarravam.

A democracia, apesar de 30 anos de governos socialdemocratas, não fez as reformas necessárias – nenhuma delas. Organizou as finanças públicas para logo depois arruiná-las; montou uma rede de proteção social, um sistema único de saúde, mas não derrubou os obstáculos, manteve o país amarrado. Foram governos de um partido intitulado social democrata e outro dos trabalhadores, ambos reacionários, que impediram a participação de nossa economia no mundo global.

Mas continuamos um país sem produtividade elevada, com reduzidíssima capacidade para a inovação, com um número estável ou crescente de cidadãos analfabetos, incapazes até de ler a palavra progresso escrita na bandeira, uma sociedade com a pobreza persistente que não reduz a concentração da renda, sem educação, imersa na violência e na corrupção. Esses são os obstáculos que nos amarram e nos condenam ao fracasso como país.

O mundo está inovando produtos industriais todos os dias e nós continuamos com uma economia baseada na mesma velha produção primária; mudaram as máquinas e as técnicas, mas continuam os mesmos produtos. Enquanto isso, nosso debate político continua preso a velhos temas e com as forças reacionárias contra a derrubada dos obstáculos, por interesses ou por preguiça.

O mundo está criando e usando automóveis sem motoristas e nós discutindo se aceitamos o uso de aplicativos para o sistema de taxi; muitos países já adotam sistemas flexíveis que permitem aos trabalhadores definirem os regimes de trabalho que melhor lhes convém, inclusive adotando o trabalho em casa, e nós querendo regular cada minuto de vida do trabalhador, até mesmo quanto tempo ele deve usar para almoçar. O Brasil precisa derrubar as amarras que impedem seu ingresso no mundo moderno.

As atuais propostas de reforma serão capazes de adaptar as relações trabalhistas minimamente e permitir com isto desamarrar o funcionamento da economia e assim merecem nosso apoio, mesmo sabendo que, devido ao rápido avanço tecnológico, não resistirão aos próximos 10 anos e precisarão de novas adaptações.

Quanto à presente proposta de reforma trabalhista:

a) Sou favorável à prevalência do negociado sobre o legislado porque, na dinâmica atual, se não quisermos amarrar a economia, as legislações devem ser modificadas a cada instante; o mundo dinâmico na velocidade atual exige flexibilização das regras trabalhistas na velocidade que permita ficar em sintonia com o progresso técnico.

A alternativa a isto seria impedir o progresso técnico, na linha das velhas lutas do século XIX, de quebrar máquinas para impedir o progresso. Mas isso exigiria o isolamento do Brasil em relação ao mundo. Sem a flexibilização, o Brasil continuará perdendo investimentos para outros países.

Outra opção seria uma revolução que imponha regras internacionais ao capital, mas nada indica a possibilidade política desta mudança no prazo de algumas décadas, e nem se vê alternativa para colocar no lugar do atual sistema global, mesmo sabendo-o perverso.

b) Os atuais direitos fundamentais como 44 horas de trabalho por semana e 30 dias de férias por ano, entre outros, serão mantidos, mas agora dando ao trabalhador o direito de ter liberdade para ajustar sua relação com a empresa e com suas outras atividades.

O trabalhador, em acordo com o empregador, poderá definir a estrutura das férias e mesmo o número de horas de trabalho a cada dia, aumentando até o limite de 12 horas em um dia e usando um banco de horas para reduzir a jornada em outros dias, como diversas categorias já fazem depois de conquistarem este direito que a reforma agora oferece a todos.

c) Sou favorável e considero uma conquista a possibilidade de o trabalhador sair meia hora mais cedo do trabalho, graças a opção de reduzir meia hora no seu horário de almoço, hoje engessado em uma hora. Sou favorável porque, com esta redução de meia hora no almoço por opção, acredito que milhões de jovens poderão sair mais cedo do trabalho, eliminando a tragédia de chegar atrasado na escola ou mesmo ficar impossibilitado de frequentar cursos universitários noturnos por causa da jornada de trabalho regulamentada por leis que não lhes dão liberdade. Também sou favorável porque acredito no discernimento dos trabalhadores de só fazerem esta opção se for de seu interesse, sem necessidade do protecionismo defendido por aqueles que veem nossos trabalhadores como incapazes de defenderem seus direitos, como antes se dizia dos escravos.

d) Sou favorável ao que se está chamando de trabalho intermitente porque ele será a base para a contratação de trabalhadores desempregados e subempregados por empresas que não precisam do trabalhador em caráter permanente. Daqui para frente, querendo ou não, o trabalho deste tipo será cada vez mais generalizado.

Sou favorável a esta modernização porque ela vai beneficiar a juventude, que poderá desempenhar diversas funções, como estar um período em uma empresa e outro como trabalhador em empresa diferente ou como empreendedor de seu próprio auto-emprego, como digitador, programador, garçom, etc, ou em serviços de Uber. A reforma não amarra o trabalhador à empresa e ainda exige da empresa convocá-lo com no mínimo três dias de antecedência.

Mais uma vez é uma reforma criticada pelos que defendem o status-quo do trabalho permanente e presencial, quando o mundo já está nos tempos do trabalho à distância, o chamado trabalho-desde-casa.

e) Sou favorável à reforma porque ela vai permitir o uso de terceirização, que já é uma realidade espalhada, mas agora será protegida passando a ter os mesmos direitos dos efetivos, como atendimento ambulatorial, alimentação, segurança, transporte, capacitação e qualidade de equipamentos. Além disto, a reforma garante um período mínimo de 18 meses durante o qual o trabalhador permanente não poderá ser recontratado como terceirizado, evitando-se assim o uso dos recursos de precarização que a partir de agora deixa de ser vantajoso para as empresas, uma vez que os terceirizados também terão proteção.

f) Voto pelo fim da contribuição obrigatória aos sindicatos (como também defendo acabar com a contribuição do Estado ao Fundo Partidário), porque esta contribuição terminou servindo para criar impérios sindicais com dinheiro assegurado independente do serviço que presta. Resta ao cidadão o discernimento para escolher o sindicato e o partido com o qual quer colaborar. Acredito que isto vai melhorar o serviço de cada sindicato e sua relação com o trabalhador, sem peleguismo. Concordo, entretanto, que esta mudança exija um período de transição, para evitar a falência brusca das máquinas sindicais, e por isso apresentei emenda com redução gradual deste imposto em três anos.

g) Voto porque a reforma mantém a possibilidade de o trabalhador reclamar seus direitos na Justiça do Trabalho, ao mesmo tempo que incentiva, o que é uma medida positiva desburocratizadora, as negociações diretas na linha do direito moderno, como os diversos tipos de juizados de pequenas causas. Sei que isto quebra o monopólio de verdadeiros cartéis-do-direito-formal, mas apesar de suas reações, considero ser mais um passo na direção de desamarrar o Brasil de seus latifúndios.

h) Sou favorável porque a reforma não toca em nenhum direito garantido pela Constituição e nem acaba com o concurso e não desmonta a estabilidade e o Estado. É hora de acabar com a mentira e o populismo eleitoreiro querendo ganhar votos enganando a população.

Votarei a favor da reforma porque ela é para o Brasil, não importa qual seja o presidente da República do momento e porque não vejo como sua aprovação vai beneficiar a continuação do governo Temer que caminha para terminar, completando-se assim o impeachment, iniciado em 2016.

Voto contando com o veto de vários artigos que vieram no projeto da Câmara dos Deputados, cuja rejeição neste momento forçaria a volta do projeto à Câmara, o que provocaria adiamento ou mesmo a interrupção da reforma. E o Brasil tem pressa de se desamarrar.

VETOS

Nesse sentido, o Presidente da República enviou ao Senado Federal, na pessoa de seu Líder, carta assumindo o compromisso de vetar questões apontadas pelo relator da reforma, senador Ricardo Ferraço e, concomitantemente a editar medida provisória contendo as modificações que forem negociadas entre os parlamentares, seu relator e o Líder do governo no Senado. Entre os pontos que foram relacionados pelo Líder do governo para ajustes estão:

a. Criação de quarentena de 18 meses para eventual migração, dentro da empresa, de trabalho permanente para intermitente. Ainda sobre essa forma de contratação, elimina-se a multa de 50% do trabalhador no caso de falta.

b. A jornada de 12/36 horas só será possível por acordo coletivo.

c. Será obrigatória a participação sindical nas negociações coletivas.

d. Será restabelecida a vedação do trabalho de gestantes em local insalubre e o enquadramento da insalubridade será feito por acordo coletivo.

e. Será retirado o texto que fala sobre dano extrapatrimonial, cujo conteúdo vinculava o ressarcimento ao salário do empregado.

f. Não poderá haver nenhuma cláusula de exclusividade para o trabalho autônomo.

g. Será adotada a redução gradual da contribuição sindical, ao invés de sua eliminação abrupta.

EMENDAS

Voto achando que a reforma poderia ter sido melhor e por isso eu apresentei sete emendas:

a. Criação de licença capacitação de cinco dias úteis para o empregado, por ano trabalhado, não podendo acumular mais de três anos. Essa licença deverá ser utilizada para reciclagem profissional, curso de aperfeiçoamento, ou aprendizado de novo ofício. A intenção é criar uma cultura de aperfeiçoamento profissional, valorizando a formação do empregado e sua contribuição à empresa, gerando efeitos positivos para todo o Brasil, ao criar instrumentos de qualificação da mão de obra.

b. Ao retirar o termo “entre outros” do texto do artigo sobre negociação coletiva, criamos uma restrição do uso desta aos itens citados no projeto de reforma. Nossa ideia é soltar as amarras da economia dando alguma previsibilidade sobre o tópico a ser negociado, reduzindo o grau de incertezas.

c. Nossa terceira emenda restringe e dá previsibilidade ao trabalho intermitente. Garantimos ao trabalhador que a recusa da oferta não caracteriza falta ou motivo para sanção contratual. Além disso, propomos a vedação da convocação de mais de um período no mesmo dia – que poderia resultar na disponibilização não remunerada do trabalhador nos intervalos, criamos a figura da hora extra quando o trabalhador tiver que ficar em horário subsequente ao da convocação e propomos a criação de quarentena para a contratação de trabalhador por tempo indeterminado como intermitente, por período de dezoito meses.

d. Embora sejamos favoráveis ao fim do imposto sindical, permitimos um período de três anos para sua eliminação gradual (60%, 40% e 20% nos anos que seguem a aprovação da reforma). Com isso, queremos dar aos sindicatos tempo para se adaptar e conquistar associados entre os membros da categoria que representam.

e. Emenda proibindo a terceirização do trabalho docente em sala de aula quando os assuntos tratados na aula são do núcleo essencial de cada curso. Com isso pretendemos valorizar os profissionais envolvidos no núcleo essencial de cada curso e garantir a qualidade do ensino nessas disciplinas.

f. Emenda vedando terceirização de atividades estatais finalísticas relativas a cargos ou empregos públicos. Embora acreditemos que a contratação de trabalho terceirizado possa oxigenar algumas atividades do setor público, nossa intenção aqui é preservar a prevalência da contratação por concurso nas atividades fins do setor público.

g. Emenda que cria a possibilidade de aproveitamento de trabalhador em outras áreas da empresa, permitindo a contratação por multifunção ou multiqualificação. Isto possibilitará maior mobilidade do trabalhador dentro da empresa, permitindo, tanto aos trabalhadores como aos empregadores, aproveitamento da relação trabalhista em caso de modificação de tecnologia.

Estas emendas, recusadas pelo relator em nome da agilidade que considero necessária, já foram transformadas em projetos de lei que vou apresentar – até porque esta e todas as outras reformas são um processo. Acabou o tempo da ilusão da permanência que seduz aos conservadores e que Marx havia desfeito, quando 150 anos atrás, muito antes de imaginar-se as atuais transformações ele disse:

“Tudo que é sólido se desmancha no ar”.

 


Plenário do Senado aprova reforma trabalhista e texto segue para sanção

Por 50 votos contra 26, o Senado aprovou nesta terça-feira (11) a reforma trabalhista (PLC 38/2017). A proposta, que segue agora para sanção presidencial, altera mais de 100 pontos da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), permitindo, dentre as mudanças, que o acordado entre patrões e empregados prevaleça sobre o legislado nas negociações trabalhistas.

A mudança é considerada prioridade para o governo de transição não só para modernização da legislação trabalhista como para fazer frente aos 14 milhões de trabalhadores desempregados no País, resultado do fracasso do governo do PT. Um estudo divulgado pelo banco Santander em junho (veja aqui) mostra que a aprovação da reforma trabalhista tem potencial para gerar cerca de 2,3 milhões de vagas de trabalho em pouco mais de um ano. A estimativa leva em consideração a flexibilização de regras e consequente redução de custos para o empregador, que voltaria a contratar.

Atraso
A votação, prevista para a iniciar no fim da manhã de ontem (11), só iniciou cerca de sete horas depois. O atraso foi provocado por senadoras da oposição. Gleisi Hoffmann (PT-PR), Fátima Bezerra (PT-RN), Ângela Portela (PT-ES), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Lídice de Mata (PSB-BA), Regina Sousa (PT-PI) e Kátia Abreu (PMDB-TO) ocuparam a mesa do plenário e se negaram a sair.

A sessão só começou após o presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), dar um ultimato às oposicionistas e afirmar que começaria a sessão no plenário ou em outra sala do Senado. Quando se aproximava das 19h, Eunício conseguiu sentar na cadeira de presidente e deu início à sessão.

Texto
A proposta de reforma trabalhista prevê, além da supremacia do negociado sobre o legislado, o fim da assistência obrigatória do sindicato na extinção e na homologação do contrato de trabalho. Além disso, acaba com a contribuição sindical obrigatória de um dia de salário dos trabalhadores.

Há também mudanças nas férias, que poderão ser parceladas em até três vezes no ano, além de novas regras para o trabalho remoto, também conhecido como home office. Para o patrão que não registrar o empregado, a multa foi elevada e pode chegar a R$ 3 mil. Atualmente, a multa é de um salário-mínimo regional.

Para que a proposta não voltasse a ser analisada pela Câmara dos Deputados, que aprovou o texto em abril, os senadores governistas não aceitaram nenhuma mudança de mérito no texto e rejeitaram também as emendas apresentadas de modo individual. No entanto, como resposta aos pontos polêmicos da proposta, há um compromisso do presidente Michel Temer de vetar seis pontos da reforma. A ideia é aperfeiçoar esses pontos para que eles sejam reapresentados via medida provisória ou projeto de lei.

Veja o que muda na legislação com a reforma trabalhista:

ACORDOS COLETIVOS
Terão força de lei e poderão regulamentar, entre outros pontos, a jornada de trabalho de até 12 horas, dentro do limite de 48 horas semanais, incluindo horas extras.

Parcelamento das férias, participação nos lucros e resultados, intervalo, plano de cargos e salários, banco de horas também poderão ser negociados.

Pontos como FGTS, salário mínimo, 13º salário, seguro-desemprego, benefícios previdenciários, licença-maternidade e normas relativas à segurança e saúde do trabalhador não poderão entrar na negociação.

Atualmente, acordos coletivos não podem se sobrepor ao que é previsto na CLT.

JORNADA PARCIAL
Poderá ser de até 30 horas semanais, sem hora extra, ou de até 26 horas semanais, com acréscimo de até seis horas (nesse caso, o trabalhador terá direito a 30 dias de férias).

Atualmente, a jornada parcial de até 25 horas semanais, sem hora extra e com direito a férias de 18 dias.

PARCELAMENTO DE FÉRIAS
As férias poderão ser parceladas em até três vezes. Nenhum dos períodos pode ser inferior a cinco dias corridos e um deles deve ser maior que 14 dias (as férias não poderão começar dois dias antes de feriados ou no fim de semana).

Atualmente, as férias podem ser parceladas em até duas vezes. Um dos períodos não pode ser inferior a dez dias corridos.

GRÁVIDAS E LACTANTES
Poderão trabalhar em locais insalubres de graus “mínimo” e “médio”, desde que apresentem atestado médico. Em caso de grau máximo de insalubridade, o trabalho não será permitido.

Atualmente, grávidas e lactantes não podem trabalhar em locais insalubres, independentemente do grau de insalubridade.

CONTRIBUIÇÃO SINDICAL
Deixará de ser obrigatória. Caberá ao trabalhador autorizar o pagamento.
Atualmente, é obrigatória e descontada uma vez por ano diretamente do salário do trabalhador.

TRABALHO EM CASA
A proposta regulamenta o chamado home office (trabalho em casa).
Atualmente, esse tipo de trabalho não é previsto pela CLT.

INTERVALO PARA ALMOÇO
Se houver acordo coletivo ou convenção coletiva, o tempo de almoço poderá ser reduzido a 30 minutos, que deverão ser descontados da jornada de trabalho (o trabalhador que almoçar em 30 minutos poderá sair do trabalho meia hora mais cedo).
Atualmente, a CLT prevê obrigatoriamente o período de 1 hora para almoço.

TRABALHO INTERMITENTE
Serão permitidos contratos em que o trabalho não é contínuo. O empregador deverá convocar o empregado com pelo menos três dias de antecedência. A remuneração será definida por hora trabalhada e o valor não poderá ser inferior ao valor da hora aplicada no salário mínimo.

Atualmente, a CLT não prevê esse tipo de contrato.

AUTÔNOMOS
As empresas poderão contratar autônomos e, ainda que haja relação de exclusividade e continuidade, o projeto prevê que isso não será considerado vínculo empregatício.

Atualmente, é permitido a empresas contratar autônomos, mas se houver exclusividade e continuidade, a Justiça obriga o empregador a indenizar o autônomo como se fosse um celetista.

Sugestões de mudanças
No relatório aprovado pela CAE (Comissão de Assuntos Econômicos) do Senado, Ricardo Ferraço (PSDB-ES) recomendou a aprovação do projeto conforme a redação enviada pela Câmara, mas sugeriu as seguintes mudanças, a serem feitas pelo governo, quando o presidente Temer sancionar a proposta.

Mudanças propostas
Veto ao trecho sobre gestantes e lactantes;
Veto ao ponto que retira o descanso de 15 minutos para as mulheres antes do início da hora extra;
Regulamentação por medida provisória do trabalho intermitente;
Decisão por acordo coletivo sobre a possibilidade de acordos individuais determinarem jornada de 12 horas de trabalho com 36 horas de folga. (Com informações das agência de notícias)

 


Everardo Maciel: O andar do hipopótamo trôpego

As discussões sobre as reformas trabalhista e previdenciária, cujo desfecho é ainda imprevisível, fizeram aflorar reações que retratam o que existe de mais atrasado no País. São as corporações de todos os gêneros que defendem, arraigadamente, seus privilégios e, sobretudo, o controle do Estado brasileiro, antes limitado a velhos oligarcas políticos e ao empresariado patrimonialista.

Nada, no Brasil, é mais maltratado que o próprio Estado. Dele se extrai tudo que é possível, desde incentivos ineficazes, aposentadorias privilegiadas, programas assistenciais que não viabilizam a promoção social, férias em dobro e convertidas em dinheiro, salários que ultrapassam o teto constitucional e, sobretudo, o que se rouba na farra da corrupção sistêmica.

Como o Estado não produz riqueza, essas práticas de espoliação constituem tão somente uma pervertida forma de redistribuir o que a Nação produz, além de, paradoxalmente, impedir que ela produza mais.

Uma população pouco esclarecida, em razão do lastimável padrão da educação pública, é um espaço fértil para o engodo e a manipulação.

Quando se diz que a reforma trabalhista irá retirar direitos dos trabalhadores, o que na verdade se defende é a manutenção do imposto sindical que abastece o peleguismo, cuja atividade jamais foi fiscalizada, afora tudo o que gravita em torno da justiça trabalhista, que se alimenta da tentacular indústria de litígios.

Os movimentos contrários à reforma previdenciária visam tão somente a assegurar privilégios na aposentadoria do setor público. Não há preocupação com as gerações futuras, nem mesmo com a existência de recursos para o pagamento das aposentadorias no curto prazo. Prefere-se a dolorosa via grega do desastre.

É impressionante a “contabilidade criativa” para tentar, primariamente, mascarar os déficits da Previdência.

Há quem diga, espantosamente, que é necessário contratar mais servidores para assegurar o equilíbrio nas contas previdenciárias, como se o pagamento desses servidores não fosse dispêndio. O Estado brasileiro, ressalvadas algumas ilhas de excelência, além de estar enredado em uma grave crise fiscal, funciona muito mal.

A administração da saúde pública, por exemplo, é uma calamidade. A pretensão constitucional de qualificar a saúde como direito universal é patética, porque viola o inexorável princípio da escassez. A busca desse direito, na Justiça, é uma excentricidade. O magistrado demandado não dispõe de qualificação técnica para aferir a procedência do pedido e muito menos estabelecer, considerada a limitação de recursos materiais e financeiros, prioridade no atendimento.

Greve no setor público nega a sua própria razão de ser. É greve contra os usuários do serviço público, fazendo prevalecer o interesse individual sobre o público. Em alguns casos, assume natureza de motim.

É verdade que essa greve tem previsão constitucional, mas até hoje o Congresso não se dispôs a disciplinar o instituto e, dominado pelo medo das corporações, se abriga em uma decisão precária tomada pelo STF. Há ainda quem se queixe, sem razão no caso, do ativismo judicial.

Foi um enorme erro, na Constituição de 1988, conceder autonomia orçamentária para os Poderes Judiciário e Legislativo e para o Ministério Público.

A consequência dessa imprudente iniciativa se revela nos suntuosos palácios que albergam os órgãos daquelas instituições, em contraste com a precariedade de estradas, escolas e hospitais. De igual forma, os regimes de pessoal de seus servidores são generosos, quando confrontados com os dos demais servidores.

A política de gastos públicos, inclusive a de pessoal, tem que se sujeitar a critérios gerais. Diferenciações não podem decorrer do vínculo a Poder, mas da natureza da atividade. A independência dos Poderes não autoriza concluir que pertencem a Estados soberanos.

Ainda que indispensável, não será fácil reformar o Estado brasileiro. As forças reacionárias são poderosas. Por um bom tempo, o Estado prosseguirá marchando como um hipopótamo trôpego.

* Consultor tributário, foi Secretário da Receita Federal (1995-2002)

Foto: O senador Cássio Cunha Lima, o presidente do Senado, Eunício Oliveira, e o senador João Alberto Souza durante sessão plenária para discutir reforma trabalhista (Foto Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Fonte: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,o-andar-do-hipopotamo-tropego,70001878627

 


O Globo: As forças do atraso contra a reforma trabalhista

A rejeição do projeto de reforma trabalhista, por um voto, na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado, se deve em parte a uma desorganização na base do governo, em função da debilitação política do presidente Michel Temer sob acusações — de delatores premiados, da Procuradoria-Geral da República e agora da Polícia Federal. E isso abre espaço para todo tipo de interesses. Menos o de melhorar a regulação do mercado de trabalho em que 14 milhões estão desempregados, e metade dos que labutam não tem proteção da tão defendida CLT, por simples fé ideológica e saudades de Getúlio.

O senador Renan Calheiros (PMDB-AL), por exemplo, adota a linha populista de esquerda para tentar se salvar em Alagoas nas eleições de 2018. Já o senador tucano Eduardo Amorim (SE) vota contra o relatório e o partido, alegando atender a pedido da mulher, do Ministério Público Trabalhista, uma das trincheiras contra a modernização das leis. E a oposição, por sua vez, aproveita para fazer luta política. Assim, por um voto, o relatório foi derrotado, depois de aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE).

Semana que vem deverá ser apreciado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e tudo ficará para ser decidido em plenário, onde a derrota de terça poderá ser revertida.

O governo Temer precisa demonstrar uma competência mínima na condução da base parlamentar, e não repetir erros primários que depõem contra a imagem de sábios da política que têm os do seu grupo. Foi bisonho levar na comitiva da viagem a Moscou votos que fizeram falta na terça: Paulo Bauer (PSDB-SC) e o ministro Antônio Imbassahy (PSDB-BA). Numa reação previsível, os mercados sinalizaram negativamente — a Bolsa caiu 2%, e o dólar subiu 1,27%. Num lapso, o Planalto parece ter esquecido a relevância das reformas.

O projeto desta já foi muito debatido. Sabe-se como é necessário dar flexibilidade às relações patrão-empregado, permitindo-se que acordos entre as partes, sem alterar direitos pré-definidos, sejam aceitos pela Justiça Trabalhista. Também sabe-se como é estratégico acabar com o imposto sindical, tornando-o uma contribuição espontânea, a fim de que os sindicatos ganhem legitimidade e deixem de ser um desses grandes cartórios lucrativos que surgem às sombras do Estado, para viver de dinheiro extraído compulsoriamente da sociedade.

Por ilustrativa coincidência, esta reforma chega à fase final de votação quando, na França, um político jovem, o presidente Emmanuel Macron, faz maioria na Assembleia Nacional, acenando com uma reforma como esta brasileira, entre outras. Ganhou no voto de corporações sindicais como as que sabotam mudanças no Brasil. Faz lembrar Millôr Fernandes: “quando uma ideologia fica bem velhinha, ela vem morar no Brasil”. É o caso.

Editorial do O Globo

Fonte: https://oglobo.globo.com/opiniao/as-forcas-do-atraso-contra-reforma-trabalhista-21504316

 


O Estado de S.Paulo: Lições de uma derrota

A rejeição da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais do Senado serviu para reiterar a duvidosa qualidade da base de apoio a Michel Temer no Congresso

A rejeição da reforma trabalhista na Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado foi comemorada como um gol de placa pelo time dos inimigos da modernização do Estado. O senador petista Humberto Costa (PE) chegou a dizer que foi “a maior derrota do governo Temer”. É um evidente exagero, considerando-se principalmente que o revés não altera de nenhuma maneira a tramitação da reforma no Senado e, mantidas as atuais condições, sua aprovação em plenário deverá ser razoavelmente tranquila. Mesmo assim, o episódio serviu para reiterar a duvidosa qualidade da base de apoio ao presidente Michel Temer no Congresso, algo preocupante diante dos imensos desafios que ainda estão pela frente, em especial a reforma da Previdência.

Michel Temer não pode se dar ao luxo de perder nem votações secundárias, como esta na CAS, porque a estabilidade de seu governo está assentada na presunção de que ele controla uma boa bancada no Congresso, capaz de levar adiante as impopulares reformas. Ao se descuidarem dessa maneira, permitindo que governistas rebeldes prejudicassem os esforços do Palácio do Planalto, os operadores políticos do governo ajudaram a alimentar uma imagem de fragilidade que, somando-se aos problemas jurídicos de Michel Temer, coloca em questão a capacidade do presidente de concluir sua agenda reformista.

É preciso também destacar o papel negativo do PSDB nesse episódio da votação na CAS. Os tucanos precisam decidir se estão mesmo na base de apoio ao presidente Temer e se são favoráveis às reformas, como garantem seus dirigentes. A rejeição à reforma trabalhista contou com a ajuda do senador Eduardo Amorim (PSDB-SE), que na planilha do Palácio do Planalto havia sido contabilizado como um voto a favor. Como o placar foi de 10 a 9, pode-se concluir que esse voto foi decisivo para a derrota. Mas é digno de nota também o comportamento irresponsável de outros governistas na CAS. Cinco senadores da base aliada simplesmente não apareceram para votar.

E há também a sabotagem, pura e simples, capitaneada por Renan Calheiros, líder do PMDB no Senado. Sem fazer parte da comissão, Renan pediu a palavra e tratou de desqualificar todas as reformas encaminhadas pelo governo, acrescentando ainda críticas aos “erros em série da política econômica”. Segundo o senador, que falava como se fosse um sindicalista da CUT, a equipe econômica está levando o País a um “quadro desesperador”.

Nominalmente, o senador Renan Calheiros é do mesmo partido do presidente Michel Temer, mas, na prática, seu partido sempre foi ele mesmo. Neste momento, Renan, alvo de múltiplos inquéritos sob acusação de corrupção, parece acreditar que sua salvação se encontra numa aliança tácita com o chefão petista Lula da Silva, ainda muito forte entre eleitores do Nordeste. De quebra, espera que essa proximidade com Lula ajude o filho, Renan Filho (PMDB), a conseguir a reeleição como governador de Alagoas.

Como era esperado, o governo deu o troco a Renan, usando a linguagem que o Congresso entende: demitiu apadrinhados do senador Hélio José (PMDB-DF), que é do grupo de Renan e votou contra a reforma na CAS.

Mas apenas isso não basta. É preciso denunciar, com a máxima crueza possível, que esses parlamentares são a vanguarda do atraso. Não está em jogo apenas um punhado de mudanças na legislação trabalhista ou no sistema previdenciário. O que está em jogo é a definição do futuro imediato do País.

É urgente enfrentar os problemas estruturais que condenam o Brasil ao desenvolvimento medíocre e à baixa produtividade. As reformas em curso, tímidas diante do desafio, são apenas o começo desse processo, que tem de servir principalmente para romper a lógica segundo a qual tudo neste país começa e termina no Estado. Os inimigos das reformas são justamente aqueles que construíram relações privilegiadas com o Estado, seja na forma de subsídios e isenções em geral, seja como obséquios para funcionários públicos, em detrimento do resto da população, que deve arcar com os impostos que sustentam essa relação viciada. A derrota do governo é a vitória dessa gente.

 

Fonte: http://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,licoes-de-uma-derrota,70001854590

 


Hélio Schwartsman: Reforma trabalhista

Se planejar todos os aspectos da vida econômica resultasse num ordenamento eficiente, os Estados comunistas teriam dado certo. Não deram.

Raciocínio análogo se aplica à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que, com mais de 900 artigos, pretende regular nos detalhes as relações entre patrões e empregados.

São reduzidas as chances de esse calhamaço de imposições legais, muitas delas concebidas para lidar com a realidade laboral dos anos 40, que não existe mais, produzir soluções satisfatórias para ambas as partes.

Um exemplo banal. Lembro de já ter sido forçado diversas vezes pela CLT a sair em férias em períodos em que fazê-lo não interessava nem a mim nem à empresa. Ora, uma legislação deixa os dois lados insatisfeitos e não traz nenhum benefício público não tem razão para existir.

É óbvio que nem tudo na CLT são firulas como essa. Alguns de seus artigos (poucos) estabelecem normas que efetivamente protegem o trabalhador, mas não há dúvida de que já passa da hora de promover uma rodada de desregulamentação que nos livre dos anacronismos, ingerências e aposte na capacidade das partes de resolver seus problemas sem a tutela do Estado.

A livre negociação, vale lembrar, está na base da democracia e é um dos principais elementos que explicam o melhor desempenho da economia de mercado sobre outras formas de organização social.

É difícil dizer se a reforma proposta pelo governo é a ideal. Ela até caminha na direção correta, mas só saberemos se não contém exageros depois que ela for colocada em prática e produzir resultados.

Se surgirem efeitos deletérios provocados pela mudança na legislação e não pela crise econômica (é fácil confundir as duas coisas), não será complicado voltar atrás. Parlamentares não hesitam muito antes de aprovar “direitos”. É em parte por causa dessa tendência que nos metemos na enrascada fiscal em que estamos.


Sérgio C. Buarque: A vanguarda do atraso

Conservador é quem rejeita mudanças, indicando que está satisfeito com a situação e que imagina possível manter as regras atuais no futuro, embora sejam evidentes os sinais de reestruturações econômicas e sociais. Quem é contra as reformas em discussão no Brasil não quer mudança e, portanto, é conservador. Os sistemas de regulação na sociedade e na economia não podem ser rígidos e definitivos, porque devem se adaptar e renovar para acompanhar as transformações das estruturas e das relações de produção, de modo a garantir o equilíbrio entre proteção social e eficiência econômica. Como as estruturas e relações de produção estão mudando radicalmente no mundo e no Brasil, manter as velhas e rígidas regras do século XX é reacionário, anacrônico e insustentável. Isto vale, principalmente, para a reforma da previdência e para a reforma trabalhista, considerando dois fenômenos de grande relevância: a profunda mudança demográfica e as intensas transformações tecnológicas, com impactos nas relações de produção e de trabalho.

O sistema previdenciário brasileiro, construído quando a estrutura demográfica era predominantemente jovem, não cabe mais num país que envelhece de forma acelerada. Em 2040, o Brasil terá mais idosos que crianças e adolescentes, quase 20% da população terão mais de 65 anos, resultado de um crescimento médio de 3,68% ao ano, muitas vezes acima do crescimento de apenas 0,42% ao ano da população total. Os benefícios dos trabalhadores inativos vão crescendo muito mais rápido do que a contribuição dos ativos, anunciando a falência do sistema. Mas os conservadores querem simplesmente manter o sistema previdenciário atual, cheio de injustiças e privilégios, deficitário e insustentável no futuro. A manutenção das regras atuais da previdência vai provocar a implosão do sistema, com prejuízo de todos, inclusive dos atuais aposentados que não serão atingidos por nenhuma reforma devido ao chamado “direito adquirido”. É bom lembrar da Grécia, onde o sistema implodiu e atropelou mesmo estes direitos adquiridos.

Grupos e partidos conservadores defendem também a manutenção das rígidas regras trabalhistas definidas no século passado, quando a produção era também rígida, hierarquizada e verticalizada. Essas regras não cabem mais nas relações de produção e de trabalho que emergem com a revolução tecnológica e organizacional, e que demandam um sistema de regulação compatível com a flexibilidade do trabalho e com o declínio do emprego tradicional, substituído por novas e inovadoras formas de trabalho (flexível, dinâmico e instável) e novo perfil de profissões, empresas e negócios. A manutenção da atual legislação trabalhista não ajuda a proteger o trabalhador do vendaval das mudanças tecnológicas que estão redefinindo as relações de produção e a organização do trabalho. Por outro lado, esta manutenção compromete gravemente a competitividade da economia e, como resultado, a geração de emprego no Brasil, melhor forma de proteger os trabalhadores.

A discussão não pode ser contra ou a favor das reformas, mas, entendendo que são indispensáveis, sobre a natureza e os conteúdos das mudanças que criem novos mecanismos de regulação, capazes de equilibrar proteção social e eficiência econômica, nas condições emergentes do novo paradigma de desenvolvimento. Mas ser simplesmente contra reformas é conservador e reacionário. Como dizia o saudoso Fernando Lyra noutro contexto, os segmentos organizados da sociedade e os partidos políticos que se mobilizam hoje contra as reformas são a “vanguarda do atraso”.

Sergio Buarque é economista com mestrado em sociologia


Fonte: http://revistasera.ne10.uol.com.br/a-vanguarda-do-atraso-sergio-c-buarque/