reforma eleitoral

Transparência foi ignorada em reforma eleitoral, afirma estudo

Projetos tramitaram sem participação popular e não tiveram o 'resultado esperado' pelo grupo que os conduziu

Brenda Zacharias / O Estado de S. Paulo

Cada processo eleitoral no Brasil ganha regras novas em relação ao anterior, e nas eleições de 2022 esta “tradição” será mantida. No ano que vem, as federações partidárias farão sua estreia no rito, os votos em mulheres e pessoas negras terão maior peso e os parlamentares eleitos terão um alívio na regra da fidelidade partidária. Porém, o que chama atenção na reforma promovida ao longo de 2021 não são as mudanças sancionadas, mas a maneira como tramitaram no Congresso.

É o que conclui um estudo do Observatório do Legislativo Brasileiro (OLB), núcleo sediado no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp-Uerj), que analisou os cinco principais projetos de reforma que dominaram as pautas na Câmara ao longo deste ano. Para os pesquisadores, os atropelos no regramento não caracterizam apenas o processo pré-eleitoral vigente, mas também a gestão do deputado Arthur Lira (Progressistas-AL) à frente da Câmara.

Além das novidades citadas acima, que tramitaram nas formas da PEC 125/2011 e do PL 2522/2015, ainda foram discutidas propostas como a do voto impresso (PEC 135/2019), a reserva de vagas para mulheres na Câmara (PL 1951/2021) e o novo código eleitoral (PLP 112/2021). Segundo o estudo, os projetos tramitaram sem transparência ou participação popular e não tiveram o “resultado esperado” pelo grupo que os conduziu.

Ritos

O observatório analisa, por exemplo, a tramitação do novo Código Eleitoral, que propõe reunir em um único compilado toda a legislação e a regulamentação eleitoral. O texto apresenta, por exemplo, mudanças na quarentena eleitoral para ex-membros do Judiciário ou policiais militares, na rigidez da Lei da Ficha Limpa e no alcance da ação do TSE nos pleitos. O projeto ainda aguarda apreciação do Senado, mas não a tempo de valer para a votação de 2022.


Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Senador Rodrigo Pacheco, presidente do Senado. Foto: Pedro França/Agência Senado
Rodrigo Pacheco, Bolsonaro e Arthur Lira no dia da posse dos novos presidentes da Câmara e do Senado. Foto: PR
Arthur Lira durante anúncio sobre o voto impresso ir ao plenário. Foto: Najara Araújo/Câmara dos Deputados
Arthur Lira, presidente da Câmara e Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, no início do ano legislativo. Foto: Agência Senado
Arthur Lira e o ministro da Economia, Paulo Guedes. Foto: Pablo Valadares/Agência Câmara
Arthur Lira durante a sessão sobre o voto impresso. Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados
 Jair Bolsonaro acompanhando de Ministros, entregam a MP do Auxílio Brasil ao Presidente da Câmara, Arthur Lira. Foto: Marcos Corrêa/PR
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Neste caso, o estudo do OLB destaca as tentativas de acelerar o processo de tramitação que passaram por cima de alguns ritos formais, como a admissão de regime de urgência para a discussão do projeto, o que é proibido em matérias relativas a códigos, e a discussão em grupo de trabalho, que deveria ter sido feita por uma comissão especial.

O tema, no entanto, não mobilizou os senadores ao longo do ano. Pesquisadores analisaram menções ao assunto em discursos no plenário e nas redes sociais dos parlamentares, mas foram poucas as discussões.

A mesma PEC que propôs a contabilização em dobro dos votos para candidatos negros e mulheres incluía também a volta das coligações e o Distritão, como é conhecido o modelo que adota o voto majoritário também para eleições de deputados e vereadores. Enquanto o novo modelo foi rejeitado ainda na Câmara, as coligações foram no Senado. Somente depois disso, os deputados resgataram a proposta das federações partidárias, já apreciada pelos senadores.

Regimento

Nas redes sociais, Lira, ao tratar da PEC do voto impresso, já defendeu as votações e os devidos ritos, afirmando que a Câmara “sempre se pauta pelo cumprimento do Regimento e pela defesa da sua vontade que é a expressão máxima da democracia”.

Fonte: O Estado de S. Paulo
https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,transparencia-foi-ignorada-em-reforma-eleitoral-afirma-estudo,70003892299


Fausto Mato Grosso: Reforma eleitoral e distritão

A legislação eleitoral brasileira é uma colcha de retalhos. Ela é composta de diversos dispositivos constitucionais e de inúmeras leis, cada uma delas tratando separadamente temas pontuais. Além disso, existem diversos projetos dos deputados e senadores tramitando sobre questões eleitorais. A reforma que se discute agora tem o objetivo anunciado de articular esse conjunto desconexo, em um novo Código Eleitoral.

No aspecto técnico-jurídico, não há como se opor a sistematização da legislação dispersa. O próprio presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Roberto Barroso, ressalta que, pela quantidade de leis que surgiram ao longo do tempo, “está chegando a hora de se ter uma sistematização dessas normas eleitorais”. Assinala ainda que o Direito Eleitoral é o mais dinâmico de todos, porque ele segue um pouco a dinâmica do processo político e das vontades das maiorias que se formam em cada momento. Portanto, é importante considerar que a corrente política hegemônica no Congresso hoje é o Centrão que valoriza a politica como negócio privado e não prima pela defesa da democracia.

O novo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cumprindo compromisso de campanha, instalou há poucos dias, um grupo de trabalho que irá atualizar e sistematizar a legislação eleitoral. Integram o colegiado 15 deputados, dos quais oito são protagonistas de processos no Tribunal Superior Eleitoral. As alterações nas regras eleitorais só irão valer nas eleições de 2022 se forem aprovadas, nas duas casas legislativas, até um ano antes do pleito que será em outubro do ano que vem.

Entre as modificações que estão sendo discutidas, uma das que mais preocupa é a mudança do sistema eleitoral com a criação do chamado distritão. O presidente da Câmara Arthur Lira sinalizou que já existe grande força no Congresso pela sua aprovação.

No distritão cada estado é um grande distrito e são eleitos os deputados mais votados, independentemente do desempenho de suas siglas. O voto passa a ser 100% individualizado, “cada um por si e Deus por todos”. Há um enorme desperdício de votos, todos aqueles que não votaram nos poucos vencedores se considerarão não representados. Isso enfraquecerá a legitimidade dos eleitos.

Esse sistema também inibe a renovação dos políticos: serão eleitos aqueles já conhecidos individualmente. Em uma sociedade de espetáculo como a nossa, seria o reino das personalidades da mídia, das igrejas e do esporte, além de grandes grupos econômicos com poder de patrocínio.

Sem dúvida esse sistema tem a vantagem de ser mais fácil para o entendimento do eleitor, mas promove o personalismo na política, enfraquecendo os partidos e as ideias políticas. Acontece que não existe democracia moderna sem partidos fortes. A fragmentação tão criticada da Câmara e do Senado será ainda mais nociva quando cada deputado virar um partido do eu sozinho.

Há ainda que se considerar a experiência internacional. Segundo pesquisa do Instituto Internacional da Democracia (Idea), entre 200 países pesquisados somente 2% deles utiliza esse sistema do distritão, entre eles Jordânia, Afeganistão, Ilhas Pitcairn e Vanuatu.

Por certo, o sistema eleitoral brasileiro está precisando de atualizações e sistematização técnica-legislativa, mas há que se ter cuidado para evitar jabuticabas e jabutis. Se o sistema atual de voto proporcional possibilitou a eleição de Tiririca ficará pior se possibilitar a eleição de vários tiriricas e big-brothers bem votados em seus estados.

FAUSTO MATTO GROSSO - Engenheiro e professor da UFMS


Murillo de Aragão: A lenta evolução das regras eleitorais

Quase todo ano o mundo político propõe alguma mudança no sistema político nacional, aí compreendidos tanto o sistema eleitoral, com suas regras, quanto o sistema partidário. É uma longa guerra de fricção entre uma sociedade desencantada com a política e um mundo político complacente com suas franquias.

A necessidade de mudança é grande, mas como a vontade de mudar é quase nenhuma, vivemos no mundo de Tancredi, personagem de Giuseppe Lampedusa no magistral “O Leopardo”: algo tem que mudar para que as coisas continuem como estão. Tem sido assim nas últimas décadas. Ocorrem avanços e retrocessos ao sabor dos acontecimentos e das conveniências.

Para não ir longe, aponto o ano de 2010 como um marco no sistema político-eleitoral por causa da aprovação da Lei da Ficha Limpa pelo Congresso Nacional. Foi, por conta da pressão da sociedade, uma grande conquista. Mas, adiante, em 2015, o Supremo Tribunal Federal (STF) decretou que não existe perda de mandato para ocupante de cargo majoritário que mude de partido. A medida, ainda que guarde certa coerência, desmoralizou – ainda mais – o sistema partidário nacional.

Naquele ano, o Congresso Nacional, no âmbito de uma minirreforma eleitoral, estabeleceu teto de despesas por candidatura. Foi uma medida importante que abriu caminho para a redução dos pornográficos gastos de campanhas eleitorais no Brasil. Ainda em 2015, o STF decidiu acabar com o financiamento empresarial das campanhas, eliminando, assim, o “doping” financeiro e principal instrumento de manipulação de resultados eleitorais no país. As duas medidas foram muito importantes.

No ano seguinte, o STF decidiu que as emissoras de radio e televisão poderiam selecionar quais candidatos convidar para debates eleitorais. Ao invés da obrigatoriedade de convidar a todos. Mesmo candidatos com preferência ínfima nas disputas. Reduziu-se um pouco a poluição eleitoral.

Em 2017, mais duas decisões de peso. O Congresso estabeleceu uma cláusula de barreira para os partidos em 2018, providência fundamental para minimizar a fragmentação partidária na Câmara dos Deputados. Ainda que a barreira interposta seja generosa, é um caminho para o aperfeiçoamento do sistema. Outra decisão foi a imposição do fim das coligações partidárias para as eleições legislativas a partir de 2020. Trata-se de medida excepcional que, lamentavelmente, não vai vigorar nas próximas eleições.

Devemos, por outro lado, lamentar, a decisão de permitir que seja praticado o telemarketing eleitoral. Candidatos poderão disparar, em massa, as chatíssimas ligações telefônicas com propaganda eleitoral. Considerando o número de candidatos, pode ser um tormento para o eleitor.

Ao tempo em que escrevia este texto, o Congresso ainda decidia sobre o fundo eleitoral. O fundo não é a melhor solução, mas, pelo menos, está sendo criado tendo em vista recursos já existentes e não lastreado por verbas novas.

Por fim, a Justiça, para não ficar atrás no surto anual de mudanças, também decidiu sobre o alcance retroativo da Lei da Ficha Limpa. Uma medida, no mínimo, polêmica já que termina fazendo valer os efeitos de uma lei sobre situação anterior à sua existência. Data venda quem votou a favor, a medida não me parece adequada.

O STF também vai julgar a validade de candidaturas presidenciais avulsas. Medida que já tem o apoio da Procuradoria Geral da República. Mas que guarda imensas dificuldades de natureza operacional. Vamos ver o que vai acontecer.

O saldo, apesar de modesto frente às necessidades de aperfeiçoamento de nosso sistema político, é significativo. Não dá para dizer que não houve alguma melhora. O sistema, aqui e ali, sob pressão e com a interferência – nem sempre negativa, nem sempre positiva - do STF, está sendo modificado. Falta o nosso eleitor melhorar também.

 


Cristovam Buarque: O pior déficit

O Congresso Nacional se prepara para saltar da responsável aprovação do teto nos gastos públicos para a irresponsável aprovação do desvio de R$ 3,6 bilhões, com o objetivo de financiar as campanhas eleitorais no próximo ano. Um dia, preocupado, o povo assiste ao presidente da República dizer que o Brasil sofre a falência dos serviços públicos por falta de dinheiro; no outro, perplexo, assiste que haverá dinheiro para financiar campanha milionária: R$ 2 milhões por eleito — deputados federais e estaduais, governadores, presidente; R$ 30 pagos por eleitor. Ao assistir a estes dois fatos — falta de dinheiro para os serviços e dinheiro sobrando para as eleições —, o povo desacredita ainda mais de seus governantes, sobretudo depois do reconhecimento de um déficit de R$ 159 bilhões em 2017.

A oposição também fica desacreditada ao tratar o povo como se ele não soubesse que este déficit foi provocado sobretudo pela irresponsabilidade de seu período no governo. Chega a ser cínica a afirmação de que este custo das eleições é pequeno, quando sabemos que seria suficiente para enfrentar as dificuldades da nossa ciência e tecnologia, por exemplo. Também é cinismo dizer que a democracia exige estes gastos, sem levar em conta que nossas eleições estão entre as mais caras do mundo; ou ainda ao dizerem que o recurso sairá das emendas de parlamentares, quando este dinheiro é pago pelo contribuinte, e as emendas dirigidas para atender necessidades da população.

Graças ao teto dos gastos, o povo sabe que o dinheiro é curto e será tomado dele para financiar as campanhas, caracterizando uma corrupção nas prioridades. É uma vergonha dizer que este gasto é necessário para fortalecer a democracia: não há democracia sem políticos com credibilidade e não há credibilidade em um Parlamento cujos membros um dia aprovam um necessário teto de gastos, e no outro continuam fazendo uma das mais caras eleições do mundo, sem dar exemplos próprios de austeridade. O Congresso devia determinar medidas que reduzam o custo das campanhas e que elas sejam financiadas pelos filiados e simpatizantes dos partidos e dos candidatos.

Além dos elevados gastos de campanha, o governo precisa dar exemplos: acabando com remunerações acima do já elevado teto salarial que equivale a 35 vezes o salário mínimo do trabalhador; precisa determinar que nenhum de seus dirigentes acumule salários, como aposentadorias; acabar com mordomias e subsídios pessoais. São gestos que têm pouco impacto fiscal, mas um imenso impacto moral. O Brasil não supera sua crise se seus dirigentes não derem o exemplo. E os políticos estão na contramão ao apresentar uma proposta de reforma política que, além de piorar o maldito sistema atual, desvia recursos públicos para campanha eleitoral. Pior que o déficit fiscal é o déficit moral. E esta reforma eleitoral está ampliando essa escassez e comprometendo nossa democracia, no lugar de fortalecê-la. (O Globo – 19/08/2017)