reforma da previdência

Míriam Leitão: Jabutis e ruídos na Previdência

Reformar a Previdência é difícil, e fica pior se o governo embute truques, não se explica, e ainda decreta sigilo de documentos

O governo colocou pontos na reforma da Previdência que aumentaram a vulnerabilidade de um projeto que em si já é bastante polêmico. Os jabutis incluídos para serem usados como moeda de negociação ajudaram os setores mais fortes de oposição ao texto, que são os servidores públicos. A proibição de acesso aos dados preparatórios não tem justificativa alguma e também cria um ambiente que fortalece a resistência. Têm havido vários erros estratégicos na formulação e na defesa da PEC 6/2019.

Não há motivo razoável para não permitir o acesso aos dados e estudos que levaram à preparação da reforma, se eles estão convencidos dos números, dos cálculos e das propostas que fizeram. Ontem, no meio da crise, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, anunciou que eles serão divulgados na quinta-feira. Enquanto uma parte da oposição queria judicializar a proposta.

Evidentemente cada número precisa ser entendido no seu contexto. Um exemplo disso: o governo sempre coloca que o déficit dos militares é de R$ 20 bilhões, mas isso é apenas o déficit do pagamento de pensões. O rombo de todo o sistema é mais do que o dobro disso. O que subestima o dado negativo é que os militares não aceitam o conceito de que estão aposentados. Dizem que estão na reserva, à disposição do país. Se não se aposentam não há déficit, na interpretação deles. Os formuladores da proposta decidiram aceitar essa versão dos fatos, mas isso evidentemente não elimina o desequilíbrio que existe no sistema previdenciário dos militares.

O erro mais gritante na formulação da proposta foi em relação ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) porque ele tem servido como biombo para que os servidores enfraqueçam a reforma. As várias categorias de funcionários têm ganhos mais altos do que os trabalhadores do setor privado e eles é que serão mais afetados pela reforma. É difícil sustentar o argumento de que eles estão defendendo o “direito” de receber até R$ 39 mil hoje, que é uma possibilidade para quem entrou no serviço público antes de 2003. Mais fácil é dizer que a reforma atinge os miseráveis. Para que dar a eles esse argumento? Nos dados divulgados no dia de apresentação da reforma, o ganho com o BPC mais a mudança do abono salarial será de R$ 41,4 bilhões em quatro anos e R$ 182,2 bilhões em dez anos. O governo diz que a mudança do BPC é neutra e que esse valor é apenas porque está misturado com a redução do abono, que passaria a ser concedido apenas para quem ganha até um salário mínimo. Se é neutra, é preferível que os cálculos sejam mostrados.

Há muitos indícios de que há fraude na aposentadoria rural, mas eles nunca conseguiram explicar bem a razão das propostas que fizeram. Sendo assim, ficou de novo sendo uma ótima desculpa para se atacar a reforma.

Outra medida é a de aumentar as alíquotas da contribuição dos servidores. Só que ela será aplicada de forma progressiva. A alíquota de 22% é apenas nominal. A efetiva é de 16,79%. Esse foi outro ponto que deu argumento à oposição, porque o que fica valendo para efeito do debate é o número 22%.

Durante todas as apresentações feitas pela equipe para defender e explicar a reforma gastou-se tempo demais com o debate em torno da capitalização, que no final das contas não foi ainda apresentado. Chegam a falar em minúcias como a de que há uma possibilidade de que seja o sistema “nocional” usado na Itália, Suécia ou Polônia, em que se a poupança da pessoa não for suficiente para o pagamento de um mínimo mensal, o Tesouro complementa. Mas como não foi formulada a proposta ainda, todo esse tempo de debate é ocioso e diminui o espaço de discussão da reforma realmente apresentada.

O governo propôs a desconstitucionalização dos parâmetros da Previdência porque a maioria das constituições do mundo não trata desse tipo de detalhe das regras e dos parâmetros. O problema é que ao incluir a idade máxima para aposentadoria compulsória, o projeto entra em campo minado. Foi entendido como uma forma de mudar a PEC da Bengala que, se for alterada por lei complementar, poderá dar ao atual presidente o poder de nomear mais ministros para o Supremo. Isso aumentou a resistência à reforma.

Há pontos que não há motivo para terem sido incluídos, como o que acaba com o FGTS para quem já está aposentado e volta ao mercado de trabalho. Reformar a previdência no Brasil é brigar com muitos interesses. Se quem propõe comete erros estratégicos fica mais difícil ainda. Tomara que o governo tenha sucesso em se explicar e em tirar os jabutis do projeto.


Sérgio C. Buarque analisa a crise da Previdência em artigo na Revista Política Democrática

Proposta da reforma tem imperfeições, avalia o economista. Mas, cabe ao Congresso Nacional aperfeiçoar e melhorar seus aspectos

Economista, com mestrado em sociologia, professor aposentado da Faculdade de Ciências da Administração de Pernambuco, da Universidade de Pernambuco (FCAP/UPE), consultor em planejamento estratégico com base em cenários e desenvolvimento regional e local, Sérgio C. Buarque, em artigo publicado na sexta edição da Revista Política Democrática Online fala sobre os gastos totais com a Previdência, que devem devem alcançar este ano a enorme cifra de R$ 637,85 bilhões, que representa 8,5% do PIB-Produto Interno Bruto. Para 2019, prevê-se déficit previdenciário da União de R$ 218,04 bilhões, equivalente a 2,9% do PIB.

» Confira a aqui a Revista Política Democrática - Edição 06

Segundo Buarque, a crise da Previdência é o resultado de mudança profunda no perfil demográfico do Brasil com aumento da expectativa de vida e o envelhecimento rápido da população; fenômeno que deve se acelerar no futuro, avalia. De acordo com ele, que também é sócio da Multivisão-Planejamento Estratégico e Prospecção de Cenários e da Factta-Consultoria, Estratégia e Competitividade, com projeções do IBGE, a população com 65 anos e mais (que deverá estar aposentada) vai crescer em torno de 3,4% ao ano nos próximos 15 anos, passando de 16 milhões, em 2015, para 51 milhões, em 2050 (salta de 7,9% para 22,6% da população total). "Esta dinâmica demográfica futura prenuncia desequilíbrio devastador do sistema de previdência e a falência completa das finanças públicas com graves consequências econômicas e sociais", acredita.

Sérgio Buarque, que também é fundador e membro do Conselho Editorial da Revista Será?, avalia que a proposta da Reforma da Previdência tem imperfeições, como a mudança no sistema de assistência social a idosos e deficientes (PBC-Benefício de Prestação Continuada), que não tem nada a ver com Previdência Social. "O Congresso pode e deve melhorar e aperfeiçoar alguns aspectos da reforma proposta, mas não pode ceder às pressões corporativistas, nem se deixar levar por falsas e demagógicas generosidades, que poderiam desfigurar seu conteúdo e comprometer sua eficácia", completa. "Eventual insucesso da reforma da Previdência seria um desastre. No futuro, seria analisado pelos historiadores como mais uma oportunidade perdida pelo Brasil, e não como um segundo ponto de inflexão da história econômica brasileira", acredita Buarque.

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Luiz Carlos Azedo: Reforma se desidrata

“As raposas do Centrão já se deram conta de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, é um animal ferido na floresta. Não tem apoio suficiente na própria base do governo para aprovar a reforma que deseja”

Para um plenário vazio, mas que registrava no painel de votação a presença de 420 dos 513 deputados, por volta das cinco da tarde de ontem, o jovem líder do Novo, Marcel Van Hatten (RS), se esgoelava na tribuna da Câmara, em defesa da reforma da Previdência tal qual fora apresentada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Era um protesto solitário contra a decisão da Comissão de Constituição e Justiça da Casa de adiar para a próxima semana a votação do relatório de admissibilidade do projeto de reforma apresentado pelo governo. No comando da sessão, a deputada Érika Kokay (PT-DF) ouvia atentamente o discurso do colega. Em seguida, a petista foi à tribuna para descer o malho na reforma e enaltecer a decisão da CCJ, à qual chegou às 4h30 da madrugada para reservar seu lugar na primeira fila do plenário, uma das táticas da oposição para obstruir as votações.

Hatten e Kokay não falavam para os poucos seguranças que guarneciam as portas do plenário e os dois taquígrafos que anotavam tudo, discursavam para a Voz do Brasil e as câmeras da TV Câmara, ou seja, para os eleitores que acompanham pelo rádio e pela televisão o que acontece no Congresso. É muito comum esse tipo de prática nas sessões de segunda e quinta-feira, mas raramente isso acontece numa quarta-feira, mesmo em véspera de semana santa, quando a tribuna é disputadíssima. Em circunstâncias normais, a sessão estaria lotada, porque esse é o dia de grandes votações. Não foi o que aconteceu ontem. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deliberadamente, havia esvaziado a pauta do plenário, como quem joga água fria na fervura do embate entre o Palácio do Planalto e os partidos do Centrão. No fim da tarde, a maioria dos deputados já estava voando mais cedo para seus estados.

O movimento na Câmara fora intenso durante a manhã e começo da tarde, por causa da Comissão de Constituição e Justiça, cujo presidente, deputado Felipe Francischini (PSL-PR), depois de tentar votar a admissibilidade da reforma, reconheceu que a aprovação foi adiada para a semana que vem por falta de acordo. Explicou que o deputado Marcelo Freitas (PSL-MG) havia pedido o adiamento para analisar as mudanças pleiteadas por líderes partidários. A reunião da CCJ havia sido convocada na noite de terça-feira, depois que uma manobra regimental encerrou a discussão na sessão que ameaçava entrar pela madrugada. No fundo, o que houve foi falta de acordo na própria base do governo. DEM, PR, PP, PRB e SD, os partidos do Centrão, que na véspera se aliaram ao PT e demais partidos de oposição, agora negociam mudanças com o governo.

Mudanças
A reforma da Previdência, cujo projeto deveria ser aprovado integralmente na CCJ, já está desidratada, embora o ministro da Economia, Paulo Guedes, tente minimizar o que está acontecendo, ao afirmar que o adiamento foi provocado por “pequenos desajustes” e pela “relativa inexperiência” de novos deputados. Segundo o líder do PP, Arthur Lira, o governo aceitou discutir alterações sobre a proposta para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e outros pontos da reforma.

A proposta do governo retira a obrigatoriedade de recolhimento de FGTS do trabalhador que já for aposentado, e do pagamento da multa de 40% na rescisão contratual em caso de demissão desses trabalhadores. A oposição quer retirar esses itens do projeto. Também serão retirados a concentração de ações judiciais sobre a reforma da Previdência em Brasília; a exclusividade de o Poder Executivo propor alterações na reforma da Previdência; e a possibilidade de mudanças na aposentadoria compulsória serem feitas por lei complementar.

O secretário da Previdência, Rogério Marinho, que negocia com os parlamentares, se queixa de que as mudanças representam quase 15% do valor total da Previdência, cuja economia estava prevista em R$ 1 trilhão em 10 anos. O governo ainda tenta salvar a “desconstitucionalização” de temas previdenciários, mas será muito difícil que isso ocorra. As raposas do Centrão já se deram conta de que o ministro da Economia, Paulo Guedes, é um animal ferido na floresta. Não tem apoio suficiente na própria base do governo para aprovar a reforma que deseja.

http://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-reforma-se-desidratax/


Míriam Leitão: O caminho da reforma

Líder do governo na Câmara minimiza tumulto na CCJ, mas o deputado que foi relator da última reforma disse que o governo subestima as dificuldades

O líder do governo na Câmara, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), minimiza o tumulto na CCJ na quarta-feira e diz que a Comissão aprovará a admissibilidade no dia 17. Disse que o PSL fechou questão em torno da reforma da Previdência para mostrar que o partido será a “pedra angular” da base que está se formando. O deputado Arthur Maia (DEM-BA), que foi relator da última reforma, acha que a PEC era desnecessária, bastava ter usado o projeto do governo anterior. Há uma conta que assusta os políticos: dos 23 deputados que votaram a favor da proposta na Comissão Especial em 2017, só quatro foram reeleitos. Dos 14 que votaram contra, 10 voltaram.

Entrevistei os dois sobre a tramitação da reforma da Previdência, depois do tumulto da ida do ministro Paulo Guedes à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O líder do governo definiu a reunião como “tensa em alguns momentos”, mas acha que a “proposta foi bem defendida”. O deputado Arthur Maia diz que o ministro falou a verdade e a oposição “forçou a barra numa ação de provocação”. Mas o mais importante que vê é o desperdício de tempo.

— Estamos revivendo o que não precisaríamos reviver. Nós havíamos trabalhado numa reforma durante dois anos na Câmara dos Deputados. Esse texto novo é absolutamente desnecessário porque através de uma emenda aglutinativa poderiam mudar o nosso parecer, aceitando até emendas que não aceitei levar a plenário. O ministro e o governo subestimaram a dificuldade — diz Arthur Maia.

O deputado do Democratas da Bahia diz que se sente como aquela pessoa que lutou para empurrar uma carreta até a metade da ladeira, aí chega o novo governo e diz que prefere pôr o caminhão de volta ao começo para fazer tudo novamente.

Vitor Hugo explicou que o governo não aproveitou o projeto de Temer porque queria discutir mais:

— A gente não quer fazer as coisas de forma açodada, quer fazer com calma, inclusive para permitir uma discussão em todas as suas amplitudes e dimensões. E, para ter segurança jurídica, o governo resolveu começar do zero.

Arthur Maia acha que não ter base foi o que tornou mais difícil o clima na CCJ, no depoimento do ministro Paulo Guedes. Explicou que em qualquer debate como esse há falas intercaladas entre a oposição e o governo. Não foi o que houve na quarta-feira. Outro problema, segundo ele, é que na reforma anterior — não aprovada pelas crises do governo Temer — a participação do presidente e do ministro Henrique Meirelles foi total. E agora Bolsonaro quer se manter distante. Ele acha que isso não funciona.

— O presidente Bolsonaro há um ano era contra. Isso dá aos deputados a condição de se perguntar: por que eu vou ser a favor agora? — diz Maia.

O fato de tantos deputados que votaram a favor do projeto não terem conseguido a reeleição mostra, segundo os dois parlamentares, que o assunto é difícil. Maia acha que isso é reflexo do fato de que a opinião pública é contra a reforma porque tende a entender que o projeto é contra seu próprio bolso. Entre os que votaram contra o substitutivo de Maia estavam exatamente o então deputado Major Olímpio e o deputado Onyx Lorenzoni. Por isso perguntei a Vitor Hugo se essa falta de convicção dos atuais governistas não é parte das dificuldades que o projeto está enfrentado agora.

— Primeiro, o presidente levou pessoalmente os projetos ao Congresso e isso já demonstra o envolvimento pessoal dele. Nas duas ocasiões ele admitiu que errou no passado em não votar favoravelmente às reformas. Em segundo lugar, o ministro Onyx, o Major Olímpio e o PSL estão com a reforma. Depois, muito acertadamente o presidente não loteou os ministérios. Por isso há agora uma acomodação natural — diz o deputado governista.

Arthur Maia acha que na CCJ o projeto deve ser aprovado porque é maioria simples, mas está convencido de que hoje o governo não tem votos para aprovar a reforma da Previdência. Ele diz que a vantagem é que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, é a favor do projeto e o ajudará a andar:

— Mas é preciso que o governo se movimente.

O deputado Vitor Hugo diz que o governo está se movimentando e que ele mesmo já recebeu uns 30 sindicatos de policiais, servidores que foram levar suas ansiedades e inquietações. Segundo ele, “o governo está aberto”.


Míriam Leitão: Reforma no meio das trapalhadas

Reforma da Previdência está atolada na CCJ. Governo comete erros em sequência e se mostra incapaz de organizar forças

A confusão de ontem na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) era esperada. Como o ministro da Economia, Paulo Guedes, comunicou algumas horas antes que não iria e mandaria representante, evidentemente haveria reação. Com isso, atrasou-se mais um pouco a tramitação do projeto da Previdência. Todo o episódio mostra o grau de descoordenação do governo. E como se não fosse confusão suficiente, um dia depois de desprestigiar a Câmara, Guedes confirmou a ida hoje ao Senado. No fim do dia, a Câmara manda um recado forte à equipe econômica ao aprovar a emenda do Orçamento impositivo, que é o oposto do que o Ministério da Economia quer fazer.

A tramitação começa na Câmara, então o lógico é que fosse lá o primeiro comparecimento do ministro. Mas ele vai é ao Senado. A CCJ era considerada a etapa mais fácil. A ser queimada rapidamente. A discussão é apenas para admissibilidade da proposta e exige cinco sessões em plenário. O projeto de Temer ficou uma semana na CCJ. Foi recebido no dia 7 de dezembro e aprovado na madrugada do dia 15. O atual chegou na CCJ no dia 22 de fevereiro, mas só no dia 13 de março foi instalada a Comissão e ainda nem teve seu relator indicado. Senão há relator, não há parecer e nada está valendo ainda, um mês e 5 dias depois. A reforma da Previdência de Bolsonaro está na verdade atolada na CCJ, comissão que ontem foi palco da briga que impediu o secretário Rogério Marinho de falar.

Depois de passar lá é que vem a etapa difícil, o debate do projeto em si na Comissão Especial. Na PEC 287, houve um período de três meses entre a instalação dessa Comissão, que aconteceu depois do recesso, até a aprovação do substitutivo do deputado Arthur Maia (DEM-BA), no dia 9 de maio de 2017. Poucos dias depois, no dia 17, a divulgação das gravações do empresário Joesley Batista com o então presidente fez aquele governo perder o rumo e o projeto.

Desta vez, o que se tem é uma administração no seu início, que tinha muito mais chances de andamento rápido do projeto. Mas o governo comete erros seguidos e se mostra incapaz de organizar as forças, mesmo dentro do seu próprio partido. O que houve ontem foi prova de “desarrumação e fragilidade” do governo, segundo o comentário de parlamentar que tende a votar a favor da reforma. O fato de não se conseguir um deputado que aceite relatar a admissibilidade da PEC é péssimo sinal.

A instalação da Comissão Especial é sempre difícil, os debates exigirão uma base coesa e congressistas dispostos a defender as propostas, além de maioria para aprovação. O problema é que o fogo amigo tem imperado até agora nesta massa disforme que pode vir a ser a base parlamentar.

Quanto tempo vai demorar a tramitação dessa proposta ninguém sabe, mas será preciso instalar a Comissão Especial e iniciar a discussão assim que passar na CCJ. A avaliação de especialistas é que pode demorar na Comissão Especial mais tempo do que a reforma do governo anterior porque é mais complexa. O que torna mais difícil aprovar neste semestre.

O manifesto dos 13 partidos que ontem apoiaram a reforma deixou claro os pontos dos quais discordam. Isso mostra no que o governo terá que ceder. Primeiro, a mudança no Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esse ponto o governo já sabe que terá que entregar. A dúvida é porque incluiu um item que facilmente seria atacado por todos, enfraquecendo o apoio ao projeto. Afinal, para ter direito ao B PC hoje a pessoa precisa ter 65 anos e estar em condições de “miserabilidade”. O segundo ponto é o da aposentadoria rural. E o terceiro é mais complicado. É o da desconstitucionalização, que o governo acha importante e quer defender, masque será muito difícil aprovar.

O recado ontem à noite pela Câmara, ao aprovar o Orçamento impositivo, já é um aviso contra a outra reforma pré-anunciada, da desvinculação. Além disso, um alerta de que sem se organizara base, o governo será surpreendido o tempo todo.

Na verdade, o que o governo Bolsonaro deveria ter feito desde o começo, na avaliação de quem entende de tramitação e torce pela reforma, é aprovado o projeto que já tinha passado por todas estas etapas. Bastava uma emenda aglutinativa em plenário. Se isso estivesse aprovado, outras mudanças mais profundas poderiam ser apresentadas depois. O que fez o governo querer começar do zero foi só a vaidade de ter uma reforma para chamar de sua. Isso está levando o país a perder tempo. Muito tempo.


El País: Câmara envia recado indigesto a Bolsonaro antes de analisar Previdência

Votação relâmpago de PEC encerra dia marcado pela ausência de Paulo Guedes em comissão da reforma da Previdência. Senado Bolsonaro usou a manhã para ir ao cinema

Afonso Benites, do El País

A terça-feira deveria ter sido o marco dos primeiros passos da Reforma da Previdência na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. A abertura com chave de ouro para o Governo seria o ministro da Economia, Paulo Guedes, explicando aos parlamentares os detalhes da proposta de emenda constitucional enviada pela gestão Jair Bolsonaro (PSL). Uma demonstração de respeito ao Parlamento. Mas, avaliando o clima político desfavorável após os bate-bocas das últimas semanas e notando que a oposição se preparava para uma série de questionamentos, Guedes se negou a debater com os deputados. Foi chamado de "fujão" pelos opositores. O ministro Onyx Lorenzoni, da Casa Civil, fez uma reunião para tentar mostrar articulação com as lideranças partidárias. Enquanto isso, em seu gabinete, Guedes se reuniu apenas com representantes do PSL para tentar afinar o discurso.

Mas nem isso salvaria o enredo da terça. O Governo Bolsonaro viu a Câmara aprovar em dois turnos e em votação relâmpago um projeto capaz de engessar o Orçamento da União e torná-lo impositivo. Atualmente, o Executivo tem uma margem de manobra sobre o orçamento aprovado pelo Legislativo. Caso essa proposta, uma "pauta bomba" apresentada ainda contra Dilma Rousseff, seja aprovada no Senado também em dois turnos, a gestão federal teria menor controle sobre a destinação de seus recursos. Por consequência, os parlamentares teriam maior controle sobre esse dinheiro.

Outra agenda
Ainda pela manhã, enquanto o ministro Guedes anunciava que não participaria da audiência pública na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça da Câmara), o presidente Bolsonaro ia ao cinema em um shopping de Brasília em uma agenda extraoficial. Acompanhado da primeira-dama, Michele Bolsonaro, e da ministra das Mulheres, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, assistiu à pré-estreia do filme Superação – O milagre da fé. Na plateia também estavam pessoas surdas de associações que são apoiadas pelo ministério e pela primeira-dama. Foi uma sinalização importante de prestígio à Damares, a quem ele disse recentemente que trabalhava em uma pasta menos importante do que as demais. Foi lido também, no entanto, como um descolamento do assunto mais quente na capital federal, as mudanças nas aposentadorias.

Guedes até enviou o seu secretário de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho, para falar com os congressistas na CCJ, mas lá não quiseram ouvi-lo. Chegaram a sugerir a votação de uma convocação do ministro – um ato que obrigaria o chefe da economia a comparecer ao Congresso. Mais tarde, amenizaram o tom e decidiram dar mais uma semana de prazo a ele.

Ainda assim, foi um termômetro das dificuldades. Até a oposição, que soma 133 dos 513 deputados, teve um raro ato de união. Assinou um manifesto contrário à reforma. “Lutaremos para impedir que essa proposta seja aprovada. Se for aprovada, vai agravar a principal chaga do Brasil, que é a desigualdade social e, por isso, não a toleramos”, afirmou o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).

Por outro lado, líderes de 13 partidos, que representam 291 parlamentares, anunciaram que apoiarão a proposta de Bolsonaro, desde que sejam excluídas as alterações que atingem a aposentadoria rural e o benefício de prestação continuada (BPC). O manifesto teve o apoio informal de Rodrigo Maia (DEM-RJ), o presidente do Legislativo que alertou Bolsonaro diversas vezes sobre a falta de articulação com o Congresso. “Há uma campanha insidiosa feita nas redes sociais de que estamos promovendo uma reforma da Previdência que vá prejudicar as pessoas mais pobres. Com esse manifesto queremos mostrar que não vamos fazer nada que possa afetar essas pessoas”, alertou o líder do DEM, Elmar Nascimento. Com o que Maia concordou. “É uma boa iniciativa. Os dois temas têm mais atrapalhado do que ajudado a discussão da reforma da Previdência. O BPC e a aposentadoria rural não são os maiores problemas da Previdência”.

Após se reunir com representantes de 12 partidos que teoricamente são da base governista, o ministro Onyx minimizou a ausência de Guedes e os embates do dia. Disse ainda que o seu colega na esplanada só não compareceu porque ainda não definido o relator da PEC na comissão. “Hoje veio aqui a equipe técnica, estão todos disponíveis. E no momento que o relator [da CCJ] for definido, vem o ministro Paulo Guedes, vem quem o parlamento quiser. O nosso propósito é um só, recuperar o Brasil”.

Os próximos dias serão de diversas conversas para afinar o discurso. Além da CCJ, a Comissão de Finanças da Câmara também cogitava convocar Guedes. Seguem em compasso de espera.


Marcus Pestana: Mitos e evidências sobre a reforma da previdência

Como prometido, retomo hoje a discussão sobre a reforma da previdência.

A previdência tem papel central no crescente endividamento do Brasil. Nossa dívida chega, segundo o FMI, a 87% do PIB, e o déficit nominal anual está em 9,3% do PIB. Isto é grave ou não? Gravíssimo. A dívida média dos países emergentes é de 49,9% e o déficit nominal médio é de 4,2%. A Previdência é o maior fator do desequilíbrio fiscal, o gasto total previdenciário consome 14% de toda a riqueza gerada pela sociedade, sendo o déficit total dos diversos regimes 335 bilhões de reais ou 5,1% do PIB. Diante disso alguém vai dizer que não há déficit e que a situação é sustentável? Pior é o agravamento do déficit previdenciário, mais 50 bilhões de reais por ano, ou seja, o valor da construção e equipamento de 400 novos bons hospitais, temos sete inconclusos em Minas.

No mundo inteiro, reformas da previdência se fazem necessárias. Por um simples motivo, as mudanças demográficas. Nascem cada vez menos bebês e, felizmente, estamos vivendo cada vez mais. Em 1980 tínhamos apenas 4,0% da população acima de 65 anos, em 2020 teremos 9,8% e em 2060 25,5%. Paralelamente, em 1980 tínhamos 38,2 de crianças e jovens abaixo dos 14 anos, em 2020 serão 20,9% e em 2060 teremos 14,7%. Menos gente contribuindo, mais gente usufruindo. Simples assim. Ou será que o IBGE está mentindo?

Apenas 12 países não têm, como o Brasil, idade mínima. No México, no Peru e no Japão é de 65 Anos. Na Argentina e no Chile, 65 para homens e 60 para mulheres. Nos EUA, 66. Será que Irã, Iraque, Nigéria e Brasil estão certos e o resto do mundo errado? E não há evidências demográficas para a diferenciação de idade entre homens e mulheres. As mulheres vivem muito mais. O argumento é o peso inegável da maternidade. Neste sentido, achei interessante a proposta de que a idade seja a mesmo, mas a mulher tenha um prêmio de um ano abatido da idade mínima por cada filho. Hoje 30% das mulheres não têm filhos.

Mas a questão central é combater os privilégios e a previdência como fator de concentração de renda. O servidor do Legislativo Federal tem um benefício médio 18,9 vezes maior que os 30 milhões de aposentados e pensionistas do INSS, o Judiciário 12,7 vezes, Ministério Público Federal 10,3 e o Executivo Federal, seis vezes. É justo isso? O déficit é financiado pelos impostos pagos pela população que poderiam ser usados para melhor a saúde e a educação de todos. Sabem qual é a renda transferida para o aposentado a cada ano para o financiamento do déficit? São 63 mil reais para os servidores civis da União, 43,5 mil reais para os aposentados dos Estados e apenas 4,6 mil reais para os do INSS. Será que os que dizem defender os pobres não enxergam isso?

Se não fizermos a reforma, em 2027 o sistema consumirá 82% dos recursos disponíveis. Sobrarão 18% para educação, saúde, segurança, meio ambiente, ciência e tecnologia, diplomacia, forças armadas. É isso que queremos? E não adianta falar que é só cobrar a dívida dos devedores do INSS, que equivale apenas ao déficit de um ano e é relativa na maioria das vezes a empresas falidas como a VASP e VARIG. Ou o mito que é só gastar menos com juros da dívida, o que é uma tolice econômica.

Precisamos de menos mitos e mais evidências na discussão. É o futuro do país e das novas gerações que estará em jogo!


O Estado de S. Paulo: ‘O governo é um deserto de ideias’, afirma Maia

Presidente da Câmara dos Deputados cobra ‘liderança’ e diz que Jair Bolsonaro precisa ser mais ‘proativo’ 

Vera Rosa, Naira Trindade e Renata Agostini, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse ao Estado que o governo não tem projeto para o País além da reforma da Previdência. Um dia após ameaçar deixar a articulação política para a aprovação das mudanças na aposentadoria, por causa dos ataques recebidos nas redes sociais pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), Maia calibrou o discurso e assegurou a continuidade do trabalho. Fez, porém, várias críticas e advertiu que o presidente Jair Bolsonaro precisa deixar o Twitter de lado, além da “disputa do mal contra o bem”, e se empenhar para melhorar a vida da população.

“O governo é um deserto de ideias”, declarou Maia. “Se tem propostas, eu não as conheço. Qual é o projeto do governo Bolsonaro fora a Previdência? Não se sabe”. Na avaliação do presidente da Câmara, o ministro da Economia, Paulo Guedes, é “uma ilha” dentro do Executivo.

Ao ser lembrado de que Bolsonaro comparou possíveis dificuldades no relacionamento às brigas de um namoro, Maia disse que, se o presidente ficar sem conversar com ele até o fim do mandato, não haverá problema. "Não preciso falar com ele. O problema é que ele tem de conseguir várias namoradas no Congresso. São os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila", argumentou.

Neste sábado, em Brasília, Maia afirmou que os atritos com o governo são "página virada". "O que a gente precisa é mostrar para a sociedade que a gente tem responsabilidade, que o governo tem responsabilidade, que o governo vai sair de conflitos nas redes sociais e vai para o mundo real."

Por que o sr. decidiu abandonar a articulação da reforma da Previdência?
Apenas entendo que o governo eleito não pode terceirizar sua responsabilidade. O presidente precisa assumir a liderança, ser mais proativo. O discurso dele é: sou contra a reforma, mas fui obrigado a mandá-la ou o Brasil quebra. Ele dá sinalização de insegurança ao Parlamento. Ele tem que assumir o discurso que faz o ministro Paulo Guedes. Hoje, o governo não tem base. Não sou eu que vou organizar a base. O presidente da Câmara sozinho, em uma matéria como a reforma da Previdência, não tem capacidade de conseguir 308 votos.

Mas o sr. continua à frente da articulação?
Dentro do meu quadrado, sim. Agora, acho que quanto mais eles tentam trazer para mim a responsabilidade do governo, mais está piorando a relação do governo com o Parlamento. O governo precisa vir a público de forma mais objetiva, com mais clareza, com mais energia na votação da reforma.

O que o presidente Bolsonaro precisa fazer?
Ele precisa construir um diálogo com o Parlamento, com os líderes, com os partidos. Não pode ficar a informação de que o meu diálogo é pelo toma lá, dá cá. A gente tem que parar com essa conversa. Como o presidente vê a política? O que é a nova política para ele? Ele precisa colocar em prática a nova política. Tanto é verdade que ele não colocou que tem (apenas) 50 deputados na base. Faço o alerta: se o governo não organizar sua base, se não construir o diálogo com os deputados, vai ser muito difícil aprovar a reforma da Previdência. O ciclo dos últimos 30 anos acabou e agora se abre um novo ciclo. Ele precisa saber o que colocar no lugar. O Executivo precisa ser um ator ativo nesse processo político.

E não está sendo?
De forma nenhuma. Ele está transferindo para a presidência da Câmara e do Senado uma responsabilidade que é dele. Então, ele fica só com o bônus e eu fico com o ônus de ganhar ou perder. Se ganhar, ganhei com eles. Se perder, perdi sozinho. Isso, para uma matéria como a Previdência, é muito grave. Porque não é qualquer votação. É a votação que vai dizer o que o Brasil quer. Se é reduzir o número de desempregados, reduzir o número de pobres no Brasil. Se o Brasil quer voltar a poder investir em saúde e educação ou se o Brasil vai ter hiperinflação. Não é uma votação qualquer, para você falar "leva que o filho é teu". Não é assim. É uma matéria que será um divisor de águas inclusive para o governo Bolsonaro. Então, ele precisa assumir protagonismo. Foi isso o que eu falei. Não vou deixar de defender as coisas sobre as quais tenho convicção porque brigo com A, B ou C. Meu papel institucional não é usar a presidência da Câmara para ameaçar o governo.

Mas o sr. ficou bastante contrariado com os ataques da rede bolsonarista na internet...
Não é que eu fiquei incomodado. O que acontece é que o Brasil viveu sua maior recessão no governo Dilma, melhorou um pouco no último governo, só que a vida das pessoas continua indo muito mal. Então, na hora em que a gente está trabalhando uma matéria tão importante como a Previdência, e a rede próxima ao presidente é instrumento de ataque a pessoas que estão ajudando nessa reforma, eu posso chegar à conclusão de que, por trás disso, está a vontade do governo de não votar a Previdência. Não fui só eu que fui criticado. Todo mundo que de alguma forma fez alguma crítica ao governo recebe os maiores "elogios" da rede dos Bolsonaro. Isso é ruim porque você não respeitar e não receber com reflexão uma crítica não é um sinal de espírito democrático correto.

O posicionamento do vereador Carlos Bolsonaro nas redes sociais atrapalha o governo?
O Brasil precisa sair do Twitter e ir para a vida real. Ninguém consegue emprego, vaga na escola, creche, hospital por causa do Twitter. Precisamos que o País volte a ter projeto. Qual é o projeto do governo Bolsonaro, fora a Previdência? Fora o projeto do ministro (Sérgio) Moro? Não se sabe. Qual é o projeto de um partido de direita para acabar com a extrema pobreza? Criticaram tanto o Bolsa Família e não propuseram nada até agora no lugar. Criticaram tanto a evasão escolar de jovens e agora a gente não sabe o que o governo pensa para os jovens e para as crianças de zero a três anos. O governo é um deserto de ideias.

O sr. está dizendo que o governo não tem proposta?
Se tem propostas, eu não as conheço.

Há uma nova versão do 'nós contra eles'?
Eles construíram nos últimos anos o 'nós contra eles'. Nós, liberais, contra os comunistas. O discurso de Bolsonaro foi esse. Para eles, essa disputa do mal contra o bem, do sim contra o não, do quente contra o frio é o que alimenta a relação com parte da sociedade. Só que agora eles venceram as eleições. E, em um país democrático, não é essa ruptura proposta que vai resolver o problema. O Brasil não ganha nada trabalhando nos extremos.

Temos um desgoverno?
As pessoas precisam da reforma da Previdência e, também, que o governo volte a funcionar. Nós temos uma ilha de governo com o Paulo Guedes. Tirando ali, você tem pouca coisa. Ou pouca coisa pública. Nós sabemos onde estão os problemas. Um governo de direita deveria estar fazendo não apenas o enfrentamento nas redes sociais sobre se o comunismo acabou ou não, mas deveria dizer: "No lugar do Minha Casa, Minha Vida, para habitação popular nós estamos pensando isso; para saneamento, nós estamos pensando aquilo".

O presidente minimizou a crise dizendo que vai conversar com o sr. e que tudo é como uma briga no namoro. O que achou?
Se o presidente não falar comigo até o fim do mandato, não tem problema. Não preciso falar com ele. O problema é que ele precisa conseguir várias namoradas no Congresso, são os outros 307 votos que ele precisa conseguir. Eu já sou a favor. Ele pode me deixar para o fim da fila.

E por que o sr. entrou em um embate com o ministro da Justiça, Sérgio Moro, por causa do pacote anticrime?
Certamente, conheço a Câmara muito melhor do que o ministro Moro. E sei como eu posso ajudar o projeto sem atrapalhar a Previdência. O que me incomodou? O ministro passou da fronteira. Até acho que em uma palavra ou outra me excedi, mas, na média, coloquei a posição da Câmara. O governo quer fazer a nova política. Nós queremos participar da nova política.

Há quem diga que a Câmara não quer dar protagonismo a Moro porque ele foi juiz da Lava Jato, algoz de políticos...
Ele foi um ótimo juiz, teve um papel fundamental. Foi um juiz que se preparou para investigar corrupção e lavagem de dinheiro. E fez isso muito bem. Agora, o protagonismo é dos deputados. Isso é óbvio. Nós é que vamos votar.

A prisão do ex- presidente Michel Temer e do ex-ministro Moreira Franco serviu para tumultuar ainda mais o ambiente político para a votação da reforma?
Eu não acho. Agora, quando você tem um problema desse, ele (Bolsonaro) vincula logo à política, ao desgaste do Parlamento. Isso é ruim. As instituições precisam funcionar. Uns gostam da decisão, outros não. Mas ela precisa ser respeitada e aquele que se sentir prejudicado por uma decisão da Justiça tem o poder de recorrer.

Deputados e senadores do PSL, partido do presidente, comemoraram a prisão e atacaram o MDB. Isso também pode ser um problema?
O PSL saiu do zero, foi ao topo muito rápido e acho que ainda falta uma capacidade de articulação interna. Na hora de votar, eles vão ver que precisam do voto do MDB. O problema do ex-presidente é do ex-presidente. É óbvio que contamina o MDB de alguma forma, mas não vamos transformar isso num problema de todos. Vamos deixá-lo responder porque ninguém pode ser pré-condenado. Vamos ter paciência. Não se pode abrir mão de nenhum partido para aprovar a reforma da Previdência. Uma reforma, para ser aprovada, precisa ter uma margem de 350 votos.

E ainda há muita resistência em relação à proposta enviada para os militares...
Os militares têm razão quando falam que foram muitos prejudicados desde os anos 2000. O momento não é simples. Na hora que acalmar essa semana política vai se começar um debate do que é o projeto de lei dos militares. Acho que vai ter mais conflito que a emenda constitucional, mas a gente vai precisar enfrentar porque eles garantem a soberania nacional. Vai ter resistência, mas não podemos jogar no mar a proposta.

Por que o DEM, com três ministérios no governo, até hoje não entrou formalmente na base aliada?
É porque, para o DEM, como para todos os partidos, mais do que essa política que o presidente acha que é prioridade, que são as nomeações, a prioridade é conhecer qual é o projeto do governo. E aí você vai projetar 2022 ou 2032, dizendo "esse projeto para o Brasil vai dar certo, vai reduzir a extrema pobreza de 15 milhões para 5 milhões, o desemprego vai cair de 12 milhões para 5 milhões, a economia vai crescer 5% nos próximos anos". Tirando algumas ilhas, como o Paulo Guedes, a Tereza Cristina (ministra da Agricultura, filiada ao DEM), está faltando, de fato, a gente compreender qual é a política.

O deputado Eduardo Bolsonaro disse que em algum momento será necessário o uso da força para tirar o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, do poder. O sr. concorda?
Respeito o deputado Eduardo Bolsonaro, que é presidente da Comissão de Relações Exteriores, mas acho que a interferência de outros países na Venezuela não é o melhor caminho e que essa não é a posição dos ministros militares do governo. Nós estamos com a estrutura das Forças Armadas desabastecida. Vamos dizer que alguns concordem com isso. O Brasil não tem nem condições de segurar 24 horas de confronto com a Venezuela.

O sr. acha que Bolsonaro deve enquadrar os filhos?
Tenho dificuldade de falar como o presidente deve tratar os filhos dele. Eu sei como tratar os meus.


O Globo: Atritos acontecem porque alguns não querem largar velha política, diz Bolsonaro

No Chile, presidente não cita diretamente Rodrigo Maia, que o criticou neste sábado, mas fala de desentendimento e defende reforma da Previdência

Janaína Figueiredo

SANTIAGO — Em café da manhã com representantes da Sociedade de Fomento Fabril (Sofofa) do Chile, com a polêmica envolvendo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), dominando a agenda política local , o presidente Jair Bolsonaro (PSL) assegurou que "os atritos que acontecem no momento, mesmo estando calado fora do Brasil, acontecem na política lá dentro porque alguns, não são todos, não querem largar a velha política".

Bolsonaro tentou transmitir otimismo aos empresários chilenos e em momento algum mencionou especificamente seu conflito com Maia:

— Acredito no Brasil e temos chance, sim, de sair dessa situação que nos encontramos com as reformas e a primeira delas, a mais importante, é essa da Previdência.

Em Brasília, nas últimas horas Maia fez duras críticas a Bolsonaro e questionou sua “falta de compromisso” com a reforma da Previdência. Questionado sobre a declaração de Bolsonaro comparando o episódio a um namoro , Maia reafirmou ter convicção da necessidade da reforma e que Bolsonaro precisa parar de falar contra a reforma.

— Não preciso namorar, conversar, tomar café, eu tenho convicção da matéria. O presidente nunca teve. Que bom que esteja construída essa convicção. Agora, ele precisa ter convicção, precisa parar de falar que ele é contra a reforma da Previdência, isso atrapalha, gera insegurança — disse o presidente da Câmara neste sábado.

Em Santiago, o presidente apostou por um discurso conciliador, mas voltou a atacar o que chama de “velha política”.

— Nós temos que dar certo. Não é um plano meu, é um plano do Brasil. Não temos outra alternativa a não ser fazermos essas reformas... Venho aqui com uma mensagem de fé, esperança, do coração. Podemos sair dessa situação — assegurou Bolsonaro.

Entusiasmado com o passeio que realizou na última sexta-feira no shopping Alto Las Condes, numa região nobre da capital chilena, o presidente mostrou-se de bom humor e fez até uma brincadeira:

— Será que não posso me naturalizar para me candidatar a presidente.

Ao explicar a delicada situação econômica brasileira, Bolsonaro comentou que a dívida do governo federal é de R$ 4 trilhões e que o governo gasta anualmente meio trilhão de reais com juros e encargos da dívida.

— Dada essa situação que nos encontramos é que acreditamos que o Parlamento vai aprovar as reformas. Obviamente com algumas alterações — ampliou o presidente.

Bolsonaro contou aos empresários que “a equipe econômica trabalha numa forma de desburocratizar a economia, desregulamentar muita coisa, tenho dito que na questão trabalhista devemos beirar a informalidade. Nossa mão de obra é uma das mais caras do mundo”.


Míriam Leitão: Sustos na tramitação da reforma

Há várias pedras no caminho da reforma da Previdência. A prisão do ex-presidente Temer criou um novo foco de tensão. Existem outros. O PSL rejeita a criatura que o seu governo enviou. As brigas com o presidente da Câmara elevam a incerteza sobre o tempo de tramitação, que ainda nem começou. A reforma dos militares, enviada junto com um pacote de bondades para as Forças Armadas, deu mais um argumento contra o projeto.

O ponto que tanto pesou na bolsa de valores nos últimos dois dias pode nem perdurar muito. Se Temer receber um habeas corpus no curto prazo, a tensão diminuirá. O que realmente preocupa na reforma são todos os sinais dados esta semana pela base parlamentar e que se tornaram piores com a divulgação do projeto da previdência dos militares.

A dúvida é por que o governo enviou tudo junto: mudança das pensões e aposentadorias e o aumento dos rendimentos dos militares. O secretário de Previdência, Leonardo Rolim, me disse, numa entrevista que foi ontem ao ar na Globonews, que os dois assuntos estão juntos em cinco leis que estão sendo alteradas:

— Seria muito difícil alterar as mesmas leis em um momento, da parte da inatividade e pensões, e não alterar na parte das carreiras.

Isso é verdade do ponto de vista formal. Mas está sendo feito agora porque foi uma promessa de campanha do presidente Bolsonaro. Quando o assunto é soldo, as Forças Armadas são um pote até aqui de mágoa. Culpam o governo Fernando Henrique, que acabou com a promoção ao entrar na inatividade e estabeleceu que os que entrassem no contingente a partir de 2001 não teriam o direito de deixar pensão para as filhas. O benefício continuou para quem já era militar. Foram duas mudanças normais, mas eles a consideram ultrajantes. O que realmente eles têm razão é o que aconteceu nos governos seguintes:

— As reestruturações feitas nos últimos governos aumentaram substancialmente a remuneração dos civis. Não foram todas as carreiras, é bom deixar isso bem claro. São as de elite, como a minha, de consultor da Câmara, como a do Bruno Bianco, advogado da União, procuradores, auditores fiscais, gestores governamentais. Nelas, todos chegam ao topo, o que não acontece nas Forças Armadas. E chegam muito rápido. Os salários dos civis deviam aumentar mais devagar e respeitar mais a meritocracia.

Isso de fato criou defasagem entre servidores civis e militares. O problema nessa área é entender do que eles estão falando. Na apresentação da reforma da Previdência, feita há um mês, o Ministério da Economia divulgou uma tabela com déficit militar de R$ 20 bilhões. Os jornalistas estranharam o número, que estava subestimado. Eles explicaram que falavam apenas das pensões, porque o pagamento aos inativos não seria déficit da Previdência, dado que militar não se aposenta, mas entra para a reserva remunerada. É triste ver a equipe econômica capturada por esse eufemismo que distorce as contas. O ministro Paulo Guedes falou que o sistema seria superavitário. E não será. Não com essa reforma.

O secretário Rolim contou que no fim de abril será feita uma avaliação atuarial do regime dos civis e dos militares.

— Dentro de alguns anos estará sim equilibrado o sistema de pensões — afirmou.

Ele está se referindo apenas parcialmente ao déficit que hoje é de R$ 43 bilhões. Isso aumenta os ruídos de uma área cheia de números conflitantes.

A reforma dos militares e o aumento de R$ 87 bilhões em 10 anos no custo dos soldos e aposentadorias é um fator a mais num ambiente já conflagrado. Esta semana o líder do PSL no Senado, Major Olímpio, duvidou do déficit apresentado pela própria equipe econômica, e o líder do PSL na Câmara, Delegado Waldir, disse que a reforma dos militares é um “abacaxi”. O presidente da CCJ, Felipe Francischini, também do PSL, disse que só escolherá o relator depois que o ministro Paulo Guedes explicar a proposta das Forças Armadas.

Este governo não precisa de inimigos. Bastam o presidente, seus aliados e os filhos. Carlos Bolsonaro disparou contra Rodrigo Maia, que já estava ofendido pelas frequentes falas enviesadas do próprio presidente sobre os conselhos para que ele melhore a articulação política. Bolsonaro faz crer que isso é pedido da “velha política”.

Com tudo isso, a prisão de Temer não é o problema da Previdência. O que mais ameaça a tramitação da reforma é o governo mesmo que a encaminhou.

(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)


Bruno Boghossian: Com popularidade em queda, Bolsonaro perde tração no Congresso

Presidente queria força da rua para driblar políticos, mas pode ficar emparedado

Celebrado pelo clã Bolsonaro, o estrategista Steve Bannon define o populismo como um modo de governar que se aproxima do povo para driblar as elites políticas. “Populismo é basicamente garantir que a classe média e a classe trabalhadora terão um lugar à mesa”, disse, em entrevista recente à Folha.

Os números da última pesquisa do Ibope indicam que o presidente brasileiro perdeu pontos fora dos palácios. A popularidade de Jair Bolsonaro caiu de 49% para 34% em pouco mais de dois meses de mandato. O tombo foi grande em diversos grupos e mais forte em segmentos de renda baixa e intermediária.

Um de cada três brasileiros de classe média que consideravam o governo ótimo ou bom mudou de ideia. Em janeiro, Bolsonaro tinha apoio de 53% na faixa de renda de 2 a 5 salários mínimos. Agora, são 35%. Na fatia mais pobre da população, o índice caiu de 41% para 29%.

A desidratação é relevante porque esses grupos são numerosos (só 8% da população pesquisada recebe mais de 5 salários) e ajudaram Bolsonaro a expandir seu eleitorado para chegar à Presidência. Os mais ricos aderiram cedo à campanha do então deputado. Ele só conquistou maioria ao cativar outros segmentos.

Nos primeiros meses de governo, o discurso de Bolsonaro ficou concentrado em seu núcleo de apoiadores mais fiéis. O presidente dobrou a aposta em temas de costumes —que soam bem em muitas faixas da população, mas podem frustrar quem aposta na recuperação da economia e na redução da violência.

É cedo para esperar resultados concretos nessas áreas. É natural, porém, que cidadãos de renda baixa ou média fiquem incomodados mais cedo que os brasileiros mais ricos.

Assim como Bannon, o presidente contava com o apoio popular para tratorar as resistências dos caciques do Congresso a seu governo. Se não recuperar pontos nas ruas, ele corre o risco de ficar emparedado no momento em que precisa defender de viva voz um tema impopular como a reforma da Previdência.


Míriam Leitão: Curto-circuito na reforma

Militares quiseram fazer a reforma e corrigir salários ao mesmo tempo e conseguiram elevar o ruído em torno da Previdência

A mudança nas pensões e aposentadorias dos militares chegou com tantos bônus que elevou o ruído em torno da reforma da Previdência. Ficou mais difícil aprová-la a partir de agora. É impossível explicar que, a esta altura, o governo dê um aumento tão grande nos soldos. Se o gasto médio anual será de R$ 8,6 bilhões, o que está acontecendo é uma elevação de cerca de 34% no custo da folha dos militares da ativa, que hoje é de R$ 25 bilhões.

As Forças Armadas têm razão quando dizem que criou-se uma defasagem nos últimos anos entre a carreira militar e outras do setor público. Eles perderam na época de Fernando Henrique. No período petista houve muito aumento para algumas carreiras, muitos concursos em que os funcionários de todos os poderes progrediam rapidamente e passavam a altos salários. Por isso o ministro Paulo Guedes se referiu ao fato de que um servidor civil com poucos anos de trabalho, dependendo do setor, pode ganhar mais que um general.

As queixas salariais represadas estouraram quando o ex-presidente Michel Temer apresentou sua proposta. Os militares exigiram ficar de fora e formular eles mesmos uma reforma e junto fazer uma reestruturação da carreira. Seria apresentada depois da aprovação do projeto de Temer que, contudo, nunca foi a plenário. As regras foram decididas dentro das Forças Armadas. À equipe econômica coube engolir e justificar algo que desafina completamente com tudo o que vem sendo dito pelo ministro Paulo Guedes. Ontem ele afirmou que a previdência dos militares será superavitária após a reforma. Não será, evidentemente. Hoje o rombo é de R$ 40 bilhões. O déficit real é menor porque não há contribuição patronal. Mesmo assim, o ganho médio de R$ 1 bi por ano não resolve o buraco.

O subsecretário Bruno Bianco repetiu ontem várias vezes que a reforma e a reestruturação foram anunciadas juntas por uma questão de transparência. Não foi isso. É que os comandantes militares entenderam que esta era a melhor oportunidade. Eles cederiam em alguns pontos e, ao mesmo tempo, corrigiriam o que enxergam como injustiça.

Os militares continuarão com vantagens que já estão caindo para todos os funcionários públicos e nunca existiram para os outros trabalhadores, como a paridade e a integralidade. Ou seja, vão se aposentar com o mesmo salário e na reserva receberão todos os reajustes que forem dados para os da ativa. Quando passarem para a reserva receberão uma gratificação de oito meses de salário. Antes eram quatro. Quando fizerem cursos continuarão tendo direito ao adicional de habilitação, só que os percentuais subiram. Para os oficiais superiores, sai de 30% para 73%.

Passarão a ter direito a outro adicional, o de disponibilidade. O argumento para justificar esse novo benefício é que eles quando vão para a reserva continuam à disposição do serviço militar, que pode chamá-los a qualquer momento. Pode até ser que sejam convocados, mas é raro. Imagina só o exemplo do capitão Jair Bolsonaro. Ao ir para a reserva, aos 33 anos, ele continuou ganhando o salário de capitão que, depois, acumulou com o que ganhava como vereador, deputado e agora presidente. E desde então nunca foi chamado para qualquer serviço extra. Este é apenas um exemplo que mostra que quando estão aposentados eles podem executar outros trabalhos e por eles são remunerados. Como agora acontece com os muitos assessores que povoam o governo.

Os militares não têm direitos de outros trabalhadores, como hora extra, adicional noturno, FGTS. Se fosse pagar, pela conta do general Eduardo Garrido Alves, seria um custo de R$ 20 bilhões para a União. Mesmo assim, a superposição de vantagens, adicionais, correções, tratamentos diferenciados pareceu ontem demasiada.

Até o PSL já começa a se afastar da reforma. Basta ver o que aconteceu na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado (CAE), na última terça-feira. O senador Major Olímpio defendeu que o déficit previdenciário não existe e elogiou os petistas Paulo Paim e Ricardo Berzoini. Ele dizia isso no governo Temer. Só que agora ele é do partido do presidente e líder no Senado.

Ontem foi um dia ruim para a reforma da Previdência. Existem distorções no ganho dos militares, mas a correção a esta hora, e neste nível, pareceu totalmente sem sentido.