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Adriana Fernandes: Negociação pelo Refis é a mais nova batalha da equipe econômica

Se no auxílio pesava o lado dos pobres na balança, agora no Refis, é o peso empresarial que vai mostrar a sua força

A negociação do novo parcelamento de débitos tributários é a mais nova batalha no campo econômico em Brasília após a votação da PEC do auxílio emergencial em conjunto a um grupo de medidas fiscais.

A aprovação de um projeto de parcelamento de dívidas tributárias já estava devidamente contratada no Congresso desde 2020, mas o Ministério da Economia vinha segurando o seu avanço para não perder o controle e abrir uma brecha para uma renegociação ampla.

O problema para Guedes é que a pandemia piorou e a pressão ganhou um reforço de peso do presidente do SenadoRodrigo Pacheco.

A hora chegou. 

Logo depois da sua eleição, no início de fevereiro, Pacheco já havia pedido o Refis ao ministro. Guedes respondeu que seria melhor esperar a reforma tributária e começou a discutir uma ampliação do programa aberto de transação tributária, que prevê negociação direta com os contribuintes com base na capacidade de pagamento.

Não resolveu. Com a PEC aprovada, não está dando mais para segurar a pressão pelo Refis que sempre aparece pelo menos a cada três anos nas últimas duas décadas.

A reforma tributária não vai andar como se fala oficialmente (muitos parlamentares nem acreditam nela até 2022) e o Refis é hoje considerado mais importante para o cenário atual de pandemia e queda do PIB, como aconteceu com o auxílio emergencial, que não pode esperar a ampliação prometida do programa Bolsa Família.

Fernando Bezerra, líder do governo no Senado, foi escalado por Pacheco para ser o relator e o diálogo foi aberto nessa semana. De partida, Guedes quer limitar o Refis a débitos de 2020 e à lista de setores mais afetados.

Botou seus limites para iniciar as negociações. O posicionamento do ministro é uma tentativa de freio de arrumação muito semelhante às contrapartidas fiscais buscadas na PEC, mas, quando a discussão no Congresso esquentar, o negócio é outro com o Centrão em peso querendo o Refis. O Senado quer uma tramitação rápida para votação direta no plenário.

A questão é que tipo de Refis vai sair do Congresso? A dificuldade maior no Brasil é que foram tantos os programas especiais de parcelamento de débito (levantamento da Receita Federal aponta um total de 40 desde 2000) que se acabou criando por aqui o fenômeno do contribuinte “devedor contumaz”, aquele que deixa de pagar os tributos sempre à espreita do próximo. 

Para a Receita, que tem que arrecadar e financiar as despesas, esse é o pior dos mundos. Os Refis constantes também desestimulam o contribuinte que paga em dia. A publicação pelo Estadão nesta sexta-feira de reportagem sobre as negociações em curso para o Refis gerou esperança para muitos empresários, que estão esperando o programa, mas também críticas de que o Congresso está penalizado os que pagaram os tributos em dia, em prol de “caloteiros”, reforçando uma concorrência desleal.

Esse tipo de posicionamento mostra o tanto que os sucessivos Refis foram nocivos para o País e quanto o assunto é sensível. Agora, que a crise maltrata o setor produtivo e as pessoas físicas que perderam renda, argumentos desse tipo não fazem muito sentido.

É por essa razão que mais do nunca é importante impor limites que impeçam que o novo programa abarque o parcelamento de dívidas passadas que nada tem a ver com a pandemia permitindo mais “boiadas” na área tributária, como foi a confirmação pelo Congresso esta semana do perdão da dívida das igrejas ao isentá-las do pagamento da CSLL. Uma renúncia de R$ 1,4 bilhão com aval do presidente Jair Bolsonaro.

O dilema mais uma vez é a situação de fragilidade das contas públicas. Com a movimentação, que antecipa mais uma queda de braço entre o mundo político e a equipe econômica, o novo Refis já entrou ontem no radar do mercado financeiro como mais um risco fiscal a ser monitorado. Se no auxílio, o outro lado da balança era o mais fraco, os pobres, agora no Refis, é o peso empresarial que vai mostrar a sua força. 

Não por acaso o assunto de ponta entre os especialistas em contas públicas, que estão pensando na fase pós-covid-19, é justamente a necessidade de aumento dos impostos - tema hoje travado no debate nacional. Na Webinar do Estadão e do Ibre-FGV desta semana, a avaliação dos economistas é que ele vai voltar mais cedo ou mais tarde. Vale muito conferir o debate.


Míriam Leitão: Refis beneficia os maus pagadores do país

A novela do projeto de ajuda aos devedores de impostos chegou ao fim ontem quando o Refis foi aprovado no Senado e agora vai para a sanção. Neste meio tempo, o que ficou claro é que o governo nem deveria ter mandado uma proposta assim numa hora destas. Na Câmara, o projeto foi tão desvirtuado que ontem na Fazenda não se sabia ao certo o quanto vai se arrecadar.

O ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel acha que o projeto de renegociação de dívidas é ruim desde o seu início. Não deveria nem ter sido proposto pela Fazenda. Maciel avalia que o Congresso tem desvirtuado grande parte dos textos enviados pelo Executivo e desta vez não foi diferente. Ele foi o autor do primeiro Refis da era do real, no ano 2000, logo após a desvalorização da moeda, e diz que esta proposta nem deveria receber esse nome.

— Refis foi só o primeiro. Isso que foi aprovado não deveria nem ser chamado assim. No meu projeto, houve parcelamento de dívidas. Neste, há parcelamento e desconto de dívidas. Nunca existiu os dois ao mesmo tempo. O risco moral é muito alto porque mais uma vez o empresário que não paga será beneficiado, e o governo perderá receita futura — afirmou.

O governo apresenta o dado de quanto ele vai arrecadar, mas isso esconde o quanto ele vai deixar de arrecadar. Todo refis é renúncia fiscal. O governo informa aos devedores que eles terão novos prazos e, agora, também descontos. E o pior é que a Câmara escalou essa benesse e transformou uma redução em praticamente perdão de juros e multa.

O senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), relator do projeto no Senado, reduziu alguns dos problemas. Ele é contra as renegociações de dívida, mas pondera que neste momento de crise a proposta se justifica. Argumenta que a recessão derrubou a arrecadação das empresas, que tiveram que optar entre pagar impostos ou folha de salários e fornecedores:

A recessão foi muito forte e muitas empresas não tiveram escolha. Entre pagar salário e imposto, elas pagaram salários, o que é o correto. Agora, elas precisam se regularizar, para terem novamente todas as certidões negativas e terem acesso ao mercado de crédito. Isso vai ajudar na recuperação e na própria arrecadação do governo.

Ainda assim, Oliveira admite que não é possível para o governo separar quem são os empresários honestos que sofreram os efeitos da crise — que ele acredita serem mais de 90% — dos maus empresários que já apostavam em um projeto de renegociação. Por isso, quer encaminhar uma proposta ao Congresso para impedir que novos Refis sejam aprovados no país pelos próximos 10 anos e que se coloquem normas e regras para a sua implementação.

— Temos que acabar com isso e estabelecer os critérios que podem levar a uma renegociação de dívida, como por exemplo, uma crise longa e profunda como a atual. No Senado, conseguimos impedir vários pontos que foram alterados na Câmara, que levariam a perdas muito maiores para o governo. Se esses artigos não saíssem, eu deixaria a MP caducar — disse.

As principais mudanças em relação ao projeto original, explica Oliveira, são que o desconto total da multa, que antes era de 50%, subiu para 90%. Já o desconto nos juros saltou de 20% para 70%. Uma aberração incluída pelo relator na Câmara, Newton Cardoso Jr., foi retirada na própria Câmara: a que beneficiaria empresas e empresários flagrados em crimes de corrupção. No Senado, caiu a isenção às igrejas e escolas vocacionais do pagamento de contribuição social.

Em São Paulo, o ministro da Fazenda estimou que as perdas com o projeto ficarão em torno de R$ 3 bilhões, mas os técnicos do Ministério falam em uma perda muito maior. Ataídes Oliveira acha que o governo conseguirá arrecadar algo em torno de R$ 9 bilhões este ano. A Fazenda ainda vai analisar o projeto aprovado para recomendar ao presidente a sanção integral ou com vetos.

Agora há pouco a fazer. Projetos como este são um presente para o mau pagador e um aviso aos contribuintes de que leva vantagem quem não paga. Na quarta-feira da semana que vem, dia 11, o Orçamento revisado vai para o Congresso e poderá se saber o quanto caiu em relação à expectativa original de receita. O que nunca se saberá é quanto custou ao país o perdão a quem não pagou seus impostos.