Raquel Dodge

Míriam Leitão: MP vai combater em duas frentes 

 

A gestão de Raquel Dodge terá preocupação com direitos humanos, desmonte da Funai, minorias e meio ambiente. E manterá o combate à corrupção, ou a “depuração do país”, como a nova procuradora-geral disse. Assuntos que estavam fora do foco passarão a ter. “Mesmo que nossa ação não tenha destaque na imprensa, nós olharemos para estes temas”, promete o vice-procurador-geral, Luciano Mariz Maia.

Aposse foi marcada pelo conflito explícito entre as duas lideranças do Ministério Público, mas a transição foi tranquila, disseram fontes dos dois lados. Procuradores ligados a Janot e ligados a Raquel contam que o clima no grupo de transição, que trabalhou nos últimos dias, foi colaborativo, mas nenhuma informação sigilosa da Lava-Jato foi passada:

— Ela dizia que só seria a procuradora-geral quando fosse a procuradora-geral. E, enquanto isso, ela só poderia ter acesso a informações sigilosas por decisão judicial. Como não houve, nem ela pediu, só agora é que começaremos a tomar conhecimento dos assuntos — disse um dos seus assessores diretos.

Além do mais, havia uma preocupação entre assessores da nova procuradora: se ficassem a par de tudo antes, as confusões de uma gestão poderiam contaminar a outra. Há uma impressão entre o grupo da procuradora-geral de que haverá daqui para a frente menos eventos na Lava-Jato. Mas não é verdade, segundo dizem alguns procuradores que lidam com o tema. Ainda há muito a se revelar e muitas providências para serem tomadas. Assessores do ex-procurador-geral Rodrigo Janot negam que houve correria no fim do mandato para enviar a segunda denúcia, apenas uma decisão coerente:

— Os quatro processos — do PT, PP, PMDB do Senado e PMDB Câmara — devem ser lidos juntos, porque são, na verdade, os mesmos delitos. Por isso Janot precisava enviar a denúncia contra o PMDB da Câmara antes de sair, para fechar esse ciclo — disse um assessor do ex-procurador-geral.

Por que Janot não foi? Essa era uma pergunta frequente entre as mais de 600 pessoas presentes na posse da nova procuradora-geral. Os dois lados admitem que Janot e Raquel nunca se entenderam, que houve brigas pessoais e diferenças fortes de estilo. Mas houve também complicadores. Todo o credenciamento ficou a cargo da presidência e era um funil ao qual Janot não queria se submeter. Se ele fosse, não estaria na mesa, apenas na plateia, em algum ponto de destaque longe o suficiente do seu duplamente denunciado Michel Temer.

Raquel Dodge estava na Procuradoria-Geral dos Direitos Humanos quando houve um esforço forte no combate ao trabalho escravo. Sua atuação provocou um recuo da prática e punição aos culpados, como, por exemplo, no processo que condenou o ex-presidente da Câmara Inocêncio Oliveira. Raquel Dodge estava no comando da Operação Caixa de Pandora, primeira operação de combate à corrupção a prender um político no exercício do cargo, o ex-governador do Distrito Federal José Roberto Arruda.

O que ela quer é permanecer no esforço da Lava-Jato e ao mesmo tempo abrir o leque das outras questões que na visão do seu grupo foram deixadas de lado. É isso que ela quis dizer quando afirmou no discurso que o Ministério Público tem “a obrigação de exercer com igual ênfase a função criminal e a de defesa dos direitos humanos”. Fontes da Lava-Jato garantem que não há preocupação de que a gestão dela reduza o combate à corrupção. Mas só um integrante da Força-Tarefa de Curitiba esteve presente ontem na posse.

Seja como for, em qualquer das duas áreas, o MP terá que confrontar o presidente Temer. Na área criminal, ele é hoje um denunciado pelo Ministério Público. Nas outras questões, o governo Temer tem sido marcado por ameaças ao meio ambiente, como a desafetação da Floresta de Jamanxin, por nomeações polêmicas para a direção da Funai. “É a maior agência de proteção dos direitos dos indígenas no mundo”, define o vice-procurador-geral.

A nova procuradora-geral será mais discreta em tudo, falará menos com a imprensa, terá menos frases-flecha, tem uma equipe mais fechada. Mas é impossível fazer com discrição o trabalho de “depuração” de um país, por isso suas ações acabarão tendo repercussão. Portanto, não haverá paz entre Ministério Público e o governo Temer.

 


Merval Pereira: Uma questão de estilo? 

A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, além de ser a primeira mulher a ocupar o cargo, terá de enfrentar a tarefa a que, aparentemente, se dispôs: de substituir o estilo frenético, digamos assim, do procurador Rodrigo Janot por um mais sóbrio, mas que não deixe preocupada a sociedade em relação ao futuro do combate à corrupção no país.

Chamou atenção, por exemplo, o fato de Raquel Dodge não ter tocado na Operação Lava-Jato em seu discurso de posse na Procuradoria-Geral da República, embora tenha reafirmado a disposição de combater a corrupção. Isso quer dizer que ela não pretende, como fazia Janot, e também a força-tarefa de Curitiba, dar protagonismo à Operação Lava-Jato, que não comandará diretamente.

Encarregou um auxiliar de fazê-lo, como se mandasse um recado a seus subordinados: a Procuradoria-Geral da República tem vários outros objetos de trabalho, entre eles a defesa dos direitos humanos das minorias, como os indígenas. Muitos estarão, a essa altura, achando que essa é uma postura que pode levar ao arrefecimento da Lava-Jato, mas só os fatos poderão mostrar qual caminho Raquel Dodge escolheu. Nada no seu passado indica leniência com a corrupção.

Num momento em que no Congresso articula-se mais uma ação contra a Lava-Jato, desta vez mais organizada, com uma CPI supostamente sobre a JBS, mas que, na verdade, quer utilizar-se das trapalhadas da delação premiada de Joesley Batista e companhia para restringir as delações premiadas, a nova procuradorageral vai ter que ser firme na manutenção do objetivo central do combate à corrupção. É difícil que ela mude o rumo das investigações. Pode ser que não dê a prioridade máxima à operação — que já está numa fase de menos investigações e maior dependência do STF, mas isso não pode significar mudança de rumo, só de estilo.

As operações nos estados, especialmente Rio e São Paulo, e em Brasília estão ganhando mais relevância. O próprio Rodrigo Janot já tinha admitido que se podia vislumbrar o final da Lava-Jato. Ele contou, recentemente, que uma deputada italiana, com quem conversou, o aconselhou a estabelecer um fim oficial das investigações, antes que uma “mão externa” o fizesse, por ser inevitável que as reações às investigações em algum momento conseguissem barrá-las com ações políticas.

É o que já está acontecendo, com uma ação orquestrada no Legislativo para frear a Lava-Jato, e no Judiciário, com a tendência a reverter a decisão do Supremo de permitir a prisão de condenados na 2ª instância. A parte mais relevante hoje da Lava-Jato está no STF, dos envolvidos com foro privilegiado, e se espalhou em outros foros por não ter relação com a Petrobras.

Quanto mais as investigações e denúncias chegam perto de parlamentares, mais a reação aumenta. E há ações cíveis contra partidos políticos que estão pendentes, e bancos podem vir a ser chamados a responder por prejuízos decorrentes de falhas dos sistemas de compliance, no Brasil e no exterior.

O ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot acha que a Lava-Jato não pode ser uma investigação permanente, “mesmo porque a sociedade brasileira e o Estado brasileiro não podem ficar reféns de uma investigação eterna”. A força-tarefa da Lava-Jato foi renovada por mais um ano, mas os problemas financeiros prejudicam as investigações, especialmente pela redução de quadros da Polícia Federal envolvidos.

Mas a PF alega que as investigações foram reduzidas em Curitiba e cresceram em outros estados. O mais provável é que a nova procuradora-geral não reveja as delações premiadas já aprovadas pela gestão anterior, mas os critérios serão outros com as novas delações pendentes. Questões administrativas certamente ganharão importância na nova gestão, como a aplicação da regra que ela propôs no Conselho Nacional. Entre outras inovações, a que limita em 10% o número de procuradores que uma unidade do Ministério Público Federal pode ceder para participar de investigações em outra unidade.

Isso atinge o cerne da Lava-Jato, que sempre contou com especialistas do MPF. Há também a ideia de estabelecer 4 anos como período máximo de um procurador permanecer numa missão, o que tiraria da Lava-Jato atores que atuam nela desde o primeiro momento. O grupo perderia seus líderes, e sua memória, como os Deltan Dallagnol e Carlos Fernando Sousa, que demonstram desânimo em certas ocasiões.

Será preciso compreender o que a procuradora-geral entende por “harmonia entre os poderes”, que tanto defendeu em seu discurso de posse diante de uma plateia de denunciados e investigados pela Lava-Jato, inclusive o próprio presidente Michel Temer.

 


PGR: Raquel Dodge assume compromisso de fortalecer funções constitucionais do MP brasileiro

Primeira mulher a assumir o cargo de procuradora-geral da República, ela disse que dará igual ênfase à função criminal e à defesa dos direitos humanos

A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, tomou posse nesta segunda-feira, 18 de setembro, como chefe do Ministério Público da União (MPU) e presidente do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), pelos próximos dois anos. Em seu discurso, ela se comprometeu a desempenhar com equilíbrio, firmeza, coragem e seriedade todas as funções atribuídas pela Constituição ao Ministério Público. Primeira mulher a ocupar esse cargo, Raquel Dodge pretende reforçar o combate à corrupção, a defesa de direitos humanos, constitucionais e do meio ambiente, valorizando todas as áreas de atuação do MPF. Ela garantiu que dará igual ênfase à função criminal e de defesa dos direitos humanos.

“Recebo com humildade o precioso legado de serviço à pátria, forjado pelos procuradores-gerais da República que me antecederam, certa de que o Ministério Público deve promover Justiça, defender a democracia, zelar pelo bem comum e pelo meio ambiente, assegurar a voz a quem não a tem e garantir que ninguém esteja acima da lei e que ninguém esteja abaixo da lei”, afirmou. Coube ao presidente Michel Temer dar posse à nova PGR, que integra o Ministério Público Federal há 30 anos. Ela foi nomeada para o cargo em 13 de julho pelo presidente, após ser eleita pelos membros do Ministério Público para integrar a lista tríplice encaminhada ao Executivo.

Ao tomar posse, ela enfatizou a importância de manter a harmonia entre as instituições da República e disse que seguirá com a tarefa iniciada pelos seus antecessores - alguns em momentos de paz e outros de intensa tempestade -, pois o povo brasileiro mantém a esperança de um país melhor. Segundo ela, a sociedade se preocupa com o futuro e não tolera mais corrupção, por isso acompanha as investigações e cobra resultados. “Temos o dever de cobrar dos que gerenciam o gasto público que o façam de modo honesto, eficiente e probo, ao ponto de restabelecer a confiança das pessoas nas instituições de governança”, ressaltou.

Para ela, zelar pelo bem comum é tarefa necessária que exige coragem, pois o país passa por um momento de depuração. Além do combate à corrupção, a nova PGR se comprometeu a fortalecer as demais frentes de atuação do Ministério Público, como fiscal da Constituição e das leis. Ela destacou ser fundamental combater a violência, as falhas na educação e no sistema de saúde, zelar pela dignidade humana, pelo direito dos índios e minorias, pela liberdade de religião e credo e pela higidez do sistema eleitoral, com o objetivo de assegurar um futuro de paz no país e entre nações.

“É preciso desempenhar bem todas estas funções, porque todas ainda são realmente necessárias. Para muitos brasileiros a situação continua difícil, pois estão expostos à violência e à insegurança pública, recebem serviços públicos precários, pagam impostos elevados, encontram obstáculos no acesso à Justiça, sofrem os efeitos da corrupção, têm dificuldade de se auto-organizar, mas ainda almejam um futuro de prosperidade e paz social”, ressaltou.

Para garantir o desempenho das funções constitucionais do Ministério Público, Raquel Dodge disse estar certa de que continuará contando com o apoio orçamentário e jurídico dos demais Poderes da República. Também reforçou que estará ao lado de cada membro do MP brasileiro no exercício das funções previstas na Constituição e que conta com o apoio deles e dos servidores do MP nessa missão. “Os desafios são muitos, não é possível dizer que será fácil, mas confirmo que os problemas serão encarados com seriedade, com fundamento na Constituição e nas leis”, concluiu.

O presidente Michel Temer disse estar honrado em dar posse à primeira mulher no cargo de PGR, sobretudo no momento em que outras mulheres também ocupam a chefia do Supremo Tribunal Federal (STF), do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da Advocacia Geral da União (AGU). "É uma honra poder dar posse a esta figura do mundo jurídico, pois nós todos sabemos dos atributos de sua vida profissional”, destacou. Temer reforçou alguns pontos do discurso de Raquel Dodge, como a harmonia entre os Poderes, entre os quais inclui o Ministério Público, e a importância das autoridades se submeterem ao cumprimento dos dispositivos legais. “O poder não é nosso, mas do povo”, frisou.

Participaram da cerimônia o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente do Senado, Eunício Oliveira e a presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, entre outras autoridades. Raquel Dodge assume o cargo após o encerramento do mandato de Rodrigo Janot, que exerceu a função desde setembro de 2013.

Nova gestão - Para integrar sua equipe, Raquel Dodge escolheu como vice-procurador-geral da República, o subprocurador-geral da República Luciano Mariz Maia, e como vice-procurador-geral eleitoral o também subprocurador-geral Humberto Jacques de Medeiros.

Para viabilizar o cumprimento das metas de trabalho de sua gestão, ela fará mudanças na estrutura do Gabinete. Uma delas é a criação de quatro secretarias: duas para tratar das funções penais originárias junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), uma para tratar de assuntos constitucionais e outra para Direitos Humanos e Defesa Coletiva. Outra mudança é a unificação das áreas de pesquisa, análise e perícias em uma única pasta. “Desse modo, daremos mais organicidade e prioridade ao trabalho, buscando intensificar a atuação nos tribunais superiores”, resumiu.

Raquel Dodge convidou para a equipe membros do Ministério Público que se destacam pela especialização jurídica, experiência profissional e conhecimento dos problemas do país. Foram escolhidos membros com atuação destacada em temas referentes a direitos humanos, meio ambiente, combate à corrupção, criminal, eleitoral, patrimônio público e cultural e cooperação internacional. Outra preocupação foi valorizar a participação feminina. Metade das principais funções da PGR será ocupada por mulheres. É o caso da Secretaria da Função Penal Originária no STF, que terá à frente a procuradora regional da República Raquel Branquinho ,e a Secretaria-Geral, chefiada pela procuradora da República Zani Cajueiro.

 

Confira o discurso de posse de Raquel Dodge


Lava Jato, porte de drogas e demarcações: o que pensa a nova procuradora-geral, Raquel Dodge?

Raquel Dodge assume nesta segunda-feira o comando do Ministério Público Federal, uma das instituições mais importantes e poderosas do país. Nomeada pelo presidente Michel Temer, ela vai substituir Rodrigo Janot como Procuradora-Geral da República (PGR) na condução das investigações da Lava Jato contra autoridades com foro privilegiado.

Mariana Schreiber
Da BBC Brasil em Brasília

Mas não só isso - além de combater a corrupção, a PGR pode realizar investigações e mover ações judiciais que envolvem as mais diversas áreas, como segurança pública, demarcação de terras indígena e consumo de drogas. E Dodge já declarou que dará igual prioridade para "a função criminal e a função de defesa de direitos humanos" do Ministério Público.

É de se esperar empenho para cumprir a promessa. Dodge vem sendo descrita como obstinada, disciplinada, centralizadora e, segundo resumiu o procurador Mário Lúcio Avelar ao jornal Folha de S.Paulo, um "trator para trabalhar".

Como a crise envolvendo a delação da JBS pode afetar o legado de Janot e o futuro da Lava Jato
No Ministério Público Federal desde 1987, seu trabalho mais notório foi à frente da Operação Caixa de Pandora, que revelou o chamado mensalão do DEM e levou à prisão do então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda.

E o que esperar agora da nova procuradora-geral? A BBC Brasil levantou declarações de Dodge em dez questões polêmicas para que você possa conhecer melhor a nova chefe do MPF.

1. Operação Lava Jato
Embora enfrente acusações de que teria sido escolhida por Temer para "frear" a Lava Jato, Dodge tem manifestado compromisso com a operação. Na semana passada, ela anunciou a criação de uma nova secretaria, de Função Penal Originária no STF, que cuidará dos processos criminais contra autoridades, abarcando o grupo de trabalho da Lava-Jato.

"A equipe será ampliada, porque novos fatos foram revelados e necessitam de uma atuação célere, para alcançar os resultados previstos na lei penal. A devolução das verbas públicas apropriadas ilicitamente, o desmantelamento dos esquemas de corrupção e a condenação penal são importantes objetivos em curso, que devem ter prioridade na atuação da PGR, para impedir a corrupção sistêmica e punir os responsáveis", já havia declarado em entrevista em junho ao jornal Estado de S.Paulo.

Em sua sabatina no Senado, Dodge destacou a independência dos procuradores da cada instância judicial para definir os rumos da investigação. No entanto, em meio às críticas quanto a supostos abusos na operação, defendeu que isso ocorra "sob o império do devido processo legal, com respeito aos limites impostos na legislação".

"De modo que a condução dos trabalhos será com base na prova, com base na lei, de forma serena, de forma tranquila, para que evitemos (…) o aviltamento da dignidade da pessoa humana", acrescentou.

2. Vazamentos em investigações sigilosas
Dodge afirmou ao jornal Valor Econômico e na sabatina do Senado que vai adotar novas medidas de controle interno do acesso às investigações, com objetivo de permitir rastrear eventuais vazamentos. Muitos políticos têm reclamado do suposto uso político dessas divulgações ilegais.

"Os vazamentos são impróprios, são incompatíveis com o devido processo legal, com o Estado democrático de direito, e é preciso adotar medidas internas que mantenham a credibilidade da nossa instituição", afirmou Dodge, aos senadores.

3. Condução coercitiva
Em sua sabatina no Senado, Dodge manifestou também "muita preocupação" com a aplicação da condução coercitiva, instrumento comumente usado pela operação Lava Jato para obrigar o investigado a comparecer para depor, mesmo que ele tenha o direito de ficar calado.

A principal controvérsia em torno desse mecanismo é que ele vem sendo usado pelo juiz Sergio Moro e outros magistrados sem uma prévia intimação do suspeito, como ocorreu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no ano passado.

Ao responder questionamento do senador Humberto Costa (PT-PE), Dodge disse que a condução coercitiva "deve ser utilizada sobretudo em relação a pessoas que se recusem a comparecer em juízo".

"Eu tenho muita preocupação com esse assunto, sobretudo para que não haja a exposição pública da pessoa investigada", afirmou.

4. Delação premiada
Dodge tem defendido a importância da delação premiada como instrumento "poderoso" para facilitar investigações contra organizações criminosas. Ela costuma destacar, porém, que o acordo de delação só deve trazer benefícios penais (redução da pena), sendo mantidas as sanções para reparação de dano (por exemplo, devolução de valores desviados).

"A lei penal exige reparação integral do dano e devolução total das verbas públicas apropriadas e desviadas ilicitamente", disse em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, em junho.

A nova procuradora também destacou, em recente conversa com o jornal Valor Econômico, a importância de manter "a proporcionalidade entre os ganhos para a população e o benefício que está sendo deferido (ao delator)".

Janot tem recebido críticas de que o acordo com executivos da JBS, que delataram suposta propina ao presidente Michel Temer, teria sido muito benevolente, já que os executivos não cumprirão qualquer pena de prisão, mesmo que por tempo curto. Dodge, porém, tem se esquivado de comentar esse acordo específico.

Na sabatina do Senado, disse apenas que há previsão legal para que acordos de delação sejam revistos "quando o colaborador não cumpre a sua parte nesse acordo".
"Essa é uma possibilidade que está sempre na mesa na perspectiva de que há uma previsão legal expressa em relação a isso", afirmou.

5. Redução da maioridade penal
Dodge se posicionou contra a redução da maioridade penal em 2013, ao representar o Ministério Público Federal em debate sobre o tema na Comissão de Constituição e Justiça do Senado.

A procuradora argumentou que a Constituição proíbe que o Congresso aprove alterações no texto constitucional com objetivo de "abolir direitos e garantias individuais".

Dessa forma, disse ela, seria inconstitucional reduzir a maioridade penal e retirar o direito dos menos de 18 anos de não serem punidos penalmente.

"Reduzir a maioridade penal não garantirá o fim da criminalidade. É preciso garantir que os adultos por trás dos atos desses jovens sejam punidos com rigor", defendeu na ocasião.

6. Melhorar distinção de usuários e traficantes de drogas
Em diversas ocasiões, Dodge tem criticado o fato de pessoas pegas com pequenas porções de drogas receberem penas de prisão tão ou mais graves do que aquelas detidas com grades quantidades. Segundo ela, estudos do MPF apontam uma recorrência desse problema.

A procuradora defende que sejam adotados critérios mais claros para diferenciar usuários de drogas e pequenos e grandes traficantes. O enquadramento de pessoas com pequenas quantidades de entorpecentes como traficantes têm sido o principal fator a impulsionar o aumento da população carcerária no país.

"Pessoas apreendidas com três gramas de maconha receberam do Tribunal de Justiça a mesma pena, de 3 a 7 anos, que foi dada a quem traficava uma tonelada", destacou Dodge em 2015, durante debate promovido pela ONU sobre drogas e superpopulação carcerária no Brasil.

No ano passado, em evento na Embaixada da Espanha, ela defendeu a adoção de "algo como uma tabela, a exemplo do que já existe em Portugal e em outros países europeus, que correlacione a quantidade e a natureza da droga para distinguir o usuário do traficante".

No momento, está paralisado no STF uma ação que discute a descriminalização do porte de drogas para usuários, aguardando o voto do ministro Alexandre de Moraes. Em 2015, quando teve início o julgamento, Janot se opôs à descriminalização. Já o ministro Luís Roberto Barroso defendeu a adoção de uma tabela similar à sugerida por Dodge.

7. Direitos humanos e violência policial
Embora tenha assumido compromisso em priorizar o combate à corrupção, Dodge tem destacado que o foco da sua gestão não será apenas esse. Dentro do Ministério Público Federal, ela tem uma trajetória ligada a questões ambientais e de direitos humanos.

Na sabatina do Senado, Dodge fez críticas, por exemplo, aos "autos de resistência" - registro de mortes por policiais, supostamente em legítima defesa, mas que muitas vezes são usados para acobertar execuções. A subprocuradora defendeu que esses casos devem ser registrados em boletim de ocorrência, para que seja iniciada uma investigação.

"O movimento de direitos humanos tem identificado, em relação a esse tema, os autos de resistência como um dos fatores que são causa da impunidade. E eu concordo plenamente que essa é uma questão que temos que resolver no País", defendeu.

8. Demarcação de terras indígenas
Enquanto o governo Temer tem enfrentado fortes críticas por adotar medidas de interesse de ruralistas e contrárias às reivindicações de grupos indígenas, Dodge defendeu no Senado as demarcações de terras, que atualmente estão paralisadas.

"É um compromisso constitucional a delimitação das terras indígenas. Nós temos lá no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, inclusive, um prazo, que era de cinco anos, para que esse assunto estivesse resolvido. E eu creio que, quanto mais cedo essa questão estiver resolvida, mais segurança jurídica todos os brasileiros terão", afirmou na sabatina.

A futura procuradora-geral não chegou a se posicionar sobre o polêmico parecer assinado por Temer em julho que fixa o chamado "marco temporal", estabelecendo que índios não podem reivindicar terras que não estivessem ocupando em 1988, desconsiderando o fato de que, em geral, esses grupos foram expulsos violentamente antes disso.

No entanto, o subprocurador Luciano Mariz Maia, escolhido por Dodge para ser seu vice, condenou veementemente o parecer assinado pelo presidente.

9. Desarmamento
Questionada em sua sabatina sobre o direito ao porte de arma para autodefesa dos cidadãos, Dodge defendeu o Estatuto do Desarmamento, que dificultou o acesso a partir de 2003. Atualmente, parte do Congresso tenta revogar o estatuto.

"Eu, pessoalmente, invisto em uma cultura de paz ao longo da minha atuação na Procuradoria da República, e apoiei a aprovação do Estatuto do Desarmamento porque achei que, naquela ocasião, era uma situação que merecia um aumento no rigor, no controle de armas em uso no país", disse.

10. Remuneração e auxílio-aluguel para procuradores
Dodge defende a legalidade do pagamento de auxílio-moradia para integrantes do Ministério Público Federal, inclusive para aqueles que possuem casa própria, como é o seu caso. O benefício, também recebido por juízes federais, é de R$ 4.377,73 mensais.

Em entrevista ao portal UOL em 2015, ela afirmou que "a verba tem natureza indenizatória e, por isso, repara o gasto com moradia em locais onerosos, nas condições especificadas em lei".
O salário bruto dos membros do Ministério Público Federal varia de R$ 28 mil a R$ 33,7 mil, segundo a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

"A remuneração do membro do Ministério Público é acima da média nacional porque é de interesse público recrutar pessoas bem capacitadas para investigar e processar diariamente em juízo atos de corrupção, lavagem de dinheiro e outros graves crimes, promover a defesa do regime democrático e de direitos humanos e zelar por serviços de relevância pública que tenham qualidade", afirmou.

 


Leandro Colon: Guerra na Procuradoria prejudica o país e favorece os corruptos

A Procuradoria-Geral da República amanhece sob novo comando. Assume Raquel Dodge, indicada pelo presidente Michel Temer, sai Rodrigo Janot, algoz do peemedebista nos últimos meses.

Janot avisou que não iria à posse porque não fora convidado. Dodge diz que o chamou por e-mail, assim como fez com todos os procuradores.

A Folha desta segunda-feira (18) mostra que o tiroteio dentro da PGR deve continuar: depois de ficar preso por 76 dias, a pedido de Janot, o procurador Ângelo Villela quebra o silêncio e, em entrevista à repórter Camila Mattoso, afirma que o colega construiu a delação da JBS para derrubar Temer com o objetivo de impedir a nomeação de Dodge, espécie de líder de grupo político antagônico.

As palavras de Villela, acusado por Janot de ter agido como um infiltrado da JBS dentro do Ministério Público, devem ser lidas com cautela, afinal é um denunciado atacando seu acusador. Porém, é uma versão de quem até pouco tempo atrás frequentava a casa de Janot. Eram amigos (o próprio Janot diz isso). Villela contou, por exemplo, que integrou um grupo reservado do gabinete da PGR para troca de mensagens onde o chefe chamava Dodge de "bruxa"

A lambança no caso JBS manchou um mandato que cometeu equívocos, mas que ao mesmo tempo deixou um legado para a Lava Jato. Se Eduardo Cunha hoje está na cadeia, deve-se ao esforço da equipe do ex-PGR. O imenso acordo de delação da Odebrecht teve uma participação fundamental de Janot. O saldo é de uma gestão turbulenta, com altos e baixos e métodos discutíveis. Uma gestão que como nunca jogou luz sobre a atuação do Ministério Público.

A entrevista de Villela é reveladora sobre as entranhas políticas de uma instituição dividida e da qual se depende tanto para combater os malfeitos com o dinheiro público. Não se espera que o grupo de Janot colabore com o de Dodge. A guerra está conflagrada na PGR. Perde o país com o racha. Bom para os corruptos.

 

 


O Estado de S. Paulo: Supremo prevê relação menos tensa com nova procuradora

Ministros da Corte avaliam que Raquel Dodge conduzirá a PGR de forma mais incisiva e com menos contratempos do que antecessor

Beatriz Bulla, Breno Pires e Rafael Moraes Moura, de O Estado de S.Paulo

Depois de um desgaste na relação entre Rodrigo Janot, no fim do mandato como procurador-geral da República, e o Supremo Tribunal Federal (STF), a expectativa na Corte é de que sua substituta, Raquel Dodge, titular da PGR a partir desta segunda-feira, 18, foque no papel institucional do Ministério Público Federal, sem descuidar dos rumos da Operação Lava Jato.

A forma como Janot conduziu o episódio do áudio do empresário Joesley Batista, dono do Grupo J&F, e Ricardo Saud, ex-executivo da holding, causou desconforto no STF. Ministros e auxiliares avaliaram que, quando anunciou a descoberta de uma gravação que trazia indícios de omissão de fatos graves por delatores, Janot expôs negativamente o Tribunal por ter revelado, sem explicar o contexto, que havia citações a integrantes da Corte.

Se o perdão judicial concedido por Janot aos executivos da J&F já era alvo de questionamentos, após o episódio da gravação surgiram dúvidas sobre se a PGR se descuidou neste acordo de colaboração.

Ministros do Supremo ouvidos pelo Estado elogiam o perfil da sucessora de Janot e dizem acreditar que, pela experiência na área do direito penal, ela vai atuar de forma firme e rigorosa, sem comprometer os desdobramentos da Lava Jato.

Em um sinal de deferência à Corte, Raquel fez questão de se encontrar com ministros antes de sua posse, apresentando a equipe e entregando pessoalmente convites para a solenidade, que terá a presença do presidente Michel Temer – alvo de duas denúncias de Janot, a mais recente apresentada na quinta-feira passada ao Supremo por organização criminosa e obstrução da Justiça.

Auxiliares da presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, apostam em “um novo tempo”, com uma maior harmonização das relações com a PGR.

Único ministro do STF publicamente crítico a Janot, Gilmar Mendes não esconde a expectativa pela substituição do desafeto por Raquel. “Ela é uma pessoa qualificada, tem grande experiência institucional no Ministério Público e enfrenta um grande desafio pela frente: restaurar os laços de credibilidade da Procuradoria-Geral. Tenho a impressão de que ela restaura um quadro de normalidade, de confiança e de decência nos quadros da PGR”, disse.

O ministro – que se encontrou com Temer um dia antes de ele anunciar a escolha de Raquel, segunda mais votada na lista tríplice do Ministério Público – não participou do julgamento em que, por nove a zero, o STF rejeitou afastar Janot das investigações contra Temer no caso J&F.

O procurador-geral, por sua vez, pediu que o ministro fosse afastado dos julgamentos que envolviam o empresário Jacob Barata Filho. Ele apontou “vínculos pessoais que impedem o magistrado de exercer com a mínima isenção suas funções no processo”, como o fato de Gilmar ter sido padrinho de casamento da filha de Jacob. O pedido de suspeição de Gilmar não foi analisado.

Um ministro ouvido reservadamente avaliou que, sob o comando de Raquel, a PGR pode ser mais incisiva na Lava Jato, como forma de demonstrar independência. Esse ministro, entretanto, considerou que a Procuradoria poderá também ampliar sua atuação, mirando em outras áreas, como a defesa de direitos de minorias e ambiente.

Confiança. Para o ministro Luiz Fux, Raquel cumpre bem as “funções institucionais”. “Ela encarna a figura do MP como ele deve ser, é bem equilibrada, discreta, enérgica”, disse.

Luís Roberto Barroso disse achar que a nova procuradora-geral manterá a linha de atuação de seus antecessores. “Tenho a confiança de que ela prosseguirá na linha de transformação do Brasil que a Procuradoria-Geral da República tem imprimido em sucessivas gestões que incluem Cláudio Fonteles, Antônio Fernando, Roberto Gurgel e Rodrigo Janot”, afirmou Barroso.

Segundo o ministro Marco Aurélio Mello, a Operação Lava Jato estará em “boas mãos”. “A alternância (de comando) é sempre salutar. Ela (Raquel) é republicana, ela é democrática. E nós temos quadros excepcionais no Ministério Público Federal. A doutora Raquel é uma pessoa aplicada, é uma pessoa que tem os olhos voltados para os interesses nacionais permanentes”, afirmou.

 


G1: Chega ao fim mandato de 4 anos de Janot à frente da Procuradoria Geral da República

Raquel Dodge toma posse nesta segunda (18) como procuradora-geral. Sob Janot, Operação Lava Jato abriu no STF 137 investigações, cujos alvos são Michel Temer, 4 ex-presidentes e 93 parlamentares 

Após quatro anos, chega ao fim neste domingo (17) o mandato de Rodrigo Janot à frente da Procuradoria Geral da República (PGR). Nesta segunda-feira (18), toma posse no cargo Raquel Dodge.

Leia também:

A gestão de Janot no comando do Ministério Público Federal foi marcada pela maior investigação já realizada pelo órgão contra a corrupção.

Sob a condução de Janot e uma equipe de 10 investigadores, a Operação Lava Jato levou à abertura de 137 investigações atualmente em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), cujos alvos são:

  • 1 presidente (Michel Temer);
  • 4 ex-presidentes;
  • 93 parlamentares (63 deputados federais e 30 senadores);
  • 6 ministros do governo Temer;
  • 2 ministros do Tribunal de Contas da União (TCU).

Também são investigadas no Supremo mais de uma centena de pessoas sem o chamado foro privilegiado – como lobistas, doleiros, ex-diretores de estatais e políticos sem mandato envolvidos com as autoridades suspeitas.

Outras dezenas de pessoas, inicialmente investigadas no STF, tiveram os casos remetidos para instâncias inferiores após perda do foro privilegiado.

Fora a Lava Jato (relacionada a desvios de recursos de Petrobras, Eletrobras, Caixa e fundos de pensão, principalmente), o Ministério Público também investigou, sob o comando de Janot, outros esquemas de corrupção.

Destacam-se, por exemplo, as operações Zelotes (sobre compra de decisões no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais da Receita Federal – Carf –, venda de medidas provisórias e compra de caças suecos) e a Ararath (que desvendou a existência de bancos clandestinos destinados à lavagem de dinheiro em Mato Grosso).

Foi no período Janot que se intensificou no Brasil o uso do que é hoje considerada a principal arma de investigação dos chamados "crimes do colarinho branco": a delação premiada.

A cooperação internacional na operação alcançou 48 países com a repatriação de R$ 79 milhões em dinheiro sujo desviado para o exterior.

 Êxitos
Desde o início das investigações, Janot também obteve vitórias no Supremo que lhe possibilitaram aprofundar o trabalho de combate ao crime. Uma das primeiras foi a confirmação, em maio de 2015, pelo plenário do Supremo, do poder do Ministério Público para conduzir investigações.

Embora, na prática, procuradores já apurassem crimes, várias instâncias judiciais anulavam provas por entenderem que só a polícia podia tocar os inquéritos.

Janot também saiu vitorioso no julgamento que validou, em agosto de 2015, a delação premiada do doleiro Alberto Youssef, um dos primeiros a citar políticos no escândalo da Petrobras. Na decisão, o STF rejeitou o argumento de que personalidade "desajustada" do delator coloca em risco a validade do acordo.

Em outubro do mesmo ano, pela primeira vez na história, a PGR conseguiu extraditar um foragido com dupla cidadania. Condenado em 2012 no mensalão, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolatofugiu para a Itália em novembro de 2013 para escapar da prisão decretada pelo STF.

Outro fato inédito na história recente do país foi a prisão de um parlamentar durante o mandato. Em novembro de 2015, o STF aceitou o pedido de Janot para levar à cadeia o então senador e líder do governo Delcídio do Amaral. Ele foi gravado em conversa tentando evitar a delação premiada do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró.

Em 2016, Janot também teve êxito na defesa da possibilidade de decretar a prisão de alguém após condenação pela segunda instância. Desde 2009, o STF só admitia a prisão após esgotados todos os recursos possíveis nas quatro instâncias existentes. A virada no entendimento, disse Janot, foi um "passo decisivo contra a impunidade no Brasil".


Críticas
O maior deslize de Janot, apontado por seus críticos, ocorreu no último mês dele no cargo. A delação da J&F, assinada em maio de 2016 pelos executivos da empresa com o grupo de trabalho da Lava Jato na PGR, passou a ter considerado seu fim incerto na Justiça.

Embora a iniciativa de revisar o acordo tenha partido do próprio procurador-geral, pela suspeita de omissão de crimes pelos executivos da empresa, a colaboração virou objeto de desconfiança maior pela suposta participação do ex-procurador Marcello Miller, ex-auxiliar de Janot na Lava Jato, quando ele ainda integrava a PGR.

A questão ainda será discutida pelo Supremo, mas fora da gestão Janot – caberá à sua sucessora, Raquel Dodge, manter de pé as gravações feitas por Joesley Batista com o presidente Michel Temer e outros políticos citados.

Ainda dentro da novela J&F, a imagem do procurador saiu manchada, na avaliação de críticos a ele, com a divulgação de uma foto na qual ele aparece sentado numa mesa de bar em Brasília com o advogado de Joesley.

O flagrante ocorreu um dia antes da prisão do empresário, pedida pelo próprio Janot. Questionado, ele disse que o encontro ocorreu por acaso e negou ter falado sobre a prisão com o defensor.

Mesmo antes do imbróglio com a J&F, Janot sofreu alguns reveses na Lava Jato. Em abril de 2015, a Segunda Turma do STF tirou da cadeia, de uma só vez, nove executivos de empreiteiras que haviam sido presos preventivamente a pedido de Janot. A maioria considerou prolongados os quase cinco meses em que estavam encarcerados sem qualquer condenação na Justiça.

Revés semelhante ocorreu no início deste ano, quando o STF também mandou soltar o ex-ministro José Dirceu, o ex-tesoureiro do PP João Claudio Genu e o pecuarista José Carlos Bumlai, todos já condenados na Lava Jato.

Também é apontada como derrota de Janot a escolha, pelo presidente Michel Temer, da subprocuradora Raquel Dodge para sucedê-lo na PGR. Janot apoiava Nicolao Dino, que obteve a maioria dos votos na lista de três nomes indicados pela associação de procuradores – Dodge foi a segunda colocada.


Despedida
Apegado à família – é casado e tem uma filha –, torcedor fanático do Atlético-MG, apreciador de cerveja e culinária, Janot espera, enfim, deixar de lado os holofotes e a ira dos políticos.

Após a despedida do comando da PGR, na última sexta (15), ele deve entrar em férias de 30 dias, e depois voltar à PGR como subprocurador-geral da República, cargo que ocupava anteriormente.

Embora tenha cogitado se aposentar, deve permanecer no órgão e, com isso, manter foro privilegiado no Superior Tribunal de Justiça (STJ) – há o receio de que, devido às dezenas de acusações que fez contra políticos, passe agora a ser alvo de ações.

Os planos de Janot, no entanto, incluem, ainda em 2017, iniciar uma licença de um ano da PGR a que ainda tem direito.

Depois, ao se aposentar e após três anos de quarentena, o projeto é atuar na iniciativa privada, prestando consultoria na área de compliance, nome que se dá ao conjunto de políticas anticorrupção adtoadas pelas empresas.


Demétrio Magnoli: Substituição de Janot por Dodge não resolve a politização do MPF

No ápice da crise provocada pela gravação da conversa entre Joesley Batista e Temer, a Folha noticiou que, bem antes do fatídico encontro, o advogado dos irmãos Batista recebera "aulas de delação" ministradas por um agente da PF e um procurador da República. Precisamente naquele período, o procurador Marcello Miller, lugar-tenente de Janot, preparava sua saída do Ministério Público negociando emprego num escritório de advocacia contratado pela JBS. Os novos áudios, entregues por um Joesley acuado, "com conteúdo gravíssimo" (Janot), podem evidenciar um nexo entre as duas informações. De qualquer forma, sua mera existência como novidade prova que há algo infectado no reino do Ministério Público.

Janot desmentira, peremptoriamente, em 20 de maio, os rumores sobre a participação de Miller nas tratativas do MPF com os irmãos Batista que culminaram com o acordo de delação. Agora, entre constrangido e indignado, o procurador-geral finalmente anuncia uma investigação do episódio, admitindo a possibilidade de que tenha sido ludibriado desde o início. De lá para cá, tudo mudou –menos a linguagem de Janot, perpassada de tons condoreiros, salpicada pela fúria santa dos justos. O rei ainda não está nu, mas já desfila de cueca em praça pública.

A sombra da suspeita, que paira sobre Miller, estende-se inevitavelmente até o procurador-geral. Joesley cedeu os novos áudios num gesto de desespero. Janot só deflagrou a investigação depois que os fatos fecharam o cerco à sua cidadela. A hipótese de um conluio criminoso entre o chefe do Ministério Público e Joesley Batista não pode ser excluída de antemão, mas nenhum indício forte a sustenta. Salvo surpresas deploráveis, a responsabilidade de Janot situa-se fora da esfera criminal: o Ministério Público caiu na cilada dos Batistas porque sucumbiu à sedução da política.

Logo depois de fazer a defesa de Miller, Janot escreveu que o "foco do debate" sobre o acordo firmado com Joesley seria "o estado de putrefação de nosso sistema de representação política". A frase, comum em textos de análise política, é inaceitável em pronunciamentos do procurador-geral.

A missão constitucional do Ministério Público é a "defesa da ordem jurídica", não a busca de uma reforma política. Na confusão entre uma coisa e outra encontram-se os reais motivos da celeridade excepcional das negociações com os Batistas e da repugnante concessão de imunidade judicial aos delatores. O cavaleiro andante da Justiça, vingador da República, desmoraliza a si mesmo –e, no percurso, acerta uma flecha envenenada na credibilidade da Lava Jato.

Janot é sintoma, não causa. O encanto da política espraia-se por uma influente ala do Ministério Público, com epicentros em procuradores messiânicos que se exibem como "extremistas do amor" (Dallagnol) ou citam Danton para sugerir a salvação pela via do "tribunal revolucionário" (Carlos Fernando Lima). A armadilha montada pelos Batistas só se tornou possível porque o MP ignorou reiteradas advertências da PF, que pedia tempo para juntar os fios de uma história mal contada, desarmando as proteções do instituto de delação premiada. Depois dos novos áudios, aprendemos que o risco maior à Lava Jato não decorre das manobras de Lula, Temer ou Aécio, mas da deriva jacobina de procuradores com uma causa.

A substituição de Janot por Raquel Dodge não resolve, por um passe de mágica, o dilema da politização do MP. A Lava Jato, valiosa demais para sucumbir aos desvarios dos missionários, pode ser preservada por duas medidas tão simples quanto urgentes. Numa ponta, a PF deveria ser autorizada a participar, junto com o Ministério Público, das negociações de acordos de delação premiada. Na outra, o STF deveria, clara e nitidamente, atribuir aos juízes a prerrogativa de recepcionar ou rejeitar os acordos com delatores. O fim da "soberania" do Ministério Público –se for essa a herança deixada por Janot, seu mandato terá valido a pena.

 


Perdas e ganhos: Temer-Dodge na noite do Jaburu

Quem ganha, quem perde? Na base desta questão, bem ao estilo do noticiário político e das colunas de bastidores do começo dos anos 70, (quando ingressei no Jornal do Brasil, via sucursal de Salvador), giram nesta semana, de agosto de 2017, as avaliações sobre o mais recente, polêmico e surpreendente fato produzido no ninho de espantos e assombrações em que vai se transformando o palácio presidencial do Jaburu, em Brasília: o encontro na calada da noite, fora de agenda, entre o atual mandatário, Michel Temer, e a procuradora de Justiça, Raquel Dodge, escolhida para assumir, mês que vem, o comando da Procuradoria Geral da República – um dos postos mais cruciais e sensíveis no esforço para investigar, julgar e punir corruptos e corruptores no País - ; no lugar de Rodrigo Janot, que se despede entre tiros e flechadas. À favor e contra.

Anos depois, quando assumi a chefia da sucursal da VEJA para a Bahia e Sergipe, circulava na sede da mais importante revista semanal brasileira, em São Paulo, uma expressão bem própria para definir, a partir dos signos da comunicação e do poder, as perdas e danos nas biografias de personagens envolvidos em escândalos ou situações constrangedoras, decorrentes de passos em falso deste tipo, envolvendo ministros, figurões de alto coturno do serviço público, togados da justiça, parlamentares e governantes: “Subiu para baixo”.

No caso do presidente Temer – séria e profundamente enrolado, jurídica e moralmente, nos efeitos devastadores da conversa gravada pelo empresário Joesley Batista nos desvãos do mesmo palácio, recentemente – as dúvidas são maiores e fica mais difícil uma avaliação mais segura de qualquer analista, as perdas e ganhos neste episódio. Salvo, evidentemente, os arautos de encomenda da corte, ou os que ainda acreditam em Papai Noel, ou pensam que “o céu é perto”, como ouvia minha saudosa mãe dizer desde a infância, nas barrancas do São Francisco, o rio da minha aldeia.

Anda tão baixo o conceito do mandatário na avaliação da sociedade (as pesquisas de opinião deixam isso cada dia mais evidente), que fica quase impossível saber quanto o encontro desta semana, na noite do Jaburu, pode ter contribuído para fazer descer ainda mais o reduzido índice de prestígio e a escassa credibilidade do principal ocupante do palácio cercado de dúvidas e suspeitas.

Quanto à harvardiana Raquel Dodge, ungida pelo mandatário para ocupar o lugar de Janot – eleito inimigo número um pelo próprio presidente apanhado em flagrante delito criminal em pleno exercício do mandato, segundo denúncia da PGR barrada temporariamente pela Câmara- , o estrago é indubitavelmente devastador. No caso desta desgraçada tentativa de demonstração de controle e poder (que se pretendia manter submersa na sombra palaciana, sabe-se lá a conselho de quem), cabe com perfeição a constatação do conceito jornalístico citado no segundo parágrafo deste artigo: a futura chefe da PGR “subiu para baixo”. A conferir.

Mas, diga-se a bem da verdade, não há apenas perdedores, a exemplo dos dois principais personagens citados, que se meteram desgraçadamente nesta historia nada exemplar para a já combalida vida republicana nos dias que correm no Brasil. Há. Igualmente, meritórios vencedores neste caso.

O maior deles, a imprensa livre e democrática que felizmente ainda se pratica por estas bandas de baixo da linha do Equador. Trocando em miúdos, não se trata aqui de mera conquista conceitual ou retórica, mas envolve, igualmente, personagens de carne e osso, profissionais que merecem referência, destaque e aplausos. Prêmios também, quem sabe?

Por exemplo: o cinegrafista Wilson de Souza, da TV Globo. É dele o registro do flagrante implacável desta semana, na terça-feira, 8. As lentes potentes da câmera, sob seu atento e ágil comando, focalizou com notável nitidez (dá até para ver o número da placa) o estacionamento do carro oficial nas imediações do corredor arborizado (passarela?) da entrada do Jaburu. Do automóvel, desce a futura procuradora geral da República. Passos apressados, de quem parece estar fugindo de olhos curiosos ou perguntas incômodas, ela caminha para o encontro com Michel Temer, o mandatário inimigo de Janot, às 22 horas.

As imagens vistas na noite seguinte, no Jornal Nacional, são dessas de entendimento imediato e impacto fulminante. Dispensam comentários ou explicações. Principalmente aquelas, saídas apressadamente da cachola de assessores oficiais, jornalista chapa branca ou conselheiros palacianos que imaginam ser a sociedade brasileira formada por idiotas ou “abestalhados”, para usar o linguajar dos soteropolitanos. Ainda assim, tanto o Planalto quanto a procuradora afirmam, oficialmente, que o encontro noturno na residência presidencial foi só para uma conversa sobre a posse da futura chefe da PGR, marcada para daqui a quase 40 dias.

Aqui, mais uma vez, entra em campo o jornalismo preocupado com “Sua Excelência, o Fato”, no dizer de Charles de Gaulle, que Ulysses Guimarães gostava de repetir. A incansável e atenta repórter Andréia Sadi revelou, em seu blog, do G1, que houve pelo menos mais um assunto tratado no encontro: “Temer fez para Raquel Dodge um relato dos motivos que o levaram a pedir a suspeição do procurador geral Rodrigo Janot, ao Supremo, na terça, e seu embasamento jurídico”.

Além disso, a jornalista conta ainda, “que o presidente quer que Raquel Dodge tome posse no Palácio do Planalto como gesto simbólico da reaproximação institucional do Executivo com o Ministério Público”. E o mandatário quer, também, a solenidade de posse realizada de manhã cedo, porque na tarde do mesmo dia ele tem viagem marcada para os Estados Unidos, onde discursará na cerimônia de abertura da Assembleia Geral anual da ONU.

Eis mais um episódio da crítica realidade da política e do exercício do poder no Brasil, a cobrir de razão os historiadores e pensadores que identificam e apontam a histórica e profunda ligação entre a pólvora e a imprensa. No caso deste estranho encontro Temer - Dodge, tem muita pólvora e fumaça no meio. Mas o mérito maior, até aqui, é do jornalismo na busca da verdade. Viva!

Por Vitor Hugo Soares, jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta.

 

 

 


Folha de S. Paulo: Lava-Jato na balança

Escolhida pelo presidente Michel Temer (PMDB) para substituir Rodrigo Janot no comando do Ministério Público Federal, Raquel Dodge passou sem problemas pela sabatina a que foi submetida no Senado na última quarta-feira (12).

Após mais de sete horas de questionamentos na Comissão de Constituição e Justiça, a futura primeira mulher a ocupar a Procuradoria-Geral da República terminou aprovada por unanimidade, fato inédito no colegiado. Em seguida, teve seu nome endossado por 74 senadores –há dois anos, Janot, cujo mandato se encerra em 17 de setembro, obteve 59 votos favoráveis.

Infelizmente para Dodge, o apoio extraordinário não equivale a um atestado de excelência pelos serviços prestados. Ao contrário, reflete a expectativa, compartilhada pela maioria dos congressistas, de que a Operação Lava Jato arrefeça sob nova direção.

Não é de hoje que Dodge se apresenta como contraponto ao atual procurador-geral. Quando Janot foi reconduzido ao cargo, em 2015, ela já aparecera na lista tríplice formada por iniciativa da categoria. Na disputa deste ano, deixou claras suas críticas em relação à falta de transparência nos acordos de delação premiada e suas divergências quanto à divulgação antecipada de investigações ainda em curso.

Ademais, seu nome tem sido vinculado nos bastidores a personagens do círculo próximo de Temer, como o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, e o ex-presidente José Sarney (PMDB).

Por outro lado, Dodge destacou-se no MPF pela atuação firme em casos de corrupção. Em 2009, participou da Caixa de Pandora, operação que revelou o chamado mensalão do DEM, e pediu a prisão de José Roberto Arruda, à época governador do Distrito Federal.

Seu currículo também inclui a ação que resultou na condenação de Hildebrando Pascoal, ex-deputado que matou um mecânico com uma motosserra no Acre, e o processo que levou à prisão José Carlos Gratz, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Espírito Santo.

Como tem sido usual nas sabatinas do Senado, Dodge não precisou anunciar posições definitivas em relação aos temas mais delicados.

Corrupção? "Manteremos esse trabalho de enfrentamento, aumentando se necessário as equipes que hoje já o vem desenvolvendo." Delação premiada? "Estamos debruçados para entender a instituição, seus limites e sua validade." Lei de abuso de autoridade? "No regime democrático, controles são necessários, inclusive sobre os órgãos de administração de Justiça."

São respostas genéricas, mas bastaram para sinalizar sua disposição a um diálogo que Janot se recusa a travar. Raquel Dodge faz bem em reconhecer que o MPF também comete erros. Corrigi-los é a melhor maneira de assegurar a repetição dos acertos.

A resposta mais importante, contudo, virá com a prática: a futura procuradora-geral terá independência para, nos termos da lei, prosseguir com as investigações que os políticos gostariam de ver abafadas?

Editorial Folha de São Paulo

 

 


No Senado, Dodge defende lei de abuso de autoridade e admite rever provas

A CCJ do Senado realiza sabatina com a subprocuradora Raquel Dodge, indicada pelo presidente Michel Temer ao cargo de Procuradora Geral da República

REYNALDO TUROLLO JR.
TALITA FERNANDES
DE BRASÍLIA

No início da sabatina no Senado que analisa nesta quarta (12) sua indicação para comandar a PGR (Procuradoria-Geral da República), a subprocuradora-geral Raquel Dodge respondeu sobre temas espinhosos como delações, concessão de imunidade a delatores e supostos abusos da Lava Jato.

Ela se comprometeu com o combate à corrupção e defendeu, genericamente, a edição de uma lei que coíba abusos de autoridade. "A lei de abuso de autoridade vem no socorro da ideia de que, no regime democrático, freios e contrapesos são necessários, controles são necessários, inclusive sobre os órgãos de administração de Justiça", afirmou.

"Ninguém está imune a excessos, nenhuma instituição é imune a erros. E nessa perspectiva de que seja dada ampla autonomia para o exercício da função jurisdicional por juízes e membros do Ministério Público, mas contidos os excessos, é que vejo a importância de se aprovar uma lei que controle o abuso de autoridade", disse.

Um projeto de lei sobre o tema tramita no Senado e já foi duramente criticado pelo atual procurador-geral, Rodrigo Janot, cujo mandato termina em 17 de setembro. Para Janot, o projeto em curso visa intimidar membros do Ministério Público e do Judiciário.

Dodge, que faz oposição a Janot dentro da instituição, não comentou o projeto específico, mas sua fala pôde ser vista como um aceno aos parlamentares e uma abertura ao diálogo maior que a de Janot.

Questionada sobre um suposto "Estado policial", também afirmou que é comum que o Ministério Público revise as provas que ele próprio obteve caso detecte, no curso das ações penais, alguma ilegalidade.

"O grande compromisso do Ministério Público é agir sempre pautado na prova colhida de forma idônea e é preciso que zelemos sempre por esses princípios que são muito caros ao Estado democrático", disse.

"Devo dizer que não é incomum que um órgão do Ministério Público aponte a uma certa altura da ação penal que a prova é inidônea, que a prova é inválida. Esse é um dever que o Ministério Público tem, que é apresentar em juízo uma acusação sempre amparada na prova. Se há excessos, é o que deve ser sempre controlado, e o principal órgão de controle é o Judiciário."

COMBATE À CORRUPÇÃO
Ao responder às perguntas do senador Roberto Rocha (PSB-MA), relator de sua indicação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Dodge repetiu o principal mote de sua campanha para a PGR: "Ningúem acima da lei, e ninguém abaixo da lei", e comprometeu-se com o combate à corrupção.

"Manteremos esse trabalho de enfrentamento à corrupção aumentando, se necessário, as equipes que já o vêm desenvolvendo", disse. "Ao zelar pelo bom gasto do dinheiro público, o Ministério Público cumpre seu dever constitucional", afirmou.

Como vem dizendo publicamente, Dodge disse considerar a corrupção um mal em si que deve ser combatido para que os recursos sejam corretamente aplicados em saúde, educação, saneamento e outros serviços essenciais à população.

Dodge defendeu o instituto das delações premiadas para combater organizações criminosas. Questionada por Rocha sobre a concessão de imunidade penal a delatores, ela disse que há previsão legal. Porém, que é necessário que os criminosos reparem os prejuízos causados na esfera civil.

"Eu vejo a lei 12.850 [que regulamentou as delações, em 2013] como instrumento poderoso que facilita a investigação sobre organização criminosa. No entanto, o Congresso, na lei 12.850, impôs limites, vedações, seja no tocante àquilo que pode ser oferecido, seja no tocante à separação de jurisdição criminal e jurisdição civil", disse, referindo-se à necessidade de devolver o que foi desviado.

Tema polêmico, a imunidade penal foi concedida por Janot aos irmãos Batista, da JBS, em troca de informações que levaram a investigações sobre o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), entre centenas de outros políticos citados. O acordo de delação é duramente criticado por vários políticos, incluindo o presidente.

Sobre o foro privilegiado para autoridades, Dodge disse que o assunto cabe ao Congresso e ao Supremo, e que ao Ministério Público só compete opinar.

"Encontra de minha parte muita simpatia a ideia de que todos os brasileiros sejam submetidos ao mesmo tipo de jurisdição. Compreendo que estamos caminhando dentro de um regime democrático para o amadurecimento das instituições e sempre verificando a pertinência de um instituto diante da realidade brasileira", disse.

A respeito de ter sido indicada por Temer apesar de ter ficado em segundo lugar na lista tríplice para o cargo, Dodge ponderou que a lista não é obrigatória e é uma "sugestão" dos membros da carreira ao presidente da República.

"Qualquer um dos três que figure na lista passou por rigoroso e severo critério dos procuradores da República", afirmou, e, por isso, tem legitimidade.

Acompanham a sabatina, na CCJ, os ex-procuradores-gerais da República Roberto Gurgel e Aristides Junqueira.

 


Dodge deve levar estilo rígido e reservado à Procuradoria

Bela Megale e Marina Dias, Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - Naquele fevereiro de 2010, Raquel Dodge entrou na sala do então procurador-geral da República, Roberto Gurgel, sem alarde. À época, a subprocuradora e responsável pela Operação Caixa de Pandora daria uma notícia inédita: pela primeira vez, um governador, José Roberto Arruda (DEM), do Distrito Federal, seria preso no exercício do cargo.

Para o chefe, Dodge disse que não havia alternativas. Detalhou cada elemento que baseou sua decisão e mostrou que o político tentava atrapalhar as investigações.

Acompanhada de Gurgel, levou pessoalmente o pedido ao Superior Tribunal de Justiça, que autorizou a prisão de Arruda em poucas horas. "Mesmo no momento tenso, em que pela primeira vez a gente pedia a prisão de um governador no cargo, ela estava absolutamente tranquila", contou Gurgel à Folha.

Obstinada, ambiciosa, disciplinada e discreta. É essa a imagem da primeira mulher que pode comandar, a partir de 17 de setembro, a PGR (Procuradoria-Geral da República), órgão máximo de acusação de operações como a Lava Jato. Nascida em Morrinhos (GO), Dodge, 55, é filha do procurador aposentado José Ferreira.

Indicada por Michel Temer para substituir Rodrigo Janot, Dodge chama a atenção pelo perfil antagônico ao do atual chefe dos procuradores, que se destaca pela informalidade e exibicionismo.

Procurada pela Folha, preferiu não se manifestar. A reportagem falou com 20 pessoas ligadas a ela.

Se aprovada pelo Senado, deve imprimir sua personalidade marcante na gestão do órgão, como vem sinalizando em seu périplo pelo Congresso em busca de votos.

Aos parlamentares, Dodge tem dito que agirá de forma mais reservada e tem evitado entrar nos debates sobre a disputa travada entre a classe política e os procuradores, que se tornou uma bandeira de Janot.

O discurso está agradando tanto aos senadores, incomodados com o que chamam de "espetacularização" das investigações, como aos colegas da categoria que são críticos ao procurador-geral.

"Ela continuará as ações contra corrupção, mas sem o estrelismo e vazamentos", disse o procurador recém-aposentado e ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão. Ele alerta, porém, que Dodge tem outra característica que a define e lhe rendeu desafetos entre os colegas: a ambição.

"O projeto pessoal dela sempre esteve à frente e ela atropela quem se coloca em seu caminho. Procuradores que trabalharam investigando violência durante a ditadura, por exemplo, se aborreceram porque ela se apropriou intelectualmente de várias ações desenvolvidas por eles", disse Aragão. "Essa atitude de acotovelar os outros gerou muitas incompreensões, mas isso não ofusca suas grandes virtudes", diz.

Dodge é também um "trator" na hora de trabalhar, conta o procurador Mário Lúcio Avelar. Nos anos 90, quando a conheceu, foi logo apresentado ao estilo da jovem investigadora: "Você vai conhecer a Raquel. Essa menina é um trator para trabalhar", disse a ele um colega.

Segundo amigos, o ritmo de Dodge não diminuiu nem mesmo quando engravidou e amamentou os filhos, Sophia e Eduardo.

Colegas se lembram da procuradora saindo de reuniões no Pará para tirar leite para a caçula. "Estávamos em Santarém, no encontro da 6ª Câmara do Ministério Público [responsável por temas sobre população indígena], e ela saía de tempos em tempos para tirar leite e congelar as garrafinhas. Quando voltou a Brasília, levou tudo", diz o procurador regional Domingos Savio da Silveira.

A dedicação à família é outra marca de Dodge. Fechada, porém, fala pouco de sua vida pessoal.

Na campanha para a PGR, foi colocada à prova. Perdeu para o câncer, em cerca de três meses, um de seus irmãos. A notícia veio no pior momento da disputa, quando seu nome foi associado a caciques do PMDB, como Renan Calheiros e José Sarney – o que sempre negou.

A rigidez se manteve em destaque. A procuradora não desmarcou agendas e seguiu a campanha que a deixou em segundo lugar na lista da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República). Era só no fim do dia, quando os amigos mais próximos iam até seu gabinete, que ela conseguia desabafar e chorar um pouco.

O raro momento de baixar guarda aparece também quando o assunto são os filhos, que hoje estudam e moram nos EUA.

Mas nem quando fala deles a procuradora consegue descontrair entre amigos. Um dos mais íntimos costuma dizer que ela não deve nem saber como se gargalha.

Vida fora
Há mais de duas décadas, ela se casou com Bradley Dodge. Conheceram-se quando ela buscava um professor de inglês para prepará-la para o mestrado em Harvard, uma das mais conceituadas universidades americanas. Foi ele quem a ajudou com o idioma para ser aprovada.

Dodge teve como professor de direito o ex-ministro do STF Francisco Rezek, que a descreve como uma de suas melhores alunas. O título rendeu a ela um convite para trabalhar no Supremo.

A dedicação de Dodge é refletida também em seus hábitos de católica praticante.

Não perde nenhuma missa aos domingos. O marido, por sua vez, é mórmon.

A rotina dura e metódica já vem sendo temida pelos servidores que ficarão sob sua gestão a partir de setembro.

Na PGR, há quem diga que ela controla de horários de chegada e saída dos funcionários até o consumo de papel nos gabinetes.