queiroz

Bruno Boghossian: Ideia de perseguição será a última linha de defesa de Bolsonaro

Após prisão de Queiroz, presidente reforça imagem de que é vítima de conspirações

Mais do que nunca, Jair Bolsonaro tenta convencer seus apoiadores de que é vítima de uma conspiração de gente poderosa. O avanço do Supremo sobre seus aliados e a prisão de Fabrício Queiroz reduziram as linhas de defesa do presidente. O cerco se ampliou tanto que restou apenas a ideia de perseguição.

Bolsonaro quer vender a impressão de que suas derrotas no Congresso não têm relação com a incompetência do Planalto e de que a interferência na PF foi só uma maneira de conter injustiças contra sua família. As mortes na pandemia seriam uma fraude grosseira e o foguetório lançado por seus aliados sobre o STF deve ter sido uma ilusão de ótica.

O presidente, que nunca aceitou a limitação de seus poderes, explora o próprio fracasso. Sem apoio consistente na Câmara, o governo faz propaganda de uma suposta conspiração engendrada por atores políticos.

Quando a equipe econômica se mostrou incapaz de negociar a aprovação de um projeto de socorro aos estados durante a pandemia, Bolsonaro acusou Rodrigo Maia de “quase conspirar por aí contra o governo”.A manipulação primitiva até rende alguns dividendos. A agitação criada pelo presidente costuma energizar sua base nas redes sociais e também ajuda a reagrupar setores hesitantes dentro do próprio governo.

Os integrantes mais desconfiados da ala militar, em especial, acompanham Bolsonaro na percepção de que o Legislativo e o Judiciário cerceiam deliberadamente o Planalto. O grupo verde-oliva, por isso, ainda é um relevante aliado do presidente em seu tenso embate com o STF.

Ao ver a prisão de um homem de confiança da família, Bolsonaro tentou replicar a fórmula. O presidente reclamou da “prisão espetaculosa”, e seu filho Flávio disse que o objetivo da ação era atingir o governo.

Dessa vez, a missão é mais difícil. O reaparecimento de Queiroz pode até representar uma ameaça ao Planalto, mas o ex-assessor é um problema particular do clã Bolsonaro. O instinto de proteção coletiva, nesse caso, tende a ser muito mais restrito.


Janio de Freitas: Caso Queiroz tem efeito corrosivo no vínculo do presidente com militares

Como se sentem os generais, na condição de integrantes e esteio de um governo que treme porque um miliciano foi encontrado?

Uma presença velada na turbulência trazida pela prisão de Fabrício Queiroz ficou, entre os atingidos, com a perda mais perturbadora. Como se sentem os generais, ainda fardados ou não, na condição de integrantes e esteio de um governo que treme porque um miliciano foi encontrado em seu esconderijo? Podem ser sensações insondáveis ou enganosas, imutáveis ou indiferentes. São efeitos pessoais. Mas nos níveis de responsabilidade pelas Forças Armadas, em especial no Exército, a questão ferve. Os reflexos do vínculo de militares com Bolsonaro e associados estão agravados em seus efeitos, externos e internos, sobre a instituição. Mais: em vésperas de piora.

O Exército exposto a investigação por indícios de superfaturamento em compra, volumosa e sem licitação, de substâncias para fabricar cloroquina, é mais um custo moral, e talvez penal, a pagar por serviço a Bolsonaro, e não ao país e à ciência. E tão elevado quanto justificado pela constatação, devida ao procurador Lucas Furtado, de compra com preço seis vezes acima do valor já corrigido por efeito do coronavírus e do dólar.

Não é tudo, porém. Abrindo-se outra linha de estranheza, a obstinação de Bolsonaro pelo uso de cloroquina e hidroxicloroquina em larga escala, contra a pandemia, tem um precedente obscuro: a sua campanha, quando deputado, pela adoção da pretensa “pílula do câncer”, que pesquisas mostravam ser ineficaz. Bolsonaro teve um ativo parceiro nessa empreitada suspeita: Frederick Wassef —o advogado da família Bolsonaro, íntimo dos palácios da Alvorada e do Planalto no atual governo, hospedeiro dissimulado do desaparecido Queiroz e, claro, entusiasta do novo interesse farmacêutico do seu principal cliente e amigo. Além do mais.

Outro elo com a (quase) misteriosa atração exercida pela cloroquina, o também general e ministro Eduardo Pazuello, da Saúde, já informou que o seu ministério se lançará em distribuição nacional das duas substâncias. Para gestantes e crianças. Cortar o mal pela raiz, vê-se, com o anunciado “uso preventivo”. No mesmo dia dessa informação valiosa em mais de um sentido, Donald Trump revogou o uso de ambas as drogas contra o coronavírus.

Em contraste com o trêmulo bolsonarismo oficial, por três momentos o Supremo Tribunal Federal trouxe de volta a ideia de uma corte digna e confiável, na sua função de trincheira última das conquistas inscritas na Constituição. Já no futuro próximo, tal função será convocada várias vezes. O monturo de sujeira que sustenta a organização do neofascismo bolsonarista, as atividades de Fabrício Queiroz e próximos, inclusive um assassinato em que foi comparsa do recém-eliminado Adriano da Nóbrega; as práticas de Flávio Bolsonaro, do próprio Jair como presidente, deputado e pessoa física, além das ilegalidades políticas e administrativas —isso e muito mais já põe e manterá o Supremo sob interrogação.

Sem apoio decidido, as respostas do tribunal estarão sujeitas à acomodação posta em moda e, está demonstrado, contribuinte para a situação sempre mais problemática. A dubiedade de Rodrigo Maia, Davi Alcolumbre, Dias Toffoli, e outros dificulta a defesa do STF, da democracia e da Constituição. Se assim for ainda, cada um por si para estar com os outros pela democracia, porque Bolsonaro tentará destruí-la por necessidade, sua e de seus filhos. Ele é o chefe, comandou tudo e sabe de tudo. Fabrício Queiroz não é a figura central.

Pela recusa
Se Abraham Weintraub for aceito no Banco Mundial, a entidade não será mais o Banco Mundial. Ainda que nem sempre respeitado na plenitude, o princípio fundador desse cofre é o apoio financeiro a países, sem distinção por níveis de pobreza e riqueza, raça, cultura e religião. Weintraub é racista brancóide, é elitista, é preconceituoso em religião e em riqueza versus pobreza.

Seu último ato no Ministério da Educação, já decidida a queda, foi revogar a reserva de vagas para negros, indígenas e deficientes aspirantes à pós-graduação em instituições federais de ensino superior. Gesto torpe de um homem torpe.

Será indecente, para o Banco Mundial, tê-lo em alguma dependência.

Na dúvida
É uma família ou uma quadrilha?


Elio Gaspari: A blindagem tabajara de Queiroz no sítio de Atibaia

Fabrício Queiroz estava guardado no sítio de Atibaia do doutor Frederick Wassef, o “Anjo”, da família Bolsonaro

A blindagem que protegia Fabrício Queiroz foi coordenada por Asmodeu. Em 2019, quando um passarinho da Polícia Federal fez chegar aos Bolsonaro a informação de que havia gente de olho no chevalier servant do capitão, ele foi protegido pelos sete lados. De saída, Queiroz e sua filha foram demitidos dos gabinetes da família em que estavam lotados. Em seguida, tratou-se da sua defesa. O primeiro nome que entrou na roda foi o do advogado Antônio Pitombo. Não era conveniente, porque ele defendia Jair Bolsonaro. Numa segunda hipótese o caso iria para Christiano Fragoso. Profissional renomado, estaria acima das posses de Queiroz. Tratava-se de arrumar um advogado que não desse na vista. Nessa altura, Queiroz sumiu das vistas do público, e Jair Bolsonaro paralisou toda operação, chamando-a a si.

Na quinta-feira, o vexame: Fabrício Queiroz estava guardado no sítio de Atibaia do doutor Frederick Wassef, o “Anjo”, da família Bolsonaro.

Wassef gosta de holofotes, fez fama e tornou-se figurinha carimbada em Brasília e vistosa presença em eventos oficiais. O que foi uma operação para afastar Queiroz da família, virou uma pajelança tabajara que resultou no oposto. Pior, só se ele estivesse no Alvorada.

Queiroz estava sem advogado desde dezembro do ano passado. Seu novo defensor é Paulo Emílio Catta Preta. Até fevereiro ele cuidava dos interesses do miliciano Adriano da Nóbrega, que estava foragido e foi morto pela polícia no interior da Bahia, num sítio do vereador Gilsinho da Dedé, eleito pelo PSL, partido a que pertenceu Jair Bolsonaro. A mãe e a mulher de Adriano estiveram lotadas no gabinete de Flávio Bolsonaro, sob o patrocínio de Fabrício Queiroz.

Preso, Queiroz vê a realização de suas premonições. Em 2018 ele perguntou a um advogado quantos anos ia pegar. Meses depois, assustado, dizia que “o Ministério Público está com uma pica do tamanho de um cometa para enterrar na gente e não vem ninguém agindo.”

Pelo visto, o “Anjo” Wassef agia. Passaram-se dois anos do aviso dado pelo passarinho da Polícia Federal, a questão, piorada, voltou ao ponto de partida: o Ministério Público não tem pressa, só tem perguntas.

Tormentas à vista
A família Bolsonaro tem quatro tormentas pela frente:

A Câmara do Tribunal de Justiça do Rio onde cairá um pedido de revogação da prisão preventiva de Fabrício Queiroz é severa.

O senador Flávio Bolsonaro não tem foro privilegiado no caso das “rachadinhas”, pois a trama ocorreu quando ele era deputado estadual.

O Ministério Público do Rio está com a faca nos dentes.

Qualquer recurso que vá ao Superior Tribunal de Justiça cairá na relatoria do ministro Felix Fischer, que come abelha.

Eremildo, o idiota
Eremildo é um idiota, come alho cru com cloroquina e acha que se instalou um clima de histeria diante de uma gripezinha

Com governadores e prefeitos aliviando o isolamento, um milhão de casos de Covid e mais de 40 mil mortos, ele acredita que os doutores interpretaram mal uma conversa que teve com um amigo.

O cidadão contou ao cretino que tinha um raro distúrbio urinário. Às 10h de Greenwich, estivesse onde estivesse, urinava-se. Foi a cinco médicos, inclusive três urologistas, e nada.

Eremildo aconselhou-o:

— Acho que você deve procurar um psicanalista.

Passaram-se algumas semanas e o cretino encontrou o amigo.

— E aí? Como vai aquele seu problema?

— Resolvido. Fui ao psicanalista, são 10h15m, estou todo molhado, mas estou feliz.

Autocombustão
O doutor André Mendonça fez boa fama como advogado-geral da União. Foi empossado no Ministério da Justiça numa cena de programa de auditório, durante a qual a deputada Carla Zambelli aplaudia-o assobiando e ele, num lance esquisito, deu continência ao capitão Bolsonaro duas vezes, chamando-o de “profeta”.

Passaram-se poucos meses e ele pediu que investigasse o chargista Aroeira por ter associado Bolsonaro a uma cruz gamada do nazismo e o repórter Ricardo Noblat, por tê-la veiculado.

Quem se mete com chargista, de duas uma, ou não tem o que fazer ou faz o que lhe mandam. Dezenas de profissionais replicaram o trabalho de Aroeira. E agora?

Indo-se para o campo jurídico, a revista americana “Hustler” publicou uma paródia de um anúncio do rum Bacardi, no qual brincava-se com a “primeira vez” de personagens famosos e a vítima foi o pastor Jerry Falwell. Sua “primeira vez” teria sido incestuosa.

Falwell processou a revista, pedindo US$ 45 milhões de indenização. Perdeu por 8x0 na Corte Suprema. Como diria o capitão Bolsonaro, o Judiciário toma decisões abusivas.

Sendo advogado, Mendonça poderia dar uma lida na decisão da Corte, redigida pelo seu presidente William Rehnquist. Acompanhando-o, estava Antonin Scalia. Ambos ajudaram a ressuscitar o conservadorismo americano servindo ao Direito.

Fábrica de crise
De quem já viu de tudo no Palácio do Planalto:

Houve presidentes em cujos mandatos a crise entrava no palácio e saia menor: Michel Temer, Lula e Fernando Henrique. Com a Dilma ela entrava pequena e saia maior.

Com o Bolsonaro ela não precisa nem entrar. Ele vai para o cercadinho do Alvorada e fabrica a encrenca.

Virou bagunça
O general Eduardo Pazuello povoou o Ministério da Saúde com militares. Direito dele. A repórter Camila Mattoso revelou que ele está inovando os métodos de gestão pública. O empresário Airton Soligo, ex-deputado federal por Roraima, conhecido como “Cascavel”, intitulou-se “parceiro de missão” do general, assumiu poderes de facilitador no ministério. Reuniu-se com governadores e tratou de assuntos oficiais com secretários de Saúde.

“Cascavel” não é médico, nem servidor público.

Para quem acha que militares levam critérios de racionalidade e disciplina para a administração civil, a memória ensina que jamais na História das Forças Armadas um paisano meteu-se na administração de um quartel. Na burocracia civil, quando um transeunte se mete na administração, isso é sinal de que algo de ruim pode acontecer.

Onde fica a saída?
As Forças Armadas levaram 25 anos para se afastar da administração civil. De uma hora para outra, o capitão e alguns generais as levaram de novo para o meio de redemoinho.

Começou-se a pensar como sair dessa.

Vera Lynn
Militares da ativa ou da reserva podem ter uns momentos de alegria nostálgica ouvindo a voz de Vera Lynn, a favorita dos combatentes ingleses durante a Segunda Guerra. Ela morreu, aos 103 anos.

No ano do seu centenário saiu um álbum das melhores canções, com nova orquestração.

Filha de um operário com uma costureira, sua voz deu às tropas um estímulo só comparável à do primeiro-ministro Winston Churchill, até porque o rei George VI era gago.


Dorrit Harazim: Abraço de afogado

Agora que a casa caiu, a esparrela das movimentações financeiras dos Bolsonaro será escancarada mais cedo do que tarde

Um silêncio nunca consegue ser de todo silencioso. Mais de meio século atrás, o compositor de música contemporânea John Cage sentou-se ao piano do Maverick Concert Hall em Woodstock (pois é, Woodstock), no Estado de Nova York, e apresentou a peça que o tornaria célebre. Durante 4 minutos e 33 segundos “tocou” o que seriam três movimentos com as mãos imóveis sobre o teclado fechado. Daí o nome da peça, “4:33”, e o estrondo que fez. A obra continua a ser apresentada por pianistas clássicos mundo afora, com cada plateia preenchendo o desconfortável silêncio ouvindo os sons ao redor. São sons do cotidiano imprevisível — um tossir, um ranger, um respirar pesado, um roçar de papel — que em salas de acústica afinada adquirem peso novo. No fundo, cada um ouve o que não pretendia escutar.

O abraço de três segundos desta quinta-feira entre o presidente Jair Bolsonaro e Abraham Weintraub também se presta a leituras múltiplas. Cada um interpreta como quiser, mas não é ilícito ver na cena o abraço de um afogado. Um só — Bolsonaro.

Dadas as circunstâncias, os náufragos naquele enlace forçado deveriam ser dois — o ministro da Educação defenestrado e o chefe de Estado no seu dies mais horribilis desde a posse. Só que Weintraub pôde se programar para a cena, enquanto a explosiva prisão de Fabrício Queiroz horas antes deixara o presidente à míngua de oxigênio. Para o vídeo de três minutos em que anunciou sua demissão, Weintraub se apresentou de paletó aberto e mão no bolso, com uma sem-cerimônia estudada e cafajeste, sob medida para os “muitos Weintraubs” que ele disse ter descoberto no Brasil. Agraciado com um cargo de R$ 1,3 milhão anuais no Banco Mundial em Washington, disporá, se efetivado, desse colchão de distância das investigações judiciais que o envolvem no inquérito das fake news. Ainda que venha a ser alcançado pela Justiça, contudo, jamais conseguirá pagar a dívida histórica que contraiu com toda uma geração de brasileiros: ele foi, até o ultimíssimo decreto, o ministro da Educação mais ruinoso da História do Brasil.

Já Bolsonaro, seja na cena do abraço ou longe dela, não tem para onde ir. Encolhido, olhar vazado e desprovido de seu talento para farejar fraquezas alheias e improvisar, o presidente pareceu de cera no “abracinho” obtido a fórceps por Weintraub. Pouco a ver com o desconforto em demitir o décimo membro do seu Ministério. Tudo a ver com a implosão do esconderijo de Fabrício Queiroz. Amigo há décadas do atual presidente, Queiroz atuou como faz-tudo ao hoje senador Flávio, enquanto o filho 01 foi deputado estadual do Rio. Por isso, caso decida falar, Queiroz será a testemunha mais apta a elucidar a teia de ligações perigosas do clã Bolsonaro. Como escreveu a jornalista Míriam Leitão, o nome “rachadinha”, no diminutivo como é da cultura carioca, reduz o peso do crime que lhes é imputado. Trata-se, no mínimo, de desvio de dinheiro público, com fortes indícios de ser muito mais. A parceria tóxica com a criminalidade miliciana, se comprovada, apertará o cerco a um presidente já sitiado por outros inquéritos, com potencial de levar à sua cassação ou impeachment.

Teve efeito bumerangue a gritante mudez do presidente da República no dia da prisão de Queiroz. Assim como a obra “4:33” de John Cage adquire vida própria pelos ruídos fora da cena, o fatal silêncio de Bolsonaro na quinta-feira foi atropelado pelo desenrolar de fartos acontecimentos em tempo real. A diferença, claro, é que o músico vanguardista americano teve no silêncio a sua criação. Já Bolsonaro recorreu ao silêncio como refúgio para o medo. Embrulhado numa jaqueta de tamanho acima do necessário na live semanal, na noite de quinta-feira, parecia outro homem. Encolhera.

Entre os protagonistas principais da trama atual, a figura do advogado de melenas graúnas Frederick Wassef é a mais exótica até agora. Apesar de ser o advogado oficial de Flávio Bolsonaro e se dizer causídico do presidente (ou então, justamente por isso), teve a péssima ideia de manter Queiroz por meses em um sítio de sua propriedade, ao abrigo de uma eventual diligência do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Agora que a casa caiu, a esparrela das movimentações financeiras dos Bolsonaro será escancarada mais cedo do que tarde. Ela se encontra com um Brasil de mais de 1 milhão de infectados pelo coronavírus, um corolário de 50 mil mortos, um Ministério da Saúde à deriva e um governo insano.

Neste Brasil o silêncio começou a deixar de ser uma opção. Melhor assim.


Bernardo Mello Franco: Bolsonaro sobre Queiroz: três mentiras e um autoengano

Ao comentar a prisão de Queiroz, Bolsonaro mentiu três vezes em apenas 75 segundos. O capitão já disse que o amigo ‘fazia rolo’, mas agora é ele que está enrolado.

Desde que Fabrício Queiroz foi em cana, Jair Bolsonaro suspendeu as paradas no curralzinho do Alvorada. O presidente fugiu dos microfones e se mostrou abatido em dois vídeos divulgados nas redes. Na única menção ao caso, tentou se descolar da prisão do escudeiro. Em 75 segundos, contou três mentiras e confundiu desejo com realidade.

Bolsonaro disse que o amigo estava entocado em Atibaia para ficar “perto do hospital”. Conversa fiada. A chácara onde Queiroz se escondeu fica a 96 quilômetros do Albert Einstein, onde ele pagou uma cirurgia de R$ 133 mil em dinheiro vivo. Chegaria mais rápido se continuasse no Rio e pegasse um voo da ponte aérea.

O capitão afirmou que o ex-PM não precisava ser capturado porque estava à disposição do Ministério Público. Outra cascata. No pedido de prisão, os promotores lembram que Queiroz não compareceu “a diversos depoimentos marcados e remarcados” desde 2018. Ele ainda prestou informação falsa ao fornecer o endereço de um hotel em que nunca se hospedou. Sua mulher, que chegou a articular um plano de fuga com milicianos, está foragida da polícia.

O presidente também torturou os fatos ao dizer que “não está envolvido” nas traficâncias do faz-tudo. Além de pagar a escola de suas netas, Queiroz depositou R$ 24 mil na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. O ex-PM é homem de confiança do patriarca do clã. Estava pendurado no gabinete de Flávio, mas seu verdadeiro chefe era Jair.

O fantasma de uma delação de Queiroz começou a assombrar a família presidencial antes da posse. No terceiro dia de mandato, Bolsonaro declarou que o ex-PM “sempre gozou de toda a sua confiança”. O capitão disse que o amigo “fazia rolo”, mas agora é ele quem está enrolado com um preso que sabe demais.

Na live de quinta, o presidente deixou de citar detalhes importantes. Esqueceu que o ex-PM estava escondido num imóvel do seu advogado e ignorou o rótulo de chefe de organização criminosa que o Ministério Público colou na testa do primeiro-filho. Bolsonaro encerrou o monólogo com nove palavras de autoengano: “Da minha parte, tá encerrado aí o caso Queiroz”. Na verdade, está só começando.


Bruno Boghossian: Com prisão de Queiroz, fantasma da roubalheira assombra Bolsonaro

Ex-assessor ressurge e revira métodos típicos dos políticos do baixo clero

Por algum tempo, Jair Bolsonaro tentou se distanciar dos rolos de Fabrício Queiroz. Quando foi revelado o esquema de confisco de salários num dos gabinetes do clã, o presidente disse que o fiel aliado era quem deveria responder. “Não tenho nada a ver com essa história”, afirmou, assim que assumiu o cargo.

Não deu para disfarçar. A prisão do ex-policial numa casa ligada ao advogado Frederick Wassef sugere que o amigo de Bolsonaro estava sob a guarda da família. O doutor não era apenas um representante legal de Flávio. Ele frequentava o Palácio da Alvorada e circulava como homem de confiança do presidente.

Já Bolsonaro e Queiroz se conhecem há mais de 30 anos. Embora o clã tenha negado contatos com o ex-assessor, os acontecimentos mais recentes oferecem indícios de que essa conexão jamais foi desfeita. Nessas circunstâncias, o avanço das investigações se torna uma ameaça.

O Planalto anda acuado por apurações sobre o financiamento de uma rede de informações falsas e pelo cerco a alguns de seus apoiadores mais radicais, mas o fantasma do caso Queiroz representa uma assombração política especial.

A exploração de fake news e os ataques às instituições democráticas podem complicar Bolsonaro juridicamente, mas ainda servem como ferramentas para energizar e aglutinar sua base mais leal. As suspeitas de desvio de dinheiro público no esquema da rachadinha, por outro lado, pode ter força para desgastá-lo também dentro desse grupo.

Para um presidente que pegou carona na irritação generalizada com a classe política, o espectro da roubalheira tem potencial para provocar danos cruéis. Antes de tomar posse, o próprio Bolsonaro desenhou: “Se algo estiver errado comigo, com meu filho, com o Queiroz, que paguemos a conta. Dói no coração da gente? Dói, porque nossa maior bandeira é o combate à corrupção”.

Queiroz ressurge e revira métodos típicos dos políticos do baixo clero. Resta saber se o caso também atingirá o gabinete presidencial.


Merval Pereira: Os Bolsonaro

Situação fica muito mais complicada para a família, e o cerco vai se fechando em torno dos Bolsonaro

O “physique du rôle” do advogado Frederick Wassef o faria um ator indicado para filmes de gângster. Conheci-o fortuitamente num vôo de Brasília para o Rio, e a conversa começou com um mal-entendido. O cara que se sentou ao meu lado na primeira fila era espaçoso, correntes de ouro, e muito falante, não largava o celular, sem atender aos pedidos da aeromoça para desliga-lo, pois iriamos decolar.

Pedi então que o desligasse, pois estava colocando em risco os demais passageiros. Ele pediu desculpas, olhou para mim e perguntou: “Você é o Merval Pereira?”. Quando confirmei, ele abriu os braços: “Você ia brigar com um fã seu?”. Respondi rapidamente: “Brigar com você? Você é muito mais forte que eu. Só queria que o avião não caísse”.

Como não podia deixar de ser, começou a puxar conversa, bravateando sua relação íntima com os Bolsonaro. Queria dar uma entrevista à Globo. Nunca mais nos falamos, e passei a seguir suas peripécias apenas pelos jornais, até ontem, quando Fabricio Queiroz foi preso em sua casa em Atibaia.

Bonequinhos do mafioso Tony Montana, do filme Scarface , com roteiro de Oliver Stone, decorarem uma prateleira apoiando um cartaz a favor do AI-5, é só um detalhe a mais para significar ironicamente a relação mafiosa entre os dois e, por tabela, com os Bolsonaro. Não sei se os bonequinhos já faziam parte da decoração da casa, ou se Queiroz os levou para seu exílio dourado em Atibaia.

Mas, em qualquer caso, têm um simbolismo banal, mas muito expressivo. Contra as bravatas do presidente Bolsonaro, fatos. A ligação de Queiroz com o advogado Wassef, que se gaba de ser amigo íntimo do presidente e de seus filhos, só confirma os laços de juramento de sangue, bem ao estilo mafioso, que o une à família Bolsonaro.

Sumido há mais de ano, Queiroz sempre esteve sob a proteção dos Bolsonaro, na pessoa de Wassef, que volta e meia estava no Palácio da Alvorada dando conta dos processos em que atua em defesa dos membros do clã e, sabe-se agora, outras cositas más. Enquanto o país inteiro perguntava onde estava o Queiroz, os Bolsonaro sabiam perfeitamente. Esconder um fugitivo cujos crimes de que é acusado são ligados diretamente ao filho do presidente, envolvendo também o próprio Bolsonaro, que empregou em seu gabinete de deputado federal milicianos e seus parentes, alguns merecedores de homenagens como medalha de mérito, não é pouca coisa.

O “pacto de sangue que os une pode ser quebrado, principalmente se a mulher de Queiroz, contra quem há um mandado de prisão, vier se juntar a ele na cadeia. Várias mensagens de seu esconderijo, que, se sabe agora, nem tão clandestino era para a família Bolsonaro, foram enviadas por Queiroz, se dizendo abandonado.

Esse sentimento pode ser decisivo agora, que a polícia do governador João Doria, em parceria com o MInistério Público do Rio, encontrou-o em um sítio em Atibaia, no interior de São Paulo, local de outro sítio envolvido em caso político-criminal de nossa história recente.

Estão começando a surgir os fatos que tornam inócuas as bravatas de Bolsonaro. Já o eram anteriormente - como se diz, cão que ladra não morde -, pois ele sempre esbravejou, mas acabou acatando as ordens da Justiça. Com a prisão de Queiroz, a situação fica muito mais complicada para a família, e o cerco vai se fechando em torno dos Bolsonaro.

Os fatos, ao contrário, vão se clareando, mostrando que estava sendo protegido pelos Bolsonaro, e o advogado Wassef, figurinha fácil nos Palácios, era a ligação entre eles. A casa era um simulacro de escritório de advocacia, o que mostra a má fé do advogado, provavelmente para se valer da inviolabilidade garantida por lei para esse tipo de imóvel.

Wassef também mentia quando dizia publicamente não saber do paradeiro de Queiroz, enquanto o escondia há um ano em sua casa. Queiroz leva diretamente os Bolsonaro aos milicianos – que eles empregaram e condecoraram diversas vezes. Enquanto deputado, Bolsonaro deu medalha para o capitão Adriano, miliciano morto na Bahia recentemente. Queiroz empregou a mulher e a filha do miliciano no escritório dos Bolsonaro. Tinha até um serviço de vans em Rio das Pedras, tradicional reduto de milicianos do Rio. A rachadinha é apenas um dos problemas deles. É uma situação muito delicada, como nunca vimos antes, o envolvimento da família presidencial com criminosos, com milicianos.


O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello esclarece que não votou no mérito do habeas-corpus pedido em favor do ex-ministro Abraham Weintraub. Posicionou-se apenas pelo cabimento do habeas-corpus.


El País: Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, é preso em São Paulo

O policial aposentado e amigo da família do presidente Jair Bolsonaro é investigado no suposto esquema de 'rachadinha' na Alerj

O policial aposentado e ex-assessor do senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), Fabrício Queiroz, foi preso na manhã desta quinta-feira em Atibaia, cidade do interior de São Paulo. Queiroz é investigado no suposto esquema de “rachadinha” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Os mandados de busca e apreensão, e a prisão do policial aposentado, foram realizados pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de São Paulo após determinação da Justiça do Rio. Também foi autorizada a prisão da esposa de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar.

O ex-assessor estava em um imóvel de Frederick Wasseff, advogado da família Bolsonaro. De acordo com informações de um caseiro, repassadas à polícia, Queiroz estava no imóvel havia cerca de um ano. Após passar pelo Instituto Médico Legal (IML), ele foi encaminhado para o Departamento de Homícidios e Proteção à Pessoa (DHPP), e de lá será levado para o Rio.

A Polícia Civil também realiza outras buscas e apreensões, inclusive, em um imóvel no bairro Bento Ribeiro, zona norte do Rio, onde vive Alessandra Esteve Marins, ligada ao gabinete de Flavio Bolsonaro. O servidor da Alerj Matheus Azeredo Coutinho, a ex-assessora da legislativa Luiza Paes Souza e o advogado Luis Gustavo Botto Maia também são alvo de medidas.

Flavio Bolsonaro afirmou em rede social que encara com tranquilidade a prisão de Queiroz. “A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim. Bastou o Presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!”, escreveu no Twitter.Flavio Bolsonaro@FlavioBolsonaro

Encaro com tranquilidade os acontecimentos de hoje. A verdade prevalecerá! Mais uma peça foi movimentada no tabuleiro para atacar Bolsonaro. Em 16 anos como deputado no Rio nunca houve uma vírgula contra mim.Bastou o Presidente Bolsonaro se eleger para mudar tudo! O jogo é bruto!

11,8 mil

Informações e privacidade no Twitter Ads

11,2 mil pessoas estão falando sobre isso

Queiroz trabalhou por mais de dez anos —de 2007 a outubro de 2018— no gabinete do senador Flávio Bolsonaro, que foi deputado estadual por quatro mandatosChamado de amigo pelo presidente, Queiroz passou a ser conhecido depois que um relatório do Controle de Atividades Financeiras (Coaf), do final de 2018, apontou movimentação de 1,2 milhão de reais, entre repasses recebidos e enviados, em suas contas ao longo de um ano, valor que as autoridades consideraram incompatíveis com sua renda e atividade.

O Coaf também considerou atípico o fato de Queiroz ter recebido depósitos de outros servidores do gabinete, o que indica a prática de rachadinha —quando funcionários públicos são obrigados a transferir parte de seus salários a parlamentares que os contrataram ou a seus aliados. Outra transação que chamou a atenção foi um cheque de 24.000 reais para a hoje primeira-dama, Michelle Bolsonaro. O presidente afirma que o repasse consistiu no pagamento de parte de um empréstimo dele ao PM.PUBLICIDADE

As suspeitas contra Queiroz levaram a Promotoria a abrir investigação contra o próprio Flávio por suspeita de lavagem de dinheiro e peculato (desvio de dinheiro público). Em julho de 2019, o caso foi suspenso provisoriamente pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF)Dias Toffoli, que considerou que houve quebra de sigilo no compartilhamento irregular pelo Coaf de informações financeiras do parlamentar com os investigadores. Essa decisão acabou por congelar mais de 900 apurações semelhantes. No final de novembro, no entanto, o plenário da Corte decidiu que esse tipo de procedimento é legal, e a investigação contra o senador foi retomada.

Em abril deste ano, o site The Intercept divulgou documentos e dados sigilosos do Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (MP-RJ) que apontavam que Flávio Bolsonaro financiou com dinheiro público a construção de prédios da milícia no Rio. De acordo com os investigadores, que falaram com The Intercept em condição de anonimato, Flávio estaria recebendo atualmente o lucro do investimento dos prédios por meio de repasses feitos pelo ex-capitão do Bope Adriano da Nóbrega —executado em fevereiro na Bahia— e pelo ex-assessor Fabrício Queiroz.

Segundo a reportagem, Flávio pagava os salários de seus funcionários com a verba do seu gabinete na Alerj, e Queiroz confiscava cerca de 40% dos vencimentos dos servidores e repassava parte do dinheiro ao ex-capitão do Bope, Adriano da Nóbrega, apontado como chefe do Escritório do Crime, uma milícia especializada em assassinatos por encomenda.


Elio Gaspari: O mistério da demissão de Queiroz

Ex-assessor foi exonerado após encontro cinematográfico de auxiliares de Flávio com delegado da PF

A entrevista do empresário Paulo Marinho à colunista Mônica Bergamo recolocou no centro da mesa a mesma pergunta: por que o presidente Jair Bolsonaro demitiu seu chevalier servant, o ex-PM Fabrício Queiroz, no dia 15 de outubro de 2018, uma semana depois do primeiro turno da eleição e duas semanas antes do segundo?

No mesmo lance, dispensou também a filha de Queiroz. Se eles fizeram algo de errado, nunca se soube. Ela ganhava R$ 10 mil mensais no gabinete do então deputado Jair Bolsonaro e ele recebia R$ 9.000 servindo ao seu filho Flávio, que acabara de ser eleito senador.

Desde os primeiros dias do governo de Bolsonaro conhecem-se as movimentações financeiras de Queiroz.

Ele nunca explicou suas operações, limitando-se a dizer que "fazia dinheiro" comprando e vendendo carros. Queiroz empregou no gabinete de Flávio Bolsonaro a mãe do ex-PM e miliciano da ativa Adriano da Nóbrega, foragido da Justiça por quase dois anos até que foi morto pela polícia baiana em fevereiro passado.

Paulo Marinho é suplente do senador Bolsonaro e revelou que os Queiroz foram demitidos dias depois do cinematográfico encontro de três colaboradores de Flávio Bolsonaro com um delegado da Polícia Federal na segunda semana de outubro de 2018.

Ele teria revelado que uma investigação apontava para traficâncias de Queiroz. Dias depois, ele e sua filha foram demitidos. O alerta teria mobilizado os Bolsonaros, Marinho, o futuro ministro Gustavo Bebianno e três advogados. O ex-PM assustou-se, temendo ir para a cadeia, chegou a vomitar no banheiro de um escritório e desapareceu.

Quando o Ministério Público investigava suas atividades, Queiroz queixou-se da falta de ajuda, sentindo-se ameaçado. Achava que os procuradores tinham um objeto "do tamanho de um cometa para enterrar na gente".

O que seria uma história de 2018 juntou-se a uma encrenca de hoje, com a denúncia do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro tentou interferir no trabalho da PF do Rio de Janeiro, onde havia servido o delegado Alexandre Ramagem. Ele cuidou da Operação Cadeia Velha, que investigava malfeitorias na Assembleia Legislativa.

Tudo voltou ao ponto de partida: a Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro. Bebianno morreu e Flávio Bolsonaro desqualifica as revelações de seu suplente, mas Marinho colocou na roda pessoas que discutiram a estratégia de defesa de Queiroz. Algumas delas teriam presenciado a conversa com o delegado. Marinho não a presenciou.

Só as investigações do Ministério Público e da PF poderão esclarecer essa questão, mas uma coisa é certa há mais de um ano: a demissão de Queiroz e de sua filha tem cheiro de vazamento.
Paulo Marinho está no PSDB, alinhado com o governador João Doria e é pré-candidato a prefeito do Rio.

Durante a campanha abrigou em sua casa do Jardim Botânico o quartel-general do candidato. Lá realizavam-se gravações e reuniões da equipe de Bolsonaro. Nessa relação estreita ele ganhou a suplência do senador Flávio Bolsonaro e perdeu uma cozinheira de várias décadas, levada pelo presidente para Brasília.


Reinaldo Azedo: Ramagem era o delegado da operação que originou a Furna da Onça

Costumo dizer que o mundo da política tem um "ICI" muito superior ao de outras áreas da experiência humana. O que é ICI? É o "índice de Coincidências Incríveis".

O que é mesmo a Operação Furna da Onça? Foi deflagrada em 8 de novembro de 2018 — DEPOIS, PORTANTO, DO SEGUNDO TURNO; FLÁVIO TERIA SIDO AVISADO UMA SEMANA DEPOIS DO PRIMEIRO TURNO — para apurar um esquema monitorado pelo ex-governador Sergio Cabral para distribuir propinas na Assembleia Legislativa do Rio. O nome é referência a uma sala que fica ao lado do plenário, aonde deputados costumam ir para reuniões rápidas ou para encontrar visitantes.

Foi no âmbito dessa investigação que se chegou ao extrato bancário de Fabrício Queiroz, evidenciando que ele operava a "rachadinha" no gabinete de Flávio, investigada no âmbito estadual. Ele mesmo o admitiu. Ofereceu uma singularíssima explicação: pegaria de volta parte do salário dos servidores do gabinete de Flávio e contrataria pessoas informalmente para fazer outros serviços no gabinete. E, claro, ele jura que o então deputado estadual não sabia de nada.

AGORA O "FATOR ICI"
A Operação Furna da Orça é um desdobramento da Operação Cadeia Velha, deflagrada em novembro de 2017, também para apurar propinas pagas pelo esquema de Cabral -- nesse caso, na área de transportes.

A gente ainda não sabe quem é o delegado, em tendo acontecido o que diz Paulo Marinho, que cometeu o crime de vazar a operação para Flávio, que avisou Bolsonaro. Mas dá para saber quem é o delegado que chefiou a Operação Cadeia Velha, reunindo informações que levaram, então, à operação Furna da Onça, que chegou a Queiroz. Atende pelo nome de Alexandre Ramagem.

Sim, é o delegado que passou a cuidar da segurança pessoal de Bolsonaro, que foi levado depois para a assessoria da Secretaria de Governo, saltando de lá para o comando da Abin e que o presidente queria pôr no comando da PF, se onde vazara a informação...

Parafraseando Rick em "Casablanca" ao ver a amada Ilse em seu bar, pergunto: "Com tantos delegados na PF, tinha ser justamente Ramagem o responsável pela operação que gerou a Furna da Onça, que, segundo Marinho, foi antecipada a Flávio Bolsonaro? Justo Ramagem, que Bolsonaro tentou colocar no comando do órgão?

É o tal "ICI" da política: o Índice de Coincidências Incríveis.

LEIAM

BOMBA 1: Ex-aliado diz que PF avisou a Flávio que Queiroz seria investigado

BOMBA 2: Se vazou, Bolsonaro e Flávio cometeram crimes; lugar do caso é STF


BOMBA 4: Quem guarda telefone de Bebianno que traz conversas com Bolsonaro


Folha de S. Paulo: PF antecipou a Flávio que Queiroz seria alvo de operação, diz suplente do senador

Empresário afirma que revelação foi feita a ele em 2018 pelo filho do presidente, que demitiu assessor para tentar prevenir desgaste

Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo

empresário Paulo Marinho, 68, foi um dos mais importantes e próximos apoiadores de Jair Bolsonaro na campanha presidencial de 2018. Ele não apenas cedeu sua casa no Rio de Janeiro para a estrutura de campanha do então deputado federal, que ainda hoje chama de “capitão”, como foi candidato a suplente na chapa do filho dele, Flávio Bolsonaro, que concorria ao Senado. Os dois foram eleitos.

Em dezembro daquele ano, com Jair Bolsonaro já vitorioso e prestes a assumir o comando do país, Flávio procurou Paulo Marinho. Estava “absolutamente transtornado”, segundo o empresário. Buscava a indicação de um advogado criminal.

escândalo de Fabrício Queiroz, funcionário de Flávio no seu gabinete de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio, não saía das manchetes. Havia acusações de “rachadinhas” e de desvio de dinheiro público. O senador recém-eleito temia as consequências para o futuro governo do pai —e precisava se defender.

As revelações que Marinho diz ter ouvido do filho do presidente nesse encontro são bombásticas: segundo ele, Flávio disse que soube com antecedência que a Operação Furna da Onça, que atingiu
Queiroz, seria deflagrada.

Foi avisado da existência dela entre o primeiro e o segundo turnos das eleições, por um delegado da Polícia Federal que era simpatizante da candidatura de Jair Bolsonaro.

Mais: os policiais teriam segurado a operação, então sigilosa, para que ela não ocorresse no meio do segundo turno, prejudicando assim a candidatura de Bolsonaro.

O delegado-informante teria aconselhado ainda Flávio a demitir Fabrício Queiroz e a filha dele, que trabalhava no gabinete de deputado federal de Jair Bolsonaro em Brasília.

Os dois, de fato, foram exonerados naquele período —mais precisamente, no dia 15 de outubro de 2018.

Queiroz estava sumido em dezembro. Mas, segundo Marinho, o senador Flávio Bolsonaro mantinha interlocução indireta com ele por meio de um advogado de seu gabinete.

Nesta entrevista, Marinho, que é pré-candidato a prefeito do Rio de Janeiro pelo PSDB, começa falando da cidade que pretende governar, dos planos para a campanha presidencial de João Doria em 2022 —e por fim detalha os encontros com Flávio Bolsonaro.

Segundo ele, as conversas podem “explicar” o interesse de Bolsonaro em controlar a Superintendência da Polícia Federal no Rio, causa primeira dos atritos que culminaram na saída de Sergio Moro do Ministério da Justiça.

Como está a sua candidatura a prefeito do Rio? Ser candidato nunca esteve nos meus planos. Quando assumi a presidência do PSDB no Rio, há um ano, fui orientado pelo [governador de SP, João] Doria a trazer jovens e mulheres para o partido, que é inexpressivo no estado a ponto de não ter conseguido eleger um único deputado federal em 2018.

Fui buscar a Mariana Ribas, ex-ministra interina da Cultura no governo do Michel Temer, ex-secretária de Cultura do Rio. Ela tem 34 anos de idade, é jovem, bonita, se encaixava no perfil que o governador [Doria] indicava. Ela topou. Mas, por motivos pessoais, desistiu.

O nome que aparecia naturalmente para substituí-la era o do Gustavo Bebianno, ex-ministro de [Jair] Bolsonaro, meu amigo fraterno e pessoa de absoluta confiança.

Bebianno começou a trabalhar como pré-candidato. Uma semana depois da indicação, teve um infarto fulminante e morreu, aos 54 anos. Para mim, foi uma tragédia pessoal. Perdi um irmão. Para o partido, foi irreparável.

Dias depois, o Doria me convidou para ser candidato. Aceitei o desafio.

Vou trabalhar para encontrar um campo político de aliados que deem ao eleitor uma opção que não seja a de votar no menos pior. Os eleitores do Rio têm se acostumado a isso. E é isso o que eu quero combater.

Quem ganhar a eleição no fim do ano pegará uma cidade arrasada, pela crise econômica e pela pandemia. O que poderia ser feito? O Rio já enfrentava um quadro de dificuldades imensas, que a pandemia agravou. Já havia aumento de trabalhos informais, desemprego, falta de projeto político e econômico. A cidade está à beira do abismo.

Quem disser que pode planejar algo para 2021 cometerá uma leviandade com o eleitor.

A prefeitura tem duas receitas sólidas: o ISS, ligado à atividade econômica, que parou, e o IPTU. Haverá uma inadimplência enorme em janeiro [mês de cobrança do tributo]. Que governo terá coragem de executar a dívida e tomar o imóvel de uma pessoa que não pagou IPTU em uma situação de pandemia? Essa inadimplência terá que ser tolerada.

O momento não é para ginasiano. É para pessoas que tenham experiência empresarial, como eu tenho, no mercado financeiro, de comunicação. Eu trabalho desde os 14 anos. Tenho contatos com todo o mundo e capacidade de articular todas as pessoas de bem para se juntarem em torno de um projeto de salvação da cidade.

O PSDB do Rio vai ser uma plataforma para a candidatura presidencial de Doria em 2022. Ela é viável? O governo Bolsonaro está com os dias contados? A minha motivação ao aceitar assumir a presidência do PSDB no Rio foi a minha convicção de que o Brasil precisa eleger um próximo presidente com as qualidades do Doria.

E o governo Bolsonaro? Eu não sei fazer essa futurologia em relação ao governo Bolsonaro. Mas estamos praticamente no meio do mandato e até aqui não aconteceu absolutamente nada. Foram dois anos perdidos. Toda sorte que ele teve na campanha eleitoral, foi o contrário no governo. Um governante pegar uma pandemia no meio de um mandato, que vai retrair a economia em 6%, 8%, é inimaginável.

O capitão não tem capacidade pessoal de gerir um país em condições normais. E muito menos no meio de uma loucura como essa que nós estamos vivendo. Então, são duas as alternativas: ou vamos viver crise atrás de crise ou alguma coisa vai acontecer contra ele, [consequência] de algum crime de responsabilidade que possa praticar ao longo desta crise. E o resto vai ser essa loucura.

E na campanha já não dava para perceber isso? A primeira coisa que percebi é que não se tratava de um mito. Outras pessoas do núcleo duro achavam isso. O Gustavo [Bebianno] mesmo tinha pelo capitão uma admiração. Achava que ele era um estadista, um líder, o homem que iria colocar o Brasil em outro patamar.

Eu olhava o capitão, com aquele jeito tosco dele, e algumas coisas me chamavam a atenção. Por exemplo: ele era incapaz de agradecer às pessoas. Chegava uma empregada minha, servia a ele um café, um assistente entregava um papel, e ele nunca dizia um obrigado. Eu nunca ouvi, durante o ano e meio em que convivi, ele expressar a palavra obrigado a alguém.

Um gesto mínimo. Pode não parecer nada, mas demonstra uma faceta da personalidade dele. Será que é uma pessoa apenas de maus hábitos, que não tem educação?

As piadas eram sempre homofóbicas. Os asseclas riam, mas elas não tinham nenhuma graça. E, no final, ele realmente despreza o ser feminino. Tratava as mulheres como um ser inferior.

Não tinha uma mulher na campanha dele. Nunca houve. A única, a distância, foi a Joice [Hasselmann, deputada federal], que ficava em São Paulo. Não tinha mulher na campanha dele, só homem.

Ele gostava mesmo era de conversar com os seguranças dele. Policiais militares, batedores. Ele se sentia em casa, ficava horas conversando, contando piada.

Gustavo Bebianno era visto como uma espécie de homem-bomba que morreu guardando muitos segredos. Ele tinha de fato um dossiê sobre Bolsonaro? O Gustavo tinha um telefone celular por meio do qual interagiu durante toda a campanha [presidencial de 2018] e a transição de governo com o capitão. Eles se falavam muito por WhatsApp. O capitão adorava mandar mensagens gravadas para ele.

O Gustavo tinha esse conteúdo imenso [de mensagens], na mais alta intimidade que você pode imaginar. Eram conversas íntimas que provavelmente deviam ter revelações interessantes.

Um dia, num ato de raiva pela demissão injusta que sofreu, tratado como se tivesse sido um traidor quando foi o que mais fez pelo capitão, ele deletou grande parte desse conteúdo. E deixou esse telefone com uma pessoa nos Estados Unidos.

Depois parece que ele resgatou de novo o conteúdo. Ele ficou muito marcado pela demissão, com muito desgosto, melancolia. Ele morreu de decepção, de tristeza mesmo. Mas ele não era homem-bomba. Não tinha nada que pudesse tirar o capitão do governo por algo do passado.

Onde está o telefone? Eu não sei onde está, para te dizer a verdade. Está com alguém. Eu não sei com quem.

O senhor já disse que ele tinha preocupação com os rumos do governo Bolsonaro. Imensa. Ele dizia: ‘O capitão vai se enfraquecer de tal maneira que só vai ter a saída do golpe para se manter no poder. E ele é louco para fazer o golpe’. Ele tinha certeza que isso ia acontecer.

Por que o senhor acha que há tanto interesse de Bolsonaro na Superintendência da Policia Federal do Rio de Janeiro? Eu não sei responder exatamente. Mas eu me recordo de um episódio que aconteceu antes de ele [Bolsonaro] assumir o governo que talvez ilustre um pouco melhor essa questão.

Eu vou te contar uma história que nunca revelei antes porque não tinha razão para falar disso. Eu tenho até datas anotadas e vou ser bem preciso no relato que vou fazer, porque talvez ele explique a sua pergunta.

Quando terminou o segundo turno da eleição [em 28 de outubro], o capitão Bolsonaro fez a primeira reunião de seu futuro ministério em minha casa [no Rio]. Estavam o vice-presidente Hamilton Mourão, o Onyx Lorenzoni [futuro ministro da Casa Civil], o Paulo Guedes [Economia], o Bebianno e o coronel [Miguel Angelo] Braga [Grillo], para discutir o desenho dos ministérios do futuro governo. Ela começou às 9h e terminou às 17h. Foi o último dia que vi o capitão Bolsonaro.

Nunca mais estive com ele.

No dia 12 de dezembro, uma quarta-feira, me liga o senador Flávio Bolsonaro [filho do presidente] me dizendo que queria falar comigo, por sugestão do pai.

Operação Furna da Onça [que investigava desvio de recursos públicos da Assembleia Legislativa do Rio] já tinha sido detonada e trazido à tona o episódio do [Fabrício] Queiroz [que tinha trabalhado no gabinete de Flávio na Assembleia e é acusado de integrar o esquema].

Flávio estava sendo bombardeado pela mídia. O Queiroz estava sumido.

Ele me disse: ‘Gostaria que você me indicasse um advogado criminalista’. E combinamos de ele vir à minha casa às 8h do dia seguinte, uma quinta-feira, 13 de dezembro.

Passei a mão no telefone e liguei para o advogado Antônio Pitombo, de São Paulo, indicado por mim para defender o capitão no processo da [deputada] Maria do Rosário no STF [Supremo Tribunal Federal].

E ele me indicou um advogado de confiança, Christiano Fragoso, aqui do Rio.

No dia seguinte, quinta-feira, 13, às 8h30, chegam na minha casa Flávio Bolsonaro e o advogado Victor Alves, que trabalha até hoje no gabinete do Flávio, é advogado de confiança dele. Estávamos eu, Christiano Fragoso, Victor e Flávio Bolsonaro. Flávio começa a nos relatar o episódio Queiroz. Ele estava absolutamente transtornado.

E esse advogado, Victor, dizendo ao advogado Christiano que tinha conversado com o Queiroz na véspera e que o Queiroz tinha dado a ele acesso às contas bancárias para ele checar as acusações que pesavam contra o Queiroz.

E o que ele disse que as contas mostravam? O Victor estava absolutamente impressionado com a loucura do Queiroz, que tinha feito uma movimentação bancária de valores absolutamente incompatíveis com tudo o que ele poderia imaginar.

Já o Flávio estava ali lamentando a quebra de confiança do Queiroz em relação a ele. Dizia que tudo aquilo tinha sido uma grande traição, que se sentia muito decepcionado e preocupado com o que esse episódio poderia causar ao governo do pai.

Ele chegou até a ficar emocionado, a lacrimejar.

E Flávio então nos conta a seguinte história: uma semana depois do primeiro turno, o ex-coronel [Miguel] Braga, atual chefe de gabinete dele no Senado, tinha recebido o telefonema de um delegado da Polícia Federal do Rio de Janeiro, dizendo que tinha um assunto do interesse dele, Flávio, e que ele gostaria de falar com o senador.

O Braga disse: ‘Ele está muito ocupado e não costuma atender quem não conhece’.

Estou te contando a narrativa do Flávio e do advogado Victor para nós, Paulo Marinho e Christiano, do outro lado da mesa. O senador contou que disse ao coronel Braga que se encontrasse com essa pessoa [o delegado] para saber do que se tratava. Estava curioso.

E aí marcaram um encontro com esse delegado na porta da Superintendência da Polícia Federal, na praça Mauá, no Rio de Janeiro.

E quem teria ido a esse encontro? O coronel Braga, o advogado Victor e, sempre segundo o que eles me contaram, a Val [Meliga], da confiança do Flávio e irmã de dois milicianos que foram presos [na Operação Quatro Elementos].

Eles foram para a porta da Polícia Federal. O delegado tinha dito [ao coronel Braga]: ‘Você vai ver. Quando chegarem, me liga que eu vou sair de dentro do prédio da Polícia Federal’.

O delegado saiu de dentro da superintendência. Na calçada —eu estou contando o que eles me relataram—, o delegado falou: ‘Vai ser deflagrada a Operação Furna da Onça, que vai atingir em cheio a Assembleia Legislativa do Rio. E essa operação vai alcançar algumas pessoas do gabinete do Flávio [o filho do presidente era deputado estadual na época]. Uma delas é o Queiroz e a outra é a filha do Queiroz [Nathalia], que trabalha no gabinete do Jair Bolsonaro [que ainda era deputado federal] em Brasília’.

O delegado então disse, segundo eles: ‘Eu sugiro que vocês tomem providências. Eu sou eleitor, adepto, simpatizante da campanha [de Jair Bolsonaro], e nós vamos segurar essa operação para não detoná-la agora, durante o segundo turno, porque isso pode atrapalhar o resultado da eleição [presidencial]’.
Foram embora, agradeceram. Estou contando o que [Flávio Bolsonaro] me falou.

E o que aconteceu depois? Ele [Flávio] comunicou ao pai [Jair Bolsonaro] o episódio e o pai pediu que demitisse o Queiroz naquele mesmo dia e a filha do Queiroz também. E assim foi feito.

[Fabrício Queiroz foi exonerado no dia 15 de outubro de 2018 do cargo de assessor parlamentar 3 que exercia no gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa. A filha dele, Nathalia Melo de Queiroz, foi exonerada no mesmo dia 15 do cargo em comissão de secretário parlamentar no gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro].

Vida que segue. O capitão ganha a eleição [no dia 28 de outubro]. Maravilhoso. No dia 8 de novembro é detonada a Operação Furna da Onça, com toda a pompa e circunstância. Começa o episódio Queiroz.

Flávio contou essa história no dia 13 de dezembro de 2018. Como o senhor e o advogado Christiano Fragoso reagiram? Eu falei [para Flávio]: ‘Está aqui o advogado Christiano Fragoso, recomendado pelo Pitombo, que vai te orientar. Até porque você está com a sua consciência tranquila e não tem o que temer. O que houve foi quebra de confiança do Queiroz em relação a você’.

O Christiano virou-se para o Flávio e disse: ‘Quem precisa de um advogado é o Queiroz’.

E Flávio tinha contato com o Queiroz? O Flávio disse: ‘Eu não estou mais falando com o Queiroz. Não o atendo mais até para que amanhã ninguém me acuse de que estou orientando o Queiroz nos depoimentos. Quem está falando com o Queiroz é o Victor [advogado amigo da família e que estava na reunião com Paulo Marinho]’. [Na época, a família Bolsonaro dizia não ter contato com Queiroz.]

O Christiano disse: ‘Precisamos arrumar um advogado que sirva ao Queiroz. Não posso ser esse advogado. Até porque sou de uma banca, nós somos top, o Queiroz não teria condições [de contratá-lo], né?’. E ele indicou o advogado Ralph Hage Vianna, que até então eu não conhecia, para representar o Queiroz.

Na mesma quinta-feira, o Queiroz vai ao encontro desse advogado indicado pelo Christiano. E vai acompanhado pelo Victor [o advogado do gabinete de Flávio]. E eu viajei para São Paulo.

O presidente foi informado dessa reunião? Quando ela terminou, eu liguei para o Gustavo Bebianno e relatei tudo o que ouvi. Ele estava em Brasília, no escritório da transição de governo. Eu disse que era melhor ele contar tudo o que estava acontecendo para o presidente. E assim foi feito.

E o que aconteceu depois? Eu vou para São Paulo. Como o Antônio Pitombo estava em SP, eu disse: ‘Pitombo, é importante a gente ter uma outra reunião para tratar desse assunto, entender o que está acontecendo e não deixar o negócio desandar’.

Chamei para São Paulo o Victor, advogado do Flávio, que estava tendo contato com o Queiroz, o Ralph Hage Vianna, que se reuniu com o Queiroz, e o Gustavo Bebianno.

Eu estava hospedado no hotel Emiliano e reservei uma sala de reunião. Às 14h30 do dia 14, uma sexta-feira, estavam lá o Victor, o Ralph, o Pitombo, eu e o Gustavo Bebianno.

Os advogados conversaram o tempo todo sobre como foi a conversa do advogado Ralph com o Queiroz, as estratégias, as preocupações.

Na terça-feira seguinte, 18, ocorreu a cerimônia da nossa diplomação —Flávio como senador, e eu suplente dele. Sentamos lado a lado. E ele me disse que precisava conversar.

Eu ia almoçar no restaurante Esplanada Grill, em Ipanema. Combinamos de ele passar lá. Às 13h30, ele apareceu no restaurante e disse: ‘Paulo, eu conversei com o meu pai e ele decidiu que nós vamos montar um outro esquema jurídico, que será comandado por um outro advogado”.

Eu respondi: ‘Flávio, não tem problema, eu desarticulo tudo o que estava articulado. Desejo boa sorte. Se precisar de mim, estou à disposição, como sempre estive’. Um abraço e vida que segue.

Desde então, só fui rever o Flávio no dia em que depus na CPMI das Fake News [em dezembro]. Fui ao plenário do Senado e ele estava lá. Eu o cumprimentei cordialmente, e ele a mim. Nunca mais estive com ele. E isso é tudo.


Ricardo Noblat: Entrevista explosiva de empresário agrava a situação dos Bolsonaro

Presidente cancela pronunciamento. Vice recolhe-se em quarentena

Quem deu ordem à Polícia Federal para suspender a operação que em meados de outubro de 2018, entre o primeiro e o segundo turno da eleição, tornaria público o envolvimento da dupla Flávio Bolsonaro-Fabrício Queiroz no caso da apropriação criminosa de parte dos salários pagos a funcionários da Assembleia Legislativa do Rio?

A Polícia Federal só age a mando da Justiça. É ela que autoriza suas operações a pedido do Ministério Público. Justiça e Ministério Público são informados quando a Polícia Federal, por alguma razão técnica, adia uma operação que tinha data marcada. Isso torna mais grave o que foi revelado hoje pela Folha de S. Paulo.

Suplente do senador Flávio Bolsonaro, o empresário Paulo Marinho contou à colunista Mônica Bergamo o que diz ter ouvido de Flávio em reunião na sua casa na quinta-feira dia 13 de dezembro de 2018. Foi na casa de Marinho que o então candidato a presidente Jair Bolsonaro gravou seus programas de propaganda eleitoral.

Uma semana antes do primeiro turno, o ex-coronel Miguel Braga, atual chefe de gabinete de Flávio no Senado, recebeu um telefonema de um delegado da Polícia Federal no Rio dizendo que tinha um assunto do interesse do senador eleito e que por isso queria encontrá-lo. Flávio preferiu mandar Braga ao encontro do delegado.

Braga voou para o Rio. Ali, na companhia de um advogado e de Val Meliga, pessoa da confiança de Flávio e irmã de dois milicianos, rumou para a Praça Mauá onde funciona a Superintendência da Polícia Federal. Do prédio, saiu o delegado que Flávio não diz o nome. Ainda na calçada, avisou a Braga mais ou menos assim:

– Vai ser deflagrada a Operação Furna da Onça, que vai atingir em cheio a Assembleia Legislativa do Rio. E essa operação vai alcançar algumas pessoas do gabinete do Flávio. Uma delas é o Queiroz e a outra é a filha do Queiroz, que trabalha no gabinete do Jair Bolsonaro em Brasília.

Aconselhou em seguida:

– Eu sugiro que vocês tomem providências. Eu sou eleitor, adepto, simpatizante da campanha [de Bolsonaro], e nós vamos segurar essa operação para não detoná-la agora, durante o segundo turno, porque isso pode atrapalhar o resultado da eleição.

Braga avisou a Flávio, que avisou ao pai, que ordenou que ele demitisse Queiroz do seu gabinete de deputado estadual e disse que faria o mesmo com a filha dele. De fato, os dois foram demitidos no dia 15 de outubro. Bolsonaro elegeu-se presidente no dia 28. A operação da Polícia Federal só foi deflagrada no dia 8 de novembro.

Àquela altura, Sérgio Moro já fora convidado para ministro da Justiça. O convite se deu entre o primeiro e o segundo turno da eleição, intermediado por Paulo Guedes. Pouco antes do primeiro turno, Moro divulgara parte da delação feita por Antonio Palocci, ex-ministro de Lula e de Dilma, com pesadas acusações contra o PT.

O que há de mais explosivo na entrevista de Marinho à Folha não é o relato da reunião com Flávio. É a revelação de que o ex-ministro Gustavo Bebbiano, demitido do governo por Bolsonaro, deixou um celular com mensagens em áudio e vídeo trocadas por ele com o presidente durante mais de um ano. Está guardado nos Estados Unidos.

O vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, em que Bolsonaro ameaçou intervir na Polícia Federal, virou uma bombinha se comparado com o celular de Bebbiano – esse, nitroglicerina pura. A história contada por Marinho ajuda a explicar por que Bolsonaro quer há tanto tempo a Polícia Federal sob seu controle direto.