queimadas

El País: Arthur Lira poderá fazer área ambiental ter saudades de 2020

Faltou ao caos ambiental brasileiro no ano passado um ingrediente básico tradicional: o Congresso

Marcio Astrini, El País

Sim, é verdade que tivemos um terço do Pantanal virando cinza, o maior desmatamento na Amazônia em 12 anos, a “boiada” passando, o ministro do Meio Ambiente desmontando a própria pasta, o combate à mudança do clima extinto, o Ibama manietado e o vice-presidente da República ameaçando controlar “100% das ONGs”. Mas faltou ao caos ambiental brasileiro no ano passado um ingrediente básico tradicional: o Congresso.

Todo o desastre que vimos, que não foi pequeno, resultou do Executivo operando praticamente sozinho. Isso não é normal por aqui. Em geral o Parlamento, dominado pela bancada ruralista, é a fonte da maioria dos retrocessos ambientais. Em 2020, dois fatores impediram que isso ocorresse. Um foi a pandemia, que interrompeu o trabalho das comissões e pôs no caminho de suas excelências coisas mais urgentes do que destruir o futuro do Brasil e ampliar nosso isolamento internacional. O outro foi Rodrigo Maia.

Apesar de todas as críticas que possam ser feitas a Maia (cole a sua favorita aqui), o deputado evitou que a caixa de Pandora ambiental fosse escancarada por seus colegas e pelo Palácio do Planalto. Maia engavetou o projeto sociopata de Bolsonaro de abrir terras indígenas a todo tipo de exploração comercial; deixou caducar na undécima hora a MP da Grilagem; e manteve em banho-maria até mesmo uma proposta de seu interesse, o desmonte do licenciamento ambiental. De forma inédita, o Congresso virou um amortecedor de choques ambientais produzidos pelo Executivo.

Com a retomada das atividades parlamentares, a demanda reprimida por favorecer lobbies de poluidores, avançar sobre terras públicas e eliminar regulações emergiria em 2021 de qualquer forma, principalmente via comissões ―mesmo com Baleia Rossi, Luiza Erundina ou o papa Francisco na presidência da Câmara. A vitória acachapante de Arthur Lira (PP-AL) nesta segunda, porém, pode colocar as ameaças e os retrocessos num outro patamar. Caso Lira tenha como uma de suas prioridades a agenda antiambiental costurada entre ruralistas e Bolsonaro, veremos no Congresso uma enxurrada histórica de tentativas de aprovação de retrocessos ambientais. Nesse cenário, o inferno é o limite.

Só para refrescar a memória: a última atuação de Arthur Lira no plenário num tema ambiental, no ano passado, foi uma articulação para aprovar a Medida Provisória que liberava a grilagem de terras no Brasil. O texto não foi a voto. Hoje é Lira quem controla o que vai ou deixa de ir para o plenário.

No dia do infame discurso da “boiada”, Ricardo Salles lamentou que o Governo precisasse operar o desmonte ambiental de forma “infralegal”, porque nada passava no Congresso. Com o Centrão no comando, esse óbice pode deixar de existir. Antigos sonhos do Governo, como ver anistiadas as invasões de terras praticadas por seus apoiadores na Amazônia e ter o garimpo legalizado em terras indígenas, ficam subitamente mais próximos.

As áreas protegidas do país também estão ameaçadas, no atacado. Em mais de uma ocasião Bolsonaro lamentou que a redução ou extinção de unidades de conservação ―como a Estação Ecológica Tamoios, onde ele foi multado por pesca ilegal― só possa ser feita por projeto de lei e não por decreto. O Governo trama desde 2019 contra o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. A extinção do Instituto Chico Mendes, que o Governo deseja levar a cabo o quanto antes, não será um ato isolado.

Juntem-se a essas propostas os clássicos imortais das bandas podres do ruralismo e da indústria na Câmara: o enfraquecimento do licenciamento ambiental, a flexibilização ainda maior do Código Florestal, a venda de terras a estrangeiros e a liberação da caça e de agrotóxicos. Algumas dessas “boiadas”, uma vez sacramentadas em lei, tornam-se irreversíveis.

Mas calma, porque fica pior. Além da agenda antiambiental, o consórcio entre Bolsonaro e o Centrão também pode ser campo fértil para fazer avançar a possibilidade de “hungarização” do Brasil ―o sonho do clã Bolsonaro e seus agregados militares de solapar a democracia. O primeiro ato do novo presidente da Câmara na noite de segunda-feira, dissolvendo o bloco da oposição, passa uma mensagem bem clara sobre o tamanho do apego de Lira à democracia. Assim, não seria espanto ver tramitando no Congresso propostas contra as instituições identificadas como inimigas pelo regime Bolsonaro: as ONGs (o “câncer”), a academia (os “baderneiros”) e a imprensa.

Compõe o rol de tragédias da nossa nacionalidade o fato de essa investida contra o desenvolvimento sustentável ocorrer justamente no momento em que a pauta ambiental assiste a uma virada histórica no mundo. A eleição de Joe Biden criou uma conjunção astral inédita entre EUA, Europa e China a favor da ação contra as mudanças climáticas. A recuperação pós-covid-19 desses países tem tudo para ser impulsionada pela economia de baixo carbono, fazendo da proteção ambiental e das populações tradicionais um ativo, além do respeito a nossa própria constituição. Porém, no Brasil, não apenas estamos ignorando vantagens comparativas nesse setor, como estamos deliberadamente implodindo suas bases. Infelizmente, o preço poderá ser cobrado em sanções comerciais e diplomáticas, investimentos e empregos.

Espero estar errado sobre tudo o que escrevi aqui, mas, se há coisa que a história recente do Brasil tem nos ensinado é que até podemos esperar o melhor, mas devemos sempre nos preparar para o pior.

*Marcio Astrini é secretário-executivo do Observatório do Clima, rede de 60 organizações da sociedade civil.


Guido Mantega: Mais uma década perdida

Crescimento de desigualdade e concentração de riqueza alimentou conflitos e geraram onda populista de extrema direita

A crise do coronavírus reflete o triste fim de uma década infame, que começou mal em 2011, sob o impacto da grande crise financeira de 2008. Nesse período, o comércio mundial encolheu e a maioria dos países não cresceu, ou o fez a um ritmo muito lento, o “novo normal”.

No Brasil, caso se confirme a previsão de um PIB negativo de 5% neste ano, a economia do país terá ficado estagnada nesses dez anos, com crescimento anual de no máximo 0,2%. Não se trata só de mais uma década perdida, mas a de pior desempenho desde a que inaugurou o século passado, segundo o IBGE.

O capitalismo mundial vem perdendo dinamismo desde o fim das políticas de bem-estar social, nos anos 70. Desde então, a cada década o investimento no mundo fica mais fraco —no Brasil caiu de 20,5% do PIB em 2014 para 15,4% em 2019.

Depois da crise de 2008, a produtividade dos países avançados e do Brasil cresceu em média de 0,5% a 1% ao ano. Foi a menor alta das últimas cinco décadas. Com a desregulação dos mercados estabeleceu-se o império do capital financeiro.

Os lucros apropriados pelo setor financeiro, que representavam 10% do lucro das corporações em 1950, passaram para mais de 30% em meados da década de 2010. No Brasil os juros e os lucros do setor financeiro continuaram elevados nos anos 2010, conforme pode ser constatado pelos lucros dos grandes bancos.

A outra face dessa moeda é a precarização do trabalho e o aumento da desigualdade e da concentração de renda em escala mundial. Agora, com a Covid-19, o desemprego vai bater recorde na maioria dos países. No Brasil já está em 14%, e tende a aumentar no ano que vem.[ x ]

De acordo com o IBGE, os 10% mais ricos da população brasileira concentravam 43% da massa de rendimentos em 2018, enquanto os 10% mais pobres ficavam com apenas 0,8%. O aumento da desigualdade e da concentração de renda é uma característica marcante da década de 2010, com perda de direitos dos mais pobres e a consequente deterioração da democracia.

Martin Wolf escreveu no Financial Times que a ascensão do capitalismo rentista poderá significar a morte da democracia liberal.

O Brasil começou a década perdida com expansão razoável de 3% ao ano e chegou a 2014 com a economia desacelerada, mas com uma dívida líquida baixa (36,7% do PIB) e com abundantes reservas financeiras (US$ 376 bilhões). No final de 2014 o desemprego era de 4,7%, o menor da séria histórica, assim como a pobreza e a miséria estavam nos mais baixos patamares.

Logo depois da reeleição de Dilma Rousseff o país mergulhou numa forte crise política que deixou o governo acuado. A Operação Lava Jato paralisou a Petrobras e a cadeia produtiva de gás e petróleo, e as grandes construtoras, responsáveis por boa parte do investimento.

Essa crise foi amplificada pelo abandono da estratégia desenvolvimentista praticada até 2014. Com a nomeação de Joaquim Levy para o ministério da Fazenda em 2015 foi inaugurada uma nova fase neoliberal que vigora até hoje.

O crescimento da desigualdade social e da concentração de riqueza alimentou fortes conflitos, que desembocaram em mobilizações sociais e geraram uma onda populista de extrema direita, que fomentou o ódio e a radicalização. Foi assim que surgiram Donald Trump, nos EUA, e Bolsonaro, no Brasil. Grã-Bretanha, Polônia e Hungria são outros exemplos.

O esgarçamento do tecido social e o desespero da população nos EUA foi muito bem retratado por A. Deaton e A. Case no livro “Deaths of Despair” (2019). O livro registra a proliferação de suicídios e mortes por overdose devido ao consumo excessivo de álcool e opioides. No Brasil a situação não é diferente. O país é o quinto em número de pessoas com depressão —cerca de 12 milhões, segundo a Organização Mundial da Saúde.

O cenário não é animador. Mas já apareceu uma luz no fim do túnel: a recusa do eleitor americano em renovar o mandato de Trump, o símbolo do novo autoritarismo. Pode ser o primeiro passo para a queda de outros líderes truculentos e incompetentes.

*Guido Mantega foi ministro do Planejamento (2003 a 2004), presidente do BNDES (2005) e ministro da Fazenda (2006 a 2014). É professor da FGV desde 1980.


Hamilton Mourão: Tudo pela Amazônia!

A sociedade confiou no governo Bolsonaro e nós daremos a resposta que ela espera

Há dois anos tomavam posse o 38.º presidente e o 25.º vice-presidente do Brasil, com a convicção de haver muitos desafios a ser enfrentados num Brasil desmotivado, machucado por recorrentes crises políticas e econômicas e que se envergonhava ao olhar no espelho e ver refletidos tantos episódios de desentendimentos e corrupção.

A Amazônia sofria com a ausência do Estado, projetos inconsistentes e crenças ambientais equivocadas que por anos foram deliberadamente plantadas e cultivadas na mente dos brasileiros como verdadeiras. Por ser uma região distante e de difícil acesso, que poucas pessoas de fato conheciam, muitas acabaram aceitando essas verdades criadas por especialistas de suas vontades, plantadas como “boas sementes” e cuidadosamente regadas até criarem raízes.

No lugar de árvores, as verdades plantadas germinaram ervas daninhas, que, como é da natureza da espécie, se alastraram rapidamente, trazendo danos incalculáveis, que impediram o desenvolvimento sustentável da Amazônia e de seu povo, enclausurando-os em estufas isoladas do resto do Brasil, com infraestrutura e serviços públicos insuficientes e acesso mínimo a avanços econômicos, tecnológicos e científicos, como os providos à Região Centro-Sul, agregando à distância geográfica o distanciamento econômico e social entre essas regiões. Pouco pela Amazônia...

Reconhecendo a necessidade de coordenação de esforços e maior presença do Estado em prol de preservação, proteção e desenvolvimento sustentável da Amazônia, o presidente Bolsonaro recriou, em 11/2/2020, o Conselho Nacional da Amazônia Legal (Cnal), delegando-me a tarefa de conduzi-lo. A gestão efetiva da porção brasileira da Amazônia constitui enorme desafio, só comparável à dimensão da maior floresta tropical do planeta, que ocupa cerca de 60% do território nacional. Desde então, trabalhamos incessantemente, buscando integração e prioridade dos diversos projetos, ações e políticas relacionados àquela área.

Também nos dedicamos a ouvir, unir esforços e estabelecer diálogo com líderes políticos, estaduais, empresariais, sociais, estrangeiros, formadores de opinião, instituições científicas, academias e comunidades locais, em prol da melhoria dos índices de sustentabilidade e desenvolvimento humano, enxergando a Amazônia como um todo – fauna, flora, riquezas minerais, hídricas e pessoas, num quadro de desafios, mas também de muitas oportunidades.

Conduzi três reuniões com os ministérios que compõem o Cnal. Articulei com Estados e municípios a cooperação e gestão integrada e compartilhada de políticas públicas entre as três esferas de governo. Com exceção do Tocantins, visitei todos os Estados da Amazônia Legal para conhecer suas realidades, ouvir as preocupações e demandas de governadores e sociedade e alinhar ações. Apresentei a embaixadores estrangeiros os verdadeiros índices brasileiros de preservação ambiental (84% da vegetação nativa na Amazônia e 66% em todo o território nacional) e os levei para verificar in loco a complexidade, os desafios, oportunidades e projetos da região. Articulei parcerias público-privadas. Ouvi os anseios de grupos representativos da sociedade civil e comunidades locais, considerando suas percepções e necessidades no desenvolvimento dos trabalhos e planejamento de ações futuras. Contribuímos para o Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima. Criamos a Comissão Brasileira da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, permanente do Cnal. Buscamos a retomada do Fundo Amazônia e novas fontes de financiamento, entre outras iniciativas.

Estruturamos diversos instrumentos norteadores para a região e os trabalhos do conselho, como Mapa Estratégico e Plano de Comunicação do Cnal, Iniciativas Estratégicas Prioritárias, Plano de Ações Imediatas e, em finalização, o Plano de Coordenação e Integração de Políticas Públicas e o Plano Estratégico 2020-2030, documento orientador para as ações dos ministérios que integram o Cnal, representando um pacto a favor da Amazônia e compromisso com o fortalecimento das ações governamentais na região.

Com atuação no campo da Operação Verde Brasil 2, com as Forças Armadas em apoio aos órgãos de segurança e fiscalização estaduais e federais, avançamos no combate a crimes ambientais e outros ilícitos, obtendo resultados expressivos, como na apreensão de madeira ilegal (187,147 m3), embarcações (1.518), minerais (154.050.045 kg), drogas (392 kg), tratores (261); e nos índices de desmatamento, que estão em queda desde junho, na faixa de 20% a 30%, com exceção de outubro, que teve um pico, mas voltando a cair 44% em novembro em relação ao mesmo período de 2019.

Em 2021 continuaremos atuantes, aperfeiçoando nossos esforços em benefício da Amazônia e das gerações presentes e futuras, tendo como prioridades o monitoramento e o combate a crimes ambientais e fundiários, fortalecimento das agências ambientais, incremento de fontes de financiamento, regularização fundiária e ordenamento territorial e estímulo à inovação e à bioeconomia.

A sociedade brasileira confiou no governo Bolsonaro e nós daremos a resposta que ela espera: tudo pela Amazônia, enxergando a Amazônia como um todo!

VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA


Maria Hermínia Tavares: O traçado de um desastre amazônico

Pressões sobre a mata, seus habitantes e sua biodiversidade vêm de muitos lados

"A Amazônia é o coração biológico do planeta Terra, e ele já não está mais batendo de forma saudável", costuma comparar o cientista Carlos Nobre, voz influente no debate sobre o aquecimento global.

Identificar em detalhe as ameaças a esse formidável bioma e localizá-las na vastidão dos seus 8,2 milhões de km2 é o propósito do "Atlas Amazônia sob Pressão 2020", recém-lançado pela Rede Amazônica de Informação Socioambiental Georeferenciada (Raisg), consórcio que reúne organizações não governamentais de seis dos nove países que o abrigam.

São 23 mapas preciosos, acompanhados de textos que descrevem os riscos à integridade da floresta. As cartas permitem seguir as mudanças, em geral negativas, ali ocorridas entre 2012 e 2018, oferecendo um amplo panorama do desastre ambiental em curso e dos processos que o desencadeiam.

As pressões sobre a mata, seus habitantes e a biodiversidade nela abrigada vêm de muitos lados. Entre 2001 e 2009, queimadas acidentais ou, sobretudo, resultantes da expansão da agricultura e da pecuária cobriram um território equivalente ao da Bolívia --por sinal, o segundo maior responsável, depois do Brasil, por esse tipo de catástrofe.

Como se sabe, ou se deveria saber, a degradação da floresta começa pelo fogo, mas pode vir também com obras de infraestrutura, desfigurando a paisagem à margem de estradas ou no entorno de hidrelétricas.

A mineração legal e a extração de petróleo são dois outros fatores de pressão em quase todos os países amazônicos. Além de destruir a floresta, contaminam os rios e, por tabela, os peixes que alimentam os humanos. Pior ainda quando se trata de mineração ilegal. O atlas identificou nada menos de 4.472 locais de atividades extrativas ilícitas, muitas de escala média ou grande, localizadas principalmente no Brasil (58%) e na Venezuela (32%), não raro em áreas de preservação ambiental ou em territórios indígenas. Ilegais são também os plantios de coca nas matas devastadas da Colômbia e do Peru.

O atlas permite uma visão mais complexa dos problemas da Amazônia. Além disso, expõe os governos incapazes de se contrapor aos interesses privados predatórios --quando não coniventes com eles--, alheios ao destino das populações da região e medíocres demais para criar estímulos ao aproveitamento sustentável das riquezas imensuráveis da floresta tropical.

Fosse outro o governo brasileiro, este seria o momento de transformar o Tratado de Cooperação Amazônica de 1978 em instrumento de diplomacia efetiva capaz de promover um esforço compartilhado pela saúde do coração do planeta.

*Maria Hermínia Tavares, professora titular aposentada de ciência política da USP e pesquisadora do Cebrap.


Míriam Leitão: Crimes no solo da Amazônia

Os grandes números impressionam, a descrição dos crimes encontrados no solo da Amazônia, também. A Operação Verde Brasil 2 aplicou de 11 maio até esta semana multas no valor total de R$ 1,696 bilhão. O Exército em solo e a Marinha nos rios apreenderam carregamentos de madeira suficientes para encher duas mil carretas. E isso foi até a última quarta-feira. Em apenas uma operação contra o garimpo ilegal foram encontrados 45 quilos de ouro. Ao todo nesses meses foram apreendidas oito mil toneladas de minerais ilegalmente extraídos, a maior parte manganês.

Os 45 quilos de ouro têm o valor de R$ 15 milhões. Foram encontrados dentro da Reserva Biológica de Maicuru, entre os municípios de Santarém e Itaituba, numa operação nos dias 9 e 13 de outubro. O local é definido pelos militares como “totalmente inóspito e de difícil acesso”. Foram por ar com a Força Aérea. Junto com os militares, a Polícia Federal e o Ibama. Lá, destruíram também 15 motores estacionários de garimpo.

Eles não saem assim às cegas. Em Brasília um grupo reúne todos os órgãos envolvidos com o tema. Um deles é o Inpe. Com imagens de satélite escolhe-se onde agir. Em videoconferências falam com os comandos militares na Amazônia. No resto é patrulha mesmo por terra, rio e ar.

Na manhã de 2 de setembro, as tropas das Forças Armadas chegaram numa fazenda que fica a leste da Terra Indígena Yanomami, ao norte da Estação Ecológica Niquiá, no município de Caracaraí. Estavam juntos técnicos do ICMBio, policiais militares de Roraima e fiscais ambientais do estado. Era uma atividade de combate ao garimpo ilegal. Eles apreenderam quatro aviões, mas havia outras aeronaves sendo consertadas e uma sendo montada. Havia uma pista de pouso e um hangar com espaço para cinco aviões.

As distâncias são enormes e só podem ser vencidas com o que eles chamam de “uma logística forte”, que apenas as Forças Armadas têm. Os militares dizem que precisam da cooperação dos órgãos ambientais. Na verdade, eles definem a Verde Brasil 2 como uma operação interagências. E a lista inclui, além das três forças, ICMBio e Ibama, a Funai, o Serviço Florestal Brasileiro, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Incra, órgãos ambientais estaduais e polícias locais.

No dia 25 de junho, um navio patrulha da Marinha encontrou carregamento de madeira na foz do Rio Tocantins, no Pará. Havia três empurradores e quatro balsas levando ao todo mil toras de madeira ilegal. A carga era tanta que punha em risco a navegação. Dois dias depois aportaram em Belém e o material foi entregue às autoridades ambientais do Pará.

— Quando a gente não consegue evitar o desmatamento, a gente apreende o resultado do crime para dar um prejuízo ao malfeitor e desestimular a continuidade do crime — disse um militar.

Ao todo, foram 765 os equipamentos inutilizados ou destruídos este ano. São veículos, motores de garimpo, balsas, tratores, escavadeiras e máquinas agrícolas. Isso, além das mais de mil embarcações apreendidas e 390 dragas. Em Humaitá, pegaram de uma só vez 64 dragas.

— Os garimpos são enormes, muitas vezes em áreas protegidas. Os servidores do Ibama e do ICMBio são poucos. Precisam ser levados, em geral pela Força Aérea. A multa é aplicada pelo Ibama e pelo ICMBio. O papel das Forças Armadas principal é logística, de levar esse fiscal para lugares que ele não conseguiria chegar, e ao mesmo tempo dar proteção a ele. Num garimpo enorme desses, o fiscal vai sozinho? É um perigo. É pouquinha gente (das agências ambientais) para umas coisas enormes e interesses muito grandes por trás — explica um oficial.

A Operação Verde Brasil 2 está prevista para terminar em 6 de novembro. Terão sido seis meses. As multas aplicadas foram muito maiores do que no ano passado.

— Até hoje foram combatidos 7.500 focos de incêndio e foram realizadas 44.900 inspeções navais e terrestres, vistorias e revistas. É bastante. É o suficiente? Não. Isso tudo é emergencial. A gente está com um problema grande e está aqui combatendo os efeitos para tentar reduzir. É necessário ter uma política de empoderamento desses órgãos ambientais — explicou o oficial.

O discurso do governo confunde, mas a ação do Estado diante da grandeza da Amazônia só dá certo quando há cooperação entre seus vários braços e os objetivos são permanentes.

Com Álvaro Gribel


Ricardo Noblat: Bolsonaro mente enquanto a Amazônia pega fogo

O exercício permanente e obstinado do engodo

Por ignorância, estupidez ou conveniência, as declarações do presidente Jair Bolsonaro sobre a Amazônia foram de um extremo a outro nesses quase dois anos de (des)governo. Ainda no primeiro semestre do ano passado, ele disse que a Amazônia estava oquei e chamou de feia a mulher do presidente francês, preocupado com a destruição da maior floresta do planeta.

Em meados deste ano, ante o aumento do número de focos de incêndio por lá, Bolsonaro negou que a Amazônia pegasse fogo porque o clima, ali, é úmido. O que pegava fogo, segundo ele, era a periferia. Não disse que o fogo ateado na periferia deve-se à ação humana criminosa e ao desinteresse do Estado em detê-la. A omissão do Estado só fez crescer desde que ele tomou posse.

Na última quinta-feira, durante cerimônia de formatura de alunos do Instituto Rio Branco no Ministério das Relações Exteriores, Bolsonaro deu pelo não dito até então para afirmar que não há “nada queimado” na Amazônia, sequer “um hectare de selva devastada”. Sim, foi isso mesmo que você leu: nada queima na Amazônia e nenhum hectare de selva foi devastado.

Aproveitou a ocasião para anunciar que, em breve, vai convidar diplomas estrangeiros para um sobrevoo de uma hora e meia de parte da floresta entre Manaus e Boa Vista. Assim eles poderão constatar que a Amazônia não arde. Na verdade, o sucesso da viagem dependerá da rota traçada e da perícia do piloto para passar longe dos trechos em chama e desmatados.

Ainda faltam dois meses para 2020 acabar, mas na Amazônia o número de focos ativos de calor já ultrapassou o total registrado nos 12 meses de 2019, informa o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. O bioma Amazônia registrou este ano 89.734 focos. Em todo o ano passado, 89.176. Até anteontem, o número já era quase o dobro do visto no mês inteiro de outubro do ano passado.

O que Bolsonaro diz não se escreve ou não deveria ser escrito. Mas o pior é que se escreve, quando nada porque não é normal que um presidente da República minta tanto ao seu país e ao mundo.


Desmonte de política ambiental respalda queimadas no país, mostra reportagem

Dimensão exata da destruição do Pantanal ainda é incerta diante da imensidão de incêndios, analisa revista Política Democrática Online de outubro

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Os impactos das queimadas no Pantanal, a maior planície alagada do mundo, com 65% de seu território concentrados nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, são analisados em reportagem especial da revista Política Democrática Online de outubro, produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília. Todos os conteúdos da publicação podem ser acessados, gratuitamente, no site da entidade.

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De acordo com a reportagem, além de deixar a vegetação em cinzas e o céu do país tomado por fumaça e fuligem, as queimadas deste ano no Pantanal são consideradas a maior da história pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Para especialistas, refletem o desmonte das políticas ambientais em menos de dois anos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A dimensão exata da destruição da fauna e flora ainda é incerta diante da imensidão das queimadas que aumentam a área devastada a cada dia, conforme mostra a reportagem. A Polícia Federal suspeita que fazendeiros provocaram os incêndios criminosos para transformar a área em pasto, seguindo uma linha do próprio governo federal.

O texto também lembra que, em audiência no Senado, no dia 9 deste mês, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o boi é o "bombeiro do Pantanal" e, segunda ela, as queimadas e o "desastre" na região poderiam ter sido menores, se houvesse mais gado no bioma. Seu discurso foi criticado por especialistas e segue na linha do que já havia sido defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e por Bolsonaro.

Até o dia 3 de outubro, 2.160.000 hectares já haviam sido destruídos no Pantanal mato-grossense e outros 1.817.000 hectares em Mato Grosso do Sul. O total de área devastada entre os dois estados é de 3.977.000 hectares, o que representa 26% de todo o Pantanal. Os dados são do levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) Prevfogo e do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado no dia 6 deste mês, antes do fechamento desta edição. Toda essa área devastada equivale a quase 20 vezes o tamanho das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas.

O Pantanal arde em chamas desde julho e, em menos de três meses, o Inpe identificou cerca de 16 mil focos de calor no bioma. É o maior número desde 2015, quando foram contabilizados 12.536 focos de calor. A região enfrenta a maior seca em 60 anos, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadene), e a longa estiagem faz os incêndios avançarem ainda mais. A falta de chuvas ajuda na propagação do fogo subterrâneo, o que, segundo o instituto, só poderiam ser controlados efetivamente por chuvas constantes.

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Editorial da revista Política Democrática Online de outubro destaca que estratégia é para ‘ganhar tempo e fortalecer posições do governo’

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

A política de confronto aberto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) com o Legislativo e o Judiciário não cessou por alguma mudança nas convicções profundas dele e de seu círculo mais próximo, mas pela ausência das condições mínimas necessárias para levar essa política às últimas consequências. O alerta é do editorial da revista Política Democrática Online de outubro, cujos conteúdos são disponibilizados, gratuitamente, no site da FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que produz e edita a publicação.

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De acordo com o editorial, a mudança da estratégia de Bolsonaro é para ganhar tempo e fortalecer as posições do governo, com dois objetivos, especificamente. O primeiro deles, diz o texto, é possibilitar o aceleramento da política de destruição nacional em andamento.

“Passar a boiada, na expressão do ministro [do Meio Ambiente, Ricardo Salles], para avançar no rumo da catástrofe ambiental, do isolamento internacional, do desastre sanitário, do retrocesso educacional, bem como da transformação da segurança pública e dos direitos humanos em campos repletos de minas”, afirma o editorial da revista Política Democrática Online.

O segundo objetivo, de acordo com o texto, é criar as condições para revisitar a estratégia do confronto, quando as consequências da crise e a responsabilidade do governo sobre o processo aparecerem de forma mais clara para a opinião pública. “Cenários de popularidade baixa e dificuldades eleitorais crescentes são propícios para investidas populistas contra a legitimidade do processo eleitoral”, diz um trecho.

Por isso, conforme destaca a revista, cabe às oposições não ceder às tentações da divisão, ao conforto ilusório do isolamento. “Urge retomar o processo de convergência em torno de objetivos comuns: a defesa da democracia e a construção de uma plataforma mínima de reconstrução nacional”, destaca. 

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Destruição do Pantanal e estratégias de discurso de Bolsonaro também são analisadas na edição de outubro da publicação da FAP

Cleomar Almeida, assessor de comunicação da FAP

Brasil menos transparente no combate à corrupção, Pantanal destruído em meio ao desmonte de políticas ambientais no governo Bolsonaro, a retórica do ódio nas pregações do guru do Bolsonarismo e politização do combate à pandemia frente a perspectivas filosóficas dos governantes brasileiros. Esses são os principais destaques da revista Política Democrática Online de outubro, lançada nesta sexta-feira (16).

Clique aqui e acesse a revista Política Democrática Online de outubro!

A publicação é produzida e editada pela FAP (Fundação Astrojildo Pereira), sediada em Brasília e que disponibiliza acessos gratuito a todos os conteúdos da revista em seu site. No editorial, a revista Política Democrática Online chama atenção para a urgente necessidade de “retomar o processo de convergência em torno de objetivos comuns: a defesa da democracia e a construção de uma plataforma mínima de reconstrução nacional”.

“Está em curso a consolidação da aliança entre o presidente da República e o bloco de deputados e senadores que responde pelo nome de ‘centrão’”, observa o texto. “Repudiada, no primeiro momento, pelos núcleos duros do bolsonarismo como capitulação frente à velha política, a aliança já rende frutos significativos ao governo e promete colheita ainda maior de resultados no futuro”, critica.

Em entrevista exclusiva para a nova edição da revista, o economista Gil Castello Branco, fundador e atual diretor executivo da Associação Contas Abertas, diz que o Brasil está menos transparente. A entidade fomenta a transparência, o acesso à informação e o controle social no país. Ele alerta que o país pode perder cerca de R$ 18 bilhões de recursos federais usados no combate à pandemia por conta da corrupção.

A reportagem especial, por sua vez, analisa como a destruição do Pantanal confirma retrocessos da política ambiental no governo Bolsonaro, o que, de acordo com o texto, é refletido também na declaração do próprio presidente e de seus ministros em defesa do “boi-bombeiro”. “A versão do governo não sinaliza, positivamente, para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país”, afirma um trecho.

'Ética do diálogo'

Ao analisar a retórica do ódio e bolsonarismo, o professor titular de Literatura Comparada da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) e ensaísta João Cezar de Castro Rocha aponta para a necessidade de se abraçar “a ética do diálogo, na qual o outro é sempre um outro eu, cuja diferença enriquece minha perspectiva porque amplia meus horizontes”. Segundo ele, esse é o primeiro passo para a superação da problemática.

A política nacional na pandemia é analisada pelo professor titular da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Alberto Aggio. Segundo ele, Bolsonaro notabilizou-se, dentro e fora do país, porque politizou a pandemia da forma mais equivocada possível. “Desdenhou de suas consequências e principalmente dos mortos; recusou-se a colaborar com governadores e prefeitos no combate à pandemia, alegando falsamente suposta obstrução do STF [Supremo Tribunal Federal]”, exemplificou.

Aggio também avalia que Bolsonaro impediu a comunicação e a transparência a respeito do avanço e do combate à pandemia. “E, por fim, buscou, a todo custo, ‘abater’ politicamente seus supostos concorrentes às futuríssimas eleições presidências de 2022. Assim se comportou com dirigentes democraticamente eleitos e com ministros que ele próprio convocou como seus auxiliares”, lamenta.

Além desses assuntos, a revista Política Democrática Online também tem conteúdos sobre economia e cultura. A publicação é dirigida pelo embaixador aposentado André Amado e tem o conselho editorial formado por Alberto Aggio, Caetano Araújo, Francisco Almeida, Luiz Sérgio Henriques e Maria Alice Resende de Carvalho.

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RPD || Reportagem especial: Destruição do Pantanal confirma desmonte de política ambiental no governo Bolsonaro

Discurso de ministros sobre boi bombeiro não sinaliza para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país

Cleomar Almeida

Quase quatro milhões de hectares já foram destruídos por incêndios no Pantanal, a maior planície alagada do mundo, com 65% de seu território concentrados nos Estados de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Além de deixar a vegetação em cinzas e o céu do país tomado por fumaça e fuligem, as queimadas são consideradas a maior da história pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o que, para especialistas, refletem o desmonte das políticas ambientais em menos de dois anos do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A dimensão exata da destruição da fauna e flora ainda é incerta diante da imensidão das queimadas que aumentam a área devastada a cada dia. A Polícia Federal suspeita que fazendeiros provocaram os incêndios criminosos para transformar a área em pasto, seguindo uma linha do próprio governo federal. Em audiência no Senado, no dia 9 deste mês, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, disse que o boi é o “bombeiro do Pantanal” e, segunda ela, as queimadas e o “desastre” na região poderiam ter sido menores se houvesse mais gado no bioma.

Tereza Cristina: “O boi é o bombeiro do Pantanal". Foto: Walter Campanato/Agência Brasil

“O boi é o bombeiro do Pantanal, porque é ele que come aquela massa do capim, seja ele o capim nativo ou o capim plantado, que foi feita a troca. É ele que come essa massa para não deixar como este ano nós tivemos. Com a seca, a água do subsolo também baixou os níveis. Essa massa virou um material altamente combustível", afirmou Tereza Cristina. Seu discurso foi criticado por especialistas e segue na linha do que já havia sido defendido pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, e por Bolsonaro.

A versão do governo não sinaliza, positivamente, para qualquer medida eficaz de preservação do meio ambiente no país. No Pantanal, animais foram carbonizados ou severamente feridos pelas chamas, que também jogaram inúmeras árvores chão abaixo e destruíram quase todo o Parque Estadual Encontro das Águas, refúgio de onças pintadas no Mato Grosso, e o famoso Ninho do Tuiuiú. Organizações não-governamentais (ONGs) e voluntários atuam para socorrer animais, enquanto brigadistas, bombeiros e integrantes da Marinha tentam combater os incêndios.

Até o dia 3 de outubro, 2.160.000 hectares já haviam sido destruídos no Pantanal mato-grossense e outros 1.817.000 hectares em Mato Grosso do Sul. O total de área devastada entre os dois estados é de 3.977.000 hectares, o que representa 26% de todo o Pantanal. Os dados são do levantamento mais recente do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) Prevfogo e do Laboratório de Aplicações de Satélites Ambientais (Lasa) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), divulgado no dia 6 deste mês, antes do fechamento desta edição. Toda essa área devastada equivale a quase 20 vezes o tamanho das cidades de São Paulo e Rio de Janeiro juntas.

O Pantanal arde em chamas desde julho e, em menos de três meses, o Inpe identificou cerca de 16 mil focos de calor no bioma. É o maior número desde 2015, quando foram contabilizados 12.536 focos de calor. A região enfrenta a maior seca em 60 anos, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemadene), e a longa estiagem faz os incêndios avançarem ainda mais. A falta de chuvas ajuda na propagação do fogo subterrâneo, o que, segundo o instituto, só poderiam ser controlados efetivamente por chuvas constantes.

Incêndio de grandes proporções atinge área do Pantanal. Foto: Mayke Toscano/Secom-MT

Com a estiagem, a navegabilidade também fica ainda mais prejudicada na região, que carece de estradas. Para ter uma ideia, o nível do Rio Paraguai já atingiu o marco zero em régua de porto em Mato Grosso do Sul, onde o governo federal decretou estado de emergência, assim como em Mato Grosso. No entanto, de acordo com o Observatório do Clima, o Ministério do Meio Ambiente não gastou nem 1% da verba de preservação.

Dados do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) mostram, ainda, que o Pantanal sofreu redução de 50% nos registros de chuva em relação à média histórica. De acordo com o órgão, um dos principais indicadores da forte estiagem é o Rio Paraguai, que, segundo levantamento oficial, também atingiu o nível mais baixo desde os anos 1960. Além disso, técnicos reforçam a suspeita de que a propagação dos incêndios pode ter relação com o uso do fogo para fins agropecuários, utilizando-o para limpeza ou renovação da pastagem do gado.

Os efeitos devastadores dos incêndios no Pantanal têm consequências em todo o país, que vem registrando aumento das temperaturas e baixa umidade do ar nos 26 Estados e no Distrito Federal. Em algumas regiões, como no Rio Grande do Sul, já houve chuva preta, consequência da grande quantidade de fumaça das queimadas na atmosfera.

A organização não-governamental Greenpeace, que atua em defesa do meio ambiente, lamentou a destruição do Pantanal e informou, em nota, que o argumento da ministra da Agricultura sobre boi bombeiro foi “equivocado”. Disse, ainda, que o governo promoveu um desmonte na gestão ambiental, o que, conforme acrescentou, provocou as queimadas descontroladas no bioma.

“Diante de um cenário já previsto de seca severa, com focos de calor muito superiores à média desde março de 2019, não foram tomadas medidas efetivas de combate e prevenção aos incêndios, necessárias desde o primeiro semestre. Se não tivesse ocorrido um desmonte da gestão ambiental no Brasil, a situação não teria chegado a este nível de gravidade”, afirmou o Greenpeace na nota. A Presidência da República e os Ministérios da Agricultura e do Meio Ambiente não se pronunciaram.


Presidente recebeu críticas por conta do "boi-bombeiro". Foto: Alan Santos/PR

Comissão quer bioma no Conselho Nacional da Amazônia Legal

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) começou a ser pressionado para responder a um requerimento da comissão que acompanha ações contra as queimadas no Pantanal sobre a inclusão do bioma no Conselho Nacional da Amazônia Legal pelos próximos cinco anos. Assim como ele, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foram criticados por especialistas por deferem “mito do boi-bombeiro”.

Em relação ao requerimento da comissão, o colegiado quer que o governo federal assuma sua responsabilidade e garanta uma estrutura de enfrentamento a futuras queimadas no Pantanal. A medida inclui mais recursos financeiros e estrutura logística, com aparato de combate a incêndios, como helicópteros e apoio da Força Nacional e da Defesa Civil.

A ação da comissão também poderá fazer o governo repensar sua defesa sobre o “boi bombeiro” no pantanal, que, segundo ambientalistas, é um mito. Bolsonaro e seus ministros endossam uma tese do agrônomo e pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Evaristo de Miranda, que é chefe da Embrapa Territorial. Em entrevista à imprensa, Miranda culpou o declínio da pecuária no Pantanal e a criação de reservas ambientais na região pelo fogo.

“Quando a pecuária declina, por razões econômicas, de competitividade, quando se retira o boi, como se retirou de grandes reservas que se criaram na região, reservas ecológicas, a RPPN [Reserva Particular do Patrimônio Natural] do Sesc Pantanal, o que acontece nesses lugares, tirando o gado e cercando? O capim cresce muito e acumula muita massa vegetal. Na hora em que pega fogo, é um fogo muito intenso”, disse ele.

Bombeiros no combate aos incêndios no Pantanal. Foto: Christiano Antonucci/Secom – MT

Pesquisadores ouvidos pela BBC Brasil afirmaram que o gado criado solto ajuda, de fato, a reduzir a quantidade de matéria prima disponível para queima, mas, segundo eles, não é a redução na pecuária que explica os incêndios deste ano. Essa falta de correlação também é apontada em dados da Pesquisa Pecuária Municipal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre os rebanhos bovinos de Mato Grosso e Mato Grosso do Sul nas últimas décadas e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Além disso, o rebanho bovino no Pantanal tem aumentado nos últimos anos, ao invés de diminuir. De 1999 a 2019, segundo levantamento do projeto Mapbiomas, a cobertura de vegetação nativa no Pantanal caiu 7%, reduzindo de 13,1 milhões de hectares, para 12,2 milhões de hectares. “Já a área de pastagem exótica cresceu 64% sobre áreas naturais, passando de 1,4 milhões de hectares, para 2,3 milhões de hectares. Nesse mesmo período, o rebanho de bovinos no Pantanal aumentou 38%, de 6,9 milhões para 9,58 milhões de cabeças”, afirmou o coordenador de inteligência territorial do Instituto Centro de Vida (ICV), Vinícius Silgueiro, à BBC Brasil.


Foto: Christiano Antonucci / Secom – MT

Cinzas de animais deixa fauna enlutada

Animais mortos pelos incêndios no Pantanal têm suas amostras coletadas por força-tarefa que busca levantar o impacto das labaredas na fauna. Animais menores, como pequenos mamíferos e serpentes, foram carbonizados facilmente em razão de terem deslocamento curto e lento. Também já foram encontradas cinzas de jacarés, onças e antas.

O Pantanal tem cerca de 2 mil espécies de plantas, 580 de aves, 280 de peixes, 174 de mamíferos, 131 de répteis e 57 de anfíbios. O número de invertebrados é desconhecido. O bioma também é refúgio para espécies ameaçadas de extinção que vivem em outras regiões. Considerando levantamentos anteriores, o projeto Bichos do Pantanal estima que entre 30% e 35% das espécies de flora e cerca de 20% de mamíferos foram atingidos pelos atuais incêndios.

Os animais de maior porte têm maior chance de fugir. Se não forem cercados pelas chamas ou queimados nas patas pelo fogo que arde por baixo da vegetação, conseguem ir para áreas úmidas ou próximas aos rios. No entanto, em áreas em que há pouca água, praticamente nenhuma espécie consegue escapar.

Além de ter representantes do projeto Bichos do Pantanal, a força-tarefa conta com apoio da ONG Panthera, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e do Instituto Nacional de Pesquisa do Pantanal (INPP).

Também participam dos trabalhos profissionais do Instituto Homem Pantaneiro, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), entre outras instituições. A unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) do Pantanal tem atuado na elaboração dos protocolos e na análise dos dados coletados.


Valor: Salles “joga contra” ambiente, diz Jungmann

Para ex-ministro da Defesa, proposta de Joe Biden para Amazônia é “colonialista”

Por Rafael Rosas e Daniela Chiaretti, Valor Econômico

RIO E SÃO PAULO - A saída do ministro Ricardo Salles da pasta do Meio Ambiente é fundamental para que o Brasil seja “levado a sério” na área ambiental. A afirmação foi feita ontem pelo ex-ministro da Defesa e da Segurança Pública Raul Jungmann durante sua participação na Live do Valor.

“Ele joga contra o projeto de desenvolvimento sustentável”, disse Jungmann, acrescentando que Salles também “joga contra” o que o ex-ministro do governo Michal Temer acredita ser o pensamento do segmento militar e daqueles “que querem o desenvolvimento sustentável da Amazônia”. “Ricardo Salles efetivamente não nos credencia externamente e internamente como tendo um projeto sério de desenvolvimento e defesa do meio ambiente do Brasil”, frisou Jungmann, que considerou ainda uma “estupidez” a decisão de derrubar os acordos fechados no âmbito do Fundo Amazônia.

Durante os mais de 40 minutos de conversa, Jungmann procurou demonstrar a necessidade de diálogo e entendimento entre diferentes setores nas questões relativas à defesa da soberania brasileira e na preservação do meio ambiente. Nesse sentido, fez uma dura crítica à postura do candidato do Partido Democrata à Presidência dos Estados Unidos, Joe Biden, que em debate com Donald Trump propôs uma ajuda de US$ 20 bilhões para preservação da Amazônia e ameaçou o Brasil de sanções caso o desmatamento continue a avançar. Para Jungmann, a postura de Biden “é cheia de boas intenções, mas é colonialista”.

“Ajuda à Amazônia tem que ser de acordo com nossos objetivos e com a nossa soberania”, ressaltou.

O ex-ministro demonstrou de que maneira o conceito da defesa da soberania acabou virando um sinônimo de luta exclusiva da ala militar da sociedade. Para Jungmann, a omissão da elite política civil em debater a questão acabou transformando os militares praticamente no único segmento organizado da sociedade a discutir o tema. Ele afirma que os integrantes das Forças Armadas são defensores da preservação ambiental e que o principal problema na região amazônica hoje passa pela falta de projeto nacional para o desenvolvimento sustentável e pela falta de diálogo entre militares, ambientalistas e outros atores da sociedade.

“Se a elite política civil não leva em conta os militares, também não será levada em conta [pelos militares]. Não cabe exclusivamente aos militares esse papel [de pensar a defesa do país e da Amazônia], que cabe à liderança política, que tem que estar à frente do processo, e não está”, disse.

Para o ex-ministro, o distanciamento entre militares e sociedade civil é um erro, uma vez que “o mundo militar é uma ferramenta da nossa soberania”, que não deve ser usada como o “bombril da República” sempre que há uma questão em que o governo precisa agir e acaba utilizando as Forças Armadas fora do seu escopo original.

Jungmann lembrou os temores dos militares com a existência de áreas indígenas e regiões de preservação próximas às fronteiras, o que, na visão deles, abre uma possibilidade futura de ameaça à soberania. “Esse é o entendimento militar”, frisou. “Preocupação que tem que ser reconhecida e tem que gerar diálogo”, acrescentou.

Jungmann fez questão de frisar que as organizações não governamentais “são importantíssimas” na Amazônia, embora haja o estereótipo de que elas não querem desenvolvimento da Amazônia. “A saída é dialogar e chegar a um consenso”, frisou. “Mas onde está o Estado?”, questionou, ressaltando que há a necessidade de convergir a preocupação de soberania dos militares com a preservação defendida por ambientalistas. “Enquanto não se construir isso e transformar isso em atividades sustentáveis, vamos estar queimando árvores. E isso é queimar dinheiro”, frisou.


Cristovam Buarque: Todas as florestas

Governo federal comete uma loucura irresponsável na Amazônia

Faz 20 anos, O GLOBO publicou o artigo “Um mundo para todos”. Nele, transcrevi a resposta à pergunta de um estudante durante palestra na cidade de Nova York, em setembro de 2000. O jovem perguntou: “O que pensa de internacionalizar a Amazônia?”. Antes que eu começasse a dizer “sou contra”, ele completou: “Quero opinião de humanista, não de brasileiro”.

Respondi que defenderia a internacionalização da Amazônia se antes fossem internacionalizados os museus, as armas, o petróleo, os patrimônios históricos, rios e florestas do mundo inteiro. Depois de uma longa lista do que julgava que deveria ser internacionalizado, concluí: “Quando a humanidade internacionalizar tudo isso, aceito debater a ideia de internacionalizar a Amazônia. Até lá, a Amazônia é nossa. Só nossa!”.

Graças ao artigo, a resposta foi traduzida em diversos idiomas e entrou na coletânea de “Cem discursos históricos brasileiros”, elaborada por Carlos Figueiredo. Anos depois, o fotógrafo Sebastião Salgado me disse que não gostava da última frase.

Ele estava certo. O discurso deveria concluir com uma frase adicional: “Mas, se não soubermos proteger a Amazônia, não merecemos, nem conseguiremos tê-la para sempre”.

A resposta ainda não tinha dimensão humanista, porque tratava a Amazônia como propriedade brasileira, sem perceber que ela é também patrimônio da humanidade, parte do Condomínio Terra. Tal qual os móveis de um apartamento, cujo dono não tem o direito de incendiá-los dentro de casa. O que está acontecendo com nossas florestas é a demonstração de insensatez nacional e irresponsabilidade com a Humanidade. Um patriotismo anti-humanista e suicida.

Ao negar a realidade visível da destruição de nossas florestas, o governo federal comete uma loucura irresponsável com o país e insensível com a Humanidade, levando a população mundial a tratar o Brasil como país perigoso para o futuro da vida no planeta, um país que pratica ecoterrorismo.

No lugar da mentirosa defensiva do presidente e de seu ministro do Meio Ambiente, deveríamos reconhecer nossos descuidos históricos, apresentar correções no cuidado de nossa biodiversidade e assumir posição ativa, propondo uma Conferência Internacional pela Preservação e Recuperação de Todas as Florestas do Mundo — nossas, africanas, europeias, russas, asiáticas e norte-americanas, cuidadas como propriedade do país e patrimônio da Humanidade.

Em vez de incendiários, poderíamos ser os promotores do respeito às florestas da Terra. É isso o que faríamos se ainda tivéssemos no comando do Itamaraty diplomatas do porte daqueles que articularam a Rio-92 e a Rio+20. No Ministério do Meio Ambiente, pessoas com a competência e o prestígio de José Goldemberg, Marina Silva, Carlos Minc e Izabella Teixeira.

Tudo indica que, em vez de tentar salvar o mundo, vamos continuar perdidos na incompetência e na insensibilidade, e o mundo perdendo a chance de sermos atores decisivos na proteção de todas as florestas do mundo.

*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília