PSDB

Elio Gaspari: O novo Lula é o mesmo

Ex-presidente reapareceu com um discurso simples e de essência racional

Para o bem e para o mal, o novo Lula é o mesmo. Numa trapaça da história, enquanto o ex-presidente falava, Eduardo Bolsonaro, o 03, mandava que as pessoas enfiassem as máscaras “no rabo”, e seu pai, delicadamente, colocava-a no rosto.

Lula reapareceu com um discurso simples e de essência racional . Na quarta-feira, o número de mortos bateu a casa dos dois mil, num total de 270.917 (a provável população do Brasil no final do século XVII). A “gripezinha” estava no “finalzinho”, e a “conversinha” da nova onda mostrou-se mais letal que a do ano passado. Lula chamou Bolsonaro de “fanfarrão” e seu governo de “incompetente”: “Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República ou do ministro da Saúde. Tome vacina. Tome vacina, porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você da Covid.”

Mais: “O Brasil não é dele e dos milicianos.”

Sem a teimosia delirante do capitão, Lula também tem um pé em sua realidade paralela. Ele fala de uma “Petrobras bem dirigida, como foi no nosso governo”.

A boa gestão no petróleo explicaria “o golpe contra a Dilma, porque é preciso não ter petróleo aqui no Brasil na mão dos brasileiros. É preciso que esteja na mão dos americanos, porque eles têm que ter o estoque para guerra.” Até aí, trata-se de uma opinião, mas Lula foi adiante:

“A Alemanha perdeu a guerra porque não chegou em Baku, na Rússia, para ter acesso à gasolina.”

A Alemanha não chegou a Baku porque foi detida em Stalingrado no início de 1943. A essa altura, os nazistas já haviam sido detidos às portas de Moscou, e os Estados Unidos já haviam entrado na guerra (dezembro de 1941) e quebrado a perna do poder naval japonês na batalha do Midway (junho de 1942). A partir do final de 1942, os alemães passaram a combater numa guerra que não poderiam ganhar, mesmo que tivessem chegado ao petróleo de Baku. Isso para não se falar na bomba atômica, cujo combustível era urânio.

Falando da eleição de 1989, Lula diz: “Não ganhei porque a Globo me roubou”. A edição do seu debate com Fernando Collor foi editada com viés contra Lula, mas foi ao ar depois da transmissão da versão integral, ao vivo. Collor teve 35 milhões de votos, contra 31 milhões de Lula, que só venceu em três estados (RJ, RS e PE).

A agência Lupa checou a fala de Lula e apontou devaneios que custariam caro a Jair Bolsonaro se tivessem partido dele:

“Fachin (reconheceu) que nunca teve crime cometido por mim.”

“FALSO. A decisão do ministro do STF Edson Fachin não cita, em nenhum momento, que o ex-presidente Lula nunca cometeu crimes. Ele apenas considerou que as ações do tríplex de Guarujá (SP), do sítio em Atibaia (SP) e do Instituto Lula não têm relação direta com a Petrobras e não deveriam ter tramitado na Justiça Federal de Curitiba.”

Afora casos como esses, Lula continua ligeiro. Ele já disse que Napoleão foi à China e que Oswaldo Cruz criou a vacina contra a febre amarela. Agora, referiu-se a um artigo de 2004 do juiz Sergio Moro, no qual ele teria escrito que “só a imprensa pode ajudar a condenar as pessoas.” No seu famoso artigo de 2004, Moro não disse isso. Foi preciso, referindo-se à Operação Mãos Limpas italiana:

“Os responsáveis pela operação Mani Pulite ainda fizeram largo uso da imprensa. Com efeito: para o desgosto dos líderes do PSI, que, por certo, nunca pararam de manipular a imprensa, a investigação da ‘mani pulite’ vazava como uma peneira.”

Lula não precisava ter exagerado.

Bolsonaro na disputa

Com Lula e Bolsonaro disputando uma eleição, os jornalistas e as agências de checagem trabalharão como nunca.

Lula viajou pela sua realidade paralela na quarta-feira, Bolsonaro reagiu na quinta e, como mostrou o repórter Mateus Vargas, contou cinco inverdades em menos de meia hora.

Disse que o número de mortos pela Covid está inflado. Contrariou um boletim do Ministério da Saúde.

Disse que que a Organização Mundial da Saúde condena o lockdown.

Disse que, desde o primeiro momento, tentou comprar vacinas. Anunciou seu veto à CoronaVac e recusou propostas da Pfizer.

Disse que o Supremo Tribunal Federal limitou a ação do governo. O que o STF fez foi garantir as iniciativas dos estados e municípios.

Disse que desde o primeiro momento agiu contra a Covid. Era a “gripezinha“ que provocava a “histeria” dos “maricas”.

Cármen e Nunes Marques

O pedido de vista do ministro Nunes Marques alegrou o Planalto, pois a suspeição de Sergio Moro seria mais uma cereja no bolo de Lula.

À primeira vista, as coisas são assim, mas se a ministra Cármen Lúcia mudar seu voto, acompanhando Gilmar Mendes, a manobra falha e carboniza Nunes Marques. A menos que ele se antecipe, condenando Moro.

STF em chamas

O tiroteio do ministro Marco Aurélio em cima dos colegas Luiz Fux e Alexandre de Moraes mostra que o Supremo Tribunal precisa de uma missão pacificadora. Esse foi o barraco público. Felizmente, aqueles que ocorreram no início da semana, com outras excelências, ficaram no escurinho da Corte.

A tensão decorre, em parte, da suspensão do convívio pessoal, provocado pela pandemia.

Mourão disse tudo

Na sua entrevista aos repórteres Gustavo Uribe e Leandro Colon, o vice-presidente Hamilton Mourão disse tudo:

“É aquela história: o povo é soberano. Se o povo quiser a volta do Lula, paciência. Acho difícil, viu, acho difícil.”

Lula 2022

Lula já avisou:

“Eu sou uma metamorfose ambulante”.

Vazou

No início da semana passada, alguns comissários bem informados já sabiam que o ministro Edson Fachin jogaria sua bomba sobre a política nacional.

Guedes na mesa

Nos últimos dias da semana passada, elevou-se a tensão no Palácio do Planalto. Sempre que isso acontece, sobra para o ministro da Economia.

Paulo Guedes terá dias difíceis, com uma janela de oportunidade. Como ele mesmo já disse, dependendo do desconforto, vai-se embora.

O grande chanceler

Com o Brasil assumindo a liderança do número de mortes diárias por Covid, o ministro Ernesto Araújo realizou seu sonho:

“Talvez seja melhor ser esse pária deixado ao relento, deixado de fora, do que ser um conviva no banquete no cinismo interesseiro dos globalistas, dos corruptos e semicorruptos.”

Mandato curto

Com a execução do vereador Danilo do Mercado (MDB-RJ), assumirá sua cadeira na Câmara de Caxias a suplente Fernanda da Costa, filha do traficante Fernandinho Beira-Mar, encarcerado em Mossoró (RN).

Seu mandato poderá ser curto.


Bernardo Mello Franco: O fantasma da polarização

A volta de Lula reabilitou um fantasma que assombrou a última corrida presidencial: a ideia de um país dividido entre dois extremos. Em 2018, a propaganda de Geraldo Alckmin martelou que era preciso evitar, a qualquer custo, a polarização entre Bolsonaro e PT. As duas forças foram apresentadas como “lados da mesma moeda: a do radicalismo”.

A retórica denunciava o desespero do tucano. O eleitorado do seu partido já havia aderido ao capitão, e ele terminou com menos de 5% dos votos. No segundo turno, os candidatos do PSDB esqueceram o discurso e correram para Bolsonaro. A carona ajudou a eleger João Doria e Eduardo Leite, que agora tentam se descolar da imagem do presidente.

A equivalência entre PT e Bolsonaro sempre foi conversa fiada. O partido de Lula tem muitos defeitos, mas nasceu na luta contra a ditadura e governou pelas regras da democracia. Quando Dilma Rousseff sofreu o impeachment, os petistas entregaram as chaves do palácio e foram para a oposição.

Bolsonaro é um antigo defensor do autoritarismo, da tortura e das milícias. Não moderou o discurso na campanha nem no governo, onde passou a flertar abertamente com um autogolpe.

Polarização não é sinônimo de duelo entre extremos. Como lembra o cientista político Cláudio Couto, PT e PSDB polarizaram seis disputas presidenciais sem que nenhum deles fosse extremista. O professor diz o óbvio. Mesmo assim, há quem insista na falsa simetria.

A deputada Joice Hasselmann, ex-líder de Bolsonaro, agora se apresenta como adversária do “bolsopetismo”. O termo não quer dizer nada, mas virou moda em rodas conservadoras. Na falta de um candidato competitivo, apela-se ao fantasma de 2018.

O retorno de Lula mostrou que não era difícil polarizar com um presidente que nega a ciência e debocha das vítimas da pandemia. Para o petista, bastou aparecer de máscara, defender a vacina e informar que a Terra não é plana.

OS TRÊS PATETAS

Na semana em que o Brasil superou a marca de duas mil mortes diárias pela Covid, os filhos do presidente se destacaram pelas seguintes ações:

Flávio, o Zero Um, comparou medidas para conter a pandemia ao massacre de judeus no Holocausto.

Carlos, o Zero Dois, deu chilique na Câmara Municipal e chamou um colega de “canalha” e “cabeça de balão”.

Eduardo, o Zero Três, divulgou o desenho de um Zé Gotinha miliciano, armado com um fuzil.

HELIO E A FRENTE AMPLA

Com a morte de Helio Fernandes, vai-se uma parte da História do Brasil no século XX. O jornalista resistiu a seguidos apelos para publicar suas memórias. Deixou um único livro, “Recordações de um desterrado em Fernando de Noronha”, além de milhares de artigos no baú da “Tribuna da Imprensa”.

Helio respirava política e trabalhou pela reconciliação de JK e Lacerda quando os dois rivais, que apoiaram o golpe de 1964, viram-se na mira da ditadura que ajudaram a instalar.

A primeira reunião da Frente Ampla ocorreu na casa do jornalista, no Rio, em 22 de agosto de 1966. O movimento foi sufocado pelos militares, e JK e Lacerda morreram sem ver a redemocratização do país. Helio morreu na mesma casa, na madrugada de quarta, aos 100 anos.


Merval Pereira: Política nos quartéis

Caminhamos para uma disputa eleitoral em 2022 com as Forças Armadas sendo utilizadas pelo presidente Bolsonaro como instrumento político, o que não dá certo em lugar nenhum do mundo democrático.

O presidente mistura a incitação de seus militantes contra governadores e o Supremo Tribunal Federal com uma suposta defesa dos militares.
“Vou ficar sozinho nessa briga? O meu exército, que tenho falado o tempo todo, é o povo. Sempre digo que devo lealdade absoluta ao povo brasileiro”, inclusive ao Exército, salientou. “Eu faço o que vocês quiserem. Essa é a minha missão de chefe de Estado”.

Numa irresponsável atitude política, ele tem lançado ao ar em suas lives ameaças e advertências: “Até quando nossa economia vai resistir? Que, se colapsar, vai ser uma desgraça. O que poderemos ter brevemente? Invasão aos supermercados, fogo em ônibus. Greve, piquetes, paralisações. Aonde vamos chegar?", perguntou recentemente.

Qualquer outro poderia ser acusado de estar encorajando populares a atitudes radicais, especialmente um presidente da República, cuja missão é liderar a sociedade diante de uma catástrofe como a pandemia de COVID-19.

Para complicar, Bolsonaro colocou em pauta o Estado de Sítio, medida drástica diante de um perigo iminente de declaração de guerra ou convulsão social. Justamente o que pode acontecer se o presidente da República continuar a incitar a população a não respeitar os atos dos governadores.

Toque de recolher, que alguns Estados como São Paulo estão adotando, e também o Distrito Federal, nada tem a ver com Estado de Sítio, e ele sabe disso, está apenas criando um clima de instabilidade no país, com objetivos evidentes.

A anulação da condenação do ex-presidente Lula por decisão monocrática do ministro Edson Fachin, tornando-o novamente elegível e, em consequência, forte candidato à sucessão presidencial, trouxe de volta os ataques ao Supremo Tribunal Federal nas redes sociais, e a inquietação nos meios militares com a possibilidade de sua eleição.

Nas Forças Armadas – e no Exército em particular -, há muita rejeição a Lula e ao PT, e agora que os processos do ex-presidente voltaram atrás, vai ficar difícil se essa rejeição passar a ser uma arma da retórica de Bolsonaro sobre o Exército.

O presidente já esboçou uma “defesa” do General Villas Boas, muito criticado por ter admitido que o tuíte que soltou na véspera da sessão do Supremo que analisaria um habeas corpus a favor de Lula foi um aviso dos militares, cujos comandantes teriam sido consultados, para que não soltassem Lula.

Não creio que a maioria que votou a favor da manutenção da prisão do ex-presidente o tenha feito com receio de uma reação dos militares, cuja intervenção na decisão da Corte foi rejeitada, naquela ocasião, pelo decano do Supremo, ministro Celso de Melo, num discurso histórico.

Agora, com a decisão de enviar todos os processos de Lula para a Justiça do Distrito Federal, anulando as condenações sem anular as investigações e as provas, voltou o fantasma de Lula a atormentar os militares.

Bolsonaro aproveitou-se disso para sair em defesa do General Villas Boas, como se as críticas fossem uma ofensa pessoal, e não a manifestação democrática de repúdio a uma intervenção indevida. Além das mentiras, o mais grave das declarações de Bolsonaro é ele se referir ao “meu Exército”, um hábito que não é coibido.

Volta e meia Bolsonaro relembra ser o comandante em chefe das Forças Armadas – e realmente é -, como se o status concedido pela Constituição ao presidente da República lhe permitisse usá-las como instrumento político. Infelizmente, os militares não reagem a esse abuso, nem mesmo quando fez comícios em frente ao quartel general do Exército em Brasília, ou quando incentiva ataques ao Congresso e ao STF.

Por reação, imagino que militares de alta patente pudessem sair do ministério, para deixar claro que este não é um governo dos militares.

Essa utilização política das Forças Armadas nada tem a ver com a democracia. Os militares não podem se transformar em uma espada de Dâmocles sobre a política brasileira, escolhendo quem pode ou não pode concorrer à presidência da República. O comandante do Exército, General Pujol, tem razão quando diz que a política não deve entrar nos quartéis. Bolsonaro faz ouvidos moucos.


Ricardo Noblat: Doria admite deixar a boca do palco para depois voltar

Assim como é cedo para Lula admitir que será candidato a presidente da República no ano que vem, é cedo também para qualquer outro nome – salvo Ciro Gomes (PDT) e Jair Bolsonaro em campanha contínua desde que um foi derrotado pela terceira vez consecutiva e o outro acabou eleito para surpresa dele mesmo.

João Doria (PSDB) disse, ontem, ao jornal O Estado de São Paulo que não descarta a possibilidade de abrir mão de uma eventual candidatura à vaga de Bolsonaro, resignando-se a tentar se reeleger governador de São Paulo. Pouco importa que ele tenha dito ao se eleger que não disputaria o mesmo cargo em seguida.

Quando candidato a prefeito de São Paulo, José Serra (PSDB) registrou em cartório a promessa de que cumpriria o mandato, negando a hipótese de concorrer ao governo do Estado dali a dois anos. Concorreu e ganhou. Eleito presidente com uma votação estrondosa, Jânio Quadros renunciou seis meses depois.

Nada é mais perecível do que palavra de político. Em certos casos porque eles não se envergonham de mentir. Em outros, porque a conjuntura muda e são obrigados a mudar com ela. É o natural instinto de sobrevivência do ser humano. Da política já se disse que é como uma nuvem, assumindo nova forma a cada instante.

No momento, de fato, o formato da nuvem para Doria não lhe parece o mais favorável. Como político que mais bateu de frente com Bolsonaro para que o país importasse vacina com a urgência requerida pelo combate a Covid, era para ele estar vendo sua popularidade ganhar altura a uma velocidade maior.

Não aconteceu ainda. Doria patina nas pesquisas de intenção de voto. É reconhecido por seu esforço e elogiado pela compra da vacina chinesa, aqui produzida pelo Instituto Butantan. Mas por ora é só. Apesar de bem-sucedido, Doria ainda não domina a refinada arte da política e tem fama de não respeitar a fila.

Isso pode agradar aos paulistas, mas em outros lugares pesa contra ele. Especialmente no Nordeste, Doria é visto como paulista demais. Nordestino gosta de correr para São Paulo atrás de emprego. Uma vez por lá, aprende a gostar. Mas tem birra com político paulista. Pior se aparecer com chapéu de vaqueiro.

É mais tático do que qualquer outra coisa o aparente recuo de Doria. Ao estancar ou dar meia volta, ele quer criar um ambiente mais favorável às suas pretensões e ganhar tempo para que possa dar a volta por cima. Pela importância de São Paulo, tudo passa e sempre passará por lá, e Doria será o grande anfitrião das tramas.


Alon Feuerwerker: Batalha tucana morro acima

O PSDB tem dificuldades para voltar a liderar o seu campo político

Não é frequente eleições presidenciais no Brasil trazerem surpresas. De 1994 a 2014, deu a lógica, pelo menos sobre quem iria ao segundo turno, ou ganharia no primeiro. Foram as duas décadas da polaridade PT/PSDB. Tempos nos quais os apelos “contra a polarização” tiveram pouca acolhida no debate público e na opinião pública. No máximo, viam-se ensaios de “terceira via”, que as circunstâncias invariavelmente acabavam deixando na poeira.

O que mudou em 2018? Jair Bolsonaro desalojou o PSDB da hegemonia no bloco que vai do centro à direita. É interessante notar que a Lava-Jato acabou tendo para os tucanos um efeito mais destrutivo que para os petistas. Varrido do cenário nacional pouco mais de dois anos atrás, o PSDB luta agora para retomar o posto de líder de seu campo, não sem razoável dificuldade. Uma batalha morro acima.

Os tucanos mantêm alguma expressão pelo Brasil em nível estadual, mas, à exceção de São Paulo, não dá para dizer que o partido tenha capilaridade hegemônica em nenhum outro estado. Um lugar onde mostrava algo parecido com isso era Minas Gerais, mas ali razões históricas conhecidas fazem hoje o PSD de Gilberto Kassab ser o candidato mais forte a ocupar a vaga de eventual partido hegemônico — inclusive com a participação de ex-peessedebistas.

“Em 2018, Bolsonaro tirou dos sociais-democratas a hegemonia no bloco que ia do centro à direita”

Situações de crise trazem oportunidades, diz o batido bordão, e o governador João Doria luta com todas as forças para ser o comandante da ofensiva de reconquista tucana. Teve a ousadia de sair na frente nas vacinas contra a Covid-19 e espera colher os frutos no próximo ano. Os fatos dirão. Um problema para Doria? É provável que daqui a um ano e meio, na hora da eleição, as “vacinas federais” já sejam em bem mais quantidade que a “de São Paulo”.

Doria tem um histórico de respeitáveis arrancadas eleitorais. Aconteceu quando concorria à prefeitura da capital paulista e, depois, ao governo estadual. É um argumento que ele tem usado ao ser confrontado com seus baixos índices atuais de intenção de voto. Há precedentes também na eleição presidencial. Fernando Henrique Cardoso em 1994, Dilma Rousseff em 2010 e Jair Bolsonaro, em 2018, partiram de trás — ainda que não tanto quanto o governador hoje.

Há, porém, uma diferença essencial entre os cenários enfrentados por Doria nas corridas de 2016 e 2018 e a disputa pela sucessão presidencial de 2022. O desafio ali era ocupar um espaço em larga medida desocupado. Nem para a prefeitura nem para o governo estadual, Doria teve de lutar em seu bloco com um Jair Bolsonaro. Os oponentes a ultrapassar eram Celso Russomanno e a incógnita entre Paulo Skaf e Márcio França.

Logo no começo do mandato de agora, Doria escolheu abrir, mais cedo do que recomenda a sabedoria convencional, a refrega com o atual presidente. Talvez tenha sido apenas por estilo, ou vai ver o governador avaliou que Bolsonaro se enfraqueceria rapidamente. A favor de Doria está o fato de as arremetidas anteriores dele terem dado certo. Contra, a também certeza de que enfrentar um presidente na cadeira costuma pedir mais frieza quando ainda falta muito tempo para a eleição.

Publicado em VEJA de 17 de março de 2021, edição nº 2729


Rubens Barbosa: Prévias partidárias

Essa ideia foi levantada pelo presidente do PSDB para escolha do candidato a presidente

A expectativa era de que somente a partir do segundo semestre deste ano as articulações sobre as eleições presidenciais de 2022 estivessem a dominar a cena política. Na realidade, essas discussões cada vez mais deverão ocupar as atenções do meio político e da mídia, distraídos em meio aos rompantes populistas bolsonaristas. A crise da saúde causada pela pandemia e o atraso do governo na compra das vacinas ocupam o noticiário, junto com as repercussões da aprovação do auxílio emergencial, da intervenção na Petrobrás e da venda de armas.

Os partidos políticos e personalidades com perspectiva de se apresentarem como candidatos começam a se movimentar e a buscar os holofotes a fim de influir, de alguma maneira, no processo inicial das discussões.

É lugar-comum ressaltar a fragmentação do sistema partidário brasileiro, a falta de programas que sejam defendidos coerentemente por todas as legendas e o controle da máquina partidária por lideranças personalistas e, em muitos casos, autoritárias. Ninguém ignora que uma reforma política, necessária para pôr um mínimo de ordem no quadro partidário, dificilmente será levada adiante, sobretudo, por falta de interesse da classe política.

No marco atual da cena brasileira surgem nomes que certamente poderão estar presentes na eleição de 2022, por sua influência pessoal, e não por força de seus partidos. Essa situação provoca enormes distorções e faz a indicação de candidaturas depender mais dos chefes dos partidos que de um processo democrático que envolva militantes e afiliados. Não há unidade partidária porque os interesses pessoais e políticos determinam o comportamento dos seus membros, o que, na prática, torna os partidos verdadeiras frentes com diversas alas e grupos. Essa é uma das razões do grande número de partidos políticos no Brasil, mais de 30 com representação no Congresso Nacional.

Essa situação não existe só no Brasil. O mesmo se verifica no sistema partidário nos Estados Unidos, embora, por paradoxal que pareça, haja apenas dois partidos que realmente importam no cenário político norte-americano. O Partido Democrata e o Republicano são frentes, com múltiplas alas e interesses divergentes, tanto locais quanto nacionais, como ficou demonstrado nas últimas eleições presidenciais.

À diferença do que existe no Brasil, nos Estados Unidos há um processo democrático decisório efetivo dentro dos partidos. A escolha de candidatos em todos os níveis, locais e nacionais, até para os governos estaduais, para o Congresso e para presidente, é feita mediante prévias partidárias que permitem que cada grupo se manifeste e busque conquistar espaços políticos. O vencedor das prévias se torna candidato e todos os que participaram da disputa cerram fileiras e o apoiam.

Caso viessem a prosperar no Brasil, as prévias poderiam ser o início de uma minirreforma política, pois poderiam abrir caminho para a fusão de partidos com afinidades ideológicas e políticas, de forma que os interesses de todos possam ser respeitados e decididos democraticamente. Seria ingênuo pensar que essa medida pudesse, no momento, ser aceita por todos, visto que as fortes lideranças partidárias, “donas” de alguns partidos, dificilmente aceitariam essa mudança transformacional.

A ideia, contudo, acaba de ser mencionada pelo presidente do PSDB, ao comentar o processo de escolha do partido para a eleição presidencial de 2022. Diz Bruno Araújo que o futuro candidato do partido deverá ser escolhido por prévia em outubro. Caso essa decisão se confirme, o PSDB estaria reforçando o processo democrático que prevaleceu em São Paulo em várias eleições para a Prefeitura e para o governo do Estado. O partido estaria fortalecendo o debate democrático e o respeito aos seus princípios programáticos. A unidade seria mantida, visto que aqueles que se dispusessem a concorrer estariam implicitamente manifestando sua disposição de apoiar quem ganhasse a maioria.

Do ponto de vista do partido, o melhor talvez fosse antecipar o processo e realizar a prévia em agosto ou setembro, para criar um fato político diferenciado e dar mais tempo ao candidato escolhido para viajar pelo País e tornar conhecidas suas propostas para um futuro governo. Essa decisão poderia igualmente facilitar as articulações regionais para a escolha de candidatos próprios ou para eventuais apoios a outros candidatos. O partido estaria voltando às suas origens, daria exemplo de democracia, sairia fortalecido não só pela união interna, mas também pela vantagem de sair na frente, enquanto outros partidos iniciarão o processo de escolha apenas em 2022.

A eleição presidencial terá como pano de fundo os desdobramentos da pandemia, a exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos. Pesarão na hora do voto o custo social e humano, pela forma como as decisões na área da saúde foram tomadas, pelo número de mortos e pelos efeitos negativos sobre o crescimento da economia e do emprego, além do aumento da desigualdade. Os futuros candidatos terão de ajustar seu discurso às novas circunstâncias políticas. Quanto mais cedo os candidatos começarem a expor suas ideias e a debater suas propostas para o Brasil, mais chances terão de focar nos interesses concretos dos eleitores.

*Presidente do IRICE


Marco Aurélio Nogueira: Dilúvios à vista

Há muitos 'presidenciáveis' em cogitação, mas não há o fundamental: nem uma boa articulação democrática, nem um programa mínimo com que tirar o país do buraco em que se encontra.

O açodamento, em política, é inimigo do protagonismo inteligente. Hoje, faltando quase dois anos para as próximas eleições, andam todos em busca do candidato “campeão”, aquele que será capaz de bater nas urnas o capitão cloroquina, hoje tido como adversário de respeito e o mais forte no ringue.

Pelo centro e pela esquerda a especulação campeia, juntamente com balões de ensaio em profusão e muito movimento de ocupação de espaço. Há quem busque se cacifar com antecedência, caso de João Dória, que põe em curso uma operação desenhada para fracassar, seja pela falta de carisma do personagem, seja por sua baixa densidade nacional, seja pela incapacidade de ser um ponto de convergência consistente do centro liberal-democrático. 

Há os que procuram um nome de “fora da política”, capaz de fornecer ao eleitorado uma perspectiva de renovação, derivada da ideia de que o eleitor médio está cansado dos mesmos de sempre. Chega-se mesmo a ventilar o nome da empresária Luiza Trajano, nome digno mas que está anos-luz distante de uma briga eleitoral mais profissional. Passa-se o mesmo com Luciano Huck, cuja juventude e cujo dinamismo podem estar sendo desperdiçados por falta de definições e bases sólidas de sustentação. Lula, por sua vez, incapaz de agir em articulação com os vários pedaços da esquerda, diz para Fernando Haddad “por o bloco na rua” e o ex-prefeito de São Paulo obedece, sem levar em conta os humores do próprio partido. Ciro Gomes mexe-se o tempo todo, mesmo que em silêncio e sem sair do lugar.

E isso para não falar dos que se aproveitam da conjuntura para atiçar a luta interna nos partidos.

Há nomes sendo cogitados, mas não há o fundamental: nem uma boa articulação entre as correntes democráticas, nem um programa mínimo com que tirar o país do buraco em que se encontra. Sem isso, nomes ficarão a flutuar, sem agarrar coisa alguma. E aquele que está mais assentado (no caso, o presidente da República) vai não só mantendo posição como pondo em curso o projeto de dividir e impulsionar a “implosão” dos partidos institucionalmente mais fortes (DEM, PSDB) do centro democrático. Até agora, ele está nadando de braçada.

Muitas águas vão rolar, com certeza, ao longo de 2021. Mas só promoverão dilúvios desagregadores se não houver esforços tenazes para construir diques democráticos de sustentação, que agreguem o que está sendo atacado pelo vírus demoníaco da divisão e do açodamento.

*Marco Aurélio Nogueira, professor titular, Teoria Política da Unesp


Afonso Benites: Direita se engalfinha e desfaz alianças enquanto Haddad, Huck e Moro seguem entre apostas para 2022

Eleição de presidente da Câmara expõe guerra interna do DEM e PSDB e embaralha xadrez para próxima eleição. Bolsonaro premia Centrão com ministério da Cidadania enquanto PT testa primeiro nome da esquerda à sucessão presidencial

Sem lideranças políticas naturais, a direita brasileira está esfacelada em compasso de espera pelas eleições de 2022. E a esquerda também, depois que o PT lançou a candidatura de Fernando Haddad como um balão de ensaio para testar o eleitorado. O presidente Jair Bolsonaro foi incapaz de criar sua própria legenda, a Aliança pelo Brasil, mas alcançou a proeza de embaralhar a miríade das outras composições partidárias que pretendem disputar sua sucessão. Com um cenário de candidaturas diluído, a máquina governamental nas mãos e um apoio na casa dos 30% da população já colocariam o presidente em um segundo turno.

Nas últimas semanas, Bolsonaro cooptou com cargos e recursos da União o Centrão, o fisiológico grupo de centro direita que atua no Congresso Nacional, implodiu o direitista Democratas e acabou estimulando um racha na sigla de centro-direita PSDB. Todo o processo tem como pivô a disputa pela Presidência da Câmara dos Deputados no início do mês, que terminou com a vitória do candidato bolsonarista e expoente do Centrão Arthur Lira (PP-AL).

Nesta sexta-feira, Bolsonaro concretizou parte do acordo firmado com o Centrão em troca de seu apoio por Lira. Ele nomeou o deputado federal João Roma, do Republicanos, para o Ministério da Cidadania em substituição a Onyx Lorenzoni (DEM-RS), que foi deslocado para a Secretaria-Geral da Presidência da República. Roma é amigo e ex-assessor de Antônio Carlos Magalhães Neto, o presidente do Democratas que se aproximou do Planalto rompendo com o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ). Com o movimento, o mandatário começa a pagar a sua fatura em troca de uma base de sustentação legislativa. Ainda restam entre dois e três ministérios a serem entregues ao Centrão, o que deve ocorrer nas próximas semanas.

Os movimentos no xadrez político de Bolsonaro ocorrem a um ano e 8 meses da eleição. Mas, de pronto, já começaram a minar alianças que estavam sendo planejadas pelo campo autodenominado “direita democrática”. A principal delas foi a articulação feita por DEM, MDB, Cidadania e PSDB. As quatro legendas rascunhavam um acordo para seguirem juntas em 2022. Seu candidato seria João Doria (PSDB), o governador paulista que já foi aliado de Bolsonaro, ou Luciano Huck, o apresentador da maior emissora de TV do Brasil, a Globo, que paquerava uma filiação ao DEM ou ao Cidadania.

Implosão do DEM e racha no PSDB

A implosão do DEM afastou Huck dos democratas, mas há ainda a esperança do Cidadania de tê-lo em suas hostes. Além disso, dos 27 deputados do DEM, 6 disseram que apoiarão a reeleição de Bolsonaro, 14 não descartaram apoiá-lo e apenas dois disseram que não se aliarão ao presidente. Os dados foram levantados pelo jornal O Estado de S. Paulo. “O que o DEM tem dito é que não fechará nenhuma porta, nem mesmo a Bolsonaro. Se o presidente se moderar nos próximos dois anos, o DEM consegue se justificar e seguir com ele, caso contrário, pode tomar outro rumo”, avalia e cientista política Lara Mesquita, que é pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getulio Vargas.

No PSDB, Doria se sentiu forçado a marcar território. Tentou controlar diretamente a Executiva Nacional do partido, atualmente comandada pelo seu então aliado o ex-deputado Bruno Araújo. Mas os figurões da sigla reagiram e estenderam o mandato de Araújo para 2022. De pronto, Doria se enfraqueceu no processo, sinalizou que pode deixar a legenda e viu outro tucano despontar como potencial presidenciável: Eduardo Leite, o governador do Rio Grande do Sul que quer ser uma nova oposição a Bolsonaro. “O Doria é uma liderança de luz própria. Os velhos elefantes do partido não o veem com bons olhos. Ele é uma das pessoas mais pragmáticas da política brasileira. Tanto que se aliou a Bolsonaro para se eleger governador”, diz a cientista política Mariana Borges, pesquisadora em Oxford.

Outra legenda de centro-direita que está em busca de um nome que agregue outros apoios é o Podemos. Os dirigentes esperam que o ex-juiz da operação Lava Jato e ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, anuncie sua filiação até o início do próximo ano. As conversas estavam adiantadas. Mas, nas últimas semanas, o que menos Moro tem feito é se preocupar com a política partidária, já que corre o risco de ter sua biografia ainda mais manchada, quando o Supremo Tribunal Federal está em vias de invalidar as decisões que ele tomou contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Para as duas pesquisadoras consultadas pela reportagem, ainda é cedo para os partidos definirem qualquer cenário. “Tudo ainda depende da economia e de como o Governo vai reagir à pandemia [de coronavírus]. Também tem de ser levado em conta a avaliação da população sobre os processos judiciais contra os filhos do presidente”, diz Lara Mesquita. A narrativa que Bolsonaro empregou na eleição de 2018, de ser um político antissistema também será posta a prova. “Ele está claramente adaptando o seu discurso extremista. Vamos ver até onde isso vai durar”, afirma Mariana Borges.

Da mesma maneira que a direita anti-bolsonaro, a esquerda também enfrenta severas dificuldades de articulação interna. O PT já colocou em prova sua hegemonia nesse campo na última semana, quando o ex-presidente Lula lançou a candidatura do ex-prefeito de São Paulo Haddad e disse para ele percorrer o Brasil em uma espécie de pré-campanha. O PDT se aproxima de uma aliança com o PSB para relançar o ex-governador do Ceará Ciro Gomes. E o PSOL sinaliza que deve seguir com o professor universitário Guilherme Boulos. Ou seja, seria a repetição dos três candidatos que foram derrotados por Bolsonaro na disputa passada. A diferença agora é que Boulos ganhou projeção nacional ao disputar o segundo turno com Bruno Covas pela prefeitura de São Paulo, a maior cidade do Brasil. “Os partidos estão se movimentando porque sabem que se não começarem a se movimentar, eles não terão um candidato do dia para a noite. O Bolsonaro, mesmo, ficou quatro anos fazendo campanha”, diz a pesquisadora Lara Mesquita.

Para Mariana Borges, uma das falhas da esquerda brasileira, especialmente do PT, é manter-se focada no Estado de São Paulo na hora de falar em candidatos, ignorando outras regiões brasileiras. Ela cita que, ao escolher Haddad, Lula deixa de lado lideranças baianas do partido, como o senador Jaques Wagner ou o governador Rui Costa. “Talvez apresentar um nome que não seja tão ligado ao Lula seria a alternativa para atrair os outros partidos de esquerda”, diz.

Outra conta que tem sido feita pelas legendas é a da cláusula de barreira. A partir de 2023, só terá acesso aos fundos públicos eleitoral e partidário quem atingir 2% dos votos válidos para a Câmara em nove Estados ou eleger ao menos 11 deputados. Atualmente, a doação eleitoral privada é proibida no Brasil. E é quase consenso entre os partidos que, sem uma candidatura presidencial como uma vitrine, dificilmente se elegem tantos deputados federais. Como o Brasil tem 33 partidos registrados, sendo que 24 têm representação na Câmara, a tendência é que haja uma disseminação de candidaturas presidenciais.


Bruno Boghossian: Disputa no PSDB é prenúncio de dificuldades para Doria em 2022

Projeto eleitoral do governador enfrenta resistências internas e risco de traições

Os problemas do PSDB começaram cedo em 2018. Na largada, poucos tucanos se empolgaram com a candidatura de Geraldo Alckmin. Vendo poucas chances de vitória, passaram a cuidar de suas próprias campanhas ou se bandearam para o lado de Jair Bolsonaro, que ocupava um eleitorado alinhado ao campo do partido. O desfecho é conhecido.

Na última semana, João Doria conheceu alguns desses obstáculos internos. Para lançar as bases de sua campanha ao Planalto, o governador tentou forçar o PSDB a adotar uma postura de oposição a Bolsonaro, eliminar potenciais desertores e assumir o controle da burocracia do partido para evitar traições. Foi derrotado em todas as investidas.

Doria antecipou batalhas inevitáveis dentro da legenda, mas deu tiros prematuros e passou longe dos alvos. O resultado é um sinal de que sua candidatura já enfrenta resistências dentro de casa e de que ele pode ter dificuldades para manter a máquina do partido distante da zona de influência do bolsonarismo.

À exceção de alguns integrantes instalados por Doria na seção paulista da sigla, os tucanos nunca demonstraram grande entusiasmo com o projeto eleitoral do governador –um forasteiro que não criou vínculos dentro da legenda. Esses políticos poderiam torcer o nariz e embarcar na ideia se acreditassem que ele poderia vencer, mas esse não é o cenário que se enxerga hoje.

Além disso, os movimentos do governador para reforçar a coloração de seu rótulo antibolsonarista se chocaram com a política que é exercida nos gabinetes tucanos. Deputados e prefeitos do partido preferem manter boa relação com o Planalto para ter acesso à máquina do governo. Mesmo que Doria seja candidato pelo PSDB, alguns deles devem trabalhar por Bolsonaro em 2022.

O governador paulista ganhou tração nos primeiros meses do ano graças aos planos de vacinação, mas mesmo seus companheiros de partido entendem que esse lance não será suficiente para elegê-lo. A disputa no PSDB é um prenúncio para 2022.


Vera Magalhães: Estranho no ninho

João Doria Jr. é candidato a presidente da República desde 2018, talvez antes. Quando decidiu adentrar a política, o hoje governador de São Paulo traçou uma rota rápida que o levaria, no curto intervalo de seis anos, ao Palácio do Planalto. Até aqui, os passos deram certo. Mas agora o campeonato será jogado numa outra liga, bem mais dura.

A primeira mostra de que o jogo é bruto veio nos primeiros meses após a eleição. Logo depois do Bolsodoria, o tucano passou a ser hostilizado pelo presidente, pelos filhos e pelo entorno radicalizado.

A razão é simples: o bolsonarismo só pensa na reeleição, e a ordem é aniquilar no nascedouro qualquer potencial adversário. Nesta quinta-feira, a milícia virtual do presidente, deputados federais à frente, começou a alvejar ninguém menos que a empresária Luiza Trajano, por ver nela uma potencial candidata, graças a sua campanha pela vacinação imediata de todos os brasileiros. O jogo é bruto.

Doria não é alguém conhecido exatamente pela calma nem por seguir os ritos da política, que incluem muito diálogo antes das ações. Na segunda-feira, foi anfitrião de um jantar que reuniu figurões tucanos, em que o cardápio servido foi a ideia de que ele assumisse o comando da sigla de entrada, sua candidatura presidencial como prato principal e uma nova tentativa de expulsar Aécio Neves de sobremesa.

Caiu como um tijolo no estômago de parte dos presentes, sobretudo nas bancadas de deputados e senadores, que ato contínuo decidiram manter Bruno Araújo na presidência da legenda e lançar o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, como alternativa a Doria internamente.

A surpresa foi que Leite topou o jogo e não ficou no muro, poleiro de predileção dos tucanos desde sempre. Surge, então, o estranho no ninho com que Doria não contava. Ao menos não agora.

Aliados do paulista dizem que o seu objetivo com o jantar da segunda-feira era instar o partido a adotar uma postura firme de oposição a Bolsonaro, e não antecipar a própria candidatura.

Será mesmo? Dados os porta-vozes da ideia (o ex-ministro Antonio Imbassahy e o deputado federal paulista Samuel Moreira, ambos ligadíssimos a ele), ninguém acredita que o script não tenha sido previamente organizado pelo meticuloso Doria.

O tiro saiu pela culatra, mas ainda assim é temerário apostar que ele vá deixar a sigla só porque apareceu um oponente. Doria sempre repete que é “filho das prévias”, numa alusão aos dois processos seletivos internos que venceu, mesmo sem ser versado nas liturgias da política partidária.

Leite, por sua vez, saiu de vez a campo. Além da frase de alta octanagem política que cunhou, ao afirmar que não misturou seu nome ao de Bolsonaro (um tiro no Bolsodoria), aceitou a convocação de deputados e senadores e vai rodar o país. Em entrevista que fizemos com ele ontem na CBN, assumiu a candidatura sem tergiversar e se disse preparado para os ataques que receberá (já está recebendo, corrigiu) dos gabinetes do ódio bolsonaristas.

Se os dois levarem adiante a disposição de se candidatar, o PSDB pode ter primárias pela primeira vez em sua história. Mesmo com guerras internas no passado, algumas com direito a dedo no olho, sempre prevaleceu um arranjo de cúpulas que evitou esse tipo de escolha.

Dada a deterioração programática e o desgaste político do PSDB desde que Aécio Neves enfiou o partido no pântano do JBS Gate, e desde que Geraldo Alckmin foi reduzido a nanico em 2018, uma disputa poderia oxigenar e dar algum rumo a uma sigla que virou coadjuvante apagada no cenário nacional.

Isso depende, no entanto, de que quem perder aceite a derrota, e de que a contenda não se dê em níveis bolsonarescos. É o que vamos começar a assistir a partir de já, porque essa campanha também já começou.


Afonso Benites: DEM implode e ameaça levar junto o ensaio para unir centro-direita contra Bolsonaro em 2022

Criticando ACM Neto e a cúpula do partido, Rodrigo Maia e Mandetta devem se desligar da legenda nas próximas semanas. Desintegração é vitória tática para Planalto

Dois anos atrás, o Democratas ocupava o centro do poder no Brasil. Administrava a Câmara dos Deputados e o Senado Federal. Tinha ainda três ministérios ―hoje são dois. Parecia ser uma alternativa política de direita capaz de influenciar o jogo da sucessão presidencial. Os últimos movimentos internos da legenda, no entanto, mudaram a rota e causaram uma espécie de implosão interna. A sigla que resolveu, sob a liderança de seu presidente e ex-prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, se aproximar ainda mais do bolsonarismo nas tratativas paro o novo comando do Congresso acabou provocando o rompimento do ensaio de aliança de centro-direita DEM-PSDB-MDB-Cidadania para a sucessão presidencial de 2022. Além disso, duas de suas figuras proeminentes nos últimos anos, o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia e o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta encaminham suas desfiliações das hostes Democratas para as próximas semanas.

Alguns dos 29 deputados federais e dezenas de deputados estaduais da legenda devem segui-los. De olho nas próximas eleições, Maia e Mandetta começam a viver a temporada de assédio partidário. Ambos querem fazer oposição ao Governo Jair Bolsonaro (sem partido) e já receberam sondagens do PSL, Cidadania e do Podemos. Maia ainda teve convites do MDB e do PSDB, e Mandetta, sondagens. Mais do que debater questões políticas nacionais, tanto um quanto outro estão de olho em suas sobrevivências na política. Nesta equação, questões regionais devem ser levadas em conta.

Mesmo tendo sido convidado pelo presidente do MDB, Baleia Rossi, Rodrigo Maia teria dificuldade de aderir à sigla, já que no Rio de Janeiro a maioria da legenda é alinhada com o presidente Bolsonaro. Em princípio, ele teria o interesse de concorrer à reeleição e talvez tivesse um caminho facilitado pelas outras legendas que pretendem lhe dar espaço e autonomia. Já Mandetta não teria fácil acesso ao PSDB e ao MDB porque esses dois grupos políticos dão sustentação à candidatura da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, que pretende disputar o Governo de Mato Grosso do Sul. Se não conseguir se firmar como uma alternativa a Bolsonaro ou a vice em alguma chapa, Mandetta é cotado para concorrer ao Governo sul-mato-grossense.

O deputado já avisou que deixará o DEM e está consultando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre a melhor alternativa de fazê-lo, sem correr o risco de perder o mandato por infidelidade partidária. Já o ex-ministro Mandetta disse que se reunirá com a cúpula da legenda dentro de duas semanas com o objetivo de chegar a uma decisão.

Rastros da Arena

A principal causa da ruptura de Maia com o partido, que em 2018 lançou sua pré-candidatura ao Planalto, foi a eleição para a cúpula de comando da Câmara na semana passada. Na ocasião, uma articulação encabeçada pelo presidente do Democratas, ACM Neto, resultou no fim do apoio a Baleia Rossi (MDB-SP) e consequente migração para Arthur Lira (PP-AL), o candidato de Jair Bolsonaro que acabou vencendo. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Maia afirmou que ACM Neto, de quem é amigo há 20 anos, “entregou de bandeja” a sua cabeça ao “Palácio do Planalto” e que o partido voltou a ser a extrema direita que deu sustentação à ditadura brasileira entre 1964-1985. Antigo PFL, o DEM surgiu da Arena, o partido dos militares que governaram o país durante o regime autoritário.

Diante da repercussão da entrevista de Maia ao Valor, ACM Neto voltou à artilharia. Emitiu nota dizendo que o deputado tinha a intenção de “se perpetuar no cargo de presidente da Câmara”, que ele “se encastelou no poder”, que o DEM “não tem dono”, que não aderiu ao bolsonarismo e se eximiu de responsabilidade na condução da eleição da Mesa Diretora da Câmara. “A mais grave de todas as falácias de sua narrativa é exatamente a de procurar jogar no colo do Democratas uma conta que não é nossa.”

O governador goiano, Ronaldo Caiado, outra liderança do DEM, também atacou Maia. “Ele faz questão de deixar claro que está saindo do Democratas e colocando seu nome a leilão. A sua entrevista não deve ser considerada pela classe política porque é indicadora de internação hospitalar”, disse em seu Twitter.

O líder do partido na Câmara, Efraim Filho, em nota também saiu em defesa de ACM Neto. “Com o anúncio de sua saída [de Maia] deixa claro que chegou ao fim de um ciclo no partido, e esta decisão ajudará a pacificar o Democratas”.

Ex-deputado e ex-prefeito de Salvador por dois mandatos, ACM Neto tem como objetivo principal disputar o Governo da Bahia. Também tinha como meta garantir a eleição de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) à Presidência do Senado. A soma de questões regionais com a ambição nacional, fez com que ele acabasse abandonando o grupo de Maia na Câmara. Suas últimas declarações também afastaram Mandetta, um potencial candidato à Presidência da República pelo DEM. Na última semana, à Folha de S. Paulo, o dirigente do Democratas afirmou que, na eleição de 2022, não descarta estar com quase nenhum dos potenciais presidenciáveis. Nominou Bolsonaro, João Doria (PSDB), Ciro Gomes (PDT), Luciano Huck (sem partido) e o próprio Mandetta. “Só faltou citar o Lula”, disse o ex-ministro.

Alternativas

Presidente do Cidadania, Roberto Freire admite que os diálogos para uma frente de seu partido com o DEM, PSDB e MDB entraram em modo de espera. “A partir do momento que o DEM passou a admitir estar até com o Bolsonaro, as pontes foram rompidas”, disse. Mas isso não impede uma mudança, em médio prazo. “O mesmo cavalo de pau dado pelo DEM agora pode se repetir em 22. Se encontrarmos uma candidatura competitiva, ele pode voltar a integrar nosso grupo”, disse.

Freire admite os diálogos com Mandetta e Maia, mas não sabe quando haverá uma resposta. “Já tivemos conversas com os dois. Mas o timing quem dá é o político, não o partido. Por isso, seguimos conversando”, disse.

Entre membros do PSL consultados pela reportagem, o ingresso de Maia só seria possível caso os deputados bolsonaristas ―que representam cerca de 30 dos 53 parlamentares― deixem a legenda nos próximos meses. Se não for assim, dificilmente ele se vinculará à sigla. No PSDB, o governador de São Paulo, João Doria, fez um convite público a Maia, que também recebeu elogio do presidente de honra da legenda, Fernando Henrique Cardoso. No Podemos a articulação é feita entre alguns dos deputados e senadores, mas não teve um retorno direto da cúpula partidária. Mais do que o ingresso de Maia em qualquer nova legenda, o que contará para o cenário político será o número de lideranças regionais ele conseguirá levar consigo.