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Folha de S. Paulo: Foco em testes tem sido devastador para crianças não brancas, diz pesquisadora

Para professora da Universidade Columbia (EUA), educação antirracista pede currículo mais abrangente

Angela Pinho, Folha de S. Paulo

Grande tema do debate educacional na pandemia de coronavírus, a desigualdade na área castiga muito mais crianças pobres e negras. Repetir o diagnóstico à exaustão, porém, não tem contribuído para nada, diz Sonya Douglass Horsford, da Universidade Columbia, nos Estados Unidos.

Pelo contrário. Em sua visão, o foco excessivo em avaliações educacionais de larga escala estigmatizou crianças não brancas e prejudicou seu bem-estar emocional. É como atestar que a pressão arterial de um paciente é alta e nada fazer, diz.​

Professora de liderança educacional e diretora do grupo de pesquisa Black Education na Universidade Columbia, ela participou recentemente de painel promovido pela Fundação Lemann sobre os desafios da equidade racial na educação.

À Folha ela falou também sobre o papel dos pais e professores no combate ao racismo e contou qual pensador brasileiro é uma referência em seu trabalho.

Você acha que a desigualdade na educação deve aumentar após a pandemia, em termos de acesso e aprendizagem? Há muita discussão sobre perda de aprendizagem, mas nós devemos fazer perguntas diferentes: o que podemos aprender com a pandemia? Como as grandes desigualdades que vemos na educação podem ser abordadas à medida que a reinventamos como parte da recuperação? Não acho que a gente deve necessariamente focar nas lacunas ou nas comparações, mas decidir o que queremos que as nossas escolas sejam capazes de oferecer às crianças.

Qual seria a sua resposta? Precisamos dos melhores e mais bem preparados professores e dirigentes escolares, de um currículo de alta qualidade que inclua basicamente a verdade sobre a história do país e sobre as realidades que nossas crianças devem enfrentar. Precisamos de um currículo mais holístico, que inclua questões sobre justiça social e meio ambiente, sobre o seu papel em uma sociedade democrática, além de leitura e matemática.

Nos Estados Unidos e em diversos países, muitas avaliações têm constatado quão desigual é a educação. Esses diagnósticos produzem consequências práticas? O foco em testes nos Estados Unidos teve consequências devastadoras, especialmente para a educação de crianças não brancas. É como testar a pressão arterial repetidas vezes só para saber que ela não está boa, e não para usar o resultado para fazer o que é preciso, ou seja, diminuir a pressão arterial ou prevenir que ela aumente. Quando o resultado da avaliação está nas mãos dos educadores para a prática profissional, ela é muito necessária e importante, mas usá-la da forma punitiva como tem sido usada nos Estados Unidos é certamente é algo que criou mais problemas para a educação do que os resolveu.

Que problemas? Ficamos tão obcecados em testar que esquecemos do bem estar social e emocional das nossas crianças. Reduzimo-nas a um número em um teste e ainda escolhemos compará-las por raça —o que é um aspecto de quem elas são, mas a identidade racial não deveria ser um fator preditivo de qual será a sua pontuação. Então eu acho que temos que ser mais responsáveis no uso de métricas, usá-las para apoiar a aprendizagem em vez sermos punitivos e declararmos alguns grupos inferiores a outros.

De que forma os testes têm sido usados como punição? O uso punitivo das avaliações de alto impacto ["high stakes testing", o equivalente às avaliações de larga escala no Brasil] nos Estados Unidos vinculou os resultados dos testes por raça ao desempenho do professor e da escola.

Isso criou um emblema de inferioridade para crianças não brancas, ao enfatizar seu baixo desempenho nos testes, muitos dos quais são tendenciosos. Quando esses dados são usados ​​para avaliar o desempenho de professores e escolas, eles alimentam a divisão e a competição, em vez de servir como uma forma de determinar como melhorar a qualidade do currículo e do ensino ministrado aos alunos não brancos.

O que deve-se fazer para avançar na equidade racial na educação? Temos que valorizar a educação como um direito civil e humano e como uma profissão, recompensando e respeitando os professores pelo trabalho que eles fazem. A pandemia nos mostrou quão difícil é ensinar. Devemos abraçar a educação como uma responsabilidade coletiva: não é apenas o papel do professor, mas é também da família, dos membros da comunidade e dos formuladores de políticas.

Que consequências do racismo que uma criança negra sofre dentro da escola, depois de já superadas as barreiras de acesso? Uma criança negra pode ter que enfrentar um ambiente hostil. Se os professores não esperam que você seja capaz de aprender da mesma maneira que seus colegas com base em sua raça, isso tem consequências devastadoras para a sua auto-estima. É por isso que é tão importante ter uma cultura de liderança relevante, sabermos quem são as crianças para quem estamos ensinando, valorizarmos e termos grandes expectativas em relação a elas.

É importante para isso que as crianças tenham professores negros? Professores negros são importantes, mas não proponho uma correspondência racial necessariamente [entre alunos e professores]. Só acho que é preciso ter um professor que entenda a formação, as experiências, a cultura e as perspectivas das crianças para quem estão ensinando. Muitas vezes acontece de essa pessoa ser alguém que compartilha sua identidade racial e cultural, mas um professor branco pode fazer isso também.

Pais de escolas particulares no Brasil têm adotado programas de bolsas para aumentar a presença de alunos negros nas instituições. O que acha de iniciativa como essas? Temos programas semelhantes nos EUA. Alguns alunos têm experiências positivas, e outros têm dificuldades, porque a questão é muito maior do que apenas os recursos financeiros, é também o clima da escola. Acho que todos têm uma escolha a fazer em relação a como educam os filhos e apoiam os outros, mas seria bom se pudéssemos construir espaços onde pudéssemos aprender uns com os outros, o que penso ser a verdadeira definição de diversidade. Talvez, em vez de bolsas de estudo, haja uma maneira de reunirmos as pessoas para aprenderem juntas.

E fora da escola, o que pais tanto brancos como negros podem fazer para contribuir para uma educação antirracista? Se educar e entender história do país. Raça não é algo apenas sobre diferentes tipos de pessoas ou de cor de pele, mas é sobre uma estrutura de poder e um sistema que foi posto em prática desde a escravidão e negou a plena cidadania aos negros. É uma prática social que cria um padrão duplo e tudo o que estamos tentando fazer é defender a justiça. As crianças sabem o que é injustiça, então nós, adultos, também temos que apontar isso, abraçando um compromisso com a equidade e a justiça.

Tem algum pensador ou pesquisador brasileiro que tenha sido importante na sua trajetória acadêmica? Paulo Freire. Ele é muito lido, está na base de nossa pedagogia crítica. O que ressoa para mim é essa noção de que a educação é a prática da liberdade. Minha visão de educação emancipatória é que não é apenas para a equidade, mas para a libertação e emancipação. A reflexão é como criamos o espaço para que as crianças se vejam dessa forma e sejam capazes de usar a aprendizagem como um ferramenta de liberdade. Não apenas como pensamos, mas o que fazemos para mudar as condições ao nosso redor.