privilégios

Bruno Boghossian: Pedido do STF para reservar vacinas prova que alguns vícios são incorrigíveis

Fux tentou corrigir lambança, mas é difícil não enxergar a velha marca da busca por privilégios

Luiz Fux quis corrigir a lambança que foi feita quando o STF pediu a reserva da vacina contra o coronavírus para 7.000 integrantes do tribunal. A ideia era reduzir o desgaste provocado pelo episódio, mas a explicação só mostrou que alguns vícios são mesmo incorrigíveis.

O presidente do Supremo afirmou nesta quarta-feira (23) que a solicitação da vacina era parte de um esforço "para não pararmos as instituições fundamentais do Estado". Numa entrevista à TV Justiça, ele disse ter "preocupação com a saúde dos servidores". "Tanto que o ambiente está vazio", completou.

Fux inaugurou sua gestão em setembro, quando a marca de 100 mil mortos já havia sido ultrapassada. Os julgamentos aconteciam de forma remota, mas o galope da doença não o impediu de organizar uma cerimônia presencial para sua posse no comando da corte.

A contradição não significa que o chefe do Judiciário seja indiferente à saúde dos funcionários do tribunal, mas prova que alguns argumentos podem ser facilmente manipulados de acordo com o momento. Nesse episódio, é difícil não enxergar a busca por privilégios que se tornou a marca de certas instituições.

Para defender a vacinação, Fux disse que a medida era importante para que o tribunal pudesse "trabalhar em prol das pessoas que sofrem" com a pandemia. O discurso pode parecer bonito, mas esconde o fato de que julgamentos e outras atividades do tribunal vêm sendo feitas a distância. Grande parte da população não tem essa vantagem e, sem a vacina, corre riscos para trabalhar.

A Fundação Oswaldo Cruz negou a solicitação e afirmou que não caberia ao órgão "atender a qualquer demanda específica por vacinas".

Sob críticas, Fux tentou esclarecer o pedido. Ele disse que ninguém furaria a fila da vacinação e que o objetivo era garantir as doses depois que os grupos prioritários fossem imunizados. "O importante é que o Supremo Tribunal Federal teve essa preocupação ética", acrescentou, exaltando a própria bondade.


Catarina Rochamonte: Reforma na República dos privilégios

A necessária reforma tem de começar por cima, cortando os privilégios ali onde eles exorbitam

O principal motivo de clamor público por uma reforma administrativa é o acúmulo de privilégios. Sendo assim, é inusitado que uma proposta de reforma comece por avisar que os mais privilegiados —magistrados, parlamentares, militares e membros do Ministério Público, justamente as categorias de maior remuneração— não serão atingidos.

A reforma proposta pelo governo Bolsonaro retira direitos de muitas categorias de funcionários públicos, ao mesmo tempo em que mantém ou fortalece privilégios do alto escalão do funcionalismo, aqueles que estão na ponta da pirâmide dos poderes.

A justificativa para ter excluído os mais privilegiados é que estes são membros de poderes, com regras próprias. O Parlamento, porém, tem poder constitucional para ampliar o texto original enviado pelo Executivo e efetivar uma reforma verdadeira, equânime, democrática e justa.

Não adianta apoiar a proposta inicial da reforma dizendo que se trata de um primeiro passo. A aprovação da proposta original, sem emendas, seria um passo em falso.

A necessária reforma tem de começar por cima, cortando os privilégios ali onde eles exorbitam despudorados, afrontosos, escandalosos.

A reforma administrativa é necessária para equilibrar as contas, enxugar e modernizar a máquina pública, melhorar a qualidade dos serviços prestados e, com isso, favorecer a população. Ocorre que a reforma ora apresentada mantém as regalias da elite do estamento burocrático que se mantém à custa do suor do trabalhador comum.

Paulo Guedes, arquiteto da proposta, não apenas defendeu tais privilégios como mostrou-se indignado por eles não serem mais amplos: “Acho um absurdo os salários da alta administração brasileira. São muito baixos”, afirmou, sem nem corar. Para o ministro, a diferença salarial entre os de cima e os de baixo não estaria ainda de bom tamanho: “Tem que haver uma enorme diferença”.

Isso não é liberalismo; está mais para Ancién Régime.

*Doutora em filosofia, autora do livro 'Um olhar liberal conservador sobre os dias atuais' e vice-presidente do Instituto Liberal do Nordeste (ILIN).