prioridade

Cristovam Buarque: Três exemplos educacionistas

Em 2016, o site http://casa.abril.com.br fez uma entrevista com o Rai, onde a jornalista Keila Bis perguntou o que mais tinha impressionado nosso grande jogador quando viveu na França. Ele respondeu que sua maior e boa surpresa foi o fato de sua filha ir à mesma escola que a filha de sua empregada. Rai teve a sensibilidade de perceber que para um brasileiro esse fato era mais surpreendente do que as belezas de Paris, seus monumentos e sucessos econômicos. Mas um francês não se surpreenderia. Há décadas, o acesso à educação de base é igualitário para qualquer criança, independentemente da renda de sua família, apesar de uma certa desigualdade, dependendo do local onde mora.

Mas nem sempre foi assim. O esforço para que a educação fosse de qualidade e igual para todos começou na França, em 1881, quando o governo iniciou a reforma liderada pelo ministro Jules Ferry. A partir de então, a educação pública de qualidade para todos se tornou uma obsessão nacional, mesmo em tempos de guerra ou crises econômicas. Não foi apenas a França que fez essa opção nacional, de todas suas forças políticas priorizando a educação de suas crianças, para com isso formar uma nação rica e justa. Nem foi apenas à França que essa opção trouxe desenvolvimento e riqueza.

Quando o Estádio Beira-Rio foi inaugurado, em Porto Alegre, em 1969, o local das arquibancadas mais pobres era chamado de Coreia. Esse nome era dado porque a Coreia do Sul era símbolo de pobreza. Sua renda anual per capita era de US$ 1,7 mil, metade da brasileira de então; o produto industrial era de 11,2% do PIB e toda sua indústria era simples; enquanto, no Brasil, a indústria era 25,4% do PIB com alguns produtos sofisticados. Em 50 anos, a Coreia do Sul deu o salto e hoje sua renda per capita é superior a US$ 20 mil, e a brasileira é inferior a US$ 10 mil. A indústria coreana está na ponta tecnológica em relação às mais avançadas do mundo. Essa inversão se deve às estratégias deles e à nossa: eles fizeram uma revolução na educação de suas crianças e investiram no desenvolvimento da ciência e da tecnologia; nós deixamos a educação de base em segundo plano e não conseguimos dar o salto na ciência e na tecnologia.

A Irlanda é outro exemplo. Faz alguns anos, aproveitei uma viagem à Inglaterra e fui visitar aquele país. Queria entender como foi possível sair da péssima situação de sua educação nos anos 1970, para uma situação privilegiada 30 anos depois. Soube que o salto foi resultado de uma estratégia decidida em um acordo entre políticos, sindicalistas e empresários, que acertaram que dali para frente a prioridade central do país seria educação, ciência e tecnologia. Quaisquer que fossem os resultados das eleições, os governos dariam prioridade à educação de base: nenhuma criança seria deixada para trás, nenhum cérebro seria desperdiçado. O resultado é que a Irlanda é um país dinâmico, sem pobreza.

Ao saber que esse acordo nacional pela educação havia sido construído em um castelo em Kork, falei ao então embaixador do Brasil, Stélio Amarante, que me organizasse uma viagem até essa cidade. Ele me disse que as estradas do país eram péssimas e apesar de ser um país pequeno a viagem exigiria dias. Portanto, eu não teria tempo de sentir o local onde havia sido realizada aquela reunião decisiva. Olhei para o embaixador e perguntei como era possível um país que havia dado o salto na educação, ciência e tecnologia não ter conseguido fazer uma rede de boas estradas. Ele olhou para mim e disse “por isso mesmo!”. Fez um longo silêncio e completou: “optaram pela educação, concentraram seus recursos na escola. Agora, vão fazer as estradas”.

Essa resposta do embaixador foi uma lição maior do que tomar conhecimento do Acordo de Kork. O Brasil dificilmente faria um acordo desse tipo, porque não fizemos opção pela educação nem temos ainda o entendimento de que os recursos dos governos são escassos e é preciso fazer escolhas com prioridades de onde gastá-los. Nossos líderes partidários ou sindicais quereriam “priorizar” tudo e imediatamente, nenhum setor abriria mão de gastos que interessasse. Continuamos preferindo a mentira demagógica de fazer tudo ao mesmo tempo, deixando educação para trás, porque ela não aparece aos olhos do eleitor. Salvo depois de feita, nos resultados obtidos na construção do país, como fizeram França, Irlanda, Coreia do Sul. (Correio Braziliense – 18/06/2019)

Cristovam Buarque, professor emérito da UnB (Universidade de Brasília)


Barcelona afasta carros das ruas, para ser uma cidade para pedestres

A partir de 2017 a cidade catalã pretende construir 'superblocos', áreas residenciais menores que bairros onde a prioridade serão ciclistas e pedestres

A Câmara Municipal de Barcelona, na Espanha, quer melhorar a mobilidade urbana da cidade. Um projeto de lei pretende construir 'super blocos', áreas onde pedestres terão prioridade e carros terão acesso restrito. Nesses locais, a qualidade de vida será priorizada e assegurada pela revitalização de espaços públicos e pela construção de mais áreas verdes.

A partir de 2017, Barcelona vai começar a se tornar uma cidade para pedestres. Vários blocos residenciais serão transformados em um só, formando os super blocos, que por sua vez serão menores do que os bairros. Dentro deles, veículos de não residentes serão banidos. Habitantes poderão trafegar de carro, mas em velocidades reduzidas. Além disso, a prioridade será de ciclistas e de quem se locomove a pé.

Trajetos serão rearranjados e áreas que costumavam ter muito trânsito serão transformadas em espaços para pedestres. Fora dos super blocos, o trânsito também irá sofrer alterações. O objetivo é eliminar 60% do tráfego de carros ao longo de toda a cidade.

“Os super blocos pretendem colocar um fim na predominância do carro nas ruas, devolvendo o espaço ocupado por ele aos pedestres”, disse Irene Capdevilla, da Agência de Ecologia Urbana de Barcelona, ao site Fast Company.

Foco na sustentabilidade/mobilidade

O ar em Barcelona é tão poluído que extrapola os limites saudáveis estipulados pela WHO (World Health Organization). Segundo a Fast Company, estima-se que 3.500 pessoas morrem todos os anos na cidade espanhola por doenças respiratórias causadas pela poluição. Para melhorar esse cenário, foi aprovado um plano de mobilidade.

O objetivo é que a mobilidade urbana se torne mais sustentável, eficiente, segura, coletiva e saudável nos próximos anos. De acordo com a página oficial do plano, esses conceitos são “sinônimo de progresso social e econômico” e aprimoram a qualidade de vida.

A construção dos super blocos será uma forma de atingir as metas propostas pelo plano de mobilidade. O sistema de ônibus estará de acordo com os princípios estabelecidos pelo projeto. Além disso, habitantes serão encorajados a andar a pé ou de bicicleta, diminuindo a emissão de gases que causam poluição.

Para promover o estilo de vida sustentável, os super blocos serão autossuficientes em energia. Cidadãos serão instruídos a racionar recursos naturais, gastando menos luz e água.

Mudar a relação com a cidade

Para a Câmara Municipal de Barcelona, cidadãos devem viver em harmonia com o espaço público e se apropriar dele. Melhorar a mobilidade urbana já é uma forma de aprimorar a qualidade de vida e mudar a relação do habitante com a cidade.

Para estimular pessoas a usarem o que é público, os super blocos terão áreas recreacionais. Espaços antes inutilizados, ou ocupados por carros, ganharão novos usos para atender necessidades dos cidadãos.

A quantidade de áreas verdes também deve aumentar, tornando o espaço urbano mais agradável e saudável. Mais árvores serão plantadas nas ruas, atraindo espécies de pássaros e oferecendo um habitat para animais.

Outro objetivo do projeto é fomentar a inclusão social e empoderar habitantes. Os super blocos deverão proporcionar atividades produtivas e sociais, criando postos de trabalho e movendo a economia.

Motivar cidadãos a se engajarem em projetos do governo é outra forma de fazer eles se apropriarem do espaço público. Por isso, moradores dos super blocos serão estimulados a participar de projetos públicos e a desenvolver ações que repensem a vida na cidade.


Por Camila Luz, do portal Mobilize - Mobilidade Urbana Sustentável

Matéria publicada originalmente no portal Mobilize - Mobilidade Urbana Sustentável.