PRINCESA ISABEL

Livro Úrsula será discutido no Clube de Leitura Eneida de Moraes, na Biblioteca Salomão Malina

Primeiro romance escrito por negra, no Brasil, aborda o abolicionismo

João Vítor*, com edição do coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida

Em meio à escravidão, nasce um romance entre dois jovens, a pura e simples Úrsula e o nobre bacharel Tancredo. A narrativa escrita por Maria Firmina dos Reis aborda a cultura afrodescendente em um contexto anterior à Lei Áurea. O livro Úrsula é considerado o primeiro romance escrito por negra no Brasil.

Para o escritor Luiz Gusmão, a obra de Maria Firmina, publicada em 1859, combate a herança deixada pela a “desumanidade da escravidão”. “Devemos conhecê-la e divulgá-la para combater um legado nocivo e compreender a história da luta contra o racismo em nosso país”, diz Gusmão sobre Úrsula.

Todo o enredo e críticas retratadas no livro serão discutidas na terça-feira (24/05), a partir das 19 horas, de forma online, no Clube de Leitura Eneida de Moraes, organizado pela Biblioteca Salomão Malina, mantida pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília. O encontro virtual será transmitido pela página da biblioteca no Facebook, assim como no site e canal da FAP no YouTube.

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O escritor recifense Luiz Gusmão confirmou participação para mediar o debate da roda de conversa. Ele diz que Úrsula destaca a voz de personagens escravizados e oprimidos. “Chagas históricas de nossa sociedade que afetaram, e ainda afetam, profundamente a vida no Brasil”, analisa.

Obra inaugural da literatura afro-brasileira, Úrsula foi a segunda mais votada para o webinar no quesito “autoras negras”. A enquete ocorreu entre os participantes do clube de leitura no grupo de WhatsApp e foi aberta ao público nas redes sociais (Instagram e Facebook) da biblioteca.

Abolicionismo

133 anos da lei Áurea. No dia 13 maio, o documento que extinguia a escravidão no Brasil, assinado pela princesa Isabel, em 1888, completou mais um ano de existência. O livro temático deste mês do clube de leitura retrata o período anterior a essa lei. À época, a princesa ocupava a Regência do Império do Brasil, em virtude de um tratamento de saúde que seu pai, o imperador dom Pedro 2º, realizava na Europa.

Autora

Negra, filha de mãe branca e pai negro nascida na Ilha de São Luís, no Maranhão, Maria Firmina dos Reis (1822 - 1917) fez de seu primeiro romance, Úrsula (1859), um instrumento de crítica à escravidão por meio da humanização de personagens escravizados.

Maria Firmina morreu cega e pobre, aos 95 anos, na casa da ex-escrava Mariazinha, mãe de um dos seus filhos de criação. É a única mulher dentre os bustos da Praça do Pantheon, que homenageiam importantes escritores maranhenses, em São Luís.

Clube de Leitura Eneida de Moraes

Com o encontro mensal, a roda de conversa existe desde junho de 2019 e leva o nome da jornalista e escritora Eneida de Moraes, que morreu, em 2003, aos 92 anos.

Para participar do clube, basta entrar em contato com a coordenação da biblioteca pelo WhatsApp oficial (61) 98401-5561. Todos os participantes estão reunidos em um grupo no próprio aplicativo em que são divulgadas as informações sobre encontros e assuntos de literatura em geral.

Mediador

Luiz Antônio Gusmão, de 40, ou Kuzman, como prefere ser chamado, nasceu em Recife, mas mora no Distrito Federal desde 1992. Ele começou a participar do clube de leitura em 2021 e é autor do livro Azul-Planalto: haicais candangos. É uma coleção de poesias de formato tradicional japonês sobre a paisagem e a vida no Planalto Central do Brasil.

Dentre a coletânea, ele afirma ter um carinho maior pelo haicai sobre o reflexo do céu no lago Paranoá. “Ele ainda hoje evoca em mim o sentimento de completude. Um momento de plena consciência da integração entre os elementos do ar (céu), água (lago) e terra (chão), num espaço aberto”, diz, para acrescentar: “Acho que ele registra o momento em que meu olho de haicai se abriu pela primeira vez”.

Serviço

Clube de Leitura Eneida de Moraes

Dia: 24/05/2022

Horário da transmissão: 19h

Onde: Perfil da Biblioteca Salomão Malina no Facebook e no portal da FAP e redes sociais (Facebook e Youtube) da entidade

Realização: Biblioteca Salomão Malina e Fundação Astrojildo Pereira (FAP)

*Integrante do programa de estágio da FAP, sob supervisão do jornalista, editor de conteúdo e coordenador de Publicações da FAP, Cleomar Almeida


Abolição não significa libertação do homem negro, diz historiador e documentarista

Cleomar Almeida, Coordenador de Publicações da FAP

historiador e documentarista Ivan Alves Filho, licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris em História, diz que “o 13 de Maio deixou marcas profundas na vida nacional”, em artigo publicado na revista Política Democrática Online de maio (edição 31), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília.

“A passagem da ordem escravista para a capitalista se processara a duras penas, após três séculos e meio de trabalho compulsório”, afirma ele, na publicação. Todos os conteúdos da revista podem ser acessados, gratuitamente, no portal da FAP.

Veja a versão flip da 31ª edição da Política Democrática Online: maio de 2021

De acordo com o documentarista, a passagem ocorreu em um período de transição relativamente longo até o capitalismo, quando, segundo ele, formas não capitalistas ainda se apresentavam em diferentes pontos do país, entre os séculos 19 e 20. “Estou-me referindo à meia, ao colonato, ao aviamento e ao barracão”, pondera.

“Mas se a abolição libertou o homem escravizado, isso não significa que tenha libertado o homem negro. Uma vez livre, o negro de todos os quadrantes do país encontrara inúmeras dificuldades para se integrar à nova realidade marcada pela dominação cada vez mais acentuada do capital”, analisa o autor, no artigo publicado na revista Política Democrática Online.

Segundo Ivan, em 1823, ao propugnar por uma ruptura gradual com o modo de produção escravista, José Bonifácio já havia advertido para a necessidade de, paralelamente, realizar uma reforma agrária que possibilitasse a inserção social do negro.

Veja todos os autores da 31ª edição da revista Política Democrática Online

“Ele não só não seria ouvido, mas também D. Pedro II regulamentaria, em 1850, uma Lei das Terras que praticamente impediria o aceso do trabalhador negro à propriedade no campo. Essa lei foi sancionada exatamente no mesmo ano da supressão do tráfico negreiro, anunciando o começo do fim da escravidão”, analisa

Na avaliação do historiador, se, por um lado, o negro não seria mais escravizado, por outro, permaneceria atrelado ao latifúndio. “Ou seja, a terra deixava de ser doada no Brasil, só podendo ser obtida mediante compra a partir daí. E era muito difícil ao descendente de escravos, naturalmente, reunir recursos suficientes para adquirir uma gleba para trabalhar”, acentua.

A íntegra da análise do historiador está disponível, no portal da FAP, para leitura na versão flip da revista Política Democrática Online, que também tem artigos sobre política, economia, tecnologia e cultura.

O diretor-geral da FAP, sociólogo Caetano Araújo, o escritor Francisco Almeida e o ensaísta Luiz Sérgio Henriques compõem o conselho editorial da revista. O diretor da publicação é o embaixador aposentado André Amado.Leia também:

Santos Cruz: ‘Instituições não aceitarão ações aventureiras do governante’

Clique aqui e veja todas as edições anteriores da revista Política Democrática Online

Fonte:


RPD || Ivan Alves Filho: 13 de Maio, um ponto de convergência

Como única revolução social brasileira até o momento, ao consagrar juridicamente uma mudança que já vinha se operando no modo de produção, o 13 de Maio deixou marcas profundas na vida nacional. A passagem da ordem escravista para a capitalista se processara a duras penas, após três séculos e meio de trabalho compulsório. E ocorreu um período de transição relativamente longo até o capitalismo, quando formas não capitalistas ainda se apresentavam em diferentes pontos do país, entre os séculos XIX e XX. Estou-me referindo à meia, ao colonato, ao aviamento e ao barracão. 

Mas se a Abolição libertou o homem escravizado, isso não significa que tenha libertado o homem negro. Uma vez livre, o negro de todos os quadrantes do país encontrara inúmeras dificuldades para se integrar à nova realidade marcada pela dominação cada vez mais acentuada do capital. 

Lá atrás, ou seja, em 1823, ao propugnar por uma ruptura gradual com o modo de produção escravista, José Bonifácio já nos advertira para a necessidade de, paralelamente, realizar uma reforma agrária que possibilitasse a inserção social do negro. Ele não só não seria ouvido, mas também D. Pedro II regulamentaria, em 1850, uma Lei das Terras que praticamente impediria o aceso do trabalhador negro à propriedade no campo. Essa lei foi sancionada exatamente no mesmo ano da supressão do tráfico negreiro, anunciando o começo do fim da escravidão. Se, por um lado, o negro não seria mais escravizado, por outro, permaneceria atrelado ao latifúndio. Ou seja, a terra deixava de ser doada no Brasil, só podendo ser obtida mediante compra a partir daí. E era muito difícil ao descendente de escravos, naturalmente, reunir recursos suficientes para adquirir uma gleba para trabalhar. 

Outro ponto que me parece fundamental tem que ver com uma certa incompreensão do caráter das transformações sociais entre nós. Ainda que tivesse combinado diferentes formas de luta, que iam dos embates armados dos quilombolas às manifestações na imprensa e no próprio Parlamento, prevaleceria a saída institucional. A Abolição, nunca é demais lembrar, foi uma luta nacional, de negros e brancos. Nem o Estado tinha força suficiente para barrar as mudanças nem a sociedade civil conseguia alterar tudo de chofre ou colocar o Estado abaixo. Daí a via negociada. Nem revolução nem conciliação: negociação.  

Eis o que nos desnorteia um pouco. A isso vem se somar outra particularidade do processo histórico brasileiro: a escravidão teve por aqui um conteúdo étnico, o que já não ocorria na escravidão antiga. Durma-se com um barulho desses.  

Por outro lado, talvez caiba recordar a lição dada pelo samba de enredo da Vila Isabel, em 1888: é preciso um certo “jogo de cintura…(para fazer) valer seus ideais”. Dir-se-ia que a Abolição entendeu essa nossa particularidade, logrando convergir todas as lutas para o campo institucional.  

*Ivan Alves Filho é historiador, licenciado pela Universidade Paris-VIII (Sorbonne) e pela Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais de Paris em História; jornalista e documentarista brasileiro. É autor de mais de uma dezena de livros.

** Artigo produzido para publicação na Revista Política Democrática Online de maio (31ª edição), produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), sediada em Brasília e vinculada ao Cidadania.

*** As ideias e opiniões expressas nos artigos publicados na Revista Política Democrática Online são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo, necessariamente, as opiniões da Revista.

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