Presidência da República

Deltan Dallagnol figura importante na lava-jato | Foto: Salty View/Shutterstock

Nas entrelinhas: Condenação de procuradores pode virar bumerangue

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A Segunda Câmara do Tribunal de Contas da União (TCU) condenou ontem, por unanimidade, o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot, o ex-procurador Deltan Dallagnol e o procurador João Vicente Romão a ressarcir os cofres públicos por dinheiro gasto pela força-tarefa da Lava-Jato com diárias e passagens. Segundo os ministros da Corte, houve prejuízo de R$ 2,8 milhões em gastos da operação, valor que deve ser restituído ao Tesouro. Técnicos do tribunal haviam recomendado arquivar o processo.

Para o ministro do TCU Bruno Dantas, relator do processo, e para o subprocurador-geral do Ministério Público de Contas, Lucas Furtado, o modelo adotado na operação permitiu o pagamento “desproporcional” e “irrestrito” de diárias, passagens e gratificações a procuradores, com ofensas ao princípio da impessoalidade, em razão da ausência de critérios técnicos que justificassem a escolha dos procuradores que integrariam a operação.

A decisão é mais um capítulo da “desconstrução” da Lava-Jato, que culminou na anulação das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), com base no princípio do juiz natural, sustentado pela defesa do petista desde quando o ex-presidente começou a ser investigado pelo então juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro.

Principal referência da operação, Moro teve sua imparcialidade como magistrado colocada em xeque quando aceitou o convite do presidente Jair Bolsonaro (PL), recém-eleito, para ser o ministro da Justiça, e abandonou a toga. Ambos acabaram rompendo em abril de 2020, quando Moro deixou o governo.

Janot foi condenado por ter autorizado a constituição da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba; ex-coordenador da força-tarefa, Dallagnol por ter participado da concepção do modelo escolhido pela força-tarefa e da escolha dos integrantes da operação; e Romão, por solicitar a formação da força-tarefa. Sete procuradores foram inocentados.

Em nota, a assessoria de Dallagnol afirmou que há perseguição. “A decisão dos ministros desconsidera o parecer de 14 manifestações técnicas de cinco diferentes instituições (…) que referendaram a atuação da Lava-Jato e os pagamentos feitos. Tudo isso com o objetivo de perseguir o ex-procurador Deltan Dallagnol e enviar um claro recado a todos aqueles que lutam contra a corrupção e a impunidade de poderosos”. Agora, ele está impedido de concorrer às eleições, com base na Lei da Ficha Limpa, porque foi condenado por um colegiado.

Casa de enforcado

Entretanto, a decisão do TCU pode virar um bumerangue eleitoral. Iniciada em 2014, Lava-Jato foi uma das maiores iniciativas de combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história recente do Brasil. Na época, quatro “organizações criminosas”, que teriam a participação de agentes públicos, empresários e doleiros passaram a ser investigadas pela Justiça Federal, em Curitiba. A operação apontou irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, e contratos vultosos, como o da construção da usina nuclear Angra 3.

Frentes de investigação também foram abertas no Rio de Janeiro, em São Paulo e no Distrito Federal. As investigações foram iniciadas a partir de uma rede de postos de combustíveis e de um lava-jato de automóveis de Brasília, usada para lavagem de dinheiro — daí o nome da operação. No ambiente de descontentamento com a política e os políticos, a força-tarefa de Curitiba e Moro alavancaram o tsunami eleitoral de 2018, quando Bolsonaro foi eleito.

No decorrer do atual governo, porém, o combate à corrupção deixou de ser uma prioridade para a opinião pública, muito mais preocupada com a pandemia de covid-19, a recessão econômica, o desemprego e o aumento da miséria. O eixo da política nacional se deslocou gradativamente da bandeira da ética para a economia.

Nesse ínterim, os condenados na Lava-Jato cumpriram parte da pena, adquirindo direito à prisão domiciliar ou liberdade condicional. Foram absolvidos ou tiveram suas condenações anuladas por desrespeito ao “devido processo legal”. Lula, que fora condenado e impedido de disputar as eleições de 2018, nas quais era o favorito, permaneceu 580 dias na carceragem da Polícia federal de Curitiba, até sua condenação ser anulada.

Sem entrar no mérito da polêmica jurídica sobre a Lava-Jato, que foi “deslegitimada” pelo Supremo Tribunal Federal (STF), para os réus e condenados na operação esse assunto é como falar de corda em casa de enforcado. Na atual campanha eleitoral, quem ganha com a polêmica é Bolsonaro, apesar dos escândalos de seu governo, porque essa polêmica
aumenta a rejeição de Lula.

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*Título editado


Simone Tebet | Foto: reprodução/Flickr

Nas entrelinhas: MDB do Rio “cristianiza” Simone e apoia Lula

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

Em 15 de maio de 1950, os dirigentes do PSD, reunidos na casa de Cirilo Júnior (presidente do partido), decidiram lançar a candidatura de Cristiano Machado à Presidência da República. O general Góis Monteiro transmitiu a decisão ao presidente Eurico Gaspar Dutra, seu velho amigo, enquanto o próprio Cristiano procuraria Getúlio Vargas e Ademar de Barros, o governador de São Paulo, para oferecer ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a vice-presidência.

Vargas não objetou a escolha, mas o PSD do Rio Grande do Sul (favorável à indicação de Nereu Ramos) rejeitou a candidatura. O Partido Social Progressista (PSP), de Ademar de Barros, também decidiu não apoiar Cristiano. Sabia que a candidatura de Vargas, apoiada por Ademar, seria lançada em 17 de junho. O próprio tentava adiar a convenção e remover o candidato do PSD, mas não teve sucesso. Cristiano foi aclamado no dia 9 de julho, ou seja, se antecipou a Vargas. Para neutralizar Ademar, Cristiano fez ainda uma aliança com Hugo Borghi, candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN).

Nas eleições de 3 de outubro de 1950, a chapa Cristiano Machado-Altino Arantes (PSD-PR) concorreu com as de Eduardo Gomes-Odilon Braga (UDN) e Getúlio Vargas-Café Filho (PTB-PSP). O resultado final deu a Getúlio 3.849.040 votos, contra 2.342.384 dados ao brigadeiro Eduardo Gomes e 1.697.193 a Cristiano Machado. O refluxo do setor getulista do PSD em relação à candidatura de Cristiano e a transferência de seus votos para Vargas foi um processo de esvaziamento eleitoral que ficou conhecido no jargão político como “cristianização”.

Ontem, a candidata do MDB à Presidência da República, Simone Tebet, foi “cristianizada” pelo MDB do Rio de Janeiro, que decidiu, em convenção regional, apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a reeleição do governador Cláudio Castro. Segundo o documento aprovado, a gravidade do momento, sem qualquer desmerecimento à candidatura posta pelo MDB, “impõe já no primeiro turno das eleições apoiar a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o mais qualificado entre todos para governar”.

O MDB cristianizou Ulysses Guimarães (1989), Orestes Quercia (1994) e Henrique Meirelles (2018), mas nunca de papel passado.

Sem compromisso

Segundo o ex-governador Moreira Franco, um dos autores do texto, não houve nenhum acordo prévio com a Lula. A decisão de apoiar o petista foi tomada mirando quatro objetivos: “1º) fortalecer as instituições políticas democráticas, não para mantê-las congeladas no tempo, mas modernizando-as e adaptando-as às exigências de um mundo que muda cada vez mais rapidamente e não perdoa os retardatários; 2º) não aspirar à reconstituição do passado, consciente de que temos de procurar nosso lugar no futuro que está em gestação em todas as esferas da vida; 3º) recuperar o papel do Estado na liderança e na promoção do desenvolvimento econômico e na repartição dos frutos do progresso, do mesmo modo como o fizeram todos os países democráticos do mundo; 4º) governar em nome de todos os brasileiros e para todos os brasileiros e garantir segurança jurídica e estabilidade institucional para os que produzem e trabalham.”

“Uma coalizão de brasileiros, unidos por estes valores, pode evitar os males que nos ameaçam, dar fim a um momento sombrio de nossa história e lançar as bases duradouras de um verdadeiro desenvolvimento inclusivo e sustentável. Esta é uma oportunidade que não podemos perder”, argumenta o documento aprovado na convenção.

Moreira foi um dos artífices do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e trabalha para que o ex-presidente Michel Temer também declare apoio a Lula. Mas não houve nenhum sinal efetivo de reaproximação entre ambos. O petista simplesmente esnobou Temer, solidário com Dilma.

O MDB do Rio de Janeiro é presidido pelo deputado Leonardo Picciani, filho do ex-presidente da Assembleia Legislativa Jorge Picciani, velho aliado de Lula. O ex-prefeito de Duque de Caxias Washington Reis foi indicado vice da chapa. Claudio Castro apoia a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).

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Brasil vive 'mistura tóxica de ódio pessoal e polarização política'

Leandro Prazeres*, BBC news Brasil

Nem mesmo a experiência de quem acompanha a política e as eleições na América Latina há mais de 30 anos foi suficiente para evitar o espanto que o professor americano Scott Mainwaring sentiu ao saber da morte de Marcelo Arruda, um membro do PT morto a tiros por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL).

"É um fato grave, não lembro de nada parecido no Brasil", disse à BBC News Brasil.

Scott Mainwaring é um dos maiores especialistas do mundo em política, democracias e ditaduras na América Latina. Ele já morou em países como a Argentina e o Brasil (onde fez pesquisa de campo para o seu doutorado) e fala português fluentemente. Nestes países, ele investigou a redemocratização na região e viu como, em alguns casos, esse processo envolveu casos de violência política.

Mainwaring foi professor na Universidade de Harvard, da qual é um membro associado. Em 2019, ele foi apontado como um dos 50 cientistas políticos mais citados em trabalhos acadêmicos do mundo. Atualmente, é professor de Ciências Políticas da Universidade de Notre Dame.

O americano é autor de dezenas de livros sobre a política da América Latina, entre eles: Decay and Collapse (Sistemas Partidários na América Latina: Institucionalização, Decadência e Colapso), Democracies and Dictatorships in Latin America: Emergence, Survival and Fall (Democracias e Ditaduras na América Latina: Surgimento, Sobrevivência e Queda), e Party Systems in Latin America: Institutionalization (Sistemas partidários na América Latina: Institucionalização).

É com essa experiência que ele analisa, com preocupação, a escalada de violência às vésperas das eleições deste ano no Brasil.

Em entrevista à BBC News Brasil, Mainwaring diz que a morte de Marcelo Arruda é resultado da "relação tóxica" entre a violência e poder político presente no país.

Segundo ele, o Brasil, assim como os Estados Unidos, vive um ambiente de "ódio pessoal e polarização política".

Para o professor, a polarização no Brasil não vai desaparecer e os principais pré-candidatos à Presidência da República, Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva (PT), precisam condenar atos de violência.

"Você não pode reduzir a zero a possibilidade de um cara desequilibrado atacar a outra pessoa. Mas a mensagem das lideranças é muito importante", disse o professor.

Confira os principais trechos da entrevista:

Scott Mainwaring
Scott Mainwaring é um dos principais pesquisadores do mundo sobre política, democracia e ditaduras na América Latina

BBC News Brasil - Nas últimas semanas, ocorreram alguns incidentes violentos no Brasil relacionados à campanha política. O último foi o assassinato de um membro do Partido dos Trabalhadores (PT) praticado por um apoiador do presidente Jair Bolsonaro. E isso lança algum tipo de alerta sobre o que está ocorrendo no Brasil?

Scott Mainwaring - Certamente. Não pode ter espaço para esse tipo de violência política. É um ato de criminalidade comum e, além disso, é um tipo de ato que atinge a democracia.

BBC News Brasil - Que sinal a morte de alguém nessas circunstâncias manda para a comunidade internacional?

Mainwaring - Para mim, é mais um indicador de uma relação tóxica entre violência e poder político. Como fato isolado, não acho preocupante. O que é preocupante é quando você combina isso com outros incidentes de violência.

Marcelo Arruda
Marcelo Arruda foi morto quando comemorava seus 50 anos numa festa com decoração do PT e imagens de Lula

Mainwaring - Me refiro a outros incidentes de violência. Estou pensando na relação da política com as milícias, com o crime organizado, nos assassinatos de candidatos a prefeitos, vereador. Quando você combina tudo isso, aí, sim, é preocupante.

BBC News Brasil - Considerando o histórico político do Brasil, quão grave é a morte de um militante político por um oposicionista?

Mainwaring - É um fato grave. Não lembro de acontecimentos parecidos no Brasil. Isso lembra, por exemplo, os brownshirts (camisas marrons) da Alemanha nos anos 1920 e começo dos 1930. Atinge de forma profunda a democracia.

[Nota: "camisas marrons" era o nome pelo qual ficaram conhecidos os primeiros integrantes de uma organização paramilitar nazista fundada por Adolf Hitler em 1921]

BBC News Brasil - O senhor mencionou os camisas marrons. Na sua avaliação, esse episódio lembra a Alemanha pré-nazismo ou a Alemanha nazista?

Mainwaring - Não quero exagerar. Na Alemanha pré-nazista isso era comum. Tanto os nazistas como os comunistas tinham milícias muito grandes, inclusive maiores que o Exército alemão naquela época. Mas vai nesse sentido. Vai nessa direção.

BBC News Brasil - Quais foram os fatores que levaram o Brasil a esse nível de animosidade que resultou, por exemplo, na morte desse membro do Partido dos Trabalhadores?

Mainwaring - Desde 2014, o Brasil sofre um processo muito grave de polarização política. E isso se acentua pela presença das mídias sociais, que exacerba a polarização política e cria uma animosidade. Elas levam essa polarização para um processo de animosidade, de ódio. É possível ter um processo de polarização que não se baseia em ódios pessoais. Mas no Brasil de hoje, como também nos Estados Unidos, você tem essa mistura tóxica de ódio pessoal e polarização política.

Bolsonaro
Em ato de campanha em 2018, Bolsonaro defendeu fuzilar a 'petralhada'

BBC News Brasil - Considerando essa escalada de violência, o Sr. acredita que o Brasil poderia ser palco de algo semelhante à invasão do Capitólio, nos Estados Unidos, caso um candidato não aceite o resultado das eleições?

Mainwaring - É um risco.

BBC News Brasil - É um risco alto, médio, baixo? Como o senhor classificaria?

Mainwaring - Não acho que seja grande, mas eu diria que é médio. O fato de Bolsonaro denunciar os mecanismos eleitorais brasileiros e dar sinais de que pode não aceitar o resultado caso ele perca as eleições, é aí que reside o maior risco. Isso, para a democracia, é muito grave.

BBC News Brasil - O Brasil tem sido descrito por especialistas como um dos países da terceira onda de democratização onde os fundamentos e funcionamento da democracia iam relativamente bem. Esses episódios violentos mais recentes indicam uma deterioração da democracia brasileira?

Mainwaring - Sem dúvida. A democracia brasileira entre 1985 e 2012 ou 2014, realmente, tinha muitos aspectos altamente positivos. Acho que a degradação da democracia brasileira nos últimos cinco ou seis anos é real.

A eleição de um presidente com perfil tão autoritário como o Bolsonaro é um sinal em si mesmo.

Quando você elege um presidente iliberal, com traços muito autoritários, isso já representa um perigo para a democracia.

Os problemas antecediam a eleição de Bolsonaro, como a corrupção, os problemas econômicos, o aumento da violência e a perda de credibilidade, por um lado, do PT, e por outro do establishment ao centro e à direita.

Bolsonaro
Bolsonaro já falou em 'fuzilar' petistas e usar 'granadinha' para matar Lula e políticos opositores

BBC News Brasil - Considerando a quantidade de armas circulando no Brasil, o Sr. teme que o país vá na direção de uma realidade em que atos de violência política sejam mais comuns? Há ambiente para uma deterioração ainda maior?

Mainwaring - Isso é possível e acho que não devíamos subestimar o quanto isso já aconteceu. O exemplo mais famoso é o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). Mas também já aumentou o número de assassinatos de candidatos a prefeito e vereador. Isso é grave e poderia se acentuar, mas não vejo como algo inevitável.

BBC News Brasil - O nível de polarização tende a piorar ou melhorar até as eleições?

Mainwaring - Acho que vai piorar, porque a campanha política vai ser, certamente, entre Lula e Bolsonaro. E 40% do país tem ódio do Lula e outros 40% têm ódio do Bolsonaro. A tendência provável de Lula não vai ser polarizar. Ele vai polarizar contra o Bolsonaro, mas não vai assumir posições radicais. Mas Bolsonaro sempre polariza e certamente ele vai pintar Lula como um diabo. Eu acho quase inevitável que a polarização se exacerbe nos próximos meses. Agora, depois da eleição é um momento de possível diminuição da polarização. Os dois candidatos vão ter que costurar alianças para governar o país.

BBC News Brasil - Qual é a responsabilidade de Lula nesse cenário de polarização?

Mainwaring - Acredito que o Lula poderia polarizar contra Bolsonaro, mas buscar o eleitor médio. Lula, provavelmente, vai se posicionar para ganhar o centro do Brasil. A probabilidade de ele ganhar aumenta se ele pode capturar o centro do país. Para mim, a estratégia mais óbvia do Lula seria lógico denunciar o Bolsonaro, polarizar contra ele, mas se posicionar como uma alternativa sensata, uma alternativa viável ou uma alternativa que no governo não vai ser radical, não vai polarizar.

BBC News Brasil - O presidente Bolsonaro tem sido acusado por alguns críticos de incentivar os seus apoiadores contra esquerdistas. Por outro lado, alguns dias atrás, o presidente Lula agradeceu a um membro do Partido dos Trabalhadores que atacou um manifestante antilula. Na sua avaliação, é justo dizer que Lula e Bolsonaro são igualmente responsáveis por esse ambiente de tensão que a gente vê no Brasil?

Mainwaring - Teria que estar no Brasil para fazer uma avaliação mais equilibrada sobre essa pergunta.

Luiz Inácio Lula da Silva
Lula parabenizou um ex-vereador do PT que agrediu um empresário em 2018 num protesto contra o ex-presidente

BBC News Brasil - O presidente Bolsonaro tem questionado, ainda que sem apresentar provas, a legitimidade do sistema eleitoral brasileiro. Os militares, que são muito próximos do presidente, têm colocado a integridade do sistema em dúvida. O senhor acredita que as Forças Armadas brasileiras vão aceitar o resultado das eleições se Bolsonaro perder?

Mainwaring - Se Lula ganha por uma vantagem razoável, acho que a tendência dos militares, neste caso, é aceitar o resultado. E se a eleição for muito apertada? Aí, digamos, teria mais espaço para os militares não aceitarem. Acho, de qualquer maneira, pouco provável que os militares não aceitem [o resultado]. Mas essa possibilidade aumenta se a eleição for extremamente apertada.

BBC News Brasil - O senhor é um dos principais especialistas em democracia, ditaduras e ditaduras militares na América Latina. Na sua avaliação, existe algum espaço para uma ruptura democrática no Brasil hoje?

Mainwaring - Para a ruptura clássica via golpe militar, acho que não há espaço. Desde o fim da Guerra Fria, a maneira mais frequente de a democracia se romper é pela via do que chamamos de "executive takeover". Seria, digamos, quando o presidente, ao longo do tempo, degrada a democracia a tal ponto que ela deixa de ser um regime democrático. Um exemplo clássico é a Venezuela pós-Hugo Chávez. Outro exemplo claro é a Nicarágua e o regime de Daniel Ortega. Mas poderíamos pegar um caso como a Hungria de Viktor Orbán. Esse risco eu acho que é real, especialmente se Bolsonaro ganhar de novo. O risco de ele procurar concentrar mais o poder... os ataques dele ao STF são um indicador nefasto. Agora, Bolsonaro não deverá ter uma maioria no Congresso e isso dificulta as coisas para ele.

BBC News Brasil - Nos últimos anos, houve um relaxamento das normas no Brasil em relação à compra de armas e alguns especialistas dizem hoje que o Brasil tem mais armas circulando hoje do que no passado. Considerando todo esse ambiente de tensão das nossas eleições, quão preocupante é termos uma eleição neste ambiente?

Mainwaring - Não sei quão preocupante isso é para a eleição. Acho que (assassinatos como o de Marcelo) são um episódio raro e que não se repetem muito. O que é mais preocupante em termos do aumento de número de armas é a prática quotidiana da democracia nas áreas pobres do Brasil como as favelas do Rio de Janeiro. É o controle que as milícias e as organizações criminosas exercem nessas áreas e na região amazônica. Eu diria que aí a democracia brasileira sofre muito e isso não é uma novidade.

BBC News Brasil - O senhor sente que há uma preocupação maior neste ano, fora do Brasil, em relação às eleições deste ano na comparação com outros anos?

Mainwaring - Certamente. A preocupação não é porque o sistema eleitoral seja frágil, mas é que um dos candidatos, Bolsonaro, poderia não aceitar o resultado.

BBC News Brasil - Existe, na sua avaliação, algum sinal de que essa tensão que existe hoje possa se dissipar depois das eleições? Ou esse nível de polarização é algo que veio para ficar e que vai demorar um tempo para desaparecer, se é que vai desaparecer?

Mainwaring - Se Lula ganhar, vai depender de como ele governará. A polarização não vai se dissipar. Não há nenhuma forma para que isso passe, mas poderia diminuir. E de quê maneira? Se o governo de Lula for exitoso, a tendência é diminuir a polarização. Por outro lado, se ele toma posições mais moderadas, isso ajudaria a diminuir a polarização. Por outro lado, se se repetem os casos de corrupção, se a economia não retomar um caminho mais positivo, se a violência não diminuir, aí a polarização provavelmente não vai diminuir.

BBC News Brasil - O Sr. mencionou que a morte de Marcelo Arruda é mais um indicador de uma relação tóxica entre violência e poder político. O que é exatamente os atores políticos podem ou deveriam fazer para que episódios como esses não acontecessem?

Mainwaring - Para os candidatos Bolsonaro e Lula, sobretudo porque são os únicos que têm uma chance viável, eles têm que denunciar essa violência. Isso é muito importante. Você não pode reduzir a zero a possibilidade de um cara desequilibrado atacar a outra pessoa. Mas a mensagem das lideranças é muito importante. Você tem que renunciar o uso da violência.

BBC News Brasil - Numa declaração, o presidente Bolsonaro disse o seguinte: "Vocês viram o que aconteceu ontem? Uma briga entre duas pessoas lá em Foz do Iguaçu? Bolsonaro isso não sei o que ela. Agora ninguém fala que o Adélio", que é a pessoa que o esfaqueou em 2018 e que foi filiado ao PSOL. Nas suas redes sociais, ele não chegou a lamentar a morte do Marcelo e acusou a esquerda de violenta. Esse tipo de declaração ajuda a acalmar os ânimos?

Mainwaring - Evidente que não. Agora, eu não sabia do incidente no qual o Lula aplaudiu a agressão de um petista contra um Bolsonaro. E isso também, no meu ver, é lamentável. Os dois têm que se pronunciar contra o uso da violência.

*Texto publicado orginalmente em BBC news Brasil. Título editado.


MDB e federação PSDB e Cidadania lançam oficialmente candidatura de Simone Tebet à Presidência

Em meio a disputas internas, MDB oficializa candidatura de Simone Tebet à Presidência

Luiz Felipe Barbiéri e Paloma Rodrigues*, G1 e TV Globo

Em convenção virtual, o MDB oficializou nesta quarta-feira (27) a candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República nas eleições deste ano. O placar na votação interna do partido foi de 262 votos favoráveis e 9 contrários.

As convenções nacionais marcam a confirmação de um candidato. Conforme calendário fixado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o período vai de 20 de julho a 5 de agosto. Após a convenção, o partido fica apto a registrar a candidatura — o prazo é o dia 15 de agosto.

"A candidatura da futura Presidente da República do Brasil teve aprovação de 97% da nossa convenção. Hoje, anunciamos esse resultado, com muita alegria. Não percorremos o caminho mais fácil da velha política, do toma lá dá cá, das negociações não republicanas", afirmou o presidente nacional do partido, Baleia Rossi (SP).

"Apresentamos hoje ao povo brasileiro uma alternativa equilibrada, moderada, uma alternativa aos polos que são colocados e que infelizmente não dão respostas ao nosso país. A candidatura da Simone Tebet é uma candidatura da pacificação nacional. O povo brasileiro quer paz".

Delegados de Amazonas, Ceará, Piauí e Bahia, representantes de estados considerados “lulistas” , participaram da votação. Apenas Alagoas e Paraíba não registraram votos. No total, 182 dos 279 delegados aptos a votar participaram. O número de votos é maior do que os votantes porque alguns delegados têm direito a mais de um voto.

Também nesta quarta, em convenção em Brasília, a federação formada por PSDB e Cidadania formalizou o apoio à candidatura de Simone Tebet.

Pesquisa Datafolha divulgada em junho deste ano mostrou Simone Tebet em quinto lugar, com 1% das intenções de voto, atrás do ex-presidente Lula (PT), com 47%; do presidente Jair Bolsonaro (PL), com 28%; do ex-ministro Ciro Gomes (PDT), com 8%; e do deputado André Janones (Avante), com 2%.

Apesar de oficializar a candidatura de Simone Tebet, o MDB está dividido. Isso porque parte das lideranças do partido defende apoio a Lula (leia detalhes mais abaixo).

Simone Tebet, porém, conta com o apoio do presidente nacional do MDB, Baleia Rossi (SP). E após investidas de Lula sobre setores do MDB, o partido divulgou uma nota assinada por dirigentes em 19 estados reiterando o apoio à senadora.

*Texto publicado originalmente no g1


Simone Tebet | Foto: reprodução/Flickr

Nas entrelinhas: Simone Tebet vive semana decisiva no MDB

Luiz Carlos Azedo | Nas entrelinhas | Correio Braziliense

A uma semana da convenção eleitoral do MDB, a candidatura da senadora Simone Tebet (MS) à Presidência da República vive uma semana decisiva, com muitas articulações políticas contrárias, mas em condições de derrotar a ofensiva dos caciques do MDB que desejam remover sua candidatura e apoiar o ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva já no primeiro turno. Na segunda-feira, 11 representantes de diretórios regionais, a maioria do Nordeste, se reuniram com o PT para consolidar a dissidência que apoia Lula. Ontem, o ex-presidente Michel Temer e o presidente da legenda, deputado Baleia Rossi (SP), com apoio de 19 diretórios, reafirmaram a candidatura. A conta não fecha. São 27 diretórios.

Os senadores Eduardo Braga (AM), Renan Calheiros (AL), Veneziano Vital do Rêgo (PB), Rose de Freitas (ES) e Marcelo Castro (PI); o governador de Alagoas, Paulo Dantas; e os ex-senadores Eunício Oliveira (CE) e Edison Lobão (MA), além do presidente do diretório estadual do MDB no RJ, Leonardo Picciani, participaram do encontro com Lula. O governador do Pará, Helder Barbalho, e o ex-senador Garibaldi Alves (RN), aliados do petista, não compareceram.

Ontem, Eduardo Braga, Renan Calheiros, Rose de Freitas, Marcelo Castro, o deputado federal Isnaldo Bulhões (AL) e o ex-governador Moreira Franco (RJ) se reuniram com Temer, no seu escritório, no Itaim Bibi, em São Paulo. O ex-presidente é uma peça-chave no tabuleiro das relações entre os caciques emedebistas. Até agora, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva vem trabalhando para dividir o MDB e não procurou Temer, principalmente por causa dos ressentimentos petistas em razão do impeachment da presidente Dilma Rousseff.

Temer anda descontente com a situação da candidatura de Simone Tebet, que não decolou nas pesquisas. A senadora pantaneira, porém, se beneficiou diretamente do fato de a cúpula do PSDB ter removido a candidatura do ex-governador João Doria e desistido da chapa própria. O Cidadania, liderado por Roberto Freire, que integra a federação com o PSDB, é a única legenda que se engajou na candidatura de Tebet, apesar de alguns deputados de sua bancada se fingirem de mortos. O PSDB, cuja cúpula chegou a anunciar o apoio a Tebet, não se mobiliza para a campanha da emedebista. Os tucanos vivem um salve-se quem puder, especialmente em São Paulo, onde o governador Rodrigo Garcia está em dificuldade para se reeleger.

Um balanço da situação interna do MDB mostra, porém, que Tebet ainda tem o apoio da maioria dos estados e dificilmente sua candidatura seria deslocada sem uma negociação muito ampla com o PT, para atrair Temer, o que é improvável. Uma ala que apoia a candidatura do presidente Jair Bolsonaro também não tem força para impor essa orientação. Por essa razão, prefere manter a candidatura de Tebet e barrar o apoio formal a Lula, o que daria muito tempo de televisão ao petista.

Rubicão

Segundo o senador Eduardo Braga, que lidera a dissidência, o grupo ainda não tem posição definida sobre como pretende se comportar na convenção. As disputas no MDB costumam ser resolvidas na base da Lei de Murici, “cada um cuida de si”. O partido é uma federação de grupos regionais, cujas lideranças convivem na divergência há muitos anos. De um lado, o grupo do ex-presidente José Sarney e de Renan Calheiros, aliados de Lula desde 2002; de outro, o grupo de Michel Temer e Moreira Franco, que se aliou a Lula em 2006 e fez parte da chapa de Dilma Rousseff em 2010 e 2014. Em 2016, Temer e Moreira romperam com Dilma Rousseff e aderiram às articulações do impeachment, o que a cúpula petista não perdoa.

A sete dias da convenção, o grupo pró-Lula ainda busca convencer Temer a aceitar a aliança, mas isso depende de uma iniciativa pessoal e pública de Lula, que mantém distância regulamentar do ex-presidente da República. A sorte de Tebet, mesmo estagnada nas pesquisas, é que o MDB também gosta de cristianizar seus candidatos, como fez com Ulysses Guimarães, em 1989; Orestes Quércia, em 1994; e mais recentemente, em 2018, com Henrique Meirelles.

A candidata do MDB ainda tem condições de tentar crescer nas pesquisas. Tebet é leve nas ruas, onde não é hostilizada, podendo circular nos eventos sem grandes aparatos, o que não acontece com Bolsonaro nem com Lula. Mesmo Ciro Gomes, candidato do PDT, tem mais dificuldades que ela, quando nada porque não leva desaforo para casa ao sofre provocações de petistas e bolsonaristas.

A convenção do MDB, marcada para o dia 27, será virtual. É um jogo de cartas marcadas, ou seja, a favor de Tebet ou contra ela, tudo será acertado antes. Do ponto de vista de sua candidatura, é um Rubicão, porque isso garantirá acesso ao tempo de radio e televisão quando a propaganda política começar para valer, em 15 de agosto. A distribuição de tempo entre os principais candidatos será a seguinte: Lula (PT) terá 3 minutos e 10 segundos a cada um dos dois blocos de 12 minutos e 30 segundos; Bolsonaro (PL), 2 minutos e 50 segundos; Bivar (União Brasil), 2 minutos por bloco; Simone Tebet (MDB), 1 minuto e 50 segundos; e Ciro Gomes (PDT), 50 segundos.

https://blogs.correiobraziliense.com.br/azedo/nas-entrelinhas-simone-tebet-vive-semana-decisiva-no-mdb/

Deepfake com o presidente Jair Bolsonaro (PL) usa cena do filme 'Esqueceram de Mim'/ Imagem: Reprodução

Deepfakes: A nova face das fake news e os riscos para as eleições de 2022

Juliana Arreguy*, UOL

De short vermelho, descalço e sem camisa, o presidente Jair Bolsonaro (PL) aparece em uma cozinha dançando o funk "Vai dar PT", sucesso de MC Rahell, em vídeo com 5,2 milhões de visualizações no Instagram. O rosto é o do presidente, mas não é ele a pessoa do vídeo: trata-se de uma deepfake, onde a face de Bolsonaro foi inserida, por meio de IA (Inteligência Artificial), no corpo de outra pessoa.

A tecnologia não é nova e já era utilizada no cinema, mas nos últimos anos se popularizou a ponto de ser possível baixar aplicativos gratuitos para criar deepfakes. O receio de que as pessoas sejam enganadas tem sido o principal alerta do jornalista Bruno Sartori, o mesmo que criou e divulgou o vídeo de Bolsonaro dançando na cozinha.

"Lula de 10 dedos. Bolsonaro sem facada. Fiquem espertos com as deepfakes esse ano, pessoal", escreve Sartori na postagem. É nesta legenda que ele aponta um detalhe importante: não há nenhuma cicatriz na barriga do homem das imagens. O presidente foi vítima de uma facada em 2018, tornando possível identificar que quem aparece dançando não é Bolsonaro.

No dia em que o ex-ministro da Educação Milton Ribeiro foi preso, o pré-candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) divulgou uma deepfake que mostra Bolsonaro como um dos vilões do filme "Esqueceram de Mim". Nas imagens, o rosto do presidente aparece recebendo um jato de fogo na cabeça, enquanto a legenda questiona: "Não foi Bolsonaro que disse que colocava a cara no fogo pelo Milton Ribeiro?".

Apesar do uso majoritário das deepfakes em tom de humor nas redes, especialistas se preocupam que elas assumam protagonismo nas eleições de 2022, elevando a dificuldade do combate às fake news.

Da diversão para a desinformação

O uso de deepfakes permitiu que uma propaganda de streaming revivesse o personagem Chaves e que o rapper Kendrick Luamar se transformasse em Will Smith em um clipe. Mas a tecnologia também serviu para que golpistas se fizessem passar por Elon Musk e que, em outro caso, divulgassem um vídeo em que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, declara rendição à Rússia.

Em artigo para o MIT Technology Review, a cientista da computação Nina Da Hora discorre sobre os impactos das deepfakes na sociedade, sobretudo pelo amplo acesso à tecnologia e a sofisticação cada vez maior da ferramenta.

Ao UOL, ela explica que as primeiras deepfakes utilizaram informações a partir de filtros em redes como Snapchat, onde os usuários simulavam seus rostos rejuvenescidos ou envelhecidos e brincavam com a possibilidade de dublar músicas.

"Hoje, com a facilidade de criação de deepfakes e seu compartilhamento nas redes sociais, que atualmente são os principais meios de compartilhamento de notícias, é perigoso que campanhas políticas as utilizem para deslegitimar as eleições e os candidatos", diz Nina.

No âmbito político, já circulou uma deepfake de Donald Trump explicando como os algoritmos o ajudaram a ser eleito presidente dos Estados Unidos. A manipulação de imagens não é nova no meio: há trechos de vídeos retirados de contexto e casos em que a velocidade da fala foi adulterada para fazer parecer que a pessoa estava bêbada — a presidente da Câmara dos Deputados dos EUA Nancy Pelosi e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já foram alvos deste tipo de desinformação.

Algumas plataformas adotaram medidas para mitigar os riscos das deepfakes nas eleições americanas de 2020. A Microsoft lançou um software que ajudava a detectar a tecnologia. Já o TikTok baniu temporariamente as deepfakes no país.

Coordenador de jornalismo da Agência Lupa, voltada para a checagem de notícias, Chico Marés alerta para o fato de que há casos em que não há certeza se o conteúdo divulgado é uma deepfake: "Acontece também de as pessoas alegarem deepfakes".

Como exemplo, ele cita o caso de um vídeo íntimo atribuído ao ex-governador de São Paulo João Doria (PSDB) durante a campanha de 2018. Doria afirma ter sido vítima de manipulação digital. Em março deste ano, um laudo da Polícia Federal afirma que não há sinais de adulteração no vídeo.

Marés observa que as deepfakes atualmente utilizam vídeos que já existem, o que facilita aos checadores encontrar o conteúdo original. "O medo maior é lidar com aquilo que não sabemos de onde vem, como os audiofakes".

Audiofakes

Os audiofakes são áudios criados também por programas eletrônicos. São diferentes de imitações feitas por comediantes, já que utilizam gravações para reconstruir a fala de outra pessoa.

"Audiofake é uma forma de criar áudios no formato digital usando algoritmos de inteligência artificial", explica Nina da Hora. "A IA aprende os movimentos da voz e como combiná-los com os sons, resultando em uma mídia falsa. Em alguns detalhes é possível perceber a robotização, enquanto uma imitação é puramente algo sensorial e humano, parte de habilidades da fala e de gestos".

Em uma série de posts, Sartori mostra como construiu audiofakes de Bolsonaro, Dilma Rousseff (PT) e Sergio Moro (União Brasil) cantando "Beijinho no Ombro", da funkeira Valeska Popozuda.

Para Chico Marés, os audiofakes ainda não têm sido utilizados para propagar desinformação no Brasil. Os conteúdos mais veiculados ainda são imitações de figuras públicas, como Lula e Bolsonaro, chamados de "cheapfakes" (do inglês "cheap", que significa barato).

Riscos e redes

Sartori, que se identifica como "deepfaker" (ou seja, alguém que faz deepfakes) nas redes sociais, sinaliza em todos os vídeos que não são verdadeiros e compartilha o passo a passo da linha de produção de alguns deles.

Nina da Hora explica que, nos EUA, desde 2018 há um projeto de lei que busca criminalizar a criação e distribuição de deepfakes de forma ilegal. Em junho de 2019, o país adotou uma Ação de Responsabilidade que exige a inserção de marcas d'água e explicações em conteúdos que utilizam a tecnologia.

Para Nina, a melhor forma de se precaver do risco de desinformação por meio da tecnologia é adotando uma legislação específica sobre o assunto.

"As deepfakes atingem diretamente um dos direitos fundamentais que é a privacidade, deslegitimando pessoas e discursos em prol de algum ganho financeiro ou com o objetivo de manipular narrativas, tudo isso a partir do uso de dados sensíveis e sem autorização."

O UOL procurou algumas das principais redes sociais utilizadas pelos brasileiros para saber quais as medidas adotadas diante da possibilidade de informação por meio de deepfakes:

  • Twitter

"O Twitter conta, desde 2020, com a Política de Mídia Sintética e Manipulada (SAMM) para endereçar alterações em mídias, como as deep fakes, quando há intenção de enganar ou confundir as pessoas. Violações à política estão sujeitas às medidas cabíveis, e todos os usuários são igualmente submetidos a elas."

  • TikTok

A plataforma afirma proibir "falsificações digitais (mídia sintética ou manipulada) que possam enganar os usuários, distorcendo a veracidade dos eventos e causando danos à pessoa que aparece no vídeo, a outras pessoas ou a sociedade."

São permitidas contas de paródia, desde que sinalizem aos usuários o seu propósito. "Caso um usuário passe por outra pessoa ou entidade de maneira enganosa, ele será removido por violar nossa política de falsificação de identidade."

  • Facebook e Instagram

As redes não penalizam conteúdos que sejam identificados como paródias e sátiras. "Vídeos, áudios ou fotos — sejam eles deepfakes ou não —, serão removidos das plataformas da Meta se violarem nossas políticas com conteúdos, por exemplo, de nudez, violência gráfica, supressão de votos e discurso de ódio."

  • WhatsApp

A plataforma afirma não ter acesso ao conteúdo das mensagens trocadas entre os usuários, mas pede que condutas inapropriadas sejam denunciadas pelo próprio aplicativo.

"Como informado nos Termos de Serviço e na Política de Privacidade do aplicativo, o WhatsApp não permite o uso do seu serviço para fins ilícitos ou que instigue ou encoraje condutas que sejam ilícitas ou inadequadas. Nos casos de violação destes termos, o WhatsApp toma medidas em relação às contas como desativá-las ou suspendê-las."

  • Telegram

Não respondeu à reportagem.

*Texto publicado originalmente no UOL


Bolsonaro e embaixadores: vexame internacional e atentado à democracia

Roberto Freire, presidente nacional do Cidadania*

Entre atônitos e perplexos, embaixadores de dezenas de países assistiram a um espetáculo tão deprimente quanto ridículo protagonizado pelo presidente da República, Jair Bolsonaro, que perdeu qualquer compostura que ainda pudesse ter pelo cargo que ocupa.

Bolsonaro expôs o Brasil e os brasileiros diante do mundo. Colocou abaixo de seus interesses mais paroquiais a pátria que no seu slogan estaria acima de todos. Tal desequilíbrio se explica pelo verdadeiro pavor que tem de ser preso pelos crimes que, no íntimo, sabe ter cometido.

As urnas eletrônicas que deram a ele e a seus filhos diversos mandatos tirarão de Bolsonaro em outubro não apenas o cargo, mas o foro especial por prerrogativa de função. E o poder e a influência que hoje detém sobre os órgãos de controle.

Mas isso não exime o Congresso Nacional de cumprir o seu papel e abrir um processo de impeachment. Senão pelo conjunto da obra, pelos crimes contra o livre exercício dos direitos políticos, individuais e sociais e contra o livre exercício dos Poderes constitucionais praticados hoje aos olhos do mundo.

Bolsonaro está usando o poder federal para impedir a livre execução da Lei Eleitoral e incitando militares à desobediência à lei e à infração à disciplina. Os presidentes da Câmara e do Senado precisam evitar a mais completa desmoralização não de Bolsonaro, essa já consumada, mas do Brasil.

*Nota oficial publicada originalmente no site Cidadania


Senadora Simone Tebet (MDB-MS)...Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Desarrumando o tabuleiro

Sérgio C. Buarque* 

A definição da candidatura de Simone Tebet à presidência da República (Tasso Jereissati de Vice) pela coligação MDB, PSDB e Cidadania pode provocar uma desarrumação geral no tabuleiro eleitoral até agora dominado pela polarização entre Lula e Bolsonaro. Simone surge como uma novidade num cenário poluído por candidatos que brilham pelos elevados índices de rejeição, cada um alimentando a votação do outro. As pesquisas mostram que a polarização está consolidada, mas também que 42% dos eleitores definiram o voto na ausência de uma candidatura alternativa consistente e viável. Simone pode ser esta alternativa, frente a uma polarização que empobrece o debate da campanha eleitoral, os dois candidatos destilando ódio e ressentimento, o presente destruindo o país (Bolsonaro) e o passado ameaçando o futuro (Lula). 

Não há dúvida que, a poucos meses das eleições, será difícil quebrar a polarização eleitoral a ponto de levar Simone Tebet para o segundo turno. Entretanto, a emergência de um nome novo, pouco conhecido, mas com história e experiência política e administrativa, pode sensibilizar parte importante do eleitorado, que se inclina a votar em Lula porque não vê outra forma de derrotar Bolsonaro, ou opta pelo atual presidente porque repudia o ex-presidente petista. Simone Tebet pode capitalizar este eleitorado da rejeição?  Difícil, mas possível.

A simples apresentação da sua candidatura como alternativa do centro-democrático provocará, de imediato, uma rearrumação do tabuleiro eleitoral. Além disso, deve introduzir um fator novo e um tom diferente na campanha, oferecendo aos eleitores a possibilidade de escapar da armadilha de uma desastrosa escolha entre o populismo do demolidor de direita e o populismo da esquerda naftalina. Simone pode ser a energia que quebre a polarização, com um projeto de defesa da democracia e de reconstrução nacional que combina inclusão social, reformas estruturais e gestão responsável das finanças públicas.

A entrada em cena de Simone Tebet na disputa eleitoral pode elevar o nível político da campanha, na medida em que apresente e discuta com o eleitorado novas ideias e propostas para a reconstrução do Brasil. A candidata do MDB pode ainda trazer à campanha uma serenidade totalmente ausente do ambiente político brasileiro, contaminado pelos gritos ameaçadores de Bolsonaro, pelos discursos raivosos de Lula, e pelas agressões verbais de Ciro Gomes. Quem sabe, ela consegue mostrar que é possível convencer o eleitor das suas propostas sem recorrer aos gritos e gestuais populistas, lembrando a lição do bispo Desmond: “Meu pai sempre dizia: não levanpolíticate a sua voz, melhore os seus argumentos”.

Se a polarização eleitoral consolidar-se, o acirramento da disputa entre Lula e Bolsonaro provocará uma profunda fragmentação política no Brasil, amplificando as tensões e acirrando os ânimos para além do pleito e dificultando a governabilidade. A alternativa do centro-democrático que Tebet representa pode, ao contrário, com serenidade e capacidade de negociação, esvaziar os dois polos deste confronto, isolar os grupos fanáticos dos dois lados, contribuindo para a pacificação do Brasil. Desta forma, pode avançar na formação de um governo de união nacional, fundamental para a reconstrução do país  para lidar com a grave crise econômica, social e fiscal, e preparar o país para os desafios do futuro. 

*Texto publicado originalmente em Revista Será? Penso, logo duvido


Foto: Beto Barata\PR

Merval Pereira: Com sede ao pote

Nunca houve tantos partidos se considerando em condições de lançar candidatos à presidência da República. Depois das eleições municipais, MDB, PSD e PP, os partidos que mais elegeram prefeitos, sendo que o MDB se mantém como o maior partido em número de prefeituras, começaram já a discutir nomes para 2022, e o que sempre foi uma maneira evidente de ganhar espaço para negociações com partidos maiores, agora ganhou nova roupagem de verdade.

Pelo menos o cacife dos negociadores aumentou. O MDB, que sempre foi um partido auxiliar, sobre o qual diziam que nenhum governo pode governar sem ele, embora o MDB não tenha condição de eleger um presidente, agora já se sente fortalecido, depois da experiência com Michel Temer.

O deputado Baleia Rossi, que é forte candidato à sucessão da presidência da Câmara, citou os nomes da senadora Simone Tebet, dos governadores de Alagoas Renan Filho, e do Distrito Federal Ibaneis Rocha, e do secretário de Fazenda de São Paulo Henrique Meirelles como possíveis candidatos.

Já o presidente do PSD Gilberto Kassab avisou que, depois do Carnaval, analisarão uma possível candidatura. Citou alguns nomes: o senador Antonio Anastasia, que classificou como “de muita credibilidade", o governador Ratinho Júnior, do Paraná, o senador Otto Alencar. Para Kassab, o partido já tem uma dimensão nacional para lançar uma candidatura. O PSD chegou a 640 prefeitos, aumentando em 100 as prefeituras sob seu comando.

O Democratas, que reelegeu Rafael Greca em Curitiba, Gean Loureiro em Florianópolis e Bruno Reis para suceder ACM Neto em Salvador, teve um aumento de 70% nos prefeitos, chegando a 458 prefeituras. O PP teve um aumento de 35% no número de prefeituras que conquistou. O PSDB, que, juntamente com o PT dominou a vida partidária por cerca de 20 anos, manteve-se como o partido que governará o maior número de cidadãos, cerca de 34 milhões de brasileiros, embora tenha perdido 16 milhões de 2016 até hoje.

O MDB é o segundo em termos de população, e em seguida vêm o DEM e o PSD. Todos esses números justificam o júbilo dos partidos de Centro que passaram a dominar bases territoriais mais volumosas em votos, e a continuação das cláusulas de barreira, juntamente com o fim das coligações proporcionais, fará com que partidos menores acabem se fundindo com as siglas mais atraentes.

PSD, MDB e DEM já se afastaram do Centrão, embora continuem com praticamente os mesmos pensamentos. O extremismo de Bolsonaro afugentou-os. Kassab não está apoiando a reeleição de Rodrigo Maia, mas se houver um acordo mais amplo, com um candidato de consenso, não é certo que continuará apoiando Arthur Lira, o candidato de Bolsonaro.

A possibilidade de PSD, MDB, DEM e PSDB se unirem em uma candidatura conjunta para a presidência da República em 2022 é concreta.

O governador paulista João Doria, que, segundo o ex-presidente da República Fernando Henrique precisará se nacionalizar se quiser ter êxito, e o apresentador Luciano Huck, são os candidatos mais visíveis, e até o primeiro semestre de 2021 haverá uma definição sobre se Huck disputará mesmo a eleição.

A saída do ex-ministro Sergio Moro da disputa parece definida com o novo cargo que ocupará na diretoria executiva de compliance da consultoria internacional Alvarez & Marsal. Na esquerda, a derrota acachapante do PT fez com que partidos mais estruturados, como o PDT, se lançassem a uma tentativa de ocupar espaços perdidos pelo PT.

Também o PSOL, que, em termos de estrutura partidária, não pode se comparar com o PT nem com o PDT, ganhou uma liderança emblemática com a atuação de Guilherme Boulos em São Paulo. Já não pode mais ser considerado um mero satélite do PT. O ex-ministro e ex-governador Ciro Gomes se lançou à tentativa que não deu certo em 2018: ser o candidato de centro-esquerda de uma ampla coligação partidária que poderia incluir o DEM.

O jogo está sendo jogado, e o presidente Bolsonaro vai ter que entrar para um dos partidos do Centrão para conseguir legenda para a tentativa de reeleição. O PP já se ofereceu, também o PTB. Se ele escolher, como parece ser seu feitio, um partido menor que possa controlar, vai deixar o Centrão pelo menos com a pulga atrás da orelha. Mas, se for para partidos mais fortes, eles têm dono.


Paulo Delgado: Civilização brasileira

Não há entre nós uma maneira coletiva de ser e agir, uma disciplina estrita de obediência à lei

A ideologia é uma invenção da ideologia. Rodeada de armadilhas, é ímã para desafetos. Sua obstinação é ser contrapensamento e ferir a base da confiança da política, que é o que sustenta um país. Adia ao máximo a aceitação da regra do jogo que sugere respeitar o vencedor. A moldura do ringue é instigante e velha conhecida. O choque ideológico pode vir de qualquer lado: do vencedor, do derrotado, das Forças Armadas politizadas, da Polícia Federal autonomista, do Ministério Público açulador, do Supremo em erupção. Pode vir também da sociedade, dos sindicatos, das ONGs, das igrejas. Não há entre nós uma maneira coletiva de ser e agir, uma disciplina estrita de obediência à lei capaz de manter algo sólido como um princípio, aquele dom partilhado por todos que dá forma ao destino dos povos e configura a ética de uma nação.

Todos fazem parte do sistema nacional de poder. E embora sem condição de precisar bem a origem dos movimentos de partilha e fratura do novo governo, é possível identificar sinais da construção de um vazio, sem motivo aparente, já querendo dividir o poder com quem ainda nem tomou posse. O Brasil está entusiasmado com instituições cheias de sentimento de poder - Forças Armadas, Polícia Federal, Ministério Público - e indiferentes a quem faz a lei, o desmoralizado Congresso Nacional.

Constitucionalmente, estabelecido para governar é o presidente da República. Há Poderes da união que gostam de definir a época em que vivemos. E avançam sobre as fissuras do sistema político e a erosão que a vida pública provoca na honra dos seus titulares nos últimos anos. Não se trata de fazer concessões aos poderosos ou deixar de ser iconoclasta com governantes de araque que nos levam à lona. Mas o patriotismo insuficiente do oposicionismo de insulto é como dizer “nós estamos aqui, aguarde o transbordar sobre você do nosso reservatório de desconfianças”. Enquanto isso, o que a outra civilização quer saber é se pode surgir por aqui algo como um Putin, um Erdogan, um Xi Jinping para podermos ser levados a sério, ou temidos. Alguns, melhor não, mas a marca de nossa democracia é a facilidade com que depreciamos o poder. De um lado, pela fragilidade que é a falta de consenso sobre a soberania das escolhas políticas; de outro, o dissenso entre partidos sobre se é lícito a um presidente incluir entre seus privilégios o de tornar-se desonesto no exercício do cargo.

O Brasil não sabe fazer um pacto entre suas elites talvez porque nenhuma seja hegemônica. Só um pacto de natureza civilizacional, elite do povo incluída, poderá fazer-nos caminhar para ser uma civilização. Três pontos iniciais: compromisso com a verdade, não depreciar a presidência de nenhum órgão público e total aversão ao erro. Na competição política, evitar espalhar dúvida, medo, suspeita sobre todos os que nos incomodam. A ideia de que tudo na vida é resultado de mecanismos repressivos embutidos na política e na economia é uma ideia ruim. Não há como deter a evolução, a própria natureza tem um forte componente liberal, competitivo. Quem se acha um salmão em rio poluído, envenenado pelos “outros”, experimente Freud: qual a sua responsabilidade na desordem de que você se queixa?

O conservadorismo é um freio de arrumação no caminhar desgovernado da humanidade. Entretanto, só vale se for coerente, ilustrado e dotado de propostas que capturem as questões pungentes. Enfiar ideologia em tudo, num culto da ação ao estilo militante, leva à sobrepolitização de todos os aspectos da vida. Com a crise, a entrega de proteções começou a falhar e é explicável que novas forças surgissem. Caiu o sistema binário com a globalização e as coisas saíram do controle da esquerda. As políticas identitárias viraram as costas para o povão desorganizado, o maior e mais sub-representado contingente eleitoral em todos os países.

O livre comércio foi muito longe e meio sem lei. Os jovens estão desprotegidos em seu desejo de ser estagiário, aprendiz, e gostaram de ouvir do futuro presidente que estão em seu plano de governo. Afinal, precisam que a política pública incorpore seu futuro, pois no contingente dos desempregados do presente são eles a maior parte. Precisamos correr para compensar nosso atraso e assim dar ao trabalhador condições de competir na brutal realidade moderna, em que o homem desconectado não será mais explorado, será irrelevante.

O liberalismo apropriou-se das bandeiras da igualdade e vinculou-as a tecnologia e comunicação. Claro que há limites, tanto para as políticas distributivistas, pois não há liberdade com igualdade total (os protegidos tornam-se improdutivos legais e sem autonomia); como para os compromissos sociais dos governos liberais, pois também não há igualdade com liberdade total (os competitivos são atropelados pelos ilegais). O desafio é garantir um espaço autônomo para a vida social, econômica e política, novas instituições de negociação, sem pensar em sair do jogo mundial.

Assim, atenção aos tratados ambientais, pois eles fazem parte do pacote exigido dos fornecedores para a venda de produtos agrícolas aos consumidores europeus. Além do mais, a Convenção do Clima tem forte simbolismo para o Brasil, foi aqui a primeira Cúpula da Terra, no governo Collor; logo, sem desculpa de ter conotação ideológica de esquerda. A Rio-92 teve seu tratado ratificado por 196 países em Kyoto, em 1997, o que criou, até hoje, a melhor imagem do Brasil no mundo. Tal fato fez de nossa habilidade diplomática, nessa área, um líder internacional do soft power ambiental.

O novo governo deve também ficar atento: a revolta do eleitorado não contém um basta ao Estado protetor, nem parece representar uma despedida do modelo econômico brasileiro - o Estado de compadrio - dos últimos 80 anos. Um bom problema, pós-ideológico, para o mais homogêneo Ministério da Economia desde Castelo Branco.

*Sociólogo, Paulo Delgado é co-presidente do Conselho de Economia, Sociologia e Política da Fecomercio/SP.


Política Democrática online de novembro repercute eleição de Bolsonaro

Publicação traz reportagem especial sobre economia movimentada por pessoas em situação de rua, além de dez artigos e uma entrevista exclusivos

A edição de novembro da revista Política Democrática online chega ao público, nesta quarta-feira (21), com dez artigos e uma entrevista exclusivos sobre os cenários políticos brasileiro e norte-americano após a eleição do deputado federal Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República para o mandato de 2019 a 2022. Em formato multimídia, a publicação traz ainda uma reportagem especial sobre a vida de pessoas em situação de rua, a forma como elas movimentam uma economia marginalizada e o desmonte das ações de atendimento a esse segmento da população em Brasília.

No destaque desta edição, a entrevista com o sociólogo Sérgio Abranches mostra que a direita inicia novo ciclo de poder com a vitória do ex-capitão do Exército para a presidência. “Agora, voltará a haver oposição orgânica, com o PT centrado no PSL e no Bolsonaro. Isso muda a dinâmica do jogo político, das relações entre o legislativo e o executivo”, diz ele, em um dos trechos. “Será um duro teste às instituições, à democracia. Mas acho que a Constituição de 1988 nos legou instituições que se revelaram suficientemente robustas ao longo de vários traumas”, acrescenta.

Produzida e editada pela Fundação Astrojildo Pereira (FAP), vinculada ao Partido Popular Socialista (PPS), a revista critica, em seu editorial, a escolha do embaixador Ernesto Araújo para a chefia do Ministério das Relações Exteriores. “A julgar pelos escritos do futuro ministro, diretrizes da política externa passarão a ser o antiglobalismo e o alinhamento com o governo americano, o nacionalismo econômico, a desconfiança em relação às pautas da sustentabilidade e dos direitos humanos, além da renúncia à defesa da democracia como sistema político”, diz um trecho.

A revista também traz uma reportagem especial que conta o drama de pessoas em situação de rua na capital federal e denuncia o desmonte das políticas públicas na área de assistência social no Distrito Federal (DF). Dados obtidos pela revista Política Democrática online por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) mostram que, em 2018, o governo voltou a reduzir as verbas do setor, alcançando o segundo pior investimento em dez anos, atrás apenas dos que foram efetivamente realizados em 2016. No DF, segundo dados oficiais, chega a 3,5 mil o número de pessoas em situação de rua nesta época do ano.

Entre os artigos publicados, os analistas políticos colaboradores da revista abordam diversos temas relacionados ao atual momento político brasileiro e internacional, a partir da ótica das eleições legislativas norte-americanas. Outros assuntos relevantes e de interesse públicos também estão contemplados nesta edição, como é o caso das fake news, a ampliação da desigualdade e o conservadorismo no Congresso Nacional, assim como as reservas internacionais e o ajuste fiscal.

A seguir, confira a relação de todos os conteúdos da edição de novembro da revista Política Democrática online e seus respectivos autores:

Editorial | Política em tempos sombrios

Artigo | As reservas internacionais e o ajuste fiscal (Paulo Guedes): José Luis Oreiro

Artigo | O Congresso mais conservador desde a redemocratização: Antônio Augusto de Queiroz

Charge | E agora as notícias de Brasília: Jcaesar

Artigo | Lições do DIC na era Collor: Luiz PauloVellozo Lucas

Entrevista Sérgio Abranches | Vitória do ex-capitão do Exército encerra disputa PT X PSDB (André Amado, Caetano Araújo, José Carlos Lima, Davi Emerich, Lucas Brandão e Priscila Mendes)

Artigo | Bolsonaro – Uma epifania digital em rede: Paulo Baía

Artigo | As doces, atraentes e estimulantes fake news (Sérgio Denicoli)

Artigo | Ampliação da desigualdade não é um problema econômico (Vinícius Müller)

Artigo | Depois das urnas, oposição democrática (Alberto Aggio)

Reportagem | Pessoas em situação de rua na economia marginal (Cleomar Almeida)

Artigo | Reação anti-trump marca eleições legislativas dos EUA (José Vicente de Sá Pimentel)

Artigo | Para uma crítica do tempo presente (Luiz Sérgio Henriques)

Artigo | Contemporâneos do futuro (Roberto Freire)


Foto: Beto Barata\PR

Murillo de Aragão: Agenda para um novo Brasil

Mudança de mentalidade pós-eleição pode ser o gatilho para novos e prósperos tempos

Depois de um longo ciclo de políticas econômicas que oscilavam entre a social-democracia e o socialismo, o Brasil depara-se com uma saudável alternância de poder e de ideias que pode quebrar tabus e propor uma nova agenda de desenvolvimento para a sociedade. A Presidência da República que ora se instala pode destravar imensas potencialidades e provocar um ciclo de crescimento consistente.

Explicarei como.

O Brasil tem muitas circunstâncias excepcionais para deflagrar um vigoroso ciclo de prosperidade. São aspectos de relevância capital o espaço para investimentos em infraestrutura, um mercado consumidor ávido para consumir, reservas abundantes em moeda forte para garantir o fluxo de investimentos estrangeiros, bilhões de dólares que podem ser repatriados por brasileiros para investimentos e nenhum problema com o financiamento de nossa dívida interna, que, em grande parte, é financiada por brasileiros.

Todas essas condições estarão a favor do País para a construção de um bom ambiente de negócios, desde que a nova administração federal perceba o quanto isso é essencial. Pois com um ambiente saudável destravamos as condições para gerar empregos, renda, impostos e divisas.

Além do mais, existem condições internacionais que são favoráveis. A primeira delas é a abundância de liquidez para investimentos. A outra circunstância é a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China, que nos abrem oportunidades únicas, que devem ser exploradas com inteligência.

Como melhorar o ambiente de negócios no Brasil?

Devemos tomar por base o ranking do Doing Business in the World, feito pelo Banco Mundial. Por esse índice, somos, de longe, o pior país do mundo – entra as maiores economias do planeta – para fazer negócios. Entre 190 nações, ocupamos o vexaminoso 129.º lugar.

O que significa isso?

Significa que o Brasil é um país que subaproveita a sua potencialidade, cria menos empregos do que poderia e, em consequência, arrecada menos impostos do que deveria. Em poucas palavras, é um país em que a economia, os recursos naturais e os humanos são subutilizados.

E por que estamos nesta situação? Por causa de uma carga tributária desequilibrada, por excesso de burocracia, pela demora na emissão de licenças, pelos custos indiretos de mão de obra, pelos riscos jurídicos e pela precária oferta de crédito, entre outras mazelas. De fato, a corrupção, a opacidade da administração pública, a burocracia, os impostos e a precária qualidade da infraestrutura trabalham contra o Brasil e os brasileiros.

O que fazer?

Basicamente, olhar o ranking do Banco Mundial e adotar medidas que, em quatro anos, coloquem o Brasil entre as 60 nações mais competitivas do mundo para o ambiente de negócios. E em oito anos devemos buscar estar entre as 20 nações mais competitivas. O roteiro está dado pelas pesquisas do Banco Mundial e por outras entidades públicas e privadas.

Para isso o novo governo deve pôr a melhoria do ambiente de negócios como meta número um, a partir de uma ampla e radical desburocratização e simplificação de procedimentos. Todos ganham com isso, em especial os trabalhadores, que ganham mais e gastam mais, alimentando o ciclo da economia.

Existem muitos setores da nossa economia que ainda estão amarrados pelo conhecido custo Brasil. São competitivos da porta para dentro da fábrica, mas altamente penalizados por questões de logística, tributos e financiamento. É hora de o novo governo atacar o problema com vigor.

O ativismo da burocracia deve ser contido em favor de um ambiente saudável para empreendedores. A Justiça deve entender que a criação de empregos a partir do investimento privado é vital para o funcionamento do Brasil. Caberá ao novo governo da União propor aos demais Poderes um pacto em favor do emprego e do investimento a partir da desburocratização e da simplificação tributária.
Os vetores que promovem os custos altos da intermediação de crédito também devem ser frontalmente atacados. Não há justificativa para uma economia como a da Argentina, por exemplo, ter spreads bancários menores que os do Brasil. Não há justificativa para a existência de uma absurda concentração bancária e de penalização para quem investe e oferece trabalho.

O eixo das prioridades não deve ser o Estado, nem seus funcionários, mas, sim, o setor privado, que gera empregos, divisas e paga impostos. É o que a China busca fazer: promover o investimento privado para gerar empregos, renda e divisas. É o que os Estados Unidos tentam fazer.

O centro das atenções deve ser a sociedade, a partir de políticas públicas que criem empregos e facilitem os investimentos, cujas fontes de financiamento são abundantes no mundo. Assim o Brasil galgará posições no ranking do desenvolvimento humano.

Para o cidadão comum o que importa é saber que, no fim do mês, ele ganhará o suficiente para ter uma vida digna.

No primeiro dia como presidente da República, Jair Bolsonaro deve já ter em mente o que vai fazer para expandir os investimentos privados no nosso país. O caminho dado pela Doing Business in the World, do Banco Mundial, é o mapa a ser estudado. Caso tenhamos sucesso, o Brasil será inundado por investimentos. Tanto nacionais quanto internacionais.

Está ao alcance da mão resolver os nossos problemas, que são, em sua maioria, criados por nós mesmos. A mudança de mentalidade proporcionada pelas eleições pode ser o gatilho para novos e prósperos tempos econômicos no País.

*Murillo de Aragão é advogado, cientista político, doutor em sociologia pela Universidade de Brasília, escritor, é professor na Columbia University (Nova York)