pompeo

El País: Visita de secretário de Estado dos EUA ao Brasil gera crise com Rodrigo Maia

Presidente da Câmara dos Deputados classificou a visita, pouco antes da eleição americana, de“afronta”; Mike Pompeo disse que os Estados Unidos vão tirar Maduro do poder

A visita ao Brasil de Mike Pompeo, secretário de Estado norte-americano, causou mal-estar com o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em nota, o parlamentar disse que o encontro em Boa Vista (RR) a um mês e meio da eleição americana “não condiz com a boa prática diplomática internacional e afronta as tradições de autonomia e altivez” da política externa e de defesa do país. Maia afirmou que Constituição brasileira prevê que os governantes devem orientar suas relações internacionais cumprindo os princípios da independência nacional, da autodeterminação dos povos, da não-intervenção e da defesa da paz. Nenhum representante dos governos brasileiro ou americano respondeu às críticas.

A viagem tem como pano de fundo a campanha à reeleição de Donald Trump e críticas ao regime do venezuelano Nicolás Maduro. O secretário quer demonstrar para o eleitor latino de que os EUA ainda têm influência na região. Nessa rodada, o secretário viajou ao Suriname, Guiana e Colômbia. Apenas no Brasil ele não se encontrou com a principal autoridade do país. Nesta sexta-feira, o presidente Bolsonaro estava inaugurando obras em duas cidades do Estado de Mato Grosso em ritmo de campanha eleitoral, que só ocorrerá, de fato, daqui a dois anos.

No Suriname, Pompeo se encontrou com o presidente, Chan Santokhi. Na Guiana, com Irfaan Ali. E, na Colômbia, tem reunião prevista com Ivan Duque. No domingo, ele segue para o Texas, estado com forte influência latina. Em Boa Vista, ele foi recebido pelo chanceler brasileiro Ernesto Araújo.

“Traficante de drogas”

No encontro com Araújo, o secretário Mike Pompeo, chamou o presidente venezuelano, Nicolás Maduro, de traficante de drogas e, sem dar mais detalhes, afirmou que ele será retirado do Governo. “Não devemos esquecer que ele está destruindo seu próprio país e também é um traficante de drogas. Está impactando na vida dos EUA. Mas vamos tirá-lo de lá”. Os dois fizeram discursos quase uníssonos sobre a Venezuela. Araújo disse, por exemplo que o regime de Nicolás Maduro deveria “desaparecer”. Enquanto que Pompeo afirmou que a Venezuela deveria voltar à democracia.

Nesta semana, um relatório da Organização das Nações Unidas (ONU) acusou o governo Maduro de crimes contra a humanidade desde o ano de 2014. Entre elas, estariam o uso sistemático de tortura e assassinatos.

No encontro com Araújo, Pompeo ainda destacou o interesse em manter a parceria que tem com o Brasil. Conforme ele, desde que o país passou a receber massivamente migrantes venezuelanos, em fevereiro de 2018, os Estados Unidos já repassaram cerca de 80 milhões de dólares (400 milhões de reais) ao Brasil. O valor representa 20% do custo da Operação Acolhida, uma ação humanitária que recebe os migrantes e tenta os inserir em comunidades do país.

Ao garantir apoio aos países latinos, os Estados Unidos também querem se assegurar que boa parte dos migrantes não irá para o seu território. Outra pessoa que criticou a vinda de Pompeo foi a diretora de programas da ONG de direitos humanos Conectas, Camila Asano. Ela afirmou que há uma “hipocrisia” por parte do Governo Bolsonaro em destacar os feitos da operação Acolhida, que desde março não recebe nenhum novo migrante, por causa da pandemia de coronavírus.

“As regras sobre o fechamento das fronteiras brasileiras tem sofrido flexibilizações ao longo dos últimos meses e hoje permite a entrada de turistas e investidores por via aérea, mas ainda proíbe pessoas que fogem da crise humanitária na Venezuela de entrar em território nacional”, afirmou.

Pompeo e Araújo foram questionados por jornalistas como eles viam a série de concessões que o Brasil estava fazendo aos Estados Unidos em um período pré-eleitoral americano. Ambos negaram que houvesse qualquer problema no relacionamento ou uma submissão por parte do Brasil. Nas últimas semanas, o Brasil antedeu aos interesses norte-americanos e abriu mão de uma candidatura própria para a presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento para apoiar um nome sugerido por Trump, contrariou os interesses de produtores brasileiros aceitando ampliar por mais três meses o prazo de importação de etanol americano com tarifas mais baratas e não se opôs ao anúncio de Washington de que cortaria 80% da importação do aço brasileiro.

O secretário americano afirmou que entre “amigos, não funciona assim”. “Isso é um relacionamento. Não é uma transação. Parceiros trabalham juntos.” Enquanto que o chanceler brasileiro amenizou as críticas e afirmou que os dois países têm uma relação diversificada e de longo prazo. No caso do BID, disse que precisava de um banco atuante, que pudesse trabalhar pelo desenvolvimento, pela liberdade e pela democracia. “A questão não é tanto a nacionalidade, mas o programa, que será bom para o Brasil”.

Esta foi a segunda visita de Pompeo ao Brasil. A primeira ocorreu em janeiro de 2019, quando ele esteve na posse do presidente Jair Bolsonaro como representante de Donald Trump. Em Boa Vista, o secretário de Estado visitou a sede de uma igreja católica onde funciona um projeto de saneamento básico financiado pelo Governo Donald Trump e um posto de identificação e triagem da Operação Acolhida, que recebe migrantes. Pompeo se encontrou com cinco venezuelanos de uma mesma família que estão há dez meses vivendo em um abrigo de Boa Vista. Eles estão em processos de migração para o Estado de Santa Catarina, no Sul do Brasil, após deixarem a região de Sucre por conta da crise humanitária da Venezuela.


O Estado de S. Paulo: ‘Ficamos satisfeitos com a oferta da base militar’, diz Pompeo

Secretário de Estado afirma que Estados Unidos estão ‘entusiasmados’ com guinada à direita na América do Sul

Eliane Cantanhêde, de O Estado de S.Paulo

BRASÍLIA - O secretário de Estado Mike Pompeo disse que os Estados Unidos estão “muito entusiasmados” com a guinada da América do Sul à direita, liderada pelo governo Jair Bolsonaro no Brasil, e agradeceu particularmente a oferta do novo presidente para a instalação de uma base militar em solo brasileiro no futuro: “Nós ficamos satisfeitos.”

Em entrevista concedida por telefone ao Estado, nesta sexta-feira, 4, Pompeo disse que a recondução de Nicolás Maduro na Venezuela é “inaceitável” e alertou contra a “atividade predatória” da China. Ambos foram temas de Pompeo em sua vinda a Brasília para a posse de Bolsonaro.

É conveniente e apropriado um alinhamento automático do Brasil com os EUA desde já, logo depois da posse de Bolsonaro?

Estou muito satisfeito de ter tido a chance de passar algum tempo com o novo presidente e de nossas equipes terem ainda mais tempo juntas. Tivemos muito bom consenso sobre diferentes questões-chave de interesse não só para as relações entre os dois países, mas também para a região. Então, eu realmente creio que teremos um bom alinhamento nas nossas políticas daqui em diante, inclusive para desenvolver melhor as relações econômicas e comerciais e gerar empregos e oportunidades para os cidadãos no Brasil e nos EUA.

Quando será a visita do presidente Bolsonaro aos EUA?

Nós convidamos o presidente Bolsonaro para visitar Washington e espero que isso possa ocorrer já nessa primavera (que começa em março no hemisfério norte), ainda sem data. O presidente (Trump) espera recebê-lo aqui, por causa dessas coisas que acabei de descrever. Há tantas coisas em que nossos países podem trabalhar juntos, para tornar o mundo um lugar mais seguro e próspero.

Há também expectativa de reunião de Trump com os presidentes de Brasil, Colômbia e Chile, por exemplo? Qual a agenda?

Não sei se há um plano nesse sentido, mas sei que há momentos em que se ruma na mesma direção e essa coleção de países preza pelos mesmos princípios, logo, isso facilita bastante que todos eles trabalhem muito bem com a nossa nação em uma série de temas.

Ou seja, a posse de Bolsonaro lidera uma guinada à direita na região e um movimento de aproximação com Washington?

Exatamente. Estamos muito entusiasmados diante dessa perspectiva e vislumbramos grandes oportunidades.

Que tipo de apoio concreto Brasil e EUA pretendem dar para a Venezuela restaurar a democracia, como discutido com o chanceler Ernesto Araújo?

Não vou abrir o que conversamos privadamente, mas o chanceler e eu, de fato, falamos sobre a importância da restauração da democracia para o povo venezuelano e sobre a decisão da Assembleia Nacional no dia 10 janeiro – minha nossa! a menos de uma semana. O regime Maduro reivindica ocupar a Venezuela por mais um mandato, mas nós não consideramos que a eleição foi justa, achamos que foi uma farsa. Portanto, queremos ter certeza de que não só EUA e Brasil, mas os demais países da região deixem muito, muito claro que isso é inaceitável e que a democracia tem de ser restaurada. Há várias coisas que podem ser feitas e eu espero trabalhar com o nosso novo parceiro aí no Brasil em cada uma delas.

Esse foi seu principal tema na Colômbia, depois do Brasil?

Sim, também falei com o presidente (Iván) Duque (Márquez) e equipe e, além da Colômbia, outros países partilham nossa profunda preocupação com o impacto do regime Maduro na região. São mais de três milhões de pessoas querendo sair da Venezuela, o que joga um enorme peso sobre os outros países e, acima, de tudo prejudica e desvaloriza a vida dos que têm de fugir do regime.

O sr. concorda com a opinião do chanceler Araújo contra o “globalismo”? E com sua avaliação de que só Trump pode impedir uma ameaça liderada pela “China maoísta” contra os valores cristãos do Ocidente?

O presidente Trump tem sido muito, muito claro. Nos lugares onde as instituições globais fazem sentido e trabalham, nós desejamos integrá-las e ajudá-las a avançar, mas estamos reavaliando várias delas para determinar onde essas instituições estão atingindo os objetivos para os quais existem e onde não estão. Assim, podemos desistir de participar, se o trabalho delas vai num caminho contrário aos interesses dos Estados-Nações no mundo, não só nos EUA, mas certamente nos EUA e também nos demais países. Nós acreditamos profundamente que a ideia de soberania nacional, com os países usando sua soberania e seus poderes para trabalhar coletivamente, pode atingir grandes objetivos. E conversei com o ministro de Relações Exteriores sobre isso.

O sr. espera apoio do Brasil na disputa entre EUA e China, maior parceiro comercial brasileiro?

Nós chegamos a uma posição inquestionável de que a China não pode ser liberada para se engajar numa atividade econômica predatória ao redor do mundo. Isso não é do interesse de ninguém. Onde a China se apresenta, no Brasil, Chile, Equador ou qualquer parte, tem de haver competição, transparência e liberdade, então, se é bom para eles, isso é ótimo, companhias vêm de todos os lugares do mundo e competem e companhias americanas competem contra negócios chineses. Mas eles não podem ter permissão para se apresentar nos países e se engajar em práticas que não são abertas, transparentes, de forma a obter benefícios políticos usando esses fatores comerciais. Isso não é apropriado e vocês têm visto que nosso presidente (Trump) está preparado para lutar contra isso, onde quer que, em questões comerciais, a América não encontre práticas justas e recíprocas da China. Isso vale para outras atividades em que a China esteja envolvida.

Bolsonaro anunciou que o Brasil pode sediar uma base militar dos EUA no futuro. Há planos nesse sentido?

Isso é algo que estamos constantemente avaliando aqui nos EUA: qual a melhor forma de ter bons parceiros na região, bons parceiros ao redor do mundo, e onde, quando e como instalar nossas “US forces”. Essa é uma discussão colocada o tempo todo, e nós ficamos satisfeitos com a oferta do presidente Bolsonaro. Eu estou confiante de que vamos continuar as discussões sobre todo um conjunto de temas com o Brasil, enquanto o novo governo vai colocando seus pés no chão. Isso é algo que nós estamos desejando muitíssimo.

Qual a previsão para concluir o acordo bilateral para ativar a Base de Alcântara?

Nós temos muito interesse nessa questão e o Departamento de Estado está negociando esse acordo de salvaguardas tecnológicas com o Brasil, que liberará licenças para lançamentos de veículos espaciais e satélites dos EUA a partir da Base de Alcântara. Estou muito esperançoso de que iremos progredir também nesse tema.