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Celso Rocha de Barros: Quantos dos aliados de Bolsonaro nas polícias são gente como Adriano da Nóbrega?

Investigação sobre 'o homem da casa de vidro' deve prosseguir com o máximo de cuidado

O site de notícias The Intercept Brasil teve acesso a um relatório da Subsecretaria de Inteligência da Polícia Civil do Rio de Janeiro em que são apresentados os resultados da quebra de sigilo telefônico do miliciano Adriano da Nóbrega, chefe da milícia Escritório do Crime, acusada pelo assassinato da vereadora Marielle Franco.

No relatório, pessoas próximas a Adriano fazem referências a contatos com pessoas identificadas pelos investigadores como “Jair”, “O Cara da Casa de Vidro” e “HNI (PRESIDENTE)”, ocorridos logo após a morte do miliciano. Membros do Ministério Público ouvidos em off pelo Intercept suspeitam que se trata do presidente da República, Jair Bolsonaro.

A proximidade do presidente da República com o Adriano da Nóbrega é bem documentada. O miliciano foi homenageado por Jair Bolsonaro e por seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, em várias ocasiões. A irmã e a mãe de Nóbrega eram funcionárias do gabinete do filho do presidente da República e são suspeitas de terem participado do esquema criminoso de repartição de verbas conhecido como “rachadinha”.

hipótese de que Bolsonaro seria “o homem da casa de vidro” (que, se confirmada a suspeita, seria o Palácio da Alvorada) é plausível por outro motivo: logo depois das interceptações, o Ministério Público ordenou a suspensão do grampo. Os MPs estaduais não podem investigar o presidente da República. Se o nome de Jair Bolsonaro aparecer em uma investigação, ela deve ser interrompida e remetida à Procuradoria-Geral da República.

É obviamente possível que “Jair” seja outro Jair que não o Bolsonaro, que o “homem” more em uma casa de vidro que não seja o Palácio da Alvorada, ou que, forçando um pouco a barra, “HNI (Presidente)” seja outro “homem não identificado” (HNI), amigo de Adriano da Nóbrega que fosse presidente de alguma outra coisa que não a República.

É preciso prosseguir na investigação com o máximo de cuidado, responsabilidade e transparência, preservando todo o benefício da dúvida em favor de Bolsonaro.

Por outro lado, se logo no começo da investigação da Odebrecht tivesse aparecido uma transferência bancária para um sujeito identificado como “Presidente”, Lula teria sido preso como suspeito em cinco minutos.

proximidade de Bolsonaro com milicianos não é só um problema gravíssimo do passado do presidente. Há gente razoável que teme que, à medida em que perde apoio nas Forças Armadas, Bolsonaro passe a incentivar a radicalização das polícias.

Eu gostaria de saber se há, entre os aliados atuais de Bolsonaro na polícia, mais gente como o ex-PM Adriano da Nóbrega.

Aqui você pode dizer: não seria o caso de centrar nossa atenção nos crimes cometidos por Bolsonaro durante a pandemia, crimes muito maiores, muito mais documentados, flagrantes?

São duas investigações paralelas. Nada impede que as duas sejam conduzidas simultaneamente, por autoridades diferentes. No momento, a prioridade é a CPI dos 400 mil mortos, que, se trabalhar direito, colocará o presidente da República na cadeia.

Mas a Vaza Jato, última grande denúncia do pessoal do Intercept Brasil, também demorou algum tempo até gerar desdobramentos jurídicos importantes. Dependendo de como a política se mova, desta vez pode acontecer a mesma coisa.


Folha de S. Paulo: Julgamento de oficial que matou Floyd pode ser ponto de virada para polícias nos EUA

Americanos precisam ver que sistema funciona, diz ex-policial e professor de direito penal

Fernanda Mena, Folha de S. Paulo

Na avaliação assumidamente otimista de Kirk Bulkhalter, o julgamento de Derek Chauvin, o policial que sufocou George Floyd com o joelho diante de câmeras em maio do ano passado, pode ser o início de um processo de reconstrução da confiança dos norte-americanos em suas polícias.

“Nunca vi um chefe ou comandante de polícia testemunhar contra um de seus policiais num processo criminal. E esse pode ser um começo”, avalia Bulkhalter, que é professor de direito penal da New York Law School (NYLS) depois de 20 anos de experiência no departamento de polícia de Nova York (EUA), para onde foi seguindo os passos do pai.

“Mais do que ver Derek Chauvin punido, as pessoas precisam ver o sistema funcionando, a responsabilização e as mudanças sendo implementadas.”

Bulkhalter dirige o The 21st Century Police Project (projeto polícia do século 21), um programa de reforma policial e de aproximação entre departamentos de polícia e comunidades diversas às quais devem prestar serviço.

Ele participou nesta sexta (9) do webinar “Disparidades Raciais e Reforma Policial nos EUA e no Brasil”, promovido pelo Núcleo de Justiça Racial e Direito da FGV Direito SP.

O encontro teve abertura do diretor da FGV Direito SP e colunista da Folha, Oscar Vilhena, e da adida cultural do consulado americano em São Paulo, Madelina Young-Smith. O debate, além de Bulkhalter, incluiu a coordenadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o pesquisador do núcleo, Marta Machado e Felipe Freitas. A mediação foi de Thiago Amparo, coordenador do Núcleo de Justiça Racial e Direito e colunista da Folha.

Desde 2012, a confiança da população americana nas forças de segurança e nos meios de sua responsabilização por abusos e crimes vem sendo traída. O ano marcou o início de uma triste série de escândalos envolvendo o assassinato de jovens negros por vigilantes e policiais, depois inocentados nos tribunais, e pavimentou o caminho para o surgimento do Black Lives Matter (BLM).

O movimento que denuncia a brutalidade policial contra pessoas negras tomou a dianteira na onda de protestos que eclodiram depois do assassinato de Floyd, apoiando pedidos de redução orçamentária para as corporações, o chamado “defund”.

“Hoje, os departamentos de polícia e o BLM estão mais apartados dos que nunca, e sem perspectiva de aproximação”, afirma Bulkhalten.

Para ele, o principal efeito dessa movimentação antirracista foi “tornar policiais mais paranóicos, achando que cada vez que saírem do carro alguém pode filmá-los e tentar puni-los”, o que teria criado um “efeito de recolhimento dos policiais nas ações em que o uso da força estaria respaldado em imunidade qualificada”.

“Distante das polícias, o BLM teve mais efeito nos processos políticos e em seus representantes, que agora colocam pressão aos departamentos de polícia do país”, aponta.

Desde junho de 2020 o congresso americano tenta aprovar a chamada Lei George Floyd, a maior reforma policial das últimas décadas. A lei, que foi aprovada na Câmara e ainda precisa passar pelo Senado, inclui medidas como a proibição de estrangulamentos durante a ação policial, o fim dos mandados de segurança que permitem que os agentes entrem em lugares sem se anunciarem —como na ação que matou Breonna Taylor— e o fim da “imunidade qualificada”, espécie de excludente de ilicitude aplicado a determinados casos.

Analistas têm evocado reduções orçamentárias e recolhimento das forças policiais como possíveis causas do aumento da criminalidade violenta no ano passado nos EUA. Chicago viu o número de homicídios dobrar em 2020. Em Nova York, os assassinatos cresceram 40%. Em Los Angeles, 30%.

“Sou totalmente a favor de mais transparência sobre os gastos nas corporações, mas a verdade é que talvez não estejamos gastando o suficiente nos itens certos”, afirma Bulkhalter.

“Em qualquer tipo de carreira é necessário aumentar os salários para atrair pessoas mais qualificadas. Então precisamos considerar isso quando falamos de gastos dos departamentos de polícia. O objetivo é ter uma polícia mais eficiente.”

Entusiasta da educação dos policiais, Bulkhalter gosta de ilustrar seu ponto de vista com um dado: “Hoje, um policial em Nova York recebe seis meses de formação e vai para as ruas. Já um barbeiro precisa de um curso de um ano para obter uma licença que permita a ele cortar cabelo”.

“A formação deveria durar dois anos e ser, depois disso, continuada. A polícia tem o poder de tirar a liberdade de uma pessoa e de usar a força contra ela. Misturar isso com a falta de educação e treinamento recebidos é algo tóxico.”

Negro, ele diz ter presenciado poucos episódios explícitos de racismo por parte de colegas policiais. “O que vi foram vieses raciais individuais, como quando um colega quis parar dois homens negros dentro de um Porsche com um rack para equipamento de ski porque tinha convicção de que negros não esquiavam”, lembra ele, rindo.

“Eu mesmo esquio desde pequeno! Fiz uma abordagem educada e tranquila que servisse de lição para o meu colega. E os esquiadores seguiram seu caminho.”

Para o professor e ex-policial, as corporações nos EUA são “clubes de meninos, quase todos brancos” desde sempre, e só depois do assassinato de George Floyd é que se viu “oficiais negros sendo promovidos para posições de chefia e de liderança”.

Ele avalia que o aumento da diversidade em posições de comando das corporações policiais é um passo importante para evitar que novos assassinatos de pessoas negras por policiais aconteçam nos EUA.

“Tudo emana das posições de comando. Alguém nessas posições de liderança tem que se levantar e dizer que determinadas atitudes simplesmente não são razoáveis.”