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Marcelo Tognozzi: Uma lição não aprendida

Brasil repete era de violência extrema. O senador Cid Gomes invadiu uma manifestação da PM no Ceará com uma retroescavadeira e levou 2 tiros durante o protesto

Misturar política com forças de segurança sempre acaba em tiro, sangue e porrada. A cena dantesca do senador Cid Gomes partindo para cima de uma multidão de PMs grevistas nos remete ao Brasil de 98 anos atrás, quando o mineiro Artur Bernardes se elegeu presidente da República no dia 1º de março de 1922. Os anos Bernardes (1922 – 1926) foram ofuscados pela era Vargas. Representam um momento de grande ruptura política e confronto violento, num Brasil tão efervescente quanto o de hoje.

A começar pelas fake news. Bernardes recebeu o mais duro ataque da campanha através de duas cartas com sua assinatura falsificada, contendo duras críticas aos militares e publicadas pelo Correio da Manhã, então principal jornal da capital Rio de Janeiro. Elas foram meticulosamente preparadas por 3 partidários do Marechal Hermes da Fonseca que, antes de vende-las ao senador antibernardista Irineu Machado, procuraram o próprio Artur Bernardes pedindo 30 mil contos em troca delas. Bernardes mandou-os pentear macacos e achou que não teriam coragem de ir além.

Ledo engano. Machado entregou-as ao Correio. E aí vemos a história se repetir nos detalhes, quase que por inteiro 1 século depois, quando o vale-tudo de reportagens mal apuradas e erros grosseiros acabam sendo transformados em verdade, denegrindo a reputação da imprensa enquanto instituição. Naquele 1921, o Correio até tentou reconhecer a firma de Bernardes, mas o tabelião Djalma Fonseca Hermes recusou, porque a considerou incompatível com a assinatura arquivada no cartório.

Mesmo assim o Correio da Manhã insistiu na fake news. A primeira carta foi publicada na edição do dia 21 de outubro de 1921. O jornal atacou duramente o candidato do Partido Republicano Mineiro. Edmundo Bittencourt, dono do jornal, foi para a Europa em janeiro de 1922 tentar arranjar um perito que confirmasse a autenticidade das cartas e da assinatura. Conseguiu um francês para atestar a autenticidade.

Em fevereiro, o lendário Virgílio de Melo Franco –um dos artífices do Manifesto dos Mineiros 21 anos depois– zarpou para a Itália, mostrou as cartas a peritos da Faculdade de Direito de Roma e, depois, a especialistas do Instituto de Ciências Políticas de Lausanne, na Suíça, comprovando a falsidade das 2 cartas e enchendo de água o chope de Bittencourt.

Mesmo com a recusa do tabelião em reconhecer a firma de Bernardes e as perícias de italianos e suíços, as cartas falsas continuaram repercutindo e incendiando. Serviram de estopim para a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana, em 5 de julho de 1922, quatro meses depois da eleição de Artur Bernardes, na primeira ação do que veio a se tornar conhecido como Movimento Tenentista.

Empossado em 15 de novembro de 1922, o 12º presidente do Brasil formou um gabinete de 9 ministros e governou um país conflagrado pela violência, mantendo o Estado de sítio durante todo o mandato. Em 1923 explodiu no Rio Grande do Sul a guerra entre os ximangos liderados por Borges de Medeiros e os maragatos de Assis Brasil.

Uma guerra famosa pela degola, daí o lenço vermelho usado pelos maragatos. Em 5 de julho de 1924, estourou a revolução em São Paulo liderada pelo general Isidoro Dias Lopes, guerreiro da Revolução Federalista gaúcha de 1893 contra Floriano Peixoto, o que lhe valeu uma temporada de exílio em Paris. Anistiado pelo presidente Prudente de Morais, voltou ao Exército. Em 1924, Isidoro conspirou com Miguel Costa, então comandante da Força Pública Paulista, equivalente à PM de hoje em dia.

A mistura venenosa de fake news, agitadores militares e membros da Força Pública rendeu uma revolução curta e sangrenta. São Paulo foi bombardeada inúmeras vezes durante os 23 dias da revolta pelas aeronaves Morane Salnier e Nieuport 21E1, ambas de 80HP, soltando bombas de 60 kg, além de artilharia de 75, 105 e 155mm. Havia gente morta e despedaçada pelas ruas, especialmente na Mooca e regiões operárias, prédios desmoronados, incêndios e nem o Palácio dos Campos Elíseos, sede do governo paulista, escapou das bombas. A população se escondia como podia, muitos fugiram e São Paulo viveu uma onda de saques e estupros.

O governo de Bernardes ganhou esta guerra, mas uma outra começou em seguida com o surgimento da Coluna Prestes-Miguel Costa, mostrando que o conflito viera para ficar. Em 1930, Washington Luís, sucessor de Bernardes, foi derrubado por uma revolução apoiada pelos tenentes e a burguesia. A pacificação só aconteceria 10 anos depois, em 1932, quando Getúlio Vargas sufocou a Revolução Constitucionalista de São Paulo, desta vez sem bombardear a capital dos paulistas, mas castigando especialmente cidades do Vale do Paraíba e Campinas, em operações comandadas pelo então major Eduardo Gomes a bordo do seu vermelhinho, como eram conhecidos os aviões Waco do governo. Os aviões paulistas eram os gaviões de penacho, comandados pelo major Ivo Borges.

Quase 1 século depois da violência e do extremismo dos anos 1920, assistimos à repetição da explosiva combinação de política com forças de segurança no Ceará. O ex-governador Paulo Hartung sabe muito bem o que é isso. Em 2017, 217 pessoas morreram durante a greve da PM iniciada em 4 de fevereiro. A reivindicação era a mesma de sempre: melhores salários.

O caos se instalou no Espírito Santo durante 20 dias até que Hartung conseguiu negociar a paz. Com o movimento do Ceará sendo tratado a golpes de retroescavadeira, o Brasil dá uma marcha à ré rumo a uma era de violência extrema, um trauma não superado e uma lição da história até hoje não aprendida.


Arnaldo Jardim: Política Nacional de Resíduos Sólidos completa uma década

Distribuiu obrigações para o lixo. Mas ainda falta muito a ser feito. Facilitar reciclagem é imperativo

Neste ano, em 2 de agosto, a Política Nacional de Resíduos Sólidos completará 10 anos de vigência. Depois de longa tramitação no Congresso Nacional, conseguimos aprovar uma lei revolucionária, em termos ambientais, para enfrentar um problema antigo do país, e do mundo –o que fazer com todo o lixo gerado pela atividade humana.

O Brasil produz 166 mil toneladas de lixo por ano e, o brasileiro, quase 1kg por dia. O grande dilema é como estimular a produção e o consumo de bens, mas agora com menor impacto ambiental. Para isso, a PNRS criou o conceito da responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, distribuindo a “obrigação de fazer” entre os setores envolvidos.

Para os governos federal e estaduais, a lei atribuiu a obrigação de estabelecer os planos de resíduos, de garantir a infraestrutura para sua disposição adequada e de fiscalizar a lei. A gestão integrada dos resíduos sólidos, incluído a implantação da coleta seletiva, é de responsabilidade dos governos municipais.

Para o setor privado, atribuiu-se a obrigação da “logística reversa”, ou seja, recuperação dos resíduos produzidos pelo setor e sua destinação adequada. E à população, o papel de acondicionar de forma diferenciada seus resíduos e rejeitos, descartando-os corretamente.

A aprovação da PNRS colocou o País, relativamente aos instrumentos disponíveis para a gestão de resíduos sólidos, no mesmo patamar que os países desenvolvidos. O desafio seria a sua implementação.

Apesar das enormes dificuldades, muitos avanços foram alcançados. Mais de a metade dos municípios brasileiros (64%) já disponibilizam informações sobre sua gestão de resíduos sólidos. Os Planos Municipais de Gestão de Resíduos Sólidos já são elaborados por 1.765 municípios. Esses planos estabelecerão as metas de redução, reutilização, coleta seletiva e reciclagem.

Que pese os lixões ainda fazerem parte da realidade brasileira, já contamos, segundo o Ministério do Meio Ambiente, com 55% dos municípios depositando seus resíduos sólidos urbanos em aterros sanitários. A coleta seletiva, segundo dados da Ciclosoft/2018 do Cempre (Compromisso Empresarial para a Reciclagem), já estava implementada em 1227 cidades (22% dos municípios brasileiros).

A evolução é lenta, mas consistente, e passou a priorizar a participação das cooperativas de catadores. Em relação à logística reversa, implementada por meio dos Acordos Setoriais, muito já se avançou. O índice de coleta de embalagens plásticas de óleos lubrificantes já alcança 86%.

No setor de lâmpadas, verifica-se a recuperação de 657 toneladas em 1.636 pontos de coleta instalados em 257 municípios. O compromisso do setor das embalagens em geral (alumínio, papel e plástico) encerrou sua 1ª fase no final de 2017, reduzindo em 21,3% a quantidade de embalagens dispostas em aterro.

Avançamos muito, mas ainda há muito para ser feito. A implementação da lei tem sido um aprendizado para todos e trouxe inúmeros ensinamentos, dentre os quais a necessidade de maior integração entre os poderes constituídos de forma que Executivo, Judiciário e, especialmente, o Ministério Público adotem uma visão comum para a implementação da política.

É importante também estarmos abertos à incorporação de novos princípios, haja vista que a busca pela sustentabilidade passa obrigatoriamente pela adoção de um modelo que ultrapassa o foco estrito das ações de gestão de resíduos e de reciclagem.

O modelo da “Economia Linear” de extrair, transformar e descartar, ainda que de forma ambientalmente adequada, atingiu seus limites. A PNRS deve incorporar os princípios da Economia Circular –um novo pensar sobre a produção que promova a dissociação entre o crescimento econômico e o aumento do consumo de recursos.

Além disso, é imperativo buscar uma sustentabilidade econômica, haja vista que um dos principais entraves para o crescimento da cadeia da reciclagem é a carga tributária. Não faz sentido o setor de reciclagem pagar a mesma carga tributária que o restante da indústria, ou multitributado.

Nesse sentido, criamos, ao lado de 27 entidades representativas do setor privado, a Frente Parlamentar pela Criação de Estímulos Econômicos para a Preservação Ambiental –a Frente da Economia Verde–, com o objetivo de buscar o desenvolvimento de um sistema tributário que leve em consideração o impacto ambiental dos diversos bens e serviços.

Esperamos que a resposta dos agentes econômicos a estes estímulos venha na forma de incremento da atividade industrial ambientalmente responsável.


Cristovam Buarque: 'Nós falhamos'

Ex-senador faz autocrítica. ‘Não demos rumo ao Brasil’. Progressismo se perdeu em utopia

Durante 26 anos, a República brasileira teve 5 presidentes de um mesmo bloco político. Apesar de partidos, ideologias e comportamentos diferentes, Itamar, Cardoso, Lula, Dilma e Temer vêm do mesmo grupo que lutou contra a ditadura e defendeu posições progressistas, em graus diferentes, na economia, na sociedade e nos costumes.

Foi, portanto, 1/4 de século e de República governado por democratas-progressistas. Nesse período recuperamos a estabilidade da moeda, criamos Bolsa Escola, Bolsa Família, Mais Médicos e Minha Casa Minha Vida, tivemos uma política externa independente e presente, mas não fizemos as transformações que o Brasil necessita e que a história esperava de nós.

A observação do Brasil que deixamos em 2018 demonstra que falhamos política e estruturalmente. Não demos coesão nem rumo ao Brasil. Basta olhar ao redor para ver que deixamos nosso país com 12 milhões de adultos analfabetos e 100 milhões sem saneamento, a população igualmente pobre e a renda igualmente concentrada; estamos nas últimas posições no Pisa e muito aquém do que deveríamos no IDH.

Deixamos a economia em recessão alarmante, e com desemprego em níveis dramáticos.

No nosso período, o país ficou mais radicalizado, violento e corrupto. Com menos coesão social e política e sem 1 rumo histórico. O Estado ficou mais ineficiente, aparelhado e endividado. Nós falhamos no propósito de mudar e dar uma nova direção para o futuro de nosso país e de nosso povo. Falhamos também politicamente ao levar os eleitores a escolher 1 governo diametralmente oposto ao que nós representávamos.

Falhamos e continuamos falhando ao não entendermos que falhamos, ao nos recusarmos a fazer uma autocrítica, condição preliminar para voltarmos a nos apresentar ao povo como uma alternativa progressista. Precisamos entender quais foram nossos erros.

O primeiro foi chegar ao poder como progressistas e nos acomodarmos como democratas conservadores. Ficamos 26 anos consolidando a democracia, sem reorientar o país nos novos tempos que vivemos. Não corrigimos as falhas do passado, nem apontamos ao novo progresso. Não entendemos que depois da “curva da história” nas últimas décadas, as ideias antigas já não servem.

A geopolítica e o comércio ficaram globais, a ciência e a tecnologia fizeram a robótica e a inteligência artificial, as mudanças climáticas definiram limites para o crescimento econômico, a democracia nacional deixou de dar resposta aos problemas que ficaram planetários, a pirâmide etária se inverteu, o Estado se esgotou moral, financeira e gerencialmente. Mas ignorando as mudanças na realidade, nós insistimos nas velhas ideias e nos velhos hábitos sobre como enfrentar o problema da pobreza, da desigualdade, do desenvolvimento.

Não entendemos que a justiça social exige economia eficiente. Que no tempo da economia do conhecimento, o aumento de produtividade, inovação e competitividade dependem da educação de qualidade para todos. Que deixar cada criança para trás é deixar o Brasil para trás. Continuamos tratando educação como um direito de cada brasileiro, e não como o vetor do progresso de todos.

Falhamos ao não entender que a bandeira progressista de hoje não está mais na ideia de a economia rica educar o povo, mas na educação de qualidade fazer a economia rica. Não vimos que as transformações sociais virão da equidade no acesso à educação de base.

Não percebemos que a “utopia” dos progressistas de hoje deve ser construir coesão nacional para executar uma estratégia que em algumas décadas o Brasil tenha uma educação com a qualidade das melhores do mundo e todas nossas escolas com a mesma qualidade, independente da renda e do endereço da família de seus alunos.

Falhamos por não termos a ousadia de propor o caminho para construir responsavelmente um país onde os filhos dos pobres estudem em escolas com a mesma qualidade dos filhos dos ricos. Preferimos vender a ilusão de que os filhos dos pobres ingressarão nas universidades mesmo sem acesso a uma boa educação de base.

Falhamos porque ficamos sem bandeira que nos diferenciasse. Não apenas perdemos uma eleição: fomos para casa sem deixar uma bandeira fincada. Por isso, deixamos o povo e a juventude sem esperança, apenas desencanto com o futuro e nostalgia de algumas narrativas.

Falhamos ao acreditar que eram verdadeiras as falsas narrativas que os marqueteiros inventaram para o que teriam sido realizações nossas. Falhamos ao cair na corrupção para pagar os marqueteiros, financiar campanhas e até enriquecimento pessoal.

Ao lado da falta de uma bandeira utópica, possível, responsável, a corrupção foi a maior de nossas falhas: privataria, mensalão, petrolão são vocábulos de nosso tempo no poder. Não apenas na corrupção do comportamento, também a corrupção nas prioridades dos estádios antes das escolas, das obras inacabadas; a corrupção das mordomias e privilégios que ampliamos em vez de eliminar.

Mas estas falhas talvez não tivessem acontecido se não fosse a trágica falha de termos cooptado os intelectuais e universitários em siglas partidárias. Nossos intelectuais silenciaram na crítica à corrupção, seja no comportamento dos nossos políticos corruptos, seja de nossas prioridades.

Prisioneiros de velhos esquemas teóricos, não foram capazes, nem tiveram interesse nem ousadia para radicalizar na formulação de um novo rumo para o Brasil. Pelo erro de cooptar os intelectuais, pagamos um alto preço de não contar com a crítica do presente, nem com novas ideias para o futuro. O que o stalinismo fez com o uso da força, nós fizemos pelo aparelhamento de nossa inteligência.

Esta foi uma das causas de termos ficado contra todas as reformas. Fomos eleitos para reformar o Brasil e ficamos contra as reformas. Não reformamos o Estado mordômico do Brasil: aumentamos o número de carros oficiais e de privilégios da cúpula no poder; não reformamos a política, ao contrário, nadamos nela como peixe na água, sem disfarçar a desfaçatez.

Na economia, demos o passo certo de adotar a responsabilidade fiscal, mesmo assim deixamos de respeitá-la com o uso de truques contábeis e “pedaladas”. Nenhuma reforma fizemos no sistema financeiro e bancário; não reformamos o injusto, complicado e vulnerável sistema fiscal; mantivemos a maior carga fiscal e os piores serviços públicos da história; não tocamos no complicado e comprável sistema de justiça.

Nós falhamos ao longo de 26 anos e continuamos falhando por não querermos entender que falhamos. A mesma arrogância que tivemos no poder, com narrativas falsas, mostramos agora ao ignorar o recado que o eleitor nos deu. Como se ele, o eleitor, tivesse falhado, não nós. Mas, nós falhamos.


Marcelo Tognozzi: O Chile saiu do armário

Chilenos protestam contra preço do metrô. Imagem de país próspero é propaganda. Chile viveu 17 anos de uma ditadura. O Brasil trilhou caminho parecido

Black blocs atacam agências de bancos e lojas de luxo no Rio e em São Paulo. Em Brasília, um grupo de encapuzados tenta incendiar a sede do Itamaraty.  Uma guerra urbana estava declarada. Naquele junho de 2013 a violência dos protestos foi inédita e em muitas ocasiões os manifestantes colocaram a polícia para correr. Não era pelos 20 centavos, diziam os líderes do Movimento Passe Livre se referindo ao aumento das passagens de ônibus em São Paulo.

Seis anos depois a situação se repete no Chile, fruto de um mesmo estopim: o aumento no preço do metrô. Como no Brasil de seis anos atrás, as principais cidades chilenas estão tomadas por ondas de protestos. “Não é mais pelos 30 pesos (R$ 0,18), mas por 30 anos”, gritam os manifestantes.

O Chile viveu 17 anos de uma ditadura iniciada em 1973, quando o general Augusto Pinochet tomou o poder depois de bombardear o palácio do governo e matar o então presidente Salvador Allende, do Partido Socialista. Desde 1990 é governado por democratas cristãos, socialistas e políticos de centro-direita como o atual presidente Sebastian Piñera. Entre os presidentes pós-ditadura dois deles, Ricardo Lagos e Michelle Bachelet, foram eleitos pelo Partido Socialista.

O Brasil trilhou caminho parecido na fase pós-governo militar, embora tenha apeado do poder dois presidentes pelo impeachment. Tivemos governos de centro-direita com Sarney, Collor e Itamar, de centro-esquerda com Fernando Henrique, Lula e Dilma, e agora Bolsonaro governa com a direita.

As semelhanças entre os dois países não param por aí. Ambos buscaram reduzir o tamanho do estado privatizando serviços públicos e estimulando o empresariado a investir em educação e serviços de saúde. No Brasil, embora a Constituição garanta ensino público e Sistema Único de Saúde (SUS), isso ficou restrito aos pobres. Ricos e classe média pagam escola particular e plano de saúde. Um símbolo de status. O Chile deu um passo a mais: privatizou a Previdência.

Queridinho do FMI e das agências internacionais de risco, o Chile sempre foi tido e havido como um exemplo a ser seguido. Os protestos deste outubro começam a mostrar um pedaço do Chile até então escondido debaixo do tapete. Planos de saúde, previdência privada e escolas particulares se tornaram 1 negócio comandado pelos grandes conglomerados financeiros, para os quais tudo é 1 negócio, inclusive a sociedade.

Recente estudo publicado pela BBC mostra que apenas 20% dos chilenos têm acesso a um sistema de saúde decente. Os demais dependem do sistema público, onde as esperas são imensas e a qualidade medíocre, porque falta o essencial: investimento. Nas aposentadorias a insatisfação é total, porque a população perdeu a confiança nas Administradoras de Fundos de Pensão (AFP), empresas privadas responsáveis por cuidar das aposentadorias. Os socialistas e liberais imaginavam que os chilenos conseguiriam se aposentar com 70% dos rendimentos dos últimos 5 anos. Deram com os burros n’água.

A diferença fundamental entre o Chile e o Brasil é que aqui houve a preocupação de manter mecanismos de distribuição de renda capazes de aliviar a pressão nas classes menos favorecidas. É o caso do bolsa família, por exemplo, dos programas habitacionais, vale gás, cestas básicas e outros auxílios. Bolsonaro sabe que não se pode acabar com estas coisas, tanto que criou o 13º para quem recebe bolsa família. Tomar que tenha ensinado isso a Paulo Guedes. O Brasil ainda tem uma saúde pública com ilhas de excelência como o Hospital das Clínicas em São Paulo ou o Instituto Nacional do Câncer no Rio, onde qualquer um pode se tratar.

Da mesma forma que em 2013 o Brasil mostrou uma cara muito diferente daquela estampada na propaganda do governo Dilma, o Chile deste 2019 revela ao mundo que a imagem de país próspero e povo feliz não passava de pura propaganda de governos durante os quais o abismo entre ricos e pobres não parou de aumentar. Este modelo nivelou as pessoas por baixo, criando uma sociedade com uma classe média achatada e cada vez mais pobres sem acesso à educação de qualidade, à saúde e serviços públicos essenciais.

As redes sociais se tornaram o principal canal de resistência a este modelo, onde os protestos são gerados e geridos. São ao mesmo tempo instrumento de manipulação com eficiência proporcional ao tamanho da ignorância das pessoas. Neste contexto as turbulências tendem a aumentar a prevalecer este sistema de lucros e privilégios baseado na exclusão e na negação da cidadania.

O Chile real saiu do armário e seus governantes precisam encarar a realidade, repensar o modelo e as relações entre a sociedade e os grandes conglomerados financeiros. Eles não podem continuar governando.


Marcelo Tognozzi: Este petróleo não é nosso

Impacto de vazamento no Nordeste pode superar acidente no Golfo do México, em 2010, escreve Mardcelo Tognozzi

As ONGs ecológicas tratam a contaminação do nosso litoral pelo petróleo vazado Deus sabe lá de onde como o caviar do samba de Zeca Pagodinho: “Nunca vi nem ouvi, eu só ouço falar”. Eu chefiava a Assessoria Parlamentar do Ministério das Minas e Energia quando 1 acidente com 1 duto da Petrobras se rompeu e inundou de óleo a Baía da Guanabara, no dia 18 de janeiro de 2000. Foi uma gritaria geral. Ecologistas, parlamentares da oposição (PT, PC do B, Psol, PV) mais Marina Silva, Greenpeace, associações de pescadores, sindicatos –uma loucura, negociações intermináveis, cobranças da imprensa, protestos.

O óleo vazado em 2000 não deve chegar nem a 10% da contaminação que desembarcou no nosso litoral nos últimos dias. E por incrível que possa parecer, zero mobilização da tropa de ONGs. Tartarugas do Projeto Tamar, golfinhos, aves e peixes estão morrendo, num prejuízo incalculável para a fauna e flora marinhas. Este vazamento tem potencial para ser mais devastador do que aquele ocorrido no Golfo do México numa plataforma da British Petroleum em 2010, porque é literalmente incontrolável: ninguém sabe de onde veio o óleo, qual o tamanho da mancha, quem são os responsáveis e como puni-los. Enquanto isso, as praias do Nordeste seguem sendo tingidas de negro.

As ONGs batem no ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, mas são incapazes de dizer qual a solução para conter esta ameaça. O ministro não queria utilizar barreiras, porque considerou que elas seriam ineficientes. O Ministério Público obrigou que elas fossem colocadas e, no final, quem tinha razão era o ministro, porque de nada adiantaram. O MP, que tudo sabe, tudo vê e em tudo se mete como se estivesse acima dos especialistas, dos governos e especialmente do eleitor, agora reconhece que este é nosso pior acidente com petróleo e dá ao governo 24 horas para por em prática 1 Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Água elaborado no governo Dilma. Isso existe? Se existe, por que não funcionou quando estourou a barragem de Mariana? Naquela época, a ficha demorou a cair e a “presidenta” levou uma semana para se mexer enquanto o Rio Doce morria. E nunca é demais lembrar que Minas era governada pelo PT.

O Greenpeace tem sido muito eficiente quando ataca o agronegócio do Brasil, seja criticando a liberação de defensivos (ou agrotóxicos, como queiram) ganhadores de prêmios de química verde, seja impedindo navios brasileiros de descarregarem soja supostamente plantada e colhida em áreas desmatadas. Mas está sendo incapaz de ajudar a desvendar o mistério do óleo derramado na costa brasileira. Nem sequer apresentou a contabilidade de animais mortos e parece nem ter acionado seus informantes baseados nos principais portos do planeta.

Não é preciso ser 1 especialista em meio ambiente e ecologia para entender o tamanho do desastre, o tamanho do descaso, o tamanho da incompetência do Ibama e da arrogância do MP. O desastre, criminoso ou não, não para de produzir prejuízos e isso ainda vai longe. O descaso tem, claro, um viés ideológico. Por que os príncipes defensores da natureza vão ajudar este governo de ogros a resolver 1 problema que é de todos nós? Seria esperar demais. A incompetência do Ibama não é generalizada, há gente preparada lotada ali, mas infelizmente este não é o padrão. Quanto à arrogância do MP, lembremos de Rodrigo Janot.

Não há ainda pistas concretas que possam levar aos responsáveis pelo desastre. Muitos dos que poderiam e deveriam colaborar para encontrá-las guardaram o entusiasmo no armário. Marina Silva não apareceu, nem o PV se apresentou, muito menos os franceses, dinamarqueses, suecos e alemães. Devem estar todos apagando incêndios na Amazônia. Ninguém sabe, ninguém viu. A única certeza é que, desta vez, o petróleo não é nosso.


Marcelo Tognozzi: Um caso de amor com o poder

ACM completaria 92 anos em 4.set. ‘Ganhou, perdeu, mas fez História’

Ele viveu um caso de amor com o poder. Começou conquistando o coração do presidente JK quando ainda era deputado no Rio de Janeiro. Desde então conversou com todos os presidentes. De Jânio Quadros a Lula. Exibia uma habilidade e sofisticação para a política muito próprias; ganhou, perdeu, mas acima de tudo fez História. Antonio Carlos Magalhães, o ACM, completaria 92 anos no último dia 4 de setembro.

Poucos políticos foram tão polêmicos. E raros os que souberam exercer sua autoridade sem abrir mão um milímetro sequer. Ele explicava: “Quando você é eleito as pessoas querem que você exerça sua autoridade, isso é intransferível. Elas querem que você mande e quando você não manda, alguém vai mandar por você”. Esta é a lógica do poder, a mesma que levou o presidente Bolsonaro a dizer em alto e bom som para seu eleitorado que quem manda no governo é ele. ACM demitiu um secretário de segurança depois que um grupo de argentinos foi assaltado em Salvador. Mandou chamar os turistas, pediu desculpas e virou notícia dentro e fora do Brasil.

Na época da Constituinte, foram inúmeras as vezes que os repórteres dos principais jornais e revistas acompanharam as votações no gabinete do então ministro das Comunicações a poucos metros do Congresso. Mandara instalar um sistema de transmissão com alto-falantes igual ao que havia nos gabinetes dos parlamentares. Conforme as sessões da Constituinte avançavam, ia analisando o andamento dos trabalhos, dando dicas. Desta forma seduzia veteranos e calouros. Cada um na sua medida. ACM brincava dizendo que a mídia era safada, mas precisava ser seduzida.

Quem teve a oportunidade de conviver com ele aprendeu a entender seu temperamento: não admitia incompetência, tinha desprezo pelos bajuladores e um prazer todo especial em “tratar os adversários”. “Nada impede que eu pegue o telefone para conversar com um adversário. Prefiro chamá-los de adversários, não de inimigos. Acho que não tenho inimigos. Se tenho, a culpa não é minha. Eles é que se tornaram. Nesse ponto, concordo com o ex-presidente Castello Branco: Eu não sou teimoso, teimoso é quem teima comigo.”

Tinha compulsão por uma boa briga: “O mais importante numa briga é saber escolher com quem a gente vai brigar”. Durante o governo Itamar, criticado pelo então ministro da Justiça, Mauricio Correa, chamou Gaguinho, garçom do Palácio de Ondina, e ordenou que ele respondesse ao ministro. Rompido com o ex-governador João Durval Carneiro, mandou o então deputado estadual Ariston Andrade devolver da tribuna da Assembleia Legislativa uma cueca samba-canção, presente de Sergio Carneiro, filho de João Durval. Brigou com Paulo Maluf, ficou ao lado de Tancredo e se manteve no poder. Foi o principal ministro de Sarney.

Batia e levava. Virou Toninho Malvadeza. Perdeu a eleição de 1986 para Waldir Pires, eleito governador da Bahia com expressiva vantagem sobre seu candidato Josaphat Marinho. Quando governava pela terceira vez a Bahia amargou outra derrota: Lídice da Mata venceu a eleição para a prefeitura de Salvador, derrotando Manuel Castro. Em 2001 foi obrigado a renunciar ao mandato de senador depois do escândalo da violação do painel de votação do Senado na sessão que cassou o mandato de Luiz Estevão. Foram derrotas doloridas. Mas seu pior momento foi a morte prematura do filho Luís Eduardo, ex-presidente da Câmara, vítima de um infarto fulminante em 1998.

Nos seus últimos anos de vida trabalhou para manter o poder na Bahia. Mas acabou sendo vencido por Jacques Wagner, eleito governador pelo PT, reeleito e que manteve o poder elegendo e reelegendo o sucessor Rui Costa. O caso de amor entre ACM e o poder acabaria ali. Ele morreria menos de um ano depois.


Marcelo Tognozzi || Nêmesis decidiu castigar Deltan para jamais esquecer sua condição de mortal

Em Brasília há um santuário secreto da deusa. Os devotos frequentadores deste santuário acreditam que o inferno de Deltan Dallagnol apenas começou

O ABRAÇO DE NÊMESIS
Nêmesis é uma deusa da qual ninguém pode escapar. Num belo dia de outono, decidiu acercar-se do procurador Deltan Dallagnol depois de receber muitas queixas sobre o modo de agir do chefe da Força-Tarefa da Lava Jato. Respondeu à aflição dos devotos providenciando ampla revelação sobre Dallagnol, com direito a detalhes sensíveis, sórdidos e desconhecidos do público que o convertera em herói. A deusa não perdoou o caso de amor entre o procurador, a fama e o dinheiro e decidiu revelar o verdadeiro Deltan. Exatamente como fez com muitos poderosos na época das romarias de fiéis ao seu santuário em Ítaca, na Grécia antiga.

Deusa guardiã da justiça retributiva (olho por olho, dente por dente), da solidariedade, da vingança, do equilibro e da fortuna, tem asas usa espada, tocha e possui serpentes de estimação; símbolos da rapidez com que age, seja promovendo a justiça ou a vingança. Decidiu castigar Deltan Dallagnol para que jamais esquecesse da sua condição de mortal com dever de nunca abrir mão da humildade, mesmo diante das tentações mais intensas como o narcisismo e o orgulho.

Nêmesis teve um acesso de raiva ao descobrir como ele manipulou desmesuradamente a Justiça e aqueles que acreditaram de boa fé em suas palavras. “Um homem não pode perder o respeito pela sorte e a fortuna, tratando estas duas bênçãos como trivialidades, não pode querer interferir no equilíbrio do universo manipulando fatos e versões”, trovejou a Deusa ao escolher um hacker bem simplesinho, de Araraquara, no interior de São Paulo, para mostrar a Deltan o quão vulnerável ele era e que continuava o mesmo mortal de sempre.

Tal foi a força da vingança de Nêmesis sobre a cabeça coroada do procurador, que ele acabou completamente nu diante de um Brasil estupefato com tantas revelações. A vaidade, soberba e a luxúria, três dos sete pecados capitais, aparecerem em grande parte das mensagens que a deusa decidiu expor em alto e bom som pelos meios de comunicação em português, inglês e espanhol – as três línguas mais faladas no mundo ocidental. Fez com que Deltan provasse um pouco do veneno da vergonha e da desonra, o qual aplicou indiscriminadamente sobre seus investigados, culpados ou não. Assim, ela fez valer sua justiça retributiva.

Em Brasília há um santuário secreto da deusa inspirado na sociedade secreta Pax-Nêmesis da Roma antiga dos imperadores Claudio e Adriano. Os devotos frequentadores deste santuário acreditam que o inferno de Deltan Dallagnol apenas começou, porque sua reputação está sendo cotidianamente esfolada e seus processos no Conselho Nacional do Ministério Público ganharam pernas e tramitam sem seu controle. A cada nova revelação a deusa ri alto, sacode as asas, acaricia suas serpentes e abraça Deltan mais forte.

 


Marcelo Tognozzi: O sargento e a parabellum

Confusões em comitivas não são novidade. Jânio, Castello Branco e Fidel estão na lista. Mas caso de sargento pode virar confusão

Anastas Mikoyan nunca tolerou falhas. Elas fazem a diferença entre os que mandam e a massa de manobra. Foi um dos primeiros a chegar a Cuba naquele 1959 iniciado com a chegada ao poder dos guerrilheiros de Sierra Maestra. Armênio, lutou no Exército Vermelho, foi aliado de Josef Salin e mais tarde o comandante da diplomacia soviética nos anos da guerra fria. Tinha confiança absoluta de Nikita Krushev, sucessor de Stalin. Num encontro regado a vodka, arenque, caviar russo, charutos e juras de eterno amor político, Mikoyan entregou a Fidel Castro uma caixa de madeira forrada de veludo.

O comandante abriu o presente e não escondeu a satisfação quando deu com a pistola automática parabellum, relíquia das relíquias bélicas. Um detalhe o emocionou: uma dedicatória gravada em ouro e na qual Mikoyan escreveu que oferecia a arma ao herói do povo cubano. Fidel carregou a pistola e guardou no coldre. Nunca mais se separaria dela. Até que meses depois chegou esbaforido numa recepção na embaixada do Brasil em Havana. Atrasado, ansioso e com dor de barriga, foi direto ao lavabo. Escondeu a arma com coldre e tudo em cima da caixa de descarga e voltou para a festa mais leve.

Naquela noite de março de 1960 ele conheceria Jânio Quadros, então candidato da oposição à presidência da República. Um ano e meio depois, já presidente, Jânio condecoraria Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Os dois conversaram animadamente, beberam muito e Fidel foi o último a sair da festa.

Horas depois, já quase de manhã, volta para a embaixada. Entra, vai direto ao lavabo resgatar a arma de estimação esquecida na caixa de descarga. Mas ela sumira. Irado, manda acordar o embaixador Vasco Leitão de Cunha. Cobra providências, faz ameaças.

Vasco integrava da nata do Itamaraty. Nunca simpatizou com a esquerda e 4 anos depois seria ministro das Relações Exteriores do general Castello Branco. Tratou a impertinência de Fidel com aquele profissionalismo elegante, típico dos diplomatas que sabem tudo. Mandou acordar a criadagem. Que vasculhassem tudo. Nada. Nem parabélum, nem coldre.

Fidel foi embora sem a arma e com raiva. Horas depois enviou à embaixada o serviço secreto para pedir explicações e semear constrangimentos. Os agentes arrebataram a lista de convidados e a de empregados. Nada. Estavam à beira de um entrevero diplomático, quando a arma reapareceu, entregue por um cidadão que, no auge do porre de scotch servido à farta na festa, levou pra casa a arma do comandante por souvenir e delírio. Vasco Leitão da Cunha mandou entregar a pistola a Fidel embrulhada para presente.

Este caso foi contado em inúmeras versões, sempre recheadas de mistério. Há quem jure que a arma sumiu e nunca reapareceu. Uma comédia transformada em folclore e decifrada pelo repórter Vilas Boas Correa, para mim eternamente o seu Vilas pai do Marcos.

Nos últimos 60 anos foram várias as confusões envolvendo comitivas. Desde muambas de jogadores da seleção, madames indo às compras e até uma mala do filho do ditador da Guiné Equatorial recheada com US$ 16 milhões apreendida em Campinas pela Receita Federal.

Mas nunca ouvi falar de coisa tão séria e amarga como esta história do sargento da aeronáutica, integrante de uma elite da FAB, o Grupo de Transportes Especiais (GTE), flagrado com 39 quilos de cocaína em Sevilha, Espanha. Um traficante disfarçado de comissário de bordo da presidência. Zero folclore, zero lenda urbana. Deixaram 39 quilos de cocaína passar pela segurança da Base Aérea de Brasília. E se fosse explosivo plástico? Ou veneno?

O ministro Sergio Moro, recentemente recebido nos Estados Unidos pelas autoridades encarregadas de reprimir o crime organizado, sabe que este caso tem tudo para virar uma enorme confusão e que os tempos não estão para lendas e folclores. Pior: um presidente vítima de tentativa de assassinato na campanha jamais poderia padecer de uma segurança que falha no essencial. Intolerável diria Mikoyan.

 


Marcelo Tognozzi: O caso de Josep Borrell nas eleições do Parlamento Europeu 

Eleições serão realizadas até domingo. Borrell é contra independência da Catalunha

O filho de um padeiro nascido no interior da Catalunha se tornou um dos mais respeitados engenheiros e matemáticos da Europa, foi duas vezes ministro e presidente do Parlamento Europeu. Josep Borrell, 72 anos, é mais uma vez candidato a eurodeputado nas eleições deste domingo. Nasceu na Espanha do pós-guerra, na primeira das 4 décadas da ditadura de Francisco Franco.

Desde 1975 milita no PSOE (Partido Socialista Obrero Espanhol) e nas últimas décadas consolidou seu perfil de líder moderado, uma espécie de voz da razão num cenário político onde os extremos ocupam cada vez mais espaço. Um homem das exatas convertido em mestre de uma inexata ciência chamada diplomacia.

Josep Borrell tem uma eleição praticamente certa –não digo exatamente certa, porque vencer eleição não depende só dos votos, mas sobretudo do imponderável. Ministro das Relações Exteriores do governo de Pedro Sánchez, é contra o movimento de independência da Catalunha e há meses o sempre elegante e polido Borrell abandonou o estúdio de uma emissora alemã depois de pressionado por um jornalista visivelmente parcial em relação aos independentistas, parecendo mais um inquiridor a la Torquemada do que um repórter.

Foi uma atitude corajosa. Cobrou do jornalista que se informasse melhor sobre o assunto e fez deste episódio um exemplo de sua luta contra o separatismo.

Precisamos fazer pedagogia contra as mentiras deles”, declarou Borrell há poucos dias numa entrevista ao jornal El Mundo. Ele sabe muito bem que tem pela frente uma guerra de narrativas, a qual até agora vem sendo vencida pelos líderes do movimento separatista catalão, cujo principal comandante Carles Puigdemont fugiu para a Bélgica e seus outros companheiros estão presos e processados por rebelião pela Suprema Corte.

Chegará forte no Parlamento Europeu depois de ser um dos artífices da vitória socialista nas eleições de abril, quando todos imaginavam um cenário diferente: a extrema direita crescendo e dando aos partidos de direita e centro-direita os votos necessários para tirar o PSOE do poder, como aconteceu em dezembro na Andaluzia.

Como um dos líderes da Espanha socialista saída das urnas, ele chegará a Bruxelas levando uma agenda de mudança, a qual passa pelo enfrentamento de forças como Trump, Orban, Salvini, China, Putin, o Brexit e os separatistas da Catalunha.

Entende ser este enfrentamento capaz de transformar riscos em oportunidades, como usar o Brexit para incrementar a união política da Europa, reforçar o discurso de defesa dos direitos fundamentais e rediscutir a política de defesa.
As propostas que os socialistas espanhóis levarão a Bruxelas são de uma Europa mais social e democrática, com mudança no atual modelo pelo qual o social é responsabilidade de cada um dos países e o macroeconômico da União Europeia. A agenda Borrel passa por uma unificação do salário-mínimo, do seguro desemprego e dos tributos.

Com este discurso e estas propostas, o governo espanhol pretende que ele ocupe a cadeira de Alto Representante para a Política Exterior, uma espécie de ministro das relações exteriores da Europa, hoje nas mãos de Federica Mogherini, 46 anos, ex-chefe da diplomacia italiana. Dentro de poucas semanas, quando os sócios da União Europeia se reunirem para decidir a partilha dos seus principais cargos, o governo espanhol reivindicará o posto.

Com a Inglaterra enfraquecida pelo Brexit, o governo Macron sacudido pelos protestos dos coletes amarelos e com Trump atacando o superávit alemão, uma Espanha que emergiu politicamente forte, respaldando o centro no Parlamento Europeu, tem grandes chances de fazer a agenda de Borrell triunfar. Como filho e neto de padeiros, saberá colocar a mão nesta massa ou melhor; nesta agenda de futuro para os próximos 5 anos.


Antônio Britto: Ideia de fazer país civilizado sem política fracassa

Jânio, Collor e Bolsonaro são um só. Anti-políticos estão dando vexame

O Brasil democrático e sensato (existe) tem um dever de gratidão com Jair Bolsonaro. Em menos de 3 meses, ele conseguiu, com velocidade e eficiência admiráveis, envergonhar e explodir o maior dos riscos que o Brasil corria —o sucesso de um populismo travestido de ódio à velha política, a demagogia do “eu represento o novo”.

Desde sempre –e especialmente a partir das manifestações de junho de 2013– os brasileiros carentes de quase tudo, mas especialmente carentes de esperança, flertaram com a ideia do “sou contra tudo o que está aí”.

Nāo se lembravam de Jânio nem de Collor. E, talvez no futuro, diga-se que ao elegerem o mais caótico governo da nossa história tenham ajudado a destruir de vez a suicida tendência de votar em alguém em função daquilo a que ele se opõe e não do que defende ou pratica.

Nesses 3 meses, nāo se vive o fracasso de uma pessoa, apenas. É preciso que o Brasil aprenda: quem está fracassando é a ideia simplista, populista e inútil de que se fará um país civilizado sem política.

E política sem gente decente e preparada. Para colocar-se no mínimo à altura de uma Presidência da República. Preparada psicologicamente para entender que as instituições são o campo onde se pratica o que uma nação tem em comum. Não o que lunáticos, daqui ou da Virgínia, querem que pensemos.

Preparada, por último, com experiência e sabedoria para convencer o Brasil que só uma alternativa definitivamente não nos serve: a saída fácil, daquelas que cabem em 140 caracteres.

Tudo que vemos nesses constrangedores 100 dias nasce exatamente daí. Elegeu-se quem caçou os marajás da vez e prometeu varrer a sujeira do momento. No fundo, Jânio, Collor, Bolsonaro –soma de grandes fracassos no exercício da Presidência– sāo 1 só. A tentativa simplista de administrar um país do nosso tamanho e da nossa complexidade com duas ou 3 frases mal pensadas e mal pronunciadas, apesar do teleprompter.

Em respeito às dificuldades de todos, nāo cabe torcer para que o fracasso aumente, ainda que isso seja altamente provável. Mas, sejamos sinceros, terá sido muito bom que tudo isso esteja ocorrendo se diante da 3ª repetição do mesmo filme decidamos buscar roteiros, estes sim, verdadeiramente novos.

A propósito: sabemos onde andam os anti-políticos. Dando verdadeiros vexames na gestão da educação ao Itamaraty, circulando com afoiteza e despreparo pelo Congresso, exibindo egos prepotentes em setores do Judiciário e do Ministério Público.

Mas onde andam os políticos? Seria bom avisá-los para que saiam de onde se esconderam desde o ano passado. A vez deles parece que volta logo. Pedir que a esquerda democrática tenha coragem de romper com o monopólio Curitiba-Caracas.

E que os tucanos parem de fugir, uns com medo do passado, outros sem coragem para descer do longínquo muro onde subiram. A direita liberal? Essa será mais fácil de localizar. Procurem quem aparece de cabeça baixa no meio do bolsonarismo.