Petrobrás

Bernardo Mello Franco: A Petrobras na mira do Posto Ipiranga

Há cinco meses, o futuro presidente da Petrobras defendeu que era ‘urgente’ privatizar a estatal. Ontem ele disse que a ideia ‘não está em discussão’. Vale o falado ou o escrito?

O novo presidente da Petrobras vê uma “urgente necessidade” de privatizá-la. Roberto Castello Branco usou a expressão em junho, em artigo na “Folha de S.Paulo”. O texto defende, sem meias palavras, que a maior estatal brasileira seja passada nos cobres.

Ontem o economista disse que a privatização da Petrobras, que ele considerava urgente há cinco meses, “não está em discussão”. Vale o falado ou vale o escrito? Será preciso esperar para ver, como de resto em quase tudo no governo eleito.

Castello Branco é um dos homens de Paulo Guedes, o “Posto Ipiranga” de Jair Bolsonaro. O futuro superministro já havia emplacado os chefes do BC e do BNDES. Agora vai instalar outro ex-pupilo da Universidade de Chicago na petroleira, cujo valor de mercado ultrapassou os R$ 350 bilhões na sexta passada.

Ao longo da campanha, Guedes defendeu a privatização de “todas” as estatais. “O governo pode vender a Petrobras, por que não?”, questionou, em entrevista à GloboNews. A lógica indica que ele continuará a martelar a pergunta no ouvido do capitão.

Até aqui, Bolsonaro tem feito todas as vontades de seu futuro ministro. “Estou dando carta branca para o Paulo Guedes. É ele que está escalando o time”, disse ontem, como se alguém ainda duvidasse.

O presidente eleito acrescentou que a Petrobras poderá ser vendida “em parte”, mas se enrolou quando os repórteres pediram detalhes. “Alguma coisa você pode privatizar, não toda, tá certo? É uma empresa estratégica e nós tamos conversando sobre isso daí”, disse.

A resistência à privatização total tende a vir do núcleo militar do governo. O general Hamilton Mourão diz que as áreas de distribuição e refino podem ser negociadas, mas que o resto “não vai ser privatizado”.

A Petrobras fez 65 anos em outubro. Nas últimas décadas, sobreviveu a um governo que tentou mudar seu nome para PetroBrax, a pretexto de internacionalizá-la, e a outro que fatiou suas diretorias entre partidos aliados, no esquema descoberto pela Lava-Jato. Em sua certidão de nascimento está o nome do general Horta Barbosa, líder da campanha “O Petróleo é Nosso”.


El País: Petrobras se prepara para aprofundar guinada pró-mercado com Bolsonaro

Escolhido por Paulo Guedes receberá empresa menos endividada e promete distanciá-la ainda mais da política dos anos do PT

A esperada chegada de Roberto Castello Branco ao comando da Petrobras do Governo Bolsonaro reforça a guinada iniciada na petroleira por Pedro Parente há pouco mais de dois anos: uma empresa cada vez mais focada nas áreas de produção e exploração de petróleo e que busca reduzir a sua dívida bilionária com a venda de ativos considerados pouco rentáveis, principalmente os ligados à cadeia de distribuição e refino. O escolhido já frisou que a privatização do coração da empresa está fora dos planos, o que faz da subsidiária BR Distribuidora, a maior companhia do gênero da América Latina, avaliada em 27 bilhões de reais, a joia da coroa na mira dos compradores a partir de agora.

O perfil de Castello Branco e suas primeiras declarações após ter sido confirmado no cargo pelo futuro superministro da Economia do presidente eleito Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, indicam que os anos de mão forte do Governo na empresa que marcaram os últimos anos do PT no poder ficaram definitivamente para trás. Por isso, a indicação do economista —um ex-diretor do Banco Central e da mineradora Vale com um pós-doutorado na Universidade de Chicago— foi extremamente bem-recebida pelo mercado financeiro e por especialistas liberais do setor.

O futuro presidente da Petrobras também é a favor do ponto mais sensível do receituário pró-mercado, do ponto de vista da opinião pública: a manutenção da política de preços dos combustíveis que, alinhada ao mercado internacional, dita o valor final do diesel, da gasolina e do gás de cozinha para os brasileiros. Foi a oscilação brusca dos preços em um cenário de alta volatilidade externa que precipitou a histórica greve dos caminhoneiros em maio, apoiados pelo então pré-candidato Jair Bolsonaro. A categoria arrancou do Governo Temer um programa de subsídios que expira em dezembro e o novo comando da estatal vai ter que decidir que rumos tomar a partir de então.

"[Castello Branco] vai encontrar uma Petrobras em plena recuperação. Ele vai encontrar a Petrobras com uma qualidade de governança incomparavelmente melhor. O grau de interferência do governo na Petrobras hoje é muito menor, ainda que ele seja o controlador", avalia Claudio Frischtak, fundador da consultoria de negócios Inter.B. "A Petrobras está hoje numa posição de voltar a ser uma grande empresa de petróleo. Não tem comparação com a Petrobras que o Pedro Parente recebeu", acrescenta Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) e próximo da equipe de Bolsonaro.

A gigante de petróleo brasileira (criada na década de 50 pelo presidente Getúlio Vargas) se tornou um símbolo do ocaso vivido pela ex-presidente Dilma Rousseff, cercada por uma crise política e econômica sem precedentes que culminou na cassação do seu mandato. Enquanto a estatal se via envolvida em sucessivos escândalos de corrupção desvelados pela Operação Lava Jato, a política de retenção de preços da gasolina para segurar artificialmente a inflação resultou em perdas bilionárias para o seu caixa. Em 2014, a dívida da empresa era da ordem de 106 bilhões de dólares.

Após o impeachment de Dilma e a indicação de Parente para o posto, foi iniciado um agressivo plano de venda de ativos e de desinvestimentos para reduzir esse montante. A estimativa, por exemplo, é que a Petrobras encerre este ano com uma dívida de 69 bilhões de dólares. Além do mais, a política de preços dos combustíveis foi modificada e passou a acompanhar as oscilações internacionais —a greve de caminhoneiros em protesto às regras levaria à demissão de Parentee a sua substituição pelo atual presidente Ivan Monteiro.

A desvalorização do real frente ao dólar e a recuperação do valor do barril de petróleo também têm ajudado os resultados da Petrobras nos últimos meses: o lucro líquido da empresa atingiu no terceiro trimestre 6,6 bilhões de reais, ante 266 milhões no mesmo período do ano passado.

Planos modestos e debate com ala militar

A julgar pela sua primeira declaração desde que foi confirmado no cargo, Roberto Castello Branco promete aprofundar o receituário adotado por Parente. O novo presidente deu uma rápida entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo e disse que a Petrobras deve focar apenas nas atividades que têm competência para fazer. Na prática, isso significa que ele pretende dar prioridade à exploração e produção de petróleo, com especial ênfase no pré-sal, ao mesmo tempo em que trabalhará para reduzir a sua participação nas áreas de distribuição e de refino. "A Petrobras pode rever o monopólio nessa área [refino]. A competição é favorável a todos: à Petrobras e ao Brasil", declarou Castello Branco ao Estadão.

O futuro presidente da Petrobras é uma indicação direta do guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes. De viés claramente liberal, Guedes é favorável a um amplo plano de privatização de estatais e, em entrevistas concedidas nos últimos meses, chegou a mencionar que isso poderia abarcar inclusive a Petrobras. Ao Valor Econômico, repetiu nesta segunda que a privatização do coração da empresa não está nos planos da futura administração.

Os dois especialistas no mercado de petróleo e gás ouvidos pelo EL PAÍS avaliam que, embora o novo governo seguramente dará sequência à redução da presença da Petrobras nas cadeias alheias à produção e exploração, dificilmente isso se reverterá numa privatização completa da petroleira. Para Adriano Pires, do Centro Brasileiro de Infraestrutura, essa discussão precisa ser feito em um outro momento. "A gente tem que ter muito cuidado com essa questão. Privatizar a Petrobras não é o debate do momento. Tem outras coisas para fazer antes, como tornar a empresa lucrativa", diz. "Eu não vejo o governo [Bolsonaro] vendendo a Petrobras como um todo. Eu não vejo o Governo Bolsonaro gastando o capital político que ele tem que gastar em coisas extremamente críticas para o país vendendo a Petrobras", acrescenta Claudio Frischtak, da Inter.B.

Para além disso, há a própria resistência da ala militar dos aliados de Bolsonaro, como o seu vice, o general Hamilton Mourão. Para esse grupo, a Petrobras não só é uma empresa simbólica, mas "estratégica". Por isso, eles rechaçam a ideia de que toda a Petrobras venha a ser vendida.


Roberto Castello Branco: É urgente a necessidade de se privatizar não só a Petrobras, mas outras estatais

Precisamos de várias empresas privadas competindo nos mercados de combustíveis

As crises políticas sempre demandam um culpado. No caso da greve dos caminhoneiros, os políticos e parte da opinião pública elegeram a política de preços da Petrobras, cujo responsável era seu presidente, Pedro Parente. Então, "fora, Pedro Parente" e todos voltamos a ser felizes.

Ninguém se deu ao trabalho de observar que o preço do óleo diesel no Brasil é inferior à média global, US$ 1,02 contra US$ 1,07 (dados de 28 de maio da Global Petrol Prices).

O diesel é commodity global e a principal fonte de diferenciação de preços entre países são impostos e subsídios.

Na Venezuela o preço é quase zero, nos Estados Unidos, onde a tributação é baixa, US$ 0,85 e na Noruega, onde os impostos são muito elevados, US$ 2,03 por litro.

Há dois anos, os preços de alimentos sofreram forte alta, o que afetou principalmente as famílias mais pobres. Não houve greve, nem protestos, nem foi pedida a demissão de ninguém.

A razão fundamental é que não havia ninguém para culpar, o culpado foi o mercado, uma entidade impessoal.

No caso do diesel, embora seguindo o mercado global, é o comitê de uma única empresa, uma estatal dona de 99% do refino, quem anuncia os preços.

Essa é mais uma razão para privatizar a Petrobras. Precisamos de várias empresas privadas competindo nos mercados de combustíveis.

As pressões sobre o governo para resolver uma situação de excesso de oferta de fretes rodoviários, criada pelo desenvolvimentismo do BNDES, encontraram terreno fértil. Um governo populista, politicamente enfraquecido e num ano eleitoral, foi facilmente capturado.

A greve produziu choque de oferta que afetou toda a atividade econômica.

Vai se processar significativa transferência de renda da sociedade para um grupo de interesse, parte do jogo populista de soma zero. O que acontecerá se amanhã o preço do petróleo chegar a US$ 100 por barril e/ou o dólar a R$ 4?

O tabelamento dos preços dos fretes é uma distorção com significativas implicações negativas.

O fato gerador da greve, o excesso de oferta de caminhões de carga, permanece intacto. A intervenção do Estado só contribuiu para agravá-la, pois a demanda por fretes crescerá mais lentamente.

Existe um velho ditado popular que se aplica muito bem a esta situação: "é possível ignorar as leis da economia, mas elas nunca nos ignorarão".

A crise e a resposta dada pelo governo Michel Temer agravam sem dúvida as incertezas de um ano eleitoral, com repercussões bastante negativas sobre a recuperação da economia.

Uma das lições que se tira desta crise é a urgente necessidade de privatizar não só a Petrobras, mas outras estatais.

É inaceitável manter centenas de bilhões de dólares alocados a empresas estatais em atividades que podem ser desempenhadas pela iniciativa privada, enquanto o Estado não tem dinheiro para cumprir obrigações básicas, como saúde, educação e segurança pública, que até mesmo tiveram recursos cortados para financiar o subsídio ao diesel.

*Roberto Castello Branco é Diretor do Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento da Fundação Getúlio Vargas. Artigo publicado na Folha de S. Paulo em 02/06/2018.


Congresso em Foco: Novo presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco é defensor da privatização da estatal

Roberto Castello Branco já ocupou cargos de direção no Banco Central e na mineradora Vale, fez parte do Conselho de Administração da Petrobras e desenvolveu projetos de pesquisa na área de petróleo e gás 

Por Edson Sardinha, do Congresso em Foco

A assessoria do futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, confirmou nesta segunda-feira (19) que o economista Roberto Castello Branco será o novo presidente da Petrobras. De perfil liberal, a exemplo de Guedes, Castello Branco é defensor da privatização da empresa e de outras estatais.

Em artigo publicado na Folha de S.Paulo em 2 de junho, o economista defendeu a privatização da companhia ao criticar a intervenção do governo Michel Temer no preço do óleo diesel para acabar com a greve dos caminhoneiros, que prejudicou o abastecimento no país por dez dias em maio.

“Uma das lições que se tira desta crise é a urgente necessidade de privatizar não só a Petrobras, mas outras estatais”, escreveu. “É inaceitável manter centenas de bilhões de dólares alocados a empresas estatais em atividades que podem ser desempenhadas pela iniciativa privada, enquanto o Estado não tem dinheiro para cumprir obrigações básicas, como saúde, educação e segurança pública, que até mesmo tiveram recursos cortados para financiar o subsídio ao diesel”, ressaltou.

Ainda no artigo, Castello Branco disse que os políticos e parte da opinião pública elegeram a política de preços da Petrobras, cujo responsável era seu presidente, Pedro Parente, como “culpada” pela greve dos caminhoneiros.

Mercado de combustíveis

“Ninguém se deu ao trabalho de observar que o preço do óleo diesel no Brasil é inferior à média global, US$ 1,02 contra US$ 1,07 (dados de 28 de maio da Global Petrol Prices). No caso do diesel, embora seguindo o mercado global, é o comitê de uma única empresa, uma estatal dona de 99% do refino, quem anuncia os preços. Essa é mais uma razão para privatizar a Petrobras. Precisamos de várias empresas privadas competindo nos mercados de combustíveis.”

Bolsonaro divergiu de Paulo Guedes e se manifestou contra a privatização da Petrobras durante a campanha
Durante a campanha presidencial, Jair Bolsonaro disse ser contrário à privatização da Petrobras. Seu futuro ministro da Economia, porém, já defendeu a transferência integral do capital da companhia para a iniciativa privada.

Chicago

Assim como Paulo Guedes, Roberto Castello Branco fez pós-doutorado na Universidade de Chicago e tem grande experiência nos setores público e privado. Ele já ocupou cargos de direção no Banco Central e na mineradora Vale, fez parte do Conselho de Administração da Petrobras e desenvolveu projetos de pesquisa na área de petróleo e gás. Atualmente é diretor do Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Com Roberto Castello Branco começa a ganhar corpo a nova equipe econômica. Na semana passada, Paulo Guedes já havia anunciado as indicações de Joaquim Levy para o comando do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e Roberto Campos Neto para a presidência do Banco Central, além da permanência de Mansueto Almeida à frente da Secretaria do Tesouro Nacional.

Leia a íntegra da nota divulgada pela assessoria de Paulo Guedes:

"O futuro Ministro da Economia, Paulo Guedes, recomendou ao presidente eleito, Jair Bolsonaro, a indicação para a presidência da Petrobrás de Roberto Castello Branco, que aceitou o convite. Economista, com pós-doutorado pela Universidade de Chicago e extensa experiência nos setores público e privado, Castello Branco já ocupou cargos de direção no Banco Central e na mineradora Vale, fez parte do Conselho de Administração da Petrobrás e desenvolveu projetos de pesquisa na área de petróleo e gás. Atualmente é diretor no Centro de Estudos em Crescimento e Desenvolvimento Econômico da Fundação Getúlio Vargas. O atual presidente da Petrobrás, Ivan Monteiro, permanece no comando da estatal até a nomeação do novo presidente."

https://congressoemfoco.uol.com.br/economia/novo-presidente-da-petrobras-e-defensor-da-privatizacao-da-estatal/


Samuel Pessôa: A economia política da Petrobras

Subsidiar grupos não faz parte dos motivos estratégicos ou da função social da estatal

Há algumas semanas meu colega Alexandre Schwartsman, que ocupa este espaço às quartas-feiras, explicou com toda a clareza os motivos de a Petrobras dever fixar o preço do petróleo pelo custo de oportunidade, isto é, pelo preço que ela obtém quando vende o produto no mercado internacional.

Não faz sentido que um produtor de soja a venda no mercado doméstico a preço inferior ao que obteria no mercado internacional.

Além da eficiência na gestão da empresa, essa regra de formação de preço justifica-se para evitar o populismo, mal tão comum na América Latina.

Populismo ocorre quando a política cria benefício para algum grupo da sociedade sem explicitar a fonte da receita. Os custos ficam escondidos. Ninguém reclama.

Com o passar do tempo, o desequilíbrio implícito na política produz alguma forma de desorganização da economia, que acaba por gerar regressão econômica e perda de produto.

A regressão econômica acirra o conflito distributivo.

Dado que o movimento inicial já havia sido resposta ao conflito distributivo, o problema se agrava e, portanto, o ciclo se repete. Novos benefícios são concedidos.

A moral da história é que, quando se entra em uma espiral populista, é muito difícil sair dela.
Imagem da sede da Petrobras, no Rio, e uma bandeira com o logo da empresa em primeiro plano
Sede da Petrobras, no Rio - AP Photo/Leo Correa

A saída inflacionária é uma forma de populismo que conhecemos de longa data. Uma vez que adquire certa dimensão, o custo de desinflacionar se torna proibitivo. Acabamos de pagar esse custo.

As heterodoxias de Dilma em seu primeiro mandato nos custaram muito caro.

A mesma lógica opera em relação às empresas públicas.

A tentação para qualquer governante é afirmar que a Petrobras não deve cobrar o custo de oportunidade pelo seu produto.

Utiliza-se a empresa para fazer política social. A Petrobras deve subsidiar o botijão de gás, a gasolina, o querosene de aviação etc. Uma vez iniciado o processo, é difícil reverter. A pressão será sempre para aumentar o subsídio.

O resultado será a piora de desempenho da empresa, o que agrava a capacidade de manter esses subsídios. A produção se reduz, e os problemas se acumulam.

A Petrobras tem o capital aberto, com ações transacionadas em Bolsa, pois a participação privada ajuda a governança e contribui, portanto, para manter a lucratividade da empresa.

Os dividendos da estatal remuneram o Tesouro.

E o Tesouro pode empregar esses recursos para subsidiar o que o Congresso Nacional determinar.

A função social da empresa é garantir a oferta em momentos de extrema carência do recurso estratégico, como guerras ou situações de crise no mercado, como o choque do petróleo dos anos 1970.

Subsidiar grupos não faz parte dos motivos estratégicos ou da função social da Petrobras que justifiquem haver uma estatal petroleira.

O princípio básico que evita o populismo e permite que a sociedade gerencie o conflito distributivo de forma civilizada é que todo programa que atenda a um grupo da sociedade precisa estar em alguma linha do Orçamento do Estado. De forma explícita e clara para que a sociedade possa acompanhar e controlar.
Samuel Pessôa

* Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.


El País: Petrobras, uma gigante convalescente no centro do furacão eleitoral

Nova crise apanha a maior companhia brasileira em uma rota de recuperação. Temer diz que não vai mudar política de preços, mas pressão segue. Pré-candidatos se posicionam sobre tema

Por Maria Rossi, do El País

Dias antes de deixar a presidência da Petrobras, Pedro Parente autorizou um novo reajuste no preço da gasolina na quarta-feira. Era a continuidade de uma política instituída em julho do ano passado, de oscilação dos valores dos combustíveis de acordo com o mercado internacional. Foi também um teste. O aumento apenas três dias depois que o Governo Michel Temer determinara o congelamento do diesel por 60 dias, pressionado pelos caminhoneiros, era também uma pergunta: ele continuaria tendo carta branca de Temer para seguir sem interferências políticas com as regras para os demais combustíveis ou elas teriam ficado politicamente insustentáveis?

A resposta que Parente se deu veio nesta sexta, quando ele entregou sua carta de demissão e se descreveu como um "empecilho" para as discussões dos rumos da Petrobras e da política de preços, fazendo as ações caírem quase 15% em apenas um dia - se somando às demais quedas durante os dez dias de paralisação dos caminhoneiros. Tudo isso mergulha a empresa, a maior companhia do Brasil e que se começava a se despedir de quatro anos de maus resultados, em um mar de incertezas capaz de contaminar até a lenta recuperação econômica do país a apenas quatro meses das eleições presidenciais.

Parente deixou a Petrobras e, junto, reforçou incertezas no mercado que não devem ir embora tão cedo. O Conselho de Administração da estatal nomeou como CEO interino Ivan Monteiro, diretor-executivo da Área Financeira e de Relacionamento com Investidores da estatal. Momentos depois, Michel Temer, representando o Estado que é o acionista majoritário da Petrobras, fez um pronunciamento em Brasília para dizer que Monteiro era seu escolhido para permanecer no cargo, numa corrida para tentar minimizar a saída de Parente o quanto antes. Mais: apesar de já ter mudado na ponta a política para o diesel e de ter feito declarações dúbias a respeito, Temer fez questão de repetir publicamente que a política de preços flutuantes dos demais combustíveis está mantida.

Monteiro, a princípio, preenche os requisitos exigidos pelo antecessor. Em sua carta de demissão, enviada ao presidente Temer nesta sexta-feira, Parente havia pedido: “Permita-me, senhor presidente, registrar a minha sugestão de que, para continuar com essa histórica contribuição para a empresa – que foi nesse momento gerida sem qualquer intervenção política – vossa excelência se apoie nas regras corporativas, que tanto foram aperfeiçoadas nesses dois anos”, escreveu. Ivan Monteiro chegou à empresa em 2015, junto com o então presidente Aldemir Bendine, agora preso pela Operação Lava Jato. Parente quando chegou à estatal em 2016 decidiu mantê-lo no cargo estratégico, no que foi lido como um endosso do perfil técnico dele.

Pressão política segue
Apesar das declarações e da unção de Monteiro, as dúvidas permanecem porque a pressão para mudar o esquema do preço da gasolina segue vindo de todos os lados - em Brasília, do PT ao PSDB e ao presidente do Senado - e nas ruas. A principal crítica, que foi um dos estopins da greve dos caminhoneiros, é a grande oscilação e a falta de previsibilidade. Desde julho de 2017, o valor nas refinarias varia de acordo com o preço do barril e do dólar, uma inédita transmissão da cotação internacional. Se já causava desconforto, o problema explodiu de vez entre abril e maio, quando o preço do barril do petróleo voltou a subir, chegando agora a quase 80 dólares, algo que não ocorria há mais de três anos.

"A apropriação da Petrobras levou-a a exagerar na dose. Quando você se excede na dose, o remédio pode virar veneno. Os reajustes diários, desorganizando o dia a dia, gerou insatisfação", disse o senador Ricardo Ferraço (PSDB-ES), em debate no Senado com o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, na terça. "A Petrobras foi arrogante, indiferente às circunstâncias", disse. Do outro lado, na bancada do PT, a senadora Fátima Bezerra (PT-RN), dizia que “a política de preços adotada pelo governo Temer e pela gestão de Pedro Parente à frente da Petrobras não desprezou somente a realidade do transporte de cargas em nosso país, como também a realidade de milhões de brasileiros, que dependem da gasolina para se locomover e do gás de cozinha, para cozinhas os alimentos que as famílias consomem”. A imprensa dá conta que a insatisfação com a Petrobras abrange até pessoas muito próximas de Temer, como o ministro das Minas e Energia, Wellington Moreira Franco.

“A política de preço é importante, mas não dá para saber agora se o Governo vai manter”, avalia o economista André Perfeito. Ele frisa que a nova crise na estatal apenas coroa a má fase da economia e do próprio Governo. “O Banco Central não cortou a Selic na última reunião, a Eletrobras deixou de ser privatizada... Tudo isso em conjunto gera um mal-estar”, diz o economista. “A demissão de Parente vem para coroar esse momento. Se fosse só ele, estava até que tudo bem”.

A greve dos caminhoneiros foi tão devastadora e o peso da Petrobras é tamanho na economia brasileira que é difícil que os dois fatores não abalem o resultado do PIB brasileiro, como também o câmbio e até as eleições, prevê o economista. Isso em um momento em que a Petrobras surfava em uma boa onda, pela primeira vez em quase quatro anos. No último dia 10, a companhia havia retomado o posto da maior empresa brasileira de capital aberto, em meio à valorização das suas ações, fruto da alta nos preços do petróleo, e da divulgação do crescimento do lucro no primeiro trimestre deste ano.

No meio do furacão eleitoral
Seja como for, qualquer decisão de Temer sobre a Petrobras tem data de validade: dezembro de 2018. As decisões de maior longo prazo vão ficar nas mãos do próximo presidente. Assim como em 2014, mais uma vez a Petrobras está no olho do furacão destas eleições. Se naquela época, a estatal era o alvo dos presidenciáveis depois dos casos de corrupção desvendados pela Operação Lava Jato, agora a empresa tenta se reerguer tomando decisões impopulares. E os presidenciáveis sabem muito bem disso. Logo após a demissão de Parente, Geraldo Alckmin (PSDB), publicou em sua conta no Twitter que "precisamos definir uma política de preços de combustíveis que, preservando a empresa, proteja os consumidores". Considerando que o ex-presidente da Petrobras é um quadro próximo dos tucanos (foi ministro da Casa Civil de Fernando Henrique Cardoso) e que Alckmin é o que representa a defesa de uma bandeira econômica liberal na disputa, a crítica toma ainda mais relevância.

Em vídeo publicado no Facebook, o pré-candidato Ciro Gomes, do esquerdista PDT, diz que não basta apenas que Pedro Parente saia da Petrobras. "É preciso exigir que a política de preços que ele impôs seja trocada", diz ele, lembrando do aumento da gasolina nesta semana "no meio dessa crise".

Jair Bolsonaro (PSL), que lidera as pesquisas e normalmente não entra no debate sobre economia, não se pronunciou sobre a crise na estatal, mas já havia criticado a política de preços durante a greve dos caminhoneiros. Já o ex-ministro da Fazenda e pré-candidato do Governo à presidência, Henrique Meirelles (MDB), não se pronunciou sobre a crise na Petrobras, mas vem reforçando seu discurso debruçado sobre as reformas, que daria continuidade ao Governo Temer. "O caminho que defendo todos conhecem: reformas que tornem o país mais justo e produtivo e gestão de qualidade", disse ele, na quarta-feira, na mesma rede social.

André Perfeito pondera, porém, que a conduta de Meirelles não deve lhe render frutos. “O conjunto de coisas que vem acontecendo aponta para uma demanda da população menos pró-mercado”, diz Perfeito. “E os candidatos vão ter que se ligar nisso. Aqueles que pegarem as bandeiras da reforma vão queimar as mãos”.

 


G1: Pedro Parente pede demissão da Petrobras

Presidente da Petrobras, Pedro Parente, pediu demissão na manhã desta sexta-feira (1º) em caráter "irrevogável e irretratável".

Parente ficou exatamente dois anos no comando da Petrobras, já que tomou posse no dia 1º de junho de 2016.

De acordo com comunicado da estatal, enviado ao mercado, a nomeação de um CEO interino será examinada ao longo do dia pelo Conselho de Administração. Ainda de acordo com o comunicado, a diretoria executiva da companhia não sofrerá qualquer alteração.

Em uma carta enviada ao presidente Michel Temer, com quem se reuniu na manhã desta sexta, Parente diz que a greve dos caminhoneiros e "suas graves consequências para a vida do país" desencadearam um debate "intenso e por vezes emocional" sobre as origens da crise.

E que a política de preços da Petrobras adotada durante sua gestão foi colocada sob "questionamento". Ele, porém, diz que os "resultados obtidos revelam o acerto do conjunto das medidas que adotamos, que vão muito além da política de preços".

A política de preços de combustíveis da Petrobras foi um dos principais alvos dos caminhoneiros durante a paralisação da categoria nos últimos dias. Parente declarou em mais de uma ocasião que não mexeria nos preços e, diante disso, se viu pressionado e sofreu um grande desgaste no comando da estatal.

"Tenho refletido muito sobre tudo o que aconteceu. Está claro, sr. presidente, que novas discussões serão necessárias", diz Parente na carta.

"Diante deste quadro fica claro que a minha permanência na presidência da Petrobras deixou de ser positiva e de contribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente", complementa.

Carta
Leia a carta de demissão enviada por Parente ao presidente Michel Temer:

Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

Quando Vossa Excelência me estendeu o honroso convite para ser presidente da Petrobras, conversamos longamente sobre a minha visão de como poderia trabalhar para recuperar a empresa, que passava por graves dificuldades, sem aportes de capital do Tesouro, que na ocasião se mencionava ser indispensável e da ordem de dezenas de bilhões de reais. Vossa Excelência concordou inteiramente com a minha visão e me concedeu a autonomia necessária para levar a cabo tão difícil missão.

Durante o período em que fui presidente da empresa, contei com o pleno apoio de seu Conselho. A trajetória da Petrobras nesse período foi acompanhada de perto pela imprensa, pela opinião pública, e por seus investidores e acionistas. Os resultados obtidos revelam o acerto do conjunto das medidas que adotamos, que vão muito além da política de preços.

Faço um julgamento sereno de meu desempenho, e me sinto autorizado a dizer que o que prometi, foi entregue, graças ao trabalho abnegado de um time de executivos, gerentes e o apoio de uma grande parte da força de trabalho da empresa, sempre, repito, com o decidido apoio de seu Conselho.

A Petrobras é hoje uma empresa com reputação recuperada, indicadores de segurança em linha com as melhores empresas do setor, resultados financeiros muito positivos, como demonstrado pelo último resultado divulgado, dívida em franca trajetória de redução e um planejamento estratégico que tem se mostrado capaz de fazer a empresa investir de forma responsável e duradoura, gerando empregos e riqueza para o nosso país.

E isso tudo sem qualquer aporte de capital do Tesouro Nacional, conforme nossa conversa inicial. Me parece, assim, que as bases de uma trajetória virtuosa para a Petrobras estão lançadas.

A greve dos caminhoneiros e suas graves consequências para a vida do País desencadearam um intenso e por vezes emocional debate sobre as origens dessa crise e colocaram a política de preços da Petrobras sob intenso questionamento. Poucos conseguem enxergar que ela reflete choques que alcançaram a economia global, com seus efeitos no País.

Movimentos na cotação do petróleo e do câmbio elevaram os preços dos derivados, magnificaram as distorções de tributação no setor e levaram o governo a buscar alternativas para a solução da greve, definindo-se pela concessão de subvenção ao consumidor de diesel.

Tenho refletido muito sobre tudo o que aconteceu. Está claro, Sr. Presidente, que novas discussões serão necessárias. E, diante deste quadro fica claro que a minha permanência na presidência da Petrobras deixou de ser positiva e de contribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente. Sempre procurei demonstrar, em minha trajetória na vida pública que, acima de tudo, meu compromisso é com o bem público. Não tenho qualquer apego a cargos ou posições e não serei um empecilho para que essas alternativas sejam discutidas.

Sendo assim, por meio desta carta, apresento meu pedido de demissão do cargo de Presidente da Petrobras, em caráter irrevogável e irretratável. Coloco-me à disposição para fazer a transição pelo período necessário para aquele que vier a me substituir.

Vossa Excelência tem sido impecável na visão de gestão profissional da Petrobras. Permita-me, Sr. Presidente, registrar a minha sugestão de que, para continuar com essa histórica contribuição para a empresa — que foi nesse período gerida sem qualquer interferência política — Vossa Excelência se apoie nas regras corporativas, que tanto foram aperfeiçoadas nesses dois anos, e na contribuição do Conselho de Administração para a escolha do novo presidente da Petrobras.

A poucos brasileiros foi dada a honra de presidir a Petrobras. Tenho plena consciência disso e sou muito grato a que, por um período de dois anos, essa honra única me tenha sido conferida por Vossa Excelência.

Quero finalmente registrar o meu agradecimento ao Conselho de Administração, meus colegas da Diretoria Executiva, minha equipe de apoio direto, os demais gestores da empresa e toda força de trabalho que fazem a Petrobras ser a grande empresa que é, orgulho de todos os brasileiros.

Respeitosamente,

Pedro Parente


Míriam Leitão: O fator petróleo

Nos cenários até bem pouco tempo atrás não constava o petróleo a US$ 75 como o Brent estava sendo cotado ontem. Petróleo é sempre surpreendente em suas altas e quedas. É uma soma de fatores que o faz oscilar. Desta vez tem o acordo com o Irã, a piora da Venezuela, os cortes de produção da Arábia Saudita e, sobretudo, o fator Trump. O preço vai continuar oscilando, com todos os seus efeitos sobre a economia.

O maior impacto da alta do petróleo é na inflação, mas o Brasil está na confortável situação de ter a taxa abaixo do piso da meta. Só que agora há vários pontos de pressão: a tarifa de energia está em alta e pode se elevar um pouco mais com a subida do petróleo, os combustíveis aumentaram ontem porque eles acompanham as cotações internacionais, e o dólar também está subindo. Na semana que vem o Banco Central vai se reunir para discutir se haverá mais um corte na taxa Selic, mas muito provavelmente será a última redução, porque agora há pressões inflacionárias.

O Brasil prepara dois leilões do pré-sal, um para junho e outro para setembro. É possível que a cotação esteja alta quando eles acontecerem. Mas isso não necessariamente vai inflar as ofertas que as empresas farão, conta Antonio Guimarães, secretário-executivo do Instituto Brasileiro do Petróleo. Embora o preço mais elevado aumente a geração de caixa das empresas que disputarão o leilão, a decisão de um investimento de longo prazo passa por outras variáveis. Na hora de dar o lance, as petroleiras focam no break even, o preço de equilíbrio para viabilizar o campo de petróleo, o quanto custa investir e operar e ainda pagar impostos. No pré-sal brasileiro, esse indicador está em torno de US$ 35 o barril. Nesses níveis, o pré-sal despertou interesse das maiores empresas do mundo nos últimos leilões.

O estrategista-chefe da XP, Celson Plácido, admite que o petróleo em alta é uma surpresa porque muitos especialistas achavam que a recuperação dos preços, que mergulhou para US$ 28 em 2016, não ocorreria tão rapidamente. Ele diz que parte das surpresas vieram da economia real. Nos Estados Unidos, o governo Barack Obama deixou o país crescendo e o desemprego caindo. Isso se acelerou e o desemprego chegou a 3,9% em abril. Os estoques de combustíveis nos Estados Unidos caem a cada semana e estão nos níveis mais baixos dos últimos cinco anos. O consumo na Europa no último inverno foi intenso. Na Ásia, a venda de automóveis está em ritmo acelerado. Junte-se a este aumento de demanda o fator Donald Trump, que está estimulando mais a economia e criando pontos de incerteza na conjuntura.

— Estados Unidos, Europa e Ásia crescem mais do que se imaginava. As incertezas aumentaram com a ameaça de guerra comercial, os conflitos na Síria, e o jeito pouco diplomático do presidente americano — diz Plácido.

O governo dos EUA vai decidir hoje se sairá ou não do acordo nuclear com o Irã. Se sair, serão refeitas as sanções contra o país. Isso poderá tirar um milhão de barris do mercado. A Venezuela já reduziu à metade a sua produção nos últimos anos, para 1,5 milhão de barris. No próximo dia 20, o governo de Caracas fará mais uma de suas eleições manipuladas e desta vez a Casa Branca pode vir a adotar novas sanções contra a Venezuela, que ficaria sem seu maior mercado. Os EUA compram um terço do que a Venezuela extrai. A Arábia Saudita quer continuar cortando a produção e a decisão final será na reunião da OPEP em junho. Por tudo isso, Plácido acha difícil prever uma queda a curto prazo, e lembra que a cada 10% de aumento do preço da gasolina, o índice de inflação no Brasil sobe 0,3%.

O professor Eloi Fernández, da PUC-Rio, acredita que o “shale gas” deve ajudar a limitar os preços do barril no médio prazo. A produção do gás não convencional foi reduzida com a queda dos preços e pode voltar a subir, porque a cotação mais alta torna atrativa a exploração dessa fonte em alguns campos nos EUA.

Aumentou a incerteza mundial um pouco mais. Com o petróleo em alta, inflação sendo estimulada pelo governo Trump, tensões em série no mercado e corte de produção, o risco maior é afetar o crescimento internacional. Em ambiente de crise fica mais difícil para o Brasil corrigir os problemas da economia.


El País: O que a Lava Jato mudou na Justiça brasileira, e o que STF pode reverter

Quando prender, como interrogar e a forma de investigar se moldam ao "padrão Lava Jato" Brasil afora. Mas a maneira como as alterações ocorreram são criticadas por quem enxerga punitivismo excessivo

"Esse caso que fica em 3 a 2... Sinceramente, o Ministério Público fica até constrangido. Como que eu vou começar o início da execução em segundo grau com um julgamento tão apertado desde o início do recebimento da denúncia?", disse o procurador do Ministério Público de Minas Gerais Antônio Pádova Marchi Júnior após o julgamento dos embargos infringentes do ex-governador Eduardo Azeredo, na terça-feira. Pádova pediu a prisão do grande símbolo do mensalão tucano, mas está tendo de explicar até agora o constrangimento que manifestou ao fazê-lo. O desfecho desse e de outros casos espalhados pelos tribunais federais e estaduais do país provavelmente seria outro sem a existência da Operação Lava Jato.

Outro caso: depois que o processo da Lava Jato contra o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB) foi encaminhado para a Justiça Eleitoral em abril, contrariando pedido do Ministério Público Federal, o Ministério Público Estadual de São Paulo chamou o caso para si, e abriu um inquérito civil por conta própria para investigar o caso. O mesmo voluntarismo em nível estadual pode ser visto no Rio de Janeiro, onde o Ministério Público local acabou provocado pelos processos do Ministério Público Federal que diziam respeito a serviços estaduais. Bem ao estilo agressivo e obstinado da força-tarefa da Lava Jato, uma série de processos decorrentes da operação desmontou o MDB fluminense.

Para a procuradora federal Silvana Batini, que atua na operação no Rio, essas podem ser consideradas reverberações do "padrão Lava Jato", que se consolidou para além do caso no Ministério Público Federal. A Lava Jato estaria forçando uma integração entre os ministérios públicos federal e estadual, além de ampliar as estruturas de cooperação internacional. Além disso, a operação motivou mudança de parâmetros no sistema jurídico nacional. "A prisão preventiva, que antes estava muito ligada à questão de periculosidade e a crimes praticados com violência, agora passou a ser trabalhada no crime de colarinho branco nas primeira e segunda instâncias e até no STJ [Superior Tribunal de Justiça]", comenta.

Outra grande vitória da agenda Lava Jato é a possibilidade de prender após condenação em segunda instância, uma luta de anos do Ministério Público Federal, com estudos publicados desde 2009. "Quando muda, muda estimulado pelo evento Lava Jato, mas ela [a operação] não caiu do céu. Ela é fruto de uma evolução institucional", diz Batini, que também defende a condução coercitiva, outra grande polêmica da operação. "É uma medida mais branda que a prisão temporária, e a gente viu isso acontecer na Operação Skala". A procuradora se refere ao caso em que pessoas próximas ao presidente Michel Temer, como o ex-assessor da Presidência José Yunes, foram presas para dar depoimento. "Eles ficaram presos por 48 horas, quando poderiam ter ficado cinco ou seis", argumenta Batini.

Na Operação Skala, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a prisão temporária de José Yunes e do ex-coronel da Polícia Militar de São Paulo João Batista Lima porque não podia pedir a condução coercitiva. Em dezembro passado, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes vetou liminarmente esse tipo de procedimento. O plenário do STF deve julgar em definitivo no dia 30 de maio esse dispositivo, que foi usado livremente pela força-tarefa da Lava Jato até que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se tornasse alvo dela. Esse será apenas mais um dos embates que vêm sendo travados apaixonadamente na Corte Suprema em decorrência da expansão do "padrão Lava Jato".

Insegurança jurídica
O STF decidiu em 2016 que a pena de um condenado pode começar a ser cumprida a partir da condenação em segunda instância. Em 2009, a decisão de um STF composto por outros ministros tinha sido em sentido contrário, de cumprimento da pena apenas após o trânsito em julgado — ou o último recurso possível, no próprio Supremo. Apesar do pouco tempo após a última decisão sobre o assunto, alguns ministros foram substituídos desde então e a questão permanece rondando o tribunal em duas ações diretas de constitucionalidade.

O Supremo também tem se debatido com os parâmetros para a concessão de habeas corpus e mesmo sobre a possibilidade de um ministro alterar a decisão de um colega. As trocas de críticas públicas durante as sessões e por meio da imprensa opõem dois grupos mais amplos: aqueles que acham importante "ouvir a voz das ruas" e os legalistas, mais interessados em respeitar garantias de direitos dos condenados e investigados.

No plenário do tribunal, têm favorecido decisões que contemplam o primeiro grupo, ao contrário do que ocorre na Segunda Turma, onde a maioria dos processos da Lava Jato são julgados. Isso levou ao desenvolvimento de uma estratégia pelo relator dos processos, Edson Fachin. Em vez de encaminhar os casos mais relevantes para a Segunda Turma, ele tem optado por mandá-los direto para o plenário, onde a apertada maioria de seis a cinco tende a combinar com seus pareceres. A lógica deve mudar a partir de setembro, quando o ministro Antônio Dias Toffoli, entre os garantistas, assume a presidência da Corte, e a atual presidenta, Cármen Lúcia, vai para o lugar dele na Segunda Turma: Toffoli controlará a pauta do tribunal, mas a pequena maioria da turma, de três a dois, passará para o lado de Fachin.

"Hoje, para entender o plenário do Supremo, só com bola de cristal", resume o advogado Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP. Ele atribui boa parte as mudanças processuais provenientes da Lava Jato à utilização da opinião pública pelos procuradores. "A Lava Jato soube usar essa pressão popular para gerar um constrangimento para que os tribunais não pudessem ir contra uma opinião pública ou publicada. O Supremo foi deixando até uma certa hora. Por que teve de fazer um freio de arrumação? Porque deixou o bonde desgovernar. Se os procuradores querem [alterar procedimentos], têm de bater na porta do Congresso, não na porta do Supremo", critica.

Segundo Badaró, alguns vão dizer que os ministros começam a tomar medidas como a que retirou do juiz Sérgio Moro a delação da Odebrecht que citava Lula porque os casos chegaram em determinados políticos, enquanto outros vão dizer que o tribunal simplesmente percebeu que foi longe demais ao atender aos clamores populares. Mas o fato é que o Supremo tem pretendido resolver o que está além de sua alçada em alguns casos, e nem todas as decisões podem ser avaliadas a partir da mesma perspectiva. Para o advogado, Gilmar Mendes apenas "restringiu algo que nem deveria existir" ao proibir as conduções coercitivas, porque a legislação brasileira não admite condução coercitiva com a finalidade para a qual vinha sendo utilizada.

O professor da USP considera que a mudança mais relevante motivada pela Lava Jato é a perda da possibilidade de um condenado em segunda instância de apelar sobre o motivo de sua prisão. "Eu podia ir ao Supremo discutir se ele estava ou não ameaçando testemunha, se havia risco de fuga, se havia possibilidade concreta de reiteração delitiva. Quando a execução começa a partir do segundo grau, essa pessoa não está presa porque a prisão é necessária, mas porque está cumprindo a pena, ainda que possa ser absolvida depois".

Quando o STJ negou habeas corpus preventivo a Lula em março, seu advogado e ex-ministro do STF Sepúlveda da Pertence disse que o tribunal "preferiu manter-se na posição punitivista em grande voga no país". Nesta sexta-feira, quem reclamou foi o coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, ao saber pelo noticiário da intenção de ministros do STF de investigar o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima por suas críticas ao Supremo. "Não são críticas que mancham imagem do tribunal, mas posturas como a do M. G. Mendes [ministro Gilmar Mendes], q vive atacando injustamente a Lava Jato e seus agentes, como o procurador Janot, o juiz Moro e procuradores de Curitiba. Como querer impor a outros limitações q tal Ministro não impõe a si?", escreveu Dallagnol em seu perfil Twitter. Quatro anos depois de começar, a Lava Jato não parece se intimidar com os limites que se avolumam no seu entorno à medida em que avança.

 


Míriam Leitão: Multitarefas

Ontem era feriado no Rio, e o presidente da Petrobras, Pedro Parente, trabalhou em São Paulo em uma reunião da B3, na qual ele é presidente do conselho de administração. A grande dúvida em relação a ele nesse momento é se será capaz de tocar a presidência da estatal e a do conselho de administração da BRF, cujo CEO renunciou na segunda-feira.

Para encarar o desafio, Parente pretende usar até o tempo das folgas, se for necessário. — Caso venha a se concretizar a minha ida, eu posso, por exemplo, usar dias de férias na Petrobras para as reuniões da BRF. Na Petrobras, as férias podem ser tiradas em dias alternados. Estou disposto a sacrificar esse tempo porque sei que o trabalho é importante.

Não lhe falta serviço na Petrobras, evidentemente, mas Parente lembra que hoje a empresa é outra, em relação a que encontrou.

— Se fosse no início, certamente eu não poderia acumular, mas hoje a empresa tem plano estratégico aprovado e já sendo implantado em seu segundo ano, tem novo sistema de gestão com metas controladas em reuniões mensais, tem uma diretoria executiva completamente integrada, regras de conformidade aprovadas e sendo cumpridas. Em governança, é outra empresa — diz ele.

Uma frente de trabalho foi a limpeza de passivos deixados por administrações anteriores, enfrentada com a negociação do acordo em ações judiciais internacionais, o “class action", a mudança do perfil da dívida, a solução de conflitos com diversos órgãos governamentais e reguladores.

— Nada disso é trabalho de uma pessoa só, seria impossível. Estamos limpando problemas de bilhões de dólares no balanço da empresa — disse Parente.

O resultado aparece nos indicadores, e a possibilidade de a companhia enfrentar um ano eleitoral com tranquilidade.

— A taxa de juros cobrada no mercado secundário internacional pelos títulos da Petrobras estava em 15% ao ano. Agora está abaixo de 4%. O preço da empresa que estava em 90 bilhões de reais, agora é 90 bilhões de dólares. O rating da Petrobras hoje equivale ao da República. A dívida de curto prazo vencendo em 2018 a 2020 era de US$ 40 bilhões, hoje é US$ 20 bi.

Se a Petrobras está melhor, não se pode dizer o mesmo da BRF, que enfrenta problema de relacionamento entre sócios, resultados ruins, investigação da PF, teve várias unidades de produção descredenciadas pela Europa e ontem ficou sem CEO.

— Se for confirmada a minha ida, será numa situação em que os sócios estejam de acordo e isso já ajuda no problema da governança. As outras questões serão enfrentadas e vão exigir, principalmente no começo, mais do que uma reunião por mês. Mas são problemas que no cotidiano serão tratados pela diretoria executiva e não pelo conselho de administração.

Se for para a BRF, Parente terá ainda que fazer uma transição na B3. Disse que o tempo em que acumulou o conselho da bolsa e a Petrobras mostrou que ele consegue fazer as duas tarefas.

— Foi um tempo importante, em que houve a aquisição da Cetip pela BM&F e a mudança do CEO.

A estatal, sob administração técnica e sem interferência política, está recuperando seu ranking entre as empresas de capital aberto da América Latina. Estudo exclusivo de Einar Rivero, da consultoria Economatica, revela que ela ontem se tornou a segunda mais valiosa companhia da região, passando o Itaú Unibanco. Era a primeira, anos atrás, mas no fim de 2014 a posição foi ocupada pela Ambev. O mercado reagiu à reeleição da ex-presidente Dilma por receio da continuação da interferência política nos preços e na gestão. Durante aquela campanha, quando a oposição subia nas pesquisas, a Petrobras se valorizava no pregão. A cotação chegou a R$ 310 bilhões no início de setembro, quando a candidata Marina Silva liderava as intenções de voto. A Ambev valia, então, R$ 250 bi. Ao final daquele mês, já com Dilma na liderança das pesquisas, a Petrobras foi cotada em R$ 229 bi.

No dia seguinte ao segundo turno, a cotação caiu mais, para R$ 180 bi, e a Ambev definitivamente a passou. Em seguida foi a vez do Itaú Unibanco. O fundo do poço aconteceu em fevereiro de 2016, quando a estatal chegou a valer R$ 67 bilhões. Hoje, voltou a ser cotada a R$ 307 bi. Ainda está longe do maior valor, R$ 510 bilhões, que atingiu em 2008, na euforia do pré-sal.


José Serra: O petróleo volta a ser nosso

 

Se mantivermos o passo firme, a estimativa é de alcançarmos 5,5 milhões de barris/dia até 2030

Na semana passada a União assinou os contratos de outorga aos consórcios vencedores dos leilões petróleo do pré-sal realizados em outubro, já sob as regras da Lei 13.365, de minha autoria, sancionada no final de 2016. Essa lei desobrigou a Petrobrás de participar da exploração de todos os campos ofertados e, mais ainda, cobrindo, no mínimo, 30% dos investimentos.

O dinamismo que hoje caracteriza o nosso setor de petróleo e gás contrasta com a letargia que marcou os anos da gestão petista, sob a tutela da lei aprovada em 2010, por iniciativa da então candidata presidencial Dilma Rousseff.

Em 1997, o governo Fernando Henrique Cardoso promoveu a quebra do monopólio da Petrobrás – que fechava o setor para os investimentos privados – e instituiu o regime de concessão, em que são pagos os bônus de assinatura (à vista) e são previstos royalties e participações especiais aos entes da Federação, tudo sob a supervisão da Agência Nacional do Petróleo. Esse modelo – ao contrário do que previam os críticos – ampliou rapidamente a produção de petróleo no País, dobrando-a em dez anos, quando chegou a 1,8 milhão de barris por dia.

A contraproducente mudança do marco legal em 2010 – mais como bandeira ideológica do que por fundamentos econômicos sólidos – criou o regime de partilha e determinou que a participação compulsória da Petrobrás em todos os leilões de novos campos fosse de, no mínimo, 30%. Tratou-se de medida acima de tudo desnecessária, pois o regime de concessão já previa as participações especiais, instrumento capaz de ampliar a renda estatal do petróleo em caso de subida dos preços.

A mudança de 2010 criou um imbróglio que parou os leilões por três anos. Somente viria a ser realizado um novo certame em 2013, o do Campo de Libra, com resultados decepcionantes tanto pelo baixo número de competidores quanto pelo pequeno porcentual de óleo-lucro oferecido à União pelo único consórcio participante: 41%. Para se ter uma ideia, nos últimos leilões, já sob a legislação pós-Dilma, o porcentual médio de óleo oferecido à União foi de 60%. Trocando em graúdos, a União receberá 20 pontos porcentuais a mais da produção de óleo nos campos recentemente leiloados, em comparação com o que ganhará em Libra. O petróleo está voltando a ser nosso.

Não é demais lembrar a conjunção de populismo e patrimonialismo que ameaçou levar a Petrobrás à lona. Congelaram-se os preços da gasolina e do diesel na tentativa de debelar a inflação. Os investimentos feitos foram de baixo retorno, em parte por erros técnicos, em parte porque eram um canal para obtenção de vantagens não bem ajustadas ao interesse público.

O fato é que a Petrobrás não conseguiu cobrir os compromissos da lei Dilma e, como resultado, leilões foram sendo postergados. Isso encolheu os investimentos privados no aumento da produção.

Ao final dos governos petistas a deterioração das finanças da Petrobrás atingiu níveis perigosos. Os juros implícitos dos títulos de sua dívida internacional com vencimento em 2024 chegaram a 9,6% – em dólar! Hoje esses juros são de 5%. O pessimismo com a empresa foi tão grande que suas ações caíram a R$ 5 no início de 2016. Agora, em trajetória de recuperação, atingiram R$ 20.

Acelerar a produção do pré-sal é imperativo para aproveitarmos este período em que o petróleo ainda tem valor, apesar de já estar em trajetória de obsolescência. As novas fontes de energia (especialmente solar e eólica), as restrições ao uso de combustíveis fósseis e os ganhos de eficiência energética – vejam a arrancada fulminante do carro elétrico – tendem a reduzir o consumo per capita de petróleo. De 2011 a 2014 o preço médio do barril foi superior a US$ 100. Hoje, mesmo na presença de uma inédita concertação entre os maiores exportadores, o barril está a menos de US$ 70 e muitos especialistas acreditam que nem esse nível será sustentável. Se continuássemos atrasando o aumento da produção no pré-sal, suas imensas reservas ficariam enterradas para sempre.

Não há tempo a perder.

Como bem lembrou o ministro Fernando Bezerra durante a cerimônia de assinatura dos contratos de partilha, o Brasil até hoje perfurou 30 mil poços de petróleo, metade do realizado pela Argentina e igual ao número de poços que se abrem anualmente nos Estados Unidos. Se mantivermos o passo firme que adotamos a partir de 2016, a estimativa é de que alcancemos 5,5 milhões de barris/dia até 2030, dobrando nossa participação na produção mundial de 2,5% para 5%.

Isso demandará a instalação de mais 40 plataformas de exploração, com um investimento de R$ 850 bilhões, o que elevará a receita com petróleo da União, dos Estados e municípios a R$ 100 bilhões por ano.

Dado o aumento do porcentual de óleo-lucro induzido pela maior competição, somente os leilões de outubro passado propiciarão aos entes da Federação uma receita total de R$ 600 bilhões até 2030. Apenas em bônus de assinatura, que são o pagamento à vista feito pelas vencedoras dos leilões, a União arrecadou R$ 6,2 bilhões.

Outras medidas importantes são a reconfiguração do regime fiscal (Repetro) e das regras de conteúdo local. Com o aumento esperado na produção, a demanda por equipamentos impulsionará a indústria nacional, sem os exageros que acabavam por atrasar a entrada em operação dos projetos.

Um subproduto importante do ambiente competitivo reinstalado na produção de óleo e gás é que a indústria nacional terá acesso à demanda por equipamentos das grandes petrolíferas em todo o mundo. Provavelmente essa abertura induzirá maior competitividade no setor, um fator crucial para revertermos a nossa preocupante tendência à desindustrialização.

O novo marco do regime de partilha demonstra como boas políticas podem rapidamente reverter o pessimismo, criar oportunidades e efetivamente gerar emprego e riqueza. O petróleo está ajudando o Brasil a se levantar.

*José Serra é senador (PSDB-SP)

 


Míriam Leitão: O leilão e a alternativa

O governo arrecadou menos do que tinha como meta e vendeu menos áreas do que ofereceu. Mesmo assim, é preciso olhar as alternativas para avaliar o resultado do leilão de ontem do pré-sal. Se o modelo de partilha não tivesse sido flexibilizado, o governo teria vendido metade do que vendeu, porque a Petrobras só quis participar em três dos oito blocos que foram ofertados.

Não foi o “estrondoso sucesso” que o ministro das Minas e Energia disse, mas a avaliação feita por especialistas foi positiva. Sucesso teria sido se o leilão fosse pelo regime de concessão, mas isso não é possível pela lei do pré-sal. De novo, é preciso ponderar a alternativa: continuar não fazendo leilões de petróleo. Se fosse assim, o Brasil permaneceria perdendo a oportunidade de explorar o pré-sal em época em que os combustíveis fósseis já não têm a atratividade que tinham antes.

— A produção não convencional dos Estados Unidos, o shale gás, é um competidor do petróleo. O consumo mais consciente de combustível está reduzindo também as perspectivas de demanda futura — lembra o presidente da Petrobras, Pedro Parente.

Mas mesmo neste contexto, há muito interesse no pré-sal brasileiro, como ele constata em reuniões e conferências internacionais de óleo e gás.

— O pré-sal brasileiro atrai muita atenção global. É hoje uma das três áreas de produção do mundo porque tem um índice grande de acerto nas perfurações. Por isso o custo unitário de extração é baixo. Há muito óleo em cada poço e o risco é baixo — diz Parente.

E era esse interesse que estava contido com a não realização dos leilões do pré-sal, e com a demora de cinco anos que o governo anterior levou para aprovar o marco regulatório. Esse marco estabelecia que a Petrobras tinha que, obrigatoriamente, participar em 30% de cada bloco explorado. Se isso não tivesse sido alterado, em vez de vender seis blocos, o governo conseguiria apenas três, porque foram os únicos nos quais a Petrobras fez ofertas. Hoje a produção do pré-sal é 51% de todo o petróleo produzido pela Petrobras.

No modelo de partilha, o bônus de assinatura é fixo, com pagamento à vista, e as empresas competem entre si oferecendo barris de petróleo à União, com pagamento a prazo, o óleo-lucro. Ganha quem oferece mais óleo, ou seja, com maior ágio sobre o percentual mínimo. O que houve nas rodadas de ontem é que o bônus de assinatura ficou menor do que o previsto, R$ 6,15 bilhões contra R$ 7,75 bi, porque foram menos áreas arrematadas. Mas o ágio sobre o óleo ofertado foi maior, principalmente pela oferta da Petrobras em um dos blocos. Isso quer dizer que o governo receberá menos à vista, e mais, a prazo.

Essa foi a principal diferença entre as duas rodadas que aconteceram ontem, e a primeira, realizada em 2013, com o campo da Libra. Há quatro anos, o governo arrecadou R$ 15 bilhões com bônus de assinatura, à vista, mas não houve ágio sobre o percentual mínimo de petróleo entregue à União. Isso quer dizer que não houve competição entre as empresas. No leilão de ontem, a arrecadação do bônus foi mais baixa, mas o ágio do excedente em óleo ofertado foi de 260%, na 2ª rodada, e de 202%, na 3ª.

— Alíquotas mais elevadas se transformam, no futuro, em mais recursos para o Estado brasileiro — explicou o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, em entrevista coletiva.

Essa também é a avaliação do consultor de petróleo John Forman, ex-diretor da ANP, que considera que o leilão foi um sucesso. Ele lembra que as grandes multinacionais do setor declararam esta semana interesse em ampliar investimentos no Brasil, acha que o pré-sal se mostra competitivo mesmo que o petróleo caia para a casa de US$ 35, e diz que as novas regras regulatórias já deram resultados.

A ideia de que o petróleo é um passaporte para o futuro e deveria ser resguardado para ser explorado pela Petrobras — sozinha ou em parceria — era defendida pelos mesmos que permitiram a instalação de um gigantesco esquema de corrupção na companhia. E o futuro será de menos emissões de gases de efeito estufa, portanto, de menos combustíveis fósseis. Neste momento, ainda há demanda por petróleo e é o tempo de ter um sistema flexível e competitivo de exploração e concessão.