Petrobrás

Vinicius Torres Freire: Crise mundial vai encarecer sua gasolina

Motivo mais imediato da crise é a falta de gás na Europa, que contagia outros mercados

Vinicius Torres Freire / Folha de S. Paulo

Falta energia no mundo. A crise pode ser transitória, em parte resolvida em parte com arranjos políticos até o final do ano, mas encarece combustíveis, como a sua gasolina, e a produção de algumas indústrias e serviços, quando não a paralisa. A inflação mundial vai aumentar um pouco mais. Com algum azar e sem arranjos, a crise pode se prolongar até bem entrado o verão do Hemisfério Sul e o inverno do Norte. Nesse caso, haverá mais dificuldades do que preços algo maiores.

O problema mais novo e imediato é a falta de gás natural, retirado das profundezas do chão. Em um ano, o preço do gás mais do que dobrou nos Estados Unidos e quadruplicou, mais ou menos, na Europa —estão nos níveis mais altos em cerca de sete anos.

A Europa depende em parte de gás para fazer eletricidade e para aquecimento doméstico. Fábricas de metais, fertilizantes e materiais de construção do mundo inteiro usam gás. Com o preço do produto nas alturas, começa-se a recorrer mais a óleo combustível, o que pressiona ora marginalmente e ainda mais o preço do barril de petróleo. A produção dos poços por ora está limitada por decisão do cartel dos grandes produtores, a Opep.

É fácil perceber que a falta de energia contribui para o aumento dos preços em geral; altas de preços persistentes podem limitar o crescimento econômico, a “retomada” da crise da pandemia. Basta pensar no efeito sobre o custo do aço e de fertilizantes. A falta de gás criou problema até para a produção de gelo seco na Inglaterra, dificultando e encarecendo o transporte de mercadorias refrigeradas.

Os preços do gás e da eletricidade subiram tanto que Itália, Espanha e França estão subsidiando consumidores residenciais. Empresas de distribuição de eletricidade na Inglaterra estão indo à breca, por causa da alta de custos e de preços de venda limitados, em parte. A Espanha propôs um arranjo europeu de compra conjunta de gás, para que a eurozona não fique “à mercê” dos fornecedores. O preço da gasolina aumentou cerca de 50% nos Estados Unidos, em um ano. Alguns comentaristas dizem que esse é um dos motivos da queda de popularidade do presidente Joe Biden.

Falta gás porque: 1) o inverno europeu de 2020-21 foi frio e comprido, o que reduziu os estoques além da conta; 2) países europeus desestimulam a produção de gás ou fecham grandes campos de exploração, como um na Holanda, por motivos variados; 3) o maior fornecedor de gás da Europa, a Rússia, não tem aumentado a oferta, por motivos complicados e ainda não muito bem compreendidos até pelos europeus; 4) a China consome mais gás porque quer limpar o ambiente, usando menos carvão. A Ásia paga caro e leva o gás americano, por exemplo; 5) até Brasil e Argentina entram na lista, pois ora compram mais gás dos EUA, para abastecer termelétricas, que substituem as usinas hidrelétricas secas; 6) as usinas eólicas na Europa, no Reino Unido em particular, estão produzindo menos eletricidade por causa da falta de vento; 7) o furacão Ida prejudicou a produção no Golfo do México.

A reabertura das economias depois do que “passou o pior” da epidemia, contribuiu para a alta dos combustíveis, que tinham ido ao nível de colapso, no ano passado. A escassez de agora dá mais um impulso a essa recuperação de preços.

O barril do petróleo (Brent) chegou a US$ 80 nesta terça-feira, maior preço em três anos.

Enquanto não há solução para os problemas do gás, os preços no Hemisfério Norte sobem, pois é preciso fazer estoques para o inverno. Se o inverno no Norte for muito frio, a situação vai piorar, assim como vamos ter problemas por aqui no Brasil se não chover muito a partir de novembro.

Uma crise ainda mais feia de preços ainda parece evitável. A Rússia talvez possa fornecer mais gás. Há um problema enrolado aqui. Os russos acabaram de concluir um gasoduto que parte quase da sua fronteira com a Finlândia e chega na Alemanha, passando pelo Mar Báltico, o Nord Stream 2. A obra foi muito contestada por americanos e alguns europeus; sofreu sanções, por assim dizer. Com o gasoduto novo, os russos podem largar os seus canos de gás que passavam pela Ucrânia. Se a Ucrânia não tem mais essa utilidade, dizem ocidentais, é possível que os russos até invadam o país, entre outros problemas geopolíticos, embora a Alemanha seja a favor do gasoduto. Segundo a especulação diplomática europeia, pois, os russos usam a escassez de gás para obter o fim de sanções a seu gasoduto. É possível também que estejam apenas ou também repondo seus estoques vazios.

Em breve, a Opep pode permitir aumentos adicionais de produção de petróleo. Não resolve o problema de falta de gás natural, mas o atenua ou segura a alta do petróleo. A especulação dos analistas é que o cartel não vai conter a produção (e faturar ainda mais com preços mais altos) até asfixiar os clientes, como fez nos anos 1970. Querem apenas garantir que o preço do barril flutue em uma faixa alta o suficiente para que o rendimento dos poços pague a conta das despesas de seus governos, mas não alta em excesso, que estimularia a entrada de concorrentes no mercado.

Por fim, a certo preço, alguns produtores americanos de gás (“shale”) podem voltar a se interessar em produzir e outros podem investir em centros de distribuição. No entanto, também nos Estados Unidos se procura desestimular o uso de gás, o que é um problema: o investimento para lidar com uma crise de curto prazo pode não dar retorno.

Em tese, o pior da crise é evitável, ao menos no que diz respeito aos gargalos de gás e petróleo mais imediatos. Os gargalos, porém, podem não ser tão breves. Críticos variados do programa de descarbonização (ou do seu ritmo e de seu planejamento) dizem que a Europa se lançou em um programa de desestímulo de produção e uso de combustíveis fósseis sem antes dispor de alternativa confiável para crises ao menos pontuais de oferta de energia. Isto é, tributou os fósseis, criou um mercado caro de permissão de uso de carbono, desmonta unidades produtivas. No longo prazo, tende a funcionar. Em crises de oferta, como agora, piorada pela desordem provocada pela epidemia, pode ter de lidar com uma conta de luz e aquecimento cara e revolta popular.

Fonte: Folha de S. Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/viniciustorres/2021/09/crise-de-energia-no-horizonte-vai-encarecer-sua-gasolina-e-bater-na-inflacao-mundial.shtml


Evandro Milet: O futuro é o conhecimento, a educação, a tecnologia, e não mais o petróleo

O episódio recente da mudança do presidente da Petrobras trouxe o problema do petróleo para as redes sociais com comentários desinformados, além de raivosos naturalmente, como é praxe nesse ambiente.

Um comentário dizia que o Brasil é autossuficiente em petróleo e não precisaria seguir preços internacionais. Se conseguisse refinar e usar todo o petróleo que produz, isso seria verdade, mas não é. Quando o Brasil construiu refinarias, principalmente entre 1950 e 1980, não produzia petróleo, mas necessitava de combustível para enfrentar o crescimento do número de veículos. As refinarias foram então construídas para processar petróleo leve importado do Oriente Médio. Quando o país descobriu petróleo, este era mais pesado, e as refinarias não processavam.

Os novos campos do pré-sal já têm óleo mais leve, mas mesmo assim o Brasil precisa exportar e importar petróleo e derivados pela capacidade e tecnologia de processamento das misturas de leve e pesado de cada refinaria. E, claro, que paga a importação no dólar vigente e no preço do barril do mercado. Se a Petrobras comprar pelo preço internacional e vender com preço subsidiado no mercado interno vai ter prejuízo. Isso aconteceu no governo do PT para segurar a inflação e gerou um prejuízo de R$ 100 bilhões à empresa. Junto com os investimentos políticos errados em novas refinarias e a corrupção, a empresa quase quebrou, com uma dívida de 140 bilhões de dólares, que vem sendo reduzida.

A recuperação passa por vender ativos menos rentáveis como algumas das refinarias e redes de postos e se concentrar na altamente lucrativa produção do pré-sal. O problema agora é saber o apetite de possíveis compradores de refinarias, desconfiados que o representante-mor do acionista controlador da Petrobras, o Presidente da República, pode interferir nos preços de derivados.

Quem vai comprar uma refinaria se o concorrente pode baixar o preço do produto artificialmente? Os produtores de etanol, por sua vez, ficam perdidos com o preço atrelado à gasolina. Empresários que montaram operações de importação de derivados, liberada desde 2002, como ficam com essa concorrência com preços artificiais?

Há outras consequências: milhares de investidores prejudicados com a queda das ações da Petrobras, inclusive fundos de pensão de trabalhadores e fundos em geral, do mundo todo, que passam a desconfiar de investimentos no país. Compradores de papéis da Petrobras, no Brasil e no exterior pedirão mais juros nas próximas vezes, aumentando a dívida. Fora a desconfiança geral sobre a segurança jurídica e política de investir no Brasil.

A intervenção de Bolsonaro na Petrobras afugentou os investidores estrangeiros — que sacaram 9,2 bilhões de reais da bolsa de valores, sendo 6,8 bilhões de reais somente num único dia. Consequência, sobre o dólar, da lei da oferta e da procura: o dólar aumenta, o diesel aumenta, a inflação aumenta e a cobra morde o rabo. “Era mais barato dar 100 bilhões de reais aos caminhoneiros”, disse o ministro da Economia, Paulo Guedes, a um integrante da pasta (Veja).

Mas quem ganha com a venda de refinarias e a importação de petróleo e derivados? Ganha o consumidor que vai se beneficiar da concorrência aberta e certamente do aumento de produtividade e novos investimentos pelos novos proprietários. Surgirão até mini-refinarias privadas para atendimento localizado.

Mas, diriam alguns estacionados na década de 1950, o petróleo não é estratégico? Não mais. Se o Brasil não extrair esse petróleo rapidamente, em não muitos anos vai ficar com o mico. O mercado vai reduzir o preço do petróleo gradativamente antes de acabar a era do petróleo. Aliás, como se sabe, a idade da pedra não acabou por falta de pedra.

Se algum país quiser prejudicar o futuro dos Estados Unidos é melhor jogar uma bomba no Vale do Silício do que em algum poço de petróleo. O futuro é o conhecimento, a educação, a tecnologia e não mais petróleo, substituído aos poucos pelas energias alternativas, com preço caindo rapidamente com novas tecnologias de equipamentos e baterias.

Tratemos de aproveitar os anos que restam ao petróleo para desenvolver uma cadeia de fornecedores de equipamentos e serviços que podem migrar depois para outros setores e aproveitar os royalties e participações especiais para investir em educação, tecnologia, infraestrutura e energias alternativas, que se viabilizam com o preço alto de combustíveis fósseis, como o meio ambiente pede.

Oscilações bruscas do preço de combustíveis, que sempre acontecem nesse mercado, podem ser atenuadas em articulações não histéricas, respeitando a governança corporativa da Petrobras, pela redução de carga fiscal, mecanismos inteligentes de compensação e estratégia antecipada de mudança de perfil das empresas de transporte, da tecnologia usada nos veículos e da composição de meios logísticos.

Interferir em preços de mercado nós já vimos quando caçavam boi no pasto no Plano Cruzado. Não dá certo.


Alon Feuerwerker: A montanha-russa da oposição

Daniel Silveira uniu a esquerda, mas a Petrobras voltou a dividi-la

A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) e a mudança no comando da Petrobras expuseram ao longo dos últimos dias possíveis caminhos e também dificuldades para a formação de uma frente ampla contra Jair Bolsonaro em 2022. A oposição a ele terá mais liga se o foco do debate estiver na dita “questão democrática”. E menos se enveredar pela condução da economia. (Isso já se sabia. Mas é sempre bom quando os fatos comprovam as teorias.)

Claro que em condições normais de temperatura e pressão. Se, por exemplo, o freio econômico trazido pela Covid-19 estender-se durante, pelo menos, mais um ano e meio, aí o discurso usual da “mudança” encontrará forte eco mesmo se a pauta for a economia. Mas, vamos supor, apenas por hipótese, que ela exiba leve ascensão na segunda metade de 2022. Com alguma recuperação sustentada da atividade e do emprego.

Até porque o governo tem instrumentos para criar o microclima favorável. E a mudança na Petrobras mostrou que o presidente não vai hesitar se precisar acionar o joystick.

Sobre Daniel Silveira, quando a prisão do deputado fluminense foi a voto em plenário, viu-se não apenas a coesão da esquerda contra ele, mas inclusive a luta dos parlamentares dela para assumir a linha de frente no apoio à decisão do Supremo Tribunal Federal. O objetivo político imediato de enfraquecer o bolsonarismo sobrepôs-se a preocupações da esquerda com tornar-se ela própria, algum dia, eventualmente, vítima do cerceamento à imunidade parlamentar.

Funcionou a máxima de que não se faz omelete sem quebrar os ovos. E assistiu-se finalmente à formação da frente amplíssima. Mas poucas horas depois o Planalto já dava sinais de a pauta dele ser outra: impedir que a autonomia absoluta do comando da Petrobras acabe provocando uma greve de caminhoneiros em meio à pandemia, um fato político 100% capaz de reintroduzir na agenda a desestabilização do governo.

 “Defender reajustes dos combustíveis bem acima da inflação não é propriamente algo popular”

E isso poucas semanas depois de Jair Bolsonaro ter afastado a ameaça de impeachment, pois os candidatos dele venceram as eleições para as presidências no Congresso. Em especial na Câmara, onde o bicho começa a pegar nesses casos.

A decisão do acionista controlador de trocar o CEO da petroleira rachou a frente ampla de poucas horas antes. Do centro para a direita, viu-se uma condenação unânime do ato presidencial. Já na esquerda, notou-se simpatia por quem rechaça a ideia de que lucros e distribuição de dividendos devam ser a única variável quando a diretoria da Petrobras toma decisões.

Há um setor da esquerda disposto a pagar (quase) qualquer preço para ver Bolsonaro pelas costas em 1º de janeiro de 2023. Mas não é ainda majoritário. Inclusive porque a sucessão presidencial é fundamental, mas 2022 também tem eleição para um monte de outros cargos. E tem cláusula de desempenho a atingir. E os candidatos, de deputado estadual a senador, precisam estar munidos de alguma narrativa própria, distintiva, dizer coisas atraentes ao eleitor no delicado tema do sustento.

E defender reajustes dos combustíveis toda hora e bem acima da inflação não é propriamente algo popular.

Publicado em VEJA de 3 de março de 2021, edição nº 2727


Míriam Leitão: Greve, preços e o futuro da Petrobras

Presidente da Petrobras diz que a greve não teve impacto, defende a venda de ativos e nega que isso seja uma forma de privatização

A Petrobras enfrenta há 13 dias uma greve de funcionários, mas segundo seu presidente, Roberto Castello Branco, não houve queda de produção. “Até agora nenhum barril de petróleo deixou de ser produzido.” Ele nega que a empresa esteja sendo privatizada aos poucos, mas reafirma que continuará vendendo ativos porque a estatal é a petrolífera mais endividada do mundo. Castello Branco diz que as maiores companhias do setor estão diminuindo sua participação no refino, e é o que a Petrobras pretende fazer. Sobre preços, ele garante: “Até hoje a interferência do presidente Bolsonaro tem sido zero.”

Na semana passada, Bolsonaro usou a primeira pessoa para falar sobre queda dos reajustes: “Eu baixei o preço três vezes”, disse. Roberto Castello Branco garante que a empresa tem decidido os preços livremente. Perguntei o que ele achava que o presidente queria dizer:

— Ele é o presidente, tem o direito de falar o que quiser. Uma coisa é a política, outra é a administração de uma empresa. Nós seguimos administrando. O importante é que ele respeita a independência da Petrobras. Ele nunca me telefonou pedindo que baixasse o preço ou fizesse qualquer coisa.

Desde o dia primeiro, há uma greve na Petrobras, mas Roberto Castello Branco diz que espera que o problema seja superado em breve. Equipes de contingência têm mantido a produção e ele tem a expectativa de que os grevistas voltem ao trabalho:

— O Tribunal Superior do Trabalho classificou a greve como de motivação política, porque não existem motivos no campo real. Depois de seis meses de negociação, um acordo coletivo de trabalho foi assinado pela Petrobras e os sindicatos, em novembro, e a empresa vem cumprindo rigorosamente o que foi estabelecido.

Com a venda das ações que estavam com o BNDES, o Estado brasileiro agora tem apenas 50,3% dos papéis com direito a voto. E inúmeros ativos têm sido privatizados, como os gasodutos, a distribuidora, e vai vender grande parte das refinarias. Perguntei, em entrevista na Globonews, sobre a crítica de que, na verdade, a empresa está sendo privatizada aos poucos:

— A empresa não está sendo privatizada, não há nenhum desmonte, como falam. Estamos reenergizando a empresa, tornando-a mais forte e saudável. O Estado brasileiro é o acionista controlador, com 50,3% das ações, e isso não está em discussão. A Petrobras só pode ser vendida quando houver um mandato para isso, do governo e do Congresso. E não há.

Ele nega que a estatal esteja ficando menor. Na opinião dele, ela está “ganhando músculos”:

— Nós vendemos ativos de baixo retorno que não constituíam parte do negócio principal.

Perguntei se os gasodutos não são parte do negócio. A empresa venderá até a malha de cabos submarinos que traz o gás das plataformas para o continente:

— Nós precisamos do serviço de gasoduto, mas não precisamos ser donos dos gasodutos. Era uma atividade que proporciona um retorno para o acionista de 6% a 7%. Se pegarmos esse capital e investirmos no pré-sal, o ganho é de 15%. A Petrobras é ainda a empresa de petróleo mais endividada do mundo. Não vamos esquecer isso. Em 2019, pagamos US$ 20 bilhões e ainda devemos US$ 90 bilhões.

Sobre os preços dos combustíveis, ele diz que no Brasil eles não estão elevados, e que no diesel inclusive está um pouco abaixo da média em 163 países.

A Petrobras quer vender oito refinarias, mas permanecerá com as quatro de São Paulo e a Reduc no Rio, e segundo o presidente a empresa vai se concentrar em exploração e produção em águas profundas. Por enquanto, a produção está parada, mas ele diz que a estatal tem metas de ampliá-la, principalmente a partir de 2025:

— Em Búzios, nós vamos colocar sete plataformas gigantes com capacidade cada uma de produzir de 180 mil a 225 mil barris/dia.

Segundo ele, a ideia da verticalização das petrolíferas, refletida na máxima “do poço ao posto” está mudando:

— As maiores empresas de petróleo venderam 89 refinarias nos últimos anos, reduzindo em 30% sua capacidade de refino.

As companhias de petróleo estão entrando em outras fontes de energia, para reduzir as emissões de carbono. A Petrobras, ao contrário, está se concentrando em petróleo:

— Nós estamos aproveitando a riqueza que está no fundo do mar, se não, vai virar museu. Estamos entrando em energia de baixo carbono com o gás natural. E vamos nos preparar para no futuro adquirir competência nos negócios renováveis


José Casado: Pirataria no petróleo

Negócios no submundo do óleo renderam a Taylor um fortuna

Aos 63 anos, o escocês Ian Roper Taylor tenta vencer um câncer na garganta e se manter na mesa de jogos com petróleo, onde aprendeu a viver perigosamente, como um pirata moderno em aventuras com figuras sombrias, como o iraquiano Saddam, o líbio Kadafi e o sérvio Arkan, responsáveis por alguns dos maiores massacres humanos do século XX.

Negócios no lado oculto do mundo do óleo renderam a Taylor uma das maiores fortunas do Reino Unido, avaliada em US$ 180 bilhões — superior ao PIB de Minas. Sua biografia remete à de Marc Rich, fundador da Glencore (Rich acabou condenado nos EUA a três séculos de prisão, maior que a pena do ex-governador Sérgio Cabral. Morreu em 2013, na Suíça).

A empresa de Taylor, Vitol, aumentou lucros em cem vezes nos últimos 25 anos, sobretudo na alta das commodities que mudou economias de Brasil, China e Índia e inflou o caixa da Venezuela, do Congo e da Nigéria.

Semana passada, os escritórios suíços da Vitol e das concorrentes Glencore e Trafigura foram invadidos pela polícia. A ordem judicial nasceu em Curitiba, onde se investigam contratos dessas empresas com a Petrobras.

Parte das transações delas com a Petrobras, entre 2004 e 2014, não teve registro e deu prejuízos à estatal. Foi azeitada com subornos a funcionários, intermediários e políticos de PT, MDB, Progressistas (antigo PP) e do PSDB. As propinas oscilaram de dez centavos até US$ 2 por barril — mostram os processos da Operação Lava-Jato.

Vitol negociou 14 bilhões de barris, e Taylor sabia de tudo — confessou um dos seus agentes, Carlos Herz. Segundo ele, o fundador da Trafigura Claude Dauphin (morto em 2015) e os executivos Tim Water e Mike Wainwright também pagavam para obter lucros fáceis com a Petrobras.

As investigações avançam em Curitiba, Houston e Genebra. Pela dimensão das empresas envolvidas, é previsível uma reforma nas regras do comércio de commodities. A última resultou na divisão da Glencore, de Marc Rich. Desta vez, quem está no centro é a Vitol de Taylor, benfeitor da Royal Opera House, de Londres, e filantropo de pesquisas contra o câncer.


Adriana Fernandes: O cheque Bolsonaro

A estratégia é desidratar a parte do bolo do pré-sal que vai para o presidente

Os presidentes Davi Alcolumbre (Senado) e Rodrigo Maia (Câmara) fecharam um acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para garantir a realização ainda este ano do megaleilão de petróleo na área de exploração do pré-sal da cessão onerosa.

O leilão está marcado para novembro, mas a solução para agilizar o processo pode sair cara para o governo federal.

Lideranças partidárias já antecipam que querem tirar uma fatia maior dos recursos que serão arrecadados no leilão. Querem irrigar com mais dinheiro, sobretudo, para os cofres dos governos regionais, principalmente para as prefeituras, às vésperas das eleições do ano que vem.

À boca pequena, o que se ouve no Congresso é que parlamentares não querem mesmo é deixar o presidente Jair Bolsonaro com o cofre muito cheio para alimentar obras e os programas do seu governo nos próximos meses.

A estratégia é, sim, desidratar a parte do bolo que vai para o presidente.

Não dá para esquecer que o cheque do leilão de petróleo é altíssimo: R$ 106,5 bilhões. A Petrobrás fica com R$ 33,6 bilhões dos recursos arrecadados com o leilão, o chamado bônus de assinatura. O restante – R$ 72,8 bilhões – iria todo para o governo federal, porém, acabou sendo repartido com Estados e municípios numa negociação que, na prática, começou já na transição de governo, depois que Guedes acenou com o discurso de “menos Brasília e mais Brasil”.

Pelo acerto feito no Senado para a partilha, R$ 10,95 bilhões (15%) seriam repassados a Estados; outros R$ 10,95 bilhões (15%) para os municípios e R$ 2,19 bilhões (3%) seriam distribuídos para os Estados onde estiverem localizadas as jazidas de petróleo.

Sobrou para Bolsonaro e seu time a fatia de R$ 48,9 bilhões – receita que pode ajudar muito o governo a reduzir o déficit. É essa parcela que pode cair ainda mais, a depender do que a Câmara e o Senado decidirem agora que a PEC da cessão onerosa foi fatiada com o acordo Alcolumbre-Maia-Guedes fechado quarta-feira passada.

Pelo combinado, a PEC foi promulgada por Alcolumbre sem a definição da partilha. Ela abre caminho para o leilão, mas deixou para depois a divisão do bolo.

É ai que mora o problema. É que a PEC foi votada pelos deputados e aprovada pelo Senado, mas como foi modificada na partilha, teve que voltar novamente para a Câmara. O processo estava lento justamente pelo desejo de muita gente de não dar um cheque muito gordo para o presidente.

O consenso que estava se formando antes do acordo era o deixar a votação da PEC em banho-maria.
Se a equipe econômica ganhou agilidade com o leilão, terá que agora esperar para saber como fica a partilha. Para complicar, governadores não gostaram nada de saber que os prefeitos podem ficar com uma parcela maior do que a deles.

O Ministério da Economia está certo que o acordo será respeitado e não haverá traição. Vai deixar, inclusive, uma reserva no Orçamento para passar 30% do dinheiro arrecadado com o leilão para Estados e municípios.

O que está difícil de saber agora é o que acontece se o leilão ocorrer antes que a partilha seja fechada. A novela pela cobiça do pré-sal continua.

Reforma tributária
A divisão das receitas futuras também já chegou à reforma tributária. Para viabilizar a sua aprovação, a ideia é criar um Fundo de Desenvolvimento Regional com o dinheiro que a União terá a receber no futuro com os royalties do pré-sal.

O governo tem que ter cuidado para não deixar que a discussão federativa de descentralização de receitas contamine a reforma tributária a tal ponto que ela se torne totalmente inviável.

Tem que mandar logo a proposta e parar com esse discurso de que é melhor fazer a reforma tributária só dos tributos federais, deixando o ICMS dos Estados e o ISS dos municípios para depois.

Precisa usar o seu capital político para limitar o grau de descentralização de receitas ao que é “possível” na situação atual para ter as rédeas do processo. Sem o controle, terá muitos problemas no longo prazo com a diminuição do cheque para Bolsonaro.


Ribamar Oliveira: Dinheiro do petróleo não pode pagar pessoal

Novo pacto federativo prevê o fim da vinculação de receitas

Os cerca de R$ 21 bilhões que Estados e municípios receberão do megaleilão do excedente de petróleo da cessão onerosa não poderão ser utilizados livremente. Em acordo feito pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), em torno da divisão dos recursos do megaleilão, ficou definido que os recursos não podem ser utilizados para o pagamento de pessoal, de acordo com fonte credenciada do governo. Poderão ser usados para pagar dívidas com a União, pagar precatórios judiciais e investimentos.

A divisão dos recursos está prevista na proposta de emenda constitucional (PEC) 98/2019, já aprovada pela Câmara e em tramitação no Senado. A PEC determina que a União transfira para os Estados 15% dos valores arrecadados com o megaleilão, depois de descontada a despesa que ela terá com o pagamento à Petrobras, como parte da revisão do contrato da cessão onerosa. Os municípios também receberão 15% dos valores líquidos arrecadados.

O megaleilão vai arrecadar R$ 106 bilhões em bônus de assinatura, de acordo com o governo. Como a Petrobras ficará com R$ 33,7 bilhões, sobrarão R$ 72,3 bilhões. Deste total, 30% ou R$ 21,7 bilhões vão para Estados e municípios.

Como os recursos serão divididos entre os Estados e municípios? Como eles serão aplicados? Tudo isso, segundo a PEC 98/2019, será definido em lei. Há, portanto, um cronograma a ser cumprido antes que governadores e prefeitos possam utilizar o dinheiro do megaleilão. Primeiro será preciso aprovar a PEC no Senado. Depois uma lei regulamentando a divisão e o uso dos recursos.

O megaleilão do excedente da cessão onerosa está marcado para o dia 6 de novembro e o dinheiro só ingressará nos cofres do Tesouro no dia 27 de dezembro deste ano. Até mesmo este cronograma, no entanto, está na dependência de uma análise do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre a revisão do contrato da cessão onerosa e do próprio leilão do excedente. Não está inteiramente descartado o adiamento do leilão.

É muito provável, portanto, que a transferência do dinheiro da União para Estados e municípios somente ocorra no próximo ano. A Proposta de Emenda Constitucional 98 também prevê que a transferência dos recursos será excluída do teto de gastos da União, da mesma forma que o pagamento à Petrobras.

Nada garante, no entanto, que a lei que regulamentará a transferência dos recursos para Estados e municípios seja aprovada nos termos acordados entre Guedes, Alcolumbre e Maia. Tudo no Congresso depende de votos. E não é possível antecipar com segurança o resultado de votações na Câmara e no Senado, principalmente diante de eventual pressão que será feita por governadores e prefeitos. Há o risco, portanto, de que os recursos do leilão do excedente de petróleo terminem sendo usados para pagar despesas de forma indiscriminada.

Em breve, Guedes deverá apresentar a sua proposta de novo pacto federativo. A ideia do governo é descentralizar receitas, fortalecendo as finanças estaduais e municipais. Uma proposta prevê a divisão, com Estados e municípios, de parte da receita futura que será obtida pela União com royalties e participações especiais na exploração dos campos do pré-sal. A expectativa do governo é que essa receita crescerá muito nos próximos anos, atingindo seu pico em 2031.

A questão é saber se haverá contrapartidas a esse plano de fortalecimento das finanças estaduais e municipais. Em recente artigo na "Folha de S.Paulo", o economista Marcos Mendes afirmou que um pacto federativo que apenas dê dinheiro federal aos Estados, sem reformas que diminuam os incentivos a gastar mais, não funcionará. "Será tão eficiente quanto tentar manter uma banheira cheia abrindo mais a torneira, sem fechar o ralo", observou Mendes, que foi assessor especial do Ministério da Fazenda, nas gestões de Henrique Meirelles e Eduardo Guardia.

No artigo, Mendes argumentou que as vinculações de receitas estaduais a gastos com saúde e educação desestimulam a busca do equilíbrio fiscal pela via do aumento de receita, pois cada real a mais arrecadado aumenta o gasto, automaticamente, em R$ 0,37, por causa das vinculações.

Integrantes da equipe econômica disseram ao Valor que o pacto a ser proposto por Guedes prevê justamente o fim dessas vinculações que, no caso da União, já foram eliminadas pela emenda constitucional 95/2016, que instituiu o teto de gastos da União. Hoje, o gasto federal com educação e com saúde não está vinculado à receita. Os valores correspondem aos calculados para 2017, corrigidos, anualmente, pela inflação. A regra valerá, pelo menos, até 2026.

Outra preocupação da equipe econômica é que a receita descentralizada, principalmente a proveniente do petróleo, não seja utilizada para conceder aumentos salariais ou outro tipo de vantagens aos servidores, como ocorreu em passado recente em alguns Estados e municípios. Os técnicos argumentam que a receita do petróleo é instável, podendo cair repentinamente, em decorrência da redução dos preços internacionais do produto. Assim, ela não pode custear despesas permanentes.

Orçamento impositivo
Há um grande temor na área técnica do Ministério da Economia sobre os efeitos da emenda constitucional 100/2019, que instituiu o chamado "Orçamento impositivo". A preocupação principal é com o novo parágrafo 10 do artigo 165 da Constituição, que estabelece o dever da administração de executar as programações orçamentárias, adotando as medidas e os meios necessários, com o propósito de garantir a efetiva entrega de bens e serviços à sociedade.

O problema é que, no texto da emenda aprovado, não há comando definindo que as dotações orçamentárias poderão sofrer contingenciamento em caso de receita menor que a prevista no Orçamento nem que elas não poderão ser executadas em caso de impedimento técnico. Os assessores do governo acreditam que esse parágrafo compromete o cumprimento da meta de resultado primário em 2020. Por isso, torcem para que a PEC 98/2018, que corrige essas lacunas da emenda 100, seja aprovada pelo Senado. Já passou pela Câmara.


Míriam Leitão: A intervenção é o que parece

Áudio de Onyx esclarece que houve sim intervenção na Petrobras e em duas etapas: na periodicidade dos reajustes e na revogação da alta

O ministro Onyx Lorenzoni, ao mandar a mensagem para caminhoneiros dizendo que o presidente daria uma “trava” na Petrobras, estava queimando as possibilidades de convencer o país de que a estatal é livre para fazer seu preço. O ministro Paulo Guedes e o presidente da Petrobras bem que tentaram persuadir os interlocutores de que nada havia acontecido, mas a divulgação, ontem, do teor do áudio mostra que tudo é o que parece.

Esta semana inteira foi dedicada ao esforço de desfazer a impressão de que acontecera uma intervenção. O ministro da Economia disse e repetiu que foi apenas um telefonema do presidente da República ao dirigente da estatal para levantar uma dúvida e dizer uma frase espirituosa: “quando eu comemoro os 100 dias, você quer jogar diesel no meu chope?”. E o presidente teria ligado apenas porque não entendeu o aumento. Se toda vez que Bolsonaro não entender algo ele provocar tanta confusão como dessa vez o país viverá aos solavancos.

A divulgação ontem da mensagem do chefe da Casa Civil liquidou a fatura. Houve intervenção e em duas etapas. Primeiro ele “deu uma trava” determinando a periodicidade, e depois revogou uma alta já anunciada.

Quando entrevistado na GloboNews, em 3 de agosto, durante a campanha, o então candidato Jair Bolsonaro disse que poderia privatizar a Petrobras. Na última quinta-feira, falou à jornalista Natuza Nery que tem “simpatias” pela ideia. Sua convicção é volátil. Vai de um extremo ao outro. Da intervenção à simpatia pela privatização.

O governo apresentou uma série de medidas para desfazer o nó criado com a crise do preço do diesel e as ameaças de paralisação dos caminhoneiros. Algumas decisões são boas, mas não são novas. Anunciou R$ 2 bilhões para uma série de obras de melhoraria das estradas, como a BR-163, em termos parecidos com o que houve nos PACs. Quando foi perguntado sobre o fato de outros governos terem prometido as mesmas obras, o ministro da Infraestrutura Tarcísio Gomes de Freitas disse que agora é diferente.

— Porque estamos aqui, só por isso. Vai acabar porque vamos acabar. Fizemos 23 leilões em 100 dias, simples assim.

Essa nova versão do “la garantía soy yo” ficou ainda mais enganosa porque o ministro Tarcísio foi diretor do DNIT no governo Dilma. Ou seja, ele está lá há bastante tempo. Outro detalhe: os leilões feitos nesses 100 dias iniciais foram preparados pelo governo Temer.

A intenção de melhorar a qualidade das estradas sempre será boa, para os caminhoneiros e todos os que trafegam nas perigosas e mortais estradas brasileiras. Torçamos para que dê certo. O problema é o anúncio ter vindo no meio de tanta demagogia. O ministro Onyx Lorenzoni disse, na coletiva em que foram apresentadas as medidas para agradar os caminhoneiros, que “este é um governo diferente, um governo do diálogo, dialogamos com o parlamento e com todos os setores. Eles têm sido ouvidos”. Como prova falou que havia sido criado o Fórum de Transporte Rodoviário de Carga. A verdade é que este é o governo que mandou dissolver inúmeros foros de diálogo. Só quer conversa com os seus. “A questão é que os caminhoneiros têm carinho e consideração pelo presidente e o presidente tem carinho e consideração por eles”, disse o chefe da Casa Civil.

Os caminhoneiros são fundamentais num país desta dimensão, que depende tanto do modal rodoviário. E é importante que eles sejam ouvidos. Governos democráticos ouvem setores. Todos. Não apenas aqueles pelos quais têm carinho e consideração.

As outras medidas, como a linha de crédito para a compra de caminhão, também não são novas. Se alguém tivesse dormido nos últimos quatro anos, e acordasse em meio à coletiva da manhã de terça-feira com o ministro Tarcísio ficaria convencido de que era o governo Dilma anunciando mais um daqueles pacotes de dinheiro do BNDES.

“O capitão aqui jamais vai abrir mão de defender e proteger os caminhoneiros”, disse Onyx no aúdio ao grupo. Em vez de negociar uma saída, o ministro promete adesão. Esse é um assunto incandescente. Os caminhoneiros não querem aumento, mas a intervenção do presidente na formação de preços da Petrobras tem o poder de desmontar todo o projeto de atrair grandes investimentos privados para o setor de petróleo.


Vinicius Torres Freire: Bolsonaro ataca o governo

Caso Petrobras é só uma tolice de uma gestão à beira de não ter como pagar contas

Não é muito difícil o governo inventar uma história para arrumar a bagunça que fez ao meter a mão nos preços da Petrobras, desde que tome tenência. Mas:

1) esses disparates deixam sequelas, que se acumulam e têm custos para a economia inteira;

2) Jair Bolsonaro faz fama de que é um caminhão desembestado, que se move por caprichos, pinimbas e impulsos na estrada da demagogia. Até agora, não funcionam os freios tutelares, de generais ou outros;

3) o presidente já prepara outros atentados contra seu governo. Gente que não se ocupa de finanças, o povo em geral, acha que esses colapsos de preços na Bolsa são brincadeirinha de especulador. Não é bem assim.

A venda em massa de ações da Petrobras é um aviso. A queda do valor da empresa significa que os investidores não querem negócio com uma companhia sujeita a controle de preços e outras tolices que reduzem lucros ou causam dano ainda pior.

Caso a besteirada persista, o desconto no valor das ações será maior, assim como vai aumentar o custo de a empresa levantar recursos no mercado, de se financiar por empréstimos ou outros meios.

Arrazoado semelhante vale para a economia inteira, para o custo de financiamento do governo (juros) e, por tabela, para as empresas do país.

Mesmo com os tantos recuos do governo, bobagens e incompetências frequentes em política e economia deixam sequelas: um dólar mais caro, juros de médio e longo prazo mais altos, Bolsa mais barata, risco maior. Em suma, fica mais caro fazer negócio. As empresas investem menos. Em resumo simples, assim a economia cresce menos.

Já está acontecendo de novo.

O preço do diesel não foi o único dedaço de Bolsonaro na Petrobras. O presidente prometeu investimento da petroleira em Israel, por exemplo (apenas ele descobriu que haveria um maná de óleo na costa israelense?). Já mexeu na periodicidade do reajuste do diesel. Vai se emendar?

Governo mais falido

Com jeito, o governo ainda pode atenuar esses estragos. Falta combinar com Bolsonaro.

Está claro nos ministérios e claríssimo no Ministério da Economia que, se não entrar um dinheirinho extra, o governo não vai ter como pagar alguns serviços no fim deste ano. Sim, vai ter de parar atividades sérias; algumas partes da administração já funcionam apenas no papel, motores sem gasolina.

Mas Bolsonaro ainda pensa seriamente em anistiar dívidas de ruralistas, algo em torno de R$ 11 bilhões, para ficar em apenas um exemplo de tolice séria que vem por aí.

Gente graduada de vários ministérios diz que o Brasil já não está pagando compromissos com organizações internacionais, por exemplo.

O investimento em obras vai cair dos cerca de R$ 53 bilhões do ano passado para algo entre R$ 35 bilhões e R$ 40 bilhões neste 2019 (em valores de hoje): a uns 40% do que era em 2014 (como proporção do PIB).

Se houver a graça para os ruralistas, vai haver asfixias e necroses de partes da administração.

Todo o investimento federal em obras viárias (estradas etc.) no ano passado ficou em R$ 10 bilhões, menos que o dinheiro da anistia dos ruralistas. Cortar ainda mais obra em andamento é contraproducente e acelera a ruína da infraestrutura. “Ou vão cortar submarino nuclear, aviões de combate?”, pergunta um alto burocrata do governo sobre o orçamento de investimento ora mais privilegiado, o da Defesa.

Ainda não é uma situação Rio de Janeiro. Mas já dá para sentir o cheiro da maresia.


Míriam Leitão: A Petrobras na era Bolsonaro

Presidente da Petrobras quer acabar com os monopólios da empresa no refino e no gás. Política de patrocínios focará na educação infantil

“O monopólio é incompatível coma democracia”, afirma o novo presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, avisando que vai vender ativos da empresa para que haja competição em todas as área sonde atua. Ele diz que os preços dos combustíveis vão seguiras cotações internacionais. Depois do petróleo, o maior foco da empresa será ampliara oferta de gás no país. Ele confirma que mudará toda apolítica de patrocínio de esporte e cultura da companhia para investirem educação infantil.

Castello Branco tem formação liberal, é doutor em economia pela Fundação Getúlio Vargas com pós-doutorado na Universidade de Chicago. Diz que teve o privilégio de ter aulas com Gary Becker, prêmio Nobel, um dos pais da teoria do capital humano, e de trabalhar com Carlos Geraldo Langoni. Por isso, afirma que a empresa fará investimentos em educação infantil para crianças pobres. Falou sobreis sono contexto da revisão dos patrocínios para o esporte e acultura, durante uma entrevista que fiz com ele na Globonews:

— Existem outros financiadores para a cultura. Não vamos sair completamente. Achamos que o retorno para a sociedade será muito maior se fizermos isso (investir na educação infantil).

Ele já foi um grande defensor da privatização da Petrobras, mas quando perguntei sobre o fato de o presidente Jair Bolsonaro ser contra ele disse que é disciplinado e seguirá essa orientação. Mas defende um programa muito mais agressivo de venda de ativos no refino:

— Detestamos a solidão do mercado. Queremos ter concorrentes no refino, para que a decisão sobre preços seja percebida pela sociedade como decorrência da relação fornecedor-cliente.

Castello Branco diz que logo depois do choque do petróleo houve uma greve de caminhoneiros nos Estados Unidos por causa do preço. Foi incluída uma cláusula sobre reajuste do diesel no contrato entre as transportadoras e as empresas que demandam esse serviço, que funciona até hoje. Está sendo pensado também a criação de um cartão pré-pago, em que o caminhoneiro possa pagar antecipadamente o combustível. De qualquer maneira, a política de preços não será de reajuste diário, mas haverá o acompanhamento de cotações internacionais.

Sobre as refinarias, Castello Branco disse que a ideia é reduzir para 50% a participação da Petrobras. O governo anterior programara vender apenas participações. Agora, serão unidades inteiras. Mas ele disse que o governo Bolsonaro não quer trocar um monopólio estatal por outro privado:

—O monopólio prejudica muito os consumidores e acaba prejudicando o próprio monopolista, atraindo a intervenção do Estado e gerando enormes distorções. Nós queremos nos ver livres disso.

A diretriz da empresa é agora investir no que ele define como os “ativos que ela é dona natural”:

— Nosso foco é pré-sal, águas profundas, onde temos ativos de classe mundial. Alta qualidade, custo baixo de extração, longa vida, esse é o nosso negócio principal.

Muitas companhias de petróleo estão se reposicionando como empresas de energia, preparando-se para o mundo da energia de baixa emissão. As últimas duas administrações da Petrobras estavam aumentando investimento em energia solar e eólica. Agora o interesse será no gás:

— No curto prazo, nosso foco é a produção de petróleo, é extrair o máximo de riqueza que temos. A mãe natureza nos deu uma riqueza fantástica, com o uso da tecnologia e capital humano para explorar isso. Outra riqueza que temos é o gás natural. É um mercado que precisa ser aberto. A Petrobras possui monopólio em toda a cadeia produtiva. É necessária uma mudança em leis e regulações para termos um mercado vibrante. O gás é um combustível fóssil com baixa emissão de carbono. Quanto às renováveis, solar e eólica, a Petrobras tem projeto de pesquisa mas olha com perspectiva de longo prazo.

Ele diz que a tendência é vender a participação na Braskem. Sobre o leilão da cessão onerosa, disse que até o final deste mês vai ser concluída a primeira parte e deve ocorrer ainda este ano. Sobre governança, ele acha que as duas últimas administrações fizeram as mudanças necessárias. Castello Branco afirmou que uma grande preocupação da sua gestão será minimizar os riscos de acidentes ambientais, seja nas plataformas, nas refinarias ou nos dutos.


José Casado: A irmandade do suborno

Todo dia a Petrobras compra e vende petróleo e derivados no mercado mundial. Durante a última década e meia, negociou em média 400 mil barris a cada jornada de 24 horas, a preços variáveis.

Agora descobriu-se que parte dessas transações não teve qualquer registro e deu prejuízos à empresa estatal, mediante subornos pagos a funcionários, intermediários, políticos do PT, MDB, Progressistas (antigo PP) e do PSDB.

Eles receberam propinas entre dez centavos e US$ 2 por barril de petróleo e derivados nas negociações diárias, com pagamento à vista, e em contratos de longo prazo — mostram os novos processos abertos na Operação Lava-Jato.

O grupo fazia a Petrobras comprar a preços acima de mercado e a vender a preços mais baratos. Numa negociação de 300 mil barris, por exemplo, acertavam com o cliente estrangeiro “comissão” de US$ 1 por barril e embolsavam US$ 300 mil. Chegaram a “sumir” com 17,5 mil toneladas métricas de combustível da estatal embarcadas em três navios. Em 2012, celebraram o recorde de US$ 2 de propina sobre uma carga levada a Fortaleza.

A Petrobras não consegue dimensionar suas perdas na área, onde obtém dois terços do seu faturamento. Contou ao Ministério Público, em abril: “Não é possível localizar todas as aprovações (dos gestores), visto que algumas ocorreram em despachos presenciais ou por telefone, principalmente para os casos mais antigos.” São 15 anos de contratos informais, diários, sem controle de auditores e de órgãos como CVM e TCU.

Entre os principais beneficiários se destacam três trading companies, irmãs na hegemonia sobre o mercado mundial de petróleo e derivados. Vitol, Trafigura e Glencore somam receitas de quase US$ 500 bilhões por ano, seis vezes mais que a estatal brasileira, equivalente ao PIB de Minas. Os processos deixam claro que “a alta cúpula dessas empresas tinha total consciência do que estava ocorrendo”. Devem ir a julgamento no Brasil, nos Estados Unidos e na Suíça.


Vinicius Torres Freire: O dinheiro que não existia sumiu

Estados e até Bolsonaro podem ficar sem recursos de megaleilão de petróleo em 2019

O futuro governo de Jair Bolsonaro pretendia entregar a estados e municípios parte de um dinheiro que talvez arrecade no ano que vem. Esse repasse viria de uma venda de direitos de exploração do petróleo do pré-sal. Nos sonhos de governadores e prefeitos, seriam mais de R$ 20 bilhões.

Em troca, economistas de Bolsonaro queriam apoio de governadores à reforma da Previdência e até compromissos de controle de gastos (ilusões). Deu chabu. Esse dinheiro que ainda não existia evaporava na tarde desta quarta-feira (28).

Mesmo se voltar a chover na horta de estados e cidades, não viriam tantos bilhões do petróleo. De resto, essa ajuda encrenca o governo federal. Repasse extra para estados e municípios é despesa, sujeita ao teto de gastos. Se repassa o dinheiro, o governo tem de cortar mais em outra área (reduzir o investimento em obras a quase nada).

No Senado, dizia-se que o governo poderia arrecadar até R$ 130 bilhões com esse leilão especial de petróleo. Na equipe bolsonarista, a projeção chegava a R$ 100 bilhões. Na estimativa mais pessimista do governo de Michel Temer, a R$ 60 bilhões.

Além das estimativas disparatadas, há mais problema. Parte desse dinheiro seria usada para pagar um acerto de contas do governo com a Petrobras. Quanto? O pessoal do governo Temer não pode revelar o valor. Há chutes em torno de R$ 20 bilhões.

Pelo acordo entre Senado e o pessoal de Bolsonaro, estados e cidades ficariam com 20% do dinheiro desse leilão de petróleo. Na pior das hipóteses dos chutes listados acima, o repasse federal ficaria então perto de uns R$ 8 bilhões.

Há mais problema.

Em 2010, o governo Lula vendeu à Petrobras o direito de explorar até 5 bilhões de barris de petróleo em áreas do pré-sal (isso teve o nome horrendo de "cessão onerosa"). Como não se sabia de fato quanto petróleo haveria ali, entre outras indefinições, esse contrato seria revisto assim que houvesse informação melhor (para piorar, o contrato da "cessão" tinha buracos).

Deve haver pelo menos mais 6 bilhões de barris naquela área do pré-sal, sabe-se agora. O governo pode leiloar o direito de explorar esse petróleo ("excedentes da cessão onerosa"). É dessa venda que se trata aqui.

A Petrobras acha que tem dinheiro a receber nessa revisão de contrato (teria pago caro demais etc.). União e Petrobras não chegaram a um acordo; o pessoal de Temer teme ser legalmente frito se assinar um contrato que leve o governo a pagar o que a Petrobras quer.

Para haver segurança, as bases de um acordo foram enfiadas em um projeto de lei, o qual permitiria à Petrobras vender áreas que levou na "cessão onerosa" (isso faz parte do programa de abatimento de dívida da petroleira).

Esse projeto estava para ser votado no Senado, que quer uma contrapartida, com apoio do pessoal de Bolsonaro: Temer teria de baixar medida provisória dando parte do dinheiro desse leilão de "excedentes da cessão onerosa" a estados e municípios. Não rolou.

A equipe econômica de Temer se opõe ao repasse a estados e municípios, que criaria outro rombo nas contas federais (a não ser que se inventasse uma gambiarra para contornar leis fiscais).

O Senado pode, claro, mudar a lei, mas sua tramitação demoraria. Com o atraso, dadas as exigências do TCU (Tribunal de Contas da União), esse leilão gordo de petróleo pode até ficar para 2020; Bolsonaro ficaria sem dinheiro para tapar rombos em 2019, com estados e cidades ainda pedindo dinheiro.