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Cristovam Buarque: Governo em parceria

Governar é a arte de enfrentar ou a arte de concertar. Promover a disputa entre os interesses da sociedade ou ter habilidade para combinar parceria com todos os agentes sociais. E a arte da parceria deve assumir que o Estado existe para servir ao público, não o contrário.

No lugar de fomentar a união com a sociedade, os últimos governos do DF promoveram enfrentamento entre partidos, sindicatos, servidores, usuários, empresários, contribuintes e o público. Negociaram para chegar ao Buriti e, depois de eleitos, fizeram acordos com deputados para atender aos pedidos deles. Acataram reivindicações de sindicatos, fizeram disputa entre siglas de partidos e acertos com empresas, usando dinheiro público e deixando os usuários dos serviços em filas.

A consequência foi o sacrifício do contribuinte, seja por superfaturamento para beneficiar empreiteiras, com obras desnecessárias e ineficientes, seja pelo aumento de remunerações e rendas, sem cuidar da qualidade do atendimento ao público. O resultado foi a falência da máquina do governo, que não consegue cumprir suas funções por falta de recursos.

As relações dos últimos governos do DF com os deputados distritais foram de favorecimento, com nomeações que nem sempre respeitavam o mérito para o cargo. A arte da parceria exige o diálogo respeitoso com os parlamentares, mas sempre pautado no interesse público, não em compromissos eleitorais. O mérito e a dedicação de nomeados são mais importantes que as opções partidárias deles.

A corrupção é exemplo do desrespeito ao público, mas a ineficiência e o desperdício também são consequência da falta de parceria entre público e governo. Se ela existisse, o governo do DF não teria cometido a insensatez de gastar quase R$ 2 bilhões na construção do Estádio Nacional de Brasília. Foi o desprezo ao público e ao contribuinte que permitiu o vergonhoso desperdício, com suspeitas de superfaturamento e pagamento de milhões de reais em propinas.

O DF teve uma experiência de governo parceiro: a implantação da faixa de pedestre foi possível graças à parceria entre o governo, o Correio Braziliense, a Rede Globo, motoristas e pedestres, que desenvolveram o respeito a uma simples tinta no chão. A Bolsa Escola foi uma parceria entre mães, professores e governo, para que as crianças não faltassem às aulas. A responsabilidade fiscal, que deixou as finanças do governo sólidas, entre 1995 e 1998, foi uma prova de respeito ao contribuinte, mesmo que não tenha atendido a reivindicações corporativas, nem erguido obras gigantescas. A adoção e a execução do orçamento participativo também foram exemplos bem-sucedidos dessa união de forças.

Nosso desafio em 2018 será eleger um governo que exerça a arte de uma grande parceria entre os agentes sociais. A arte de respeitar e dialogar sem ceder à força dos empreiteiros, nem ao capricho dos sindicatos; proteger o contribuinte e os usuários com austeridade que evite desperdícios e excesso de gastos, garantindo-lhes a máxima qualidade nas obras e nos serviços.

Nada impede que, este ano, outro governo seja eleito com a filosofia de exercer a arte da parceria entre agentes da sociedade: Executivo e Legislativo a serviço do público; contribuintes satisfeitos com a eficiência e a austeridade; servidores motivados e comprometidos com usuários. O governo sendo o maestro que combina pagar bem aos servidores sem sacrificar os contribuintes, oferecendo serviços com competência, respeito e dedicação. Um governador que conviva com seu vice e todos os parlamentares, com respeito entre si e deles com o povo.

Para isso, a eleição em si deve ser uma parceria entre eleitores e candidatos, para a escolha de políticos que, depois de eleitos, sejam capazes de se tornar parceiros do público. O primeiro passo para isso é preocupar-se menos com as siglas de partidos que disputam as eleições e mais com as propostas apresentadas pelos candidatos realmente comprometidos com o bem da população e com o crescimento do DF. (Correio Braziliense – 19/06/2018)

 


Cristovam Buarque: Maioridade da faixa

Na semana passada, o Correio Braziliense dedicou uma página ao 21º aniversário da implantação da faixa de pedestre no Brasil, graças ao pioneirismo dessa iniciativa no Distrito Federal. Em entrevista, o professor Paulo Cesar Marques da Silva, da Universidade de Brasília (UnB), disse: “Foi uma conquista importante, é um marco de cidadania essa valorização das pessoas em relação aos veículos. Essa coisa de oferecer o espaço prioritariamente aos pedestres é boa. Mas é necessário dizer que não tivemos nenhuma mudança na lei. Essa sinalização já era prevista nos manuais. O que aconteceu foi uma conscientização, um conhecimento das pessoas. Todo esse trabalho foi muito benfeito, houve uma mudança de valores, é fato. Mas é importante lembrar que isso não aconteceu em todo o país. Nem todo mundo que dirige passou por isso 21 anos atrás. A população deve ser informada constantemente sobre a importância da faixa”.

Sem explicitar, ele percebeu que o “milagre de Brasília”, como os visitantes citam para se referir ao respeito dos brasilienses à faixa de pedestre, decorre da inversão da lógica com que o Governo do DF, entre 1995-1998, administrou a implantação desse programa que mudou a mentalidade da população. No lugar de ver a faixa como um assunto da engenharia e da legalidade de trânsito, o problema foi tratado pelo então governo como uma questão de educação. A engenharia (pintura, sinalização, escolha dos locais) e a legislação (leis e decretos) foram complementos auxiliares.

Ao tratar o problema de trânsito sob a ótica da educação, o Governo do DF, com a colaboração da mídia, especialmente do Correio Braziliense e da Rede Globo, deu um exemplo que o resto do Brasil não conseguiu reproduzir ao longo desses 21 anos, por continuar tratando o respeito ao pedestre como assunto de engenharia de trânsito.

Essa não foi a única inversão lógica no governo local, entre os anos de 1995 e 1998. No lugar de enfrentar o assunto da saúde pela engenharia para aumentar o número de leitos nos hospitais, buscou e conseguiu diminuir o número de doentes, por meio do programa Saúde em Casa, da universalização do saneamento, da redução de acidentes de trânsito, da melhoria da merenda escolar, da implantação da Bolsa Escola (permitindo às famílias mais pobres comprarem comida) e pelo pioneirismo na instalação dos kits ginástica nas quadras e praças.

Com isso, foi possível reduzir doenças e filas, simplificar atendimento, reduzir gastos e sofrimento, oferecer dignidade e garantir a todos um serviço que, hoje, está degradado. Para o mandato seguinte, que não ocorreu, a inversão da lógica na saúde estaria em garantir checape anual para qualquer pessoa, independentemente da renda. O resultado é que, sem grandes obras, o governo deixou leitos sobrando, pessoas saudáveis, um sistema funcionando.

A implantação do PAS (Programa de Avaliação Seriada), cuja ideia foi do professor Lauro Moure (UnB), é prova dessa inversão. No lugar de fazer o vestibular para eliminar os alunos que não aprenderam o básico ao longo do ensino médio, o governo de 1995 a 1998, em cooperação com a UnB, preferiu usar a universidade para incentivar os alunos a aprenderem o máximo, estudando ao longo dos três anos, e não mais apenas no último ano e em um cursinho.

A própria Bolsa Escola, que, de tanto êxito, espalhou-se pelo Brasil e pelo mundo, fazendo Brasília ser reconhecida como o berço dos programas de transferência de renda condicionada à educação, é um exemplo de inversão da lógica: no lugar de deixar as crianças pobres trabalhando e fora da escola, nosso programa utilizou o potencial das mães para garantir que seus filhos frequentassem as aulas. Assegurou uma renda básica à família e, ao mesmo tempo, educação para as crianças.

Já a Poupança Escola — implementada no governo entre 1995-1998 —, no lugar dos elevados custos na educação devido à repetência, preferiu garantir um prêmio para o aluno que fosse aprovado, tomando o cuidado de não entregar esse dinheiro ao fim de cada ano, mas depositá-lo em caderneta de poupança, para só ser retirado se o aluno concluísse o ensino médio. A faixa de pedestre foi um bem-sucedido projeto da lógica invertida criado pelo governo da época, mas apenas um deles; muitos outros até hoje continuam, 21 anos depois. (Correio Braziliense – 10/04/2018)