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Janio de Freitas: Fuga do general Eduardo Pazuello é covardia

Se a balbúrdia na CPI da Covid continuar como nas primeiras sessões de interrogatórios e proposições, pode-se esperar que traga contribuição importante, apesar de não se pressentir qual seja. O tumulto dá a medida da fragilidade e do medo bolsonaristas diante da cobrança por sua associação à voracidade letal da pandemia.

Mas a clarinada do “não me toques”, protetora de militares acusados ou suspeitos de qualquer impropriedade, não resolverá o caso Pazuello. Militares valendo-se do Exército para fugir da responsabilidade por seus atos, convenhamos, até parece parte da concepção de ética militar. Os generais que mantiveram a ditadura de Getúlio, os do golpe de 64, do golpe de 68, os oficiais da tortura e dos assassinatos, os do Riocentro, esses e muitos outros construíram a praxe.

Nisso há distinção. Os escapismos que recaem na reputação do Exército cabem, antes de tudo, à corporação, à oficialidade, não à instituição. É a deseducação cívica em atos. A fuga de Eduardo Pazuello vai além: não vem da arrogância infundada, ou de uso do Exército para se imaginar acobertado por conveniência da instituição. É covardia, a mesma covardia que o impediu de repelir ordens contrárias ao bom senso, ao dever do cargo e à vida de milhares.

novo comandante do Exército, Paulo Sérgio de Oliveira, mostrou-se preocupado com reflexos, sobre o Exército, do que haja no depoimento de Pazuello à CPI. Esse problema é de Pazuello e de Bolsonaro. Não é assunto militar, logo, o Exército não tem de se envolver. Se o fizer, aí sim, merecerá arcar com todos os reflexos dos crimes contra a humanidade presentes em grande parte do morticínio de mais de 400 mil brasileiros.

A ROTINA

O massacre do Carandiru pela polícia de São Paulo, o maior da história com o extermínio de 111 presos encurralados, motivou incontáveis protestos sob formas variadas. Com efeito que não foi além dos próprios assassinatos. Na Amazônia, massacres policiais ocorrem em sequência só igualada pela inconsequência punitiva. No Rio, os 28 mortos da favela do Jacarezinho compõem o maior massacre policial na cidade e motivam protestos incontáveis. Três exemplos da rotina sinistra que todo o Brasil mantém, com diferenças apenas aritméticas.

Nem a rotina, nem os protestos, nem a insegurança —nada interfere na correnteza desumana. A mais recente solução prometida para o Rio foi protagonizado pelo hoje ministro da Defesa, general Braga Netto. Chefe da intervenção federal na Segurança do estado, feita por Michel Temer, chegou proclamando a “limpeza da polícia” como prioridade e eixo da solução. Com um bilhão para tal. De notável, comprou enorme frota de carros, armas e equipamentos de comunicação. No mais, a tal limpeza talvez tenha ficado nos muros de quartéis, onde vigora a obsessão por pintura de paredes e postes. Os métodos ficaram intocados.

O armamento dado como apreendido no Jacarezinho é espantoso. Pela quantidade e, ainda mais, pela qualidade: todo moderno e novo, incluindo duas submetralhadoras. É sempre arriscado aceitar essas apreensões como verdadeiras, mas não há dúvida de que armas continuam entrando a granel no Brasil. Por ora, para uso bandido. E ainda imaginam que o perigo de conflito está na Amazônia, com estrangeiros.

Todo o problema policial foi construído na ditadura, com as PMs postas sob comando de militares do Exército e métodos norte-americanos. E com os seus esquadrões da morte, “homens de ouro” e impunidade. Todo plano de solução é ineficaz se não busca eliminar esse legado.

RIQUEZA FÁCIL

A juíza Mara Elisa Andrade determinou a devolução da madeira ilegal, objeto da maior apreensão já feita, que causou o incidente entre o delegado Alexandre Saraiva e, defensores dos madeireiros, o ministro Ricardo Salles e o senador Telmário Mota. A juíza considerou faltarem, no inquérito, as datas de corte das árvores, o período em que a estrada clandestina foi aberta e se o uso dela é exclusivo.

É assim, com esses desvios, que nunca prendem nem prenderão os grandes e enriquecidos desmatadores-contrabandistas. E Mara Elisa é juíza, não por acaso, na 7ª Vara Federal Ambiental e Agrária do Amazonas.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2021/05/fuga-do-general-eduardo-pazuello-e-covardia.shtml

 


Míriam Leitão: A nossa dor multiplicada

O Brasil chegou ontem ao número impensável e inaceitável. Duzentos mil brasileiros perderam a vida na pandemia do Covid-19. O coronavírus mata no mundo inteiro, mata mais nos países cujos governantes desprezam a vida humana, a prudência e a ciência. É o caso aqui. Ontem, o presidente Bolsonaro, em defesa do assunto que ele acha importante, o voto impresso, referiu-se “a tal da pandemia”. A “tal”, que ele ainda subestima, enlutou lares, levou aflição a milhões de brasileiros, lotou os hospitais, os cemitérios e nos colocou no segundo lugar em mortes do mundo.

Ontem foi dia de uma boa notícia, pelo menos. Isso não é pouco no tempo de tanto luto. O Instituto Butantan anunciou que a vacina que desenvolve junto com a Sinovac chinesa completou a fase 3 dos testes clínicos. Segundo o governo de São Paulo, evita 100% dos casos graves e 78% dos casos leves. Ficaram faltando dados, na interpretação de alguns analistas. O mais importante deles é sobre o percentual dos que tomaram a vacina que não contraíram a doença. Não ficou claro para quem acompanhou a coletiva do governo paulista qual é, afinal, a taxa de eficácia na imunização, que é afinal o objetivo de qualquer vacina. Os testes no Brasil foram feitos com o grupo que está mais exposto: o pessoal da saúde. Isso foi realmente um teste bem mais robusto do que o feito na população em geral. O pedido de registro emergencial vai ser feito à Anvisa nesta sexta-feira e já estão no solo brasileiro mais de 10 milhões de doses. Foi o momento de alívio, num dia tenso e triste.

No Ministério da Saúde, o general Pazuello apareceu na entrevista, coisa que não tem feito faz tempo. Chegou agradecendo o trabalho dos jornalistas. Era falso. Ao longo de 62 minutos ele deu um espetáculo de autoritarismo castrense. No tom que os militares de alta patente costumam falar aos recrutas, o ministro repreendeu e deu ordens aos repórteres. “A gente repete, repete, repete e a notícia sai distorcida”, disse. Em seguida, proibiu a imprensa de analisar os fatos. “Me mostrem quando foi que um brasileiro ou a população brasileira delegou aos redatores ou a qualquer um dos senhores a interpretação dos fatos. Nós não queremos a interpretação dos fatos dos senhores.”

Eu interpreto que Pazuello nada sabe de comunicação e entrou em contradição com os fatos várias vezes. Para citar uma. Ele disse que o governo federal comprará 100 milhões de doses da Coronavac, do Butantan, e essa é de fato uma excelente notícia. Mas em seguida afirmou que isso havia sido dito várias vezes, que inclusive foi assinado um memorando de entendimento em outubro.

O ministro deve ter esquecido do episódio constrangedor que envolveu esse memorando. Pazuello assinou no dia 21 de outubro, o protocolo para a compra de 46 milhões de doses. No mesmo dia o presidente Bolsonaro afirmou que não compraria a vacina. “Já mandei cancelar”, disse Bolsonaro sobre o texto assinado pelo ministro. E, como se não fosse humilhação suficiente, o ministro dias depois teve que gravar um vídeo ao lado do presidente dizendo “ele manda, eu obedeço, simples assim”.

O Brasil não chegou à terrível marca de ontem por acaso. Foi construção diária do governo de Jair Bolsonaro. É fruto do negacionismo, da insensibilidade, da incapacidade de gestão. É resultado dos incentivos diários do presidente para que a população não use qualquer medida protetiva e que faça o oposto do que os médicos orientam. Bolsonaro demitiu dois ministros da Saúde. Henrique Mandetta trabalhou para defender a saúde dos brasileiros, fez todos os alertas ao governo, montou uma articulação com estados e municípios e insistiu nas medidas de proteção. Nelson Teich ficou poucos dias no cargo e saiu defendendo o presidente que não o deixou trabalhar. Aí veio Pazuello, que confunde país com batalhão, convencimento com ordem unida, logística com requisições autoritárias. E pensa que pode, numa democracia, determinar como os jornalistas devem exercer seu ofício. Deveria saber que nem na ditadura seus antigos superiores conseguiram calar a imprensa brasileira.

A pandemia é uma tragédia que se abateu sobre a humanidade. Enfrentá-la com um governo inepto multiplicou nossa dor. Como curar feridas de 200 mil mortes? Essa é a pergunta que ronda o Brasil.


Ascânio Seleme: Quem vai pagar a conta?

Custos serão altos, mas ainda mais grave é o número assustador de mortes que a doença continuará produzindo, por causa e entre os negacionistas

Não se preocupe, se você se vacinar direitinho, tomar as duas doses como recomendado, não vai ser infectado por negacionistas, seja um vizinho, um parente, um amigo ou um desconhecido com quem esbarrar na rua. Você estará imune. Do ponto de vista da sua saúde ou da sua família, não precisa fazer mais nada, embora seja conveniente manter o uso de máscaras por ainda algum tempo. Também não custa nada lavar sempre as mãos com bastante água e sabão. Seu problema será outro e terá natureza financeira. Você vai solidariamente pagar a conta que os que se negaram a tomar a vacina contra a Covid acabarão gerando para os cofres públicos. E ela não será pequena.

Imagine o cenário final, pós-vacinação. Neste momento, 46 milhões de brasileiros, ou 22% da população, não estarão imunizados e continuarão a exercer pressão sobre a rede pública de saúde. Se hoje os leitos dos hospitais estão quase 100% ocupados por pacientes com Covid, no futuro terão 22% da sua capacidade tomada por pessoas infectadas por uma doença que poderia ser evitada. Quem vai pagar esta conta? Você e eu. Na verdade, este volume pode ser maior, se os planos de saúde corretamente se recusarem a pagar internações hospitalares e remédios de quem se recusou a se vacinar. Se a doença era evitável, os planos vão recorrer e os pacientes com planos poderão acabar na rede pública.

Se a Justiça acabar obrigando os planos de saúde a pagar as contas dos negacionistas, o que sempre é possível, mesmo assim você e eu arcaremos com um custo adicional. Ninguém aqui é bobo, claro que os planos repassarão a conta para toda a sua clientela. Nós.

Haverá ainda outros custos indiretos gerados pelos negacionistas mas que serão arcados por nós. Primeiro, calcule o impacto que terão sobre a cadeia produtiva quando o mundo voltar ao normal. Se uma gripezinha de influenza afasta uma pessoa por dois ou três dias do trabalho, uma infecção pela Convid pode tirar o funcionário por até 14 dias da linha de produção, quando não o afastar definitivamente. Isso tem um custo que as empresas pagam e repassam aos preços dos produtos e serviços que você e eu iremos consumir.

Os não vacinados vão também compor uma nova estatística de morbidade no Brasil. Com a vida de volta ao normal, os 22% de não vacinados serão eventualmente contaminados e muitos vão morrer. Aos números. Mantida a média de 1.000 óbitos por dia, morrerão então 220 negacionistas a cada 24 horas. Em um ano, serão 80 mil. Mais do que os 12 mil que falecem a cada ano por câncer de próstata ou mama, os 44 mil que morrem em razão de doenças hipertensivas ou os 54 mil que são acometidos de diabetes. Trata-se de índice igual ao de mortes por infarto, que também somam 80 mil por ano.

Sim, há os que já foram infectados e dizem que não vão se vacinar porque já têm anticorpos, como afirma o magnífico Jair Bolsonaro. Estes ignoram a potencialidade da reinfecção ou o surgimento de cepas diferentes que podem lhes acometer. Vejam o caso da gripe influenza, que já exige quatro vacinas diferentes para ser obstruída. Na rede pública, as vacinas aplicadas são as trivalentes, que imunizam contra até três variações da doença. Na rede privada já estão sendo aplicadas as tetravalentes.

Claro que os custos serão altos, mas ainda mais grave é o número assustador de mortes que a doença continuará produzindo depois da vacinação em massa, por causa e entre os negacionistas. E elas ocorrerão por todos os lados, mas serão maiores nos grotões bolsonaristas. São os seguidores fiéis de Sua Excelência que mais se rebelam contra a vacina. Seguem o líder cegamente, como ratos ao flautista de Hamelin, mesmo que seja em direção ao hospital ou ao cemitério.

Rebanho

O que vai acontecer com aqueles que se recusarem a ser vacinados? Certamente perderão alguns direitos, como o de frequentar escolas, academias e clubes. Devem também perder o acesso a bolsas e outros auxílios oficiais, o direito de participar de concursos públicos e de votar. Podem ainda ser proibidos de viajar de avião e ônibus. E também não serão imunizados. Serão apenas parte do rebanho.

Eles erram

Presidentes erram. Sarney errou na economia, mas foi o presidente que avalizou a reabertura democrática. Collor errou ao confiscar a poupança dos brasileiros e ao permitir que seu contador PC Farias trocasse influência por dinheiro, muito dinheiro. Mas é verdade também que abriu a economia brasileira para o mundo. Fernando Henrique errou ao fazer aprovar o instituto da reeleição, mas estabilizou a moeda nacional. Lula deixou seu governo e seu partido se corromperem, mas distribuiu renda como nenhum dos seus antecessores. Dilma errou feio na economia e ao tentar falsear seus resultados acabou afastada. Bolsonaro erra como jamais se viu. Erra no atacado, desde o primeiro dia de seu mandato e em todas as frentes. Como Dilma, e ao contrário de seus antecessores, não deixou até aqui qualquer legado.

Falando em Collor

O governo de Jair Bolsonaro mergulhou de corpo e alma na política de negociação de cargos por apoio político. Um dos membros da tropa de choque de Fernando Collor no Congresso, o deputado Ricardo Fiuza, batizou este tipo de operação com um trecho da Oração de São Francisco: “É dando que se recebe”. Uma prática comum na política nacional ganhava um apelido. Fiuzão, que era um conhecido “caneleiro”, morreu em 2005, mas sua criação sobreviveu. Hoje, o capitão dá cargos para receber em troca votos para o deputado Arthur Lira (desvio de dinheiro público, enriquecimento ilícito, rachadinhas, violência doméstica) na sucessão da Câmara. E, para não perder a coerência, Bolsonaro mantém Roberto Jefferson, o segundo líder da velha tropa de choque de Collor, como seu brucutu de plantão.

Extrapolei

Foi engraçado ver Bolsonaro tentando representar o papel de estadista, que se desculpa com o país quando erra. Na cerimônia de divulgação do plano (?) de vacinação, o capitão disse que se alguém extrapolou foi na busca de resultados. Uma piada. A frase deveria ser lida assim: “Se algum de nós extrapolei ou até exagerei, foi no afã de buscar solução”. O pior é que mesmo que tivesse sido franco, o presidente não teria sido honesto. Ele exagerou e extrapolou por outras razões, você sabe, não porque queria encontrar saídas.

E há o Rio

No Brasil, vices seguidamente ocupam o posto principal pelo impeachment, a desincompatibilização ou a morte do titular. Em alguns casos tivemos sorte. Itamar Franco, por exemplo, substituiu Fernando Collor e devolveu dignidade ao cargo. Em São Paulo, Bruno Covas era vice de João Doria, assumiu a prefeitura e fez uma boa gestão, a ponto de ser reeleito. Há outros exemplos no país. E há o Rio. Por aqui, parece que não tem remédio. O governador em exercício Cláudio Castro fica melhor quando não fala, ou quando não faz nada. Esta semana ele quis fazer alguma coisa e falou. Foi uma calamidade. Num discurso ao lado do zero das rachadinhas, Castro disse para quem quisesse ouvir: “Eu confio no general Pazuello”. Pasmem, há alguém que confia no general. E acrescentou: “Não é fazendo politicagem com a saúde que vamos sair dessa”. Embora seja o presidente quem faz politicagem rasteira com o vírus, o recado de Castro era para seu colega João Doria. Puxou tanto o saco do governo Bolsonaro que até mesmo o zerinho que ouvia tudo calado não conseguiu esconder seu constrangimento.

Mais mortes

Um estudo feito pelo jornal The New York Times mostra que o crescimento do número de mortes por Covid é maior em cidades universitárias depois do retorno das aulas presenciais. A pesquisa do NYT foi feita em 203 cidades cuja população estudantil é maior do que 10% do total. Também cresceu exponencialmente o número de infectados nestas localidades, bem acima da média nacional. No Rio, as aulas nas escolas públicas estaduais voltam em janeiro. Em São Paulo, as escolas estaduais funcionam com até 35% da sua capacidade desde setembro. Doria anunciou que começará a vacinar em janeiro. Aqui, vacinação só em fevereiro, março, sei lá, já que Claudio Castro diz que vai seguir seu líder, o general paradão.

Assédio

O assédio do deputado Fernando Cury à deputada Isa Penna é uma demonstração absurdamente explícita do desrespeito e do abuso. Como pôde o deputado imaginar que podia se esfregar assim numa mulher sem o seu consentimento e que não aconteceria nada? Ainda mais em se tratando de uma parlamentar do PSOL, partido conhecido por sua constante luta contra este tipo de abuso. O partido de Marielle Franco, convenhamos. E, depois, o local do assédio era o plenário da Assembleia Legislativa de SP, local monitorado por câmeras o tempo todo. Cury deve ser punido por importunação sexual, falta de decoro e burrice atroz.


Eliane Cantanhêde: O sonho e o pesadelo

Com graves dúvidas sobre vacinas, o santo remédio para Bolsonaro é… reforma ministerial

As vacinas mexem com os nervos e o medo da população, tornam-se o maior desafio do governo e serão um divisor de águas para o presidente Jair Bolsonaro, que, se você prestar atenção, vai repetindo os antecessores Dilma Rousseff e Fernando Collor. É o remake de uma série que a gente já viu, capítulo por capítulo, só que com personagens ainda mais absurdos, fantásticos.

Todos os três presidentes nunca tiveram alguma intimidade ou cumplicidade com seus vices, a quem qualificam de traidores. Assim como Dilma e Michel Temer, Collor e Itamar Franco, Bolsonaro nem consegue mais ouvir falar de Hamilton Mourão, que dá entrevistas sobre qualquer coisa, fazendo uma clara contraposição a Bolsonaro e alternando concordância e discordância com decisões do governo.

A história se repete com os ministros e com a forma de governar – ou de não governar. Todo presidente acuado, que erra muito e fica sob forte pressão da opinião pública e com medo de impeachment saca três fórmulas mágicas: cria um bunker com seu grupinho “leal”, abre os braços (e os cofres) para o Centrão de ocasião e lança uma reforma ministerial.

Dilma se trancou no palácio com meia dúzia de gatos pingados que pensavam exatamente como ela e deixou de fora até mesmo os lulistas do PT. Orelhas ardiam, principalmente as do vice Temer e do ministro da Economia, a culpa era sempre da mídia, o Centrão fazia a festa.

Collor, que se elegeu com a bandeira de “caçador de marajás”, descartou tudo isso junto com o seu PRN, jogou para segundo plano os coloridos de primeira hora e, num último e desesperado esforço para salvar o pescoço, tentou atrair Fernando Henrique Cardoso e o PSDB (que balançaram, mas não foram) e conseguiu Jorge Bornhausen e o então PFL. Era tarde demais.

Bolsonaro vem fazendo o mesmo: desvencilhou-se das bandeiras de campanha, dos bolsonaristas-raiz, do PSL e atracou-se ao Centrão. É hora de… reforma ministerial. O primeiro time reuniu velhos amigos do capitão Bolsonaro na caserna e do deputado Bolsonaro na Câmara, líderes de bancadas temáticas (como a do agro) e pitadas de estrelismo: astronauta, um economista conhecido, o ícone de Lava Jato. A segunda será mais pragmática.

Lêem-se os nomes de Temer daqui, Davi Alcolumbre (Senado) dali, José Mucio (ex-TCU) acolá. Não são nomes ao vento, isolados. Fazem parte do mesmo pacote dos sonhos – ou da necessidade – de um Bolsonaro que pode ser tudo, mas não tem nada de bobo na hora de pensar em si e nos filhos. Os candidatos são do DEM, MDB e até PSDB.

Assim como trocou neófitos por experientes nas lideranças e vice-lideranças do Congresso, Bolsonaro agora articula trocar ministros que só dão problema por gente conhecida, testada, capaz. Mais ou menos como ocorreu na eleição municipal. Depois do fiasco do “novo” de 2018, volta o “experiente”. Inclusive no governo.

Bolsonaro apostou tudo na vitória de Arthur Lira e do Centrão para a presidência da Câmara, contra Rodrigo Maia e o centro ampliado. Se vencer com Lira, terá o que entregar às suas bases eleitoral e parlamentar originais: armas, conservadorismo e recuos em costumes. E reunirá força para atrair os tais nomes conhecidos, torcendo para não ser tarde demais, como foi com Collor. Se Maia vencer, porém, o núcleo DEM, PSDB e MDB ganha impulso para 2022 e um hábil articulador: o próprio Maia.

Em meio a tudo isso, há algo maior: a vida. Se falhar com a vacina, como falhou deploravelmente até agora em tudo o que diz respeito à covid (e não só), como Bolsonaro pretende atrair para ministérios quem respeita a vida, a ciência e a própria biografia? O sonho de Bolsonaro de fazer uma boa reforma ministerial e se reeleger em 2022 esbarra no pesadelo Bolsonaro. Assim como a própria reeleição.


Bruno Boghossian: O circo político da vacina

Governo paga por imunizante que foi criticado pelo presidente em ataque a Doria

Nem os auxiliares de Jair Bolsonaro conseguem sustentar por muito tempo o circo político armado diariamente pelo chefe. Em menos de 24 horas, o Ministério da Saúde foi obrigado a cortar mais um fio da campanha do presidente contra a vacina chinesa para a Covid-19, produzida em São Paulo.

A pasta anunciou nesta terça (20) que vai pagar R$ 2,6 bilhões para incluir 46 milhões de doses da Coronavac em seu Programa Nacional de Imunizações. Bolsonaro deveria explicar por que vai gastar uma fortuna com um produto que, na véspera, ele mesmo tentou desmoralizar.

Na segunda (19), o presidente abriu um evento disposto a atacar a vacina chinesa para acertar o governador João Doria (PSDB). Em poucos minutos, ele criticou o preço do imunizante, insinuou que sua eficácia não está comprovada e citou um levantamento que indica que 46% dos brasileiros recusam sua aplicação.

Alguém poderia imaginar que o presidente se converteu às escrituras científicas, que passou a acreditar nas pesquisas de opinião ou que finalmente decidiu dar bola para a saúde. Mas as autoridades do próprio governo trataram de desmascarar o que já estava evidente.

A negociação com os paulistas para a distribuição da Coronavac mostra a dimensão do absurdo fabricado por Bolsonaro. Ao mirar Doria, o presidente disse que o tucano produz “terror” ao anunciar que o imunizante deve ser compulsório no estado. O ministro da Saúde descartou a obrigação, mas também não ouviu a bobagem do chefe sobre a vacina.

Bolsonaro não ficou satisfeito em atrapalhar os esforços para frear a contaminação pelo coronavírus e em desdenhar de seus mortos. Ele ainda procura novas oportunidades para extrair benefícios políticos de cada etapa da pandemia.

O presidente só conseguiu atenção agora porque, do lado oposto, a busca pelos holofotes empurrou Doria nessa direção. Ao antecipar o debate sobre a obrigatoriedade da vacina, de maneira superficial, o governador caiu na armadilha do rival.