pazuello

Cristina Serra: O dia D e a hora H de Pazuello

Quando o general Eduardo Pazuello assumiu o Ministério da Saúde como interino, em maio de 2020, o Brasil estava prestes a alcançar a marca de 30 mil mortos pela pandemia. Dez meses depois, ele deixou o cargo com esse número multiplicado por dez. Ao lado das medalhas que leva no peito (se leva alguma), merece carregar o epíteto de ministro do genocídio.

Convenhamos, ele se esforçou para tal. Alinhou-se em obediência cega ao genocida-mor e deixou de comprar vacinas. Endossou a vigarice do tratamento precoce e empurrou cloroquina quando Manaus precisava de oxigênio.

Agastado com a demissão, tentou passar a imagem de que resistira à corrupção. Disse, sem dar nomes aos bois, que houve pressão dentro do ministério para que um certo medicamento fosse enquadrado em “critérios técnicos”. Mencionou “oito atores” agindo com “ações orquestradas” contra sua equipe e disse ter rejeitado lobby de empresas e de políticos que queriam “pixulé”.

Pazuello poderia esclarecer tudo isso à CPI, não tivesse recorrido ao STF para ficar calado. No período em que esteve no ministério, pouco se soube a respeito dele, além de uma suposta especialização em logística. Dois sites, contudo, revelaram conexões empresariais do general no Amazonas, justamente onde ele teria assumido um dos comandos militares mais importantes do país se não tivesse ido para o ministério.

O site Sportlight revelou que Pazuello se tornou sócio de uma empresa de navegação quando já era secretário-executivo da Saúde. A empresa pertence à sua família e tem relações contratuais com órgãos públicos. O site De Olho nos Ruralistas mostrou a sociedade em mais duas empresas com o irmão, Alberto Pazuello, figura barra pesada da crônica policial de Manaus. Em 1996, foi preso por estupro e tortura de adolescentes e acusado de participar de um grupo de extermínio. Conhecer o contexto do personagem em questão talvez ajude a CPI a entender melhor seu papel no morticínio brasileiro.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/cristina-serra/2021/05/o-dia-d-e-a-hora-h-de-pazuello.shtml


Andrea Jubé: No tabuleiro da baiana tem o centro

A Bahia pode servir de laboratório ao cenário eleitoral mais cobiçado pelo bloco de centro, em que o presidente Jair Bolsonaro seria eliminado no primeiro turno. Na rodada final, o representante da terceira via, que rompesse a polarização, enfrentaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e derrotaria o petista, contando com a alta rejeição ao candidato.

Nos bastidores, nove em dez caciques do centro consideram esse cenário, cantado em entrevistas ao Valor pelo presidente do PSD, Gilberto Kassab, e pelo presidenciável do PDT, Ciro Gomes.

A Bahia tem o quarto maior eleitorado do país. A sucessão estadual é estratégica para o DEM do ex-prefeito de Salvador ACM Neto, para o PT de Lula e para o desempenho de Bolsonaro no Nordeste.

O Estado projeta esse cenário idílico para o centro porque, a um ano e meio da disputa presidencial, a pré-campanha baiana tem o DEM largando na frente, o PT fortemente competitivo e Bolsonaro sem palanque.

Com o DEM perdendo seus principais quadros para outras legendas em Estados-chaves, como São Paulo e Rio de Janeiro, recuperar a hegemonia do carlismo na Bahia tornou-se questão de honra para ACM Neto.

Nas últimas semanas, o vice-governador de São Paulo, Rodrigo Garcia, aposta de Neto no Estado mais rico do país, filiou-se ao PSDB pelas mãos de João Doria, e o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, migrou para o PSD. Diante do revés, Neto convocou a imprensa baiana para divulgar os próximos passos da pré-campanha, e avisou que não teme Lula, que é considerado imbatível no Estado.

Neto largou na frente, está percorrendo o interior do Estado desde o começo do ano, e aparece nas primeiras pesquisas sobre a sucessão local até 20 pontos à frente do senador Jaques Wagner, que o PT recém lançou como pré-candidato.

Aliados de Neto apostam que após 16 anos de gestão petista, o partido amargará a chamada “fadiga de material”, e o eleitor cobrará mudança.

“Não é um candidato a presidente da República que vai definir a eleição na Bahia. Os baianos já passaram dessa fase”, disse Neto à imprensa local.

Como o PT deve ceder a cabeça de chapa aos aliados nos maiores colégios eleitorais – Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo -, manter o poder na Bahia é fundamental.

Wagner governou o Estado duas vezes, de 2007 a 2014, elegeu o sucessor, Rui Costa, reeleito com folga em 2018, e é lembrado como o político que derrotou o carlismo em 2006 com Lula no palanque.

O PT sonha em reeditar a chapa vencedora em 2010, com o senador Otto Alencar (PSD) como candidato a vice de Wagner.

Os números do PT na Bahia impressionam. Em 2018, Fernando Haddad, obteve 72,6% dos votos. Bolsonaro venceu em apenas quatro dos 417 municípios baianos.

Em contrapartida, Neto elegeu o sucessor no primeiro turno: o prefeito de Salvador, Bruno Reis, venceu com 64,2% dos votos, e foi, proporcionalmente, o mais votado no país.

Na polarização baiana PT x DEM, Bolsonaro esboça um palanque ao governo para o ministro da Cidadania, João Roma (Republicanos), como o “pai” do novo Bolsa Família turbinado, que o governo pretende lançar em agosto.

Novato na política, deputado federal de primeiro mandato, seria uma jogada de risco. Roma é afilhado político de ACM Neto, e não se sabe se, mesmo rompidos, aceitaria enfrentar o ex-aliado.

Não se descarta nos bastidores do governo, entretanto, um cenário de aliança com ACM Neto oferecendo o palanque para Bolsonaro, e João Roma na chapa concorrendo ao Senado.

Nenhum dos postulantes, entretanto, pode desprezar aliança com PSD ou PP, que têm o maior número de prefeitos, cabos eleitorais por excelência nas disputas estaduais.

O maior cacife eleitoral é o do senador Otto Alencar: o PSD elegeu 108 prefeitos na Bahia, à frente do PP, que fez 92 gestores. DEM vem muito atrás, com 37 prefeitos, e o PT, na lanterna, com 32.

Otto Alencar diz que é cedo para definir seu futuro porque uma candidatura precoce “está fadada ao desacerto”. A cúpula do PSD o prefere como candidato ao Senado na chapa do PT, porque Gilberto Kassab tem projeto de fazer a maior bancada para tirar do DEM a presidência da Casa em 2023.

Confronto à vista

Pivô da demissão do chanceler Ernesto Araújo, a presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (PP-TO), volta a confrontar o diplomata hoje na CPI da Covid quase dois meses após o episódio.

Ela representará a bancada feminina no rodízio acertado entre as senadoras, e acordado com o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), que assegurou às senadoras o direito de inquirir os depoentes.

A concessão revoltou senadores. Roberto Rocha (PSDB-MA) reclamou que se haveria cota feminina, pleitearia a extensão da prerrogativa por ser “portador de comorbidade”.

A China foi pano de fundo do atrito com Araújo, e continua na ordem do dia. Kátia disse à coluna que a inquirição ao ex-chanceler acabou em segundo plano, porque sua prioridade nesse momento é articular a visita oficial a Pequim para comprar a vacina da Sinopharm, e viabilizar a produção do imunizante nas fábricas brasileiras de vacinas contra a aftosa. “A minha ideia é o Brasil se tornar um grande ‘hub’ de produção de vacinas”, defendeu.

No fim de março, Araújo publicou nas redes sociais que Kátia teria lhe pedido um “gesto” em relação ao 5G pela China. Horas depois, ela reagiu com nota em que chamou o diplomata de “marginal”, por viver “à margem da boa diplomacia, à margem da verdade dos fatos, à margem do equilíbrio e à margem do respeito às instituições”.

O ataque de Araújo à senadora foi considerado uma ofensa ao Senado, e no dia seguinte, ele foi afastado por pressão do Centrão. O Planalto está preocupado com o depoimento de Araújo, porque ele deu sinais de ressentimento ao publicar nas redes que o governo transformou-se em uma “administração tecnocrática sem alma nem ideal“.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/no-tabuleiro-da-baiana-tem-o-centro.ghtml

 


Hélio Schwartsman: A Câmara deve ter cota de gênero?

Devemos adotar uma cota de gênero para a Câmara dos Deputados? Eu adoraria ver um Congresso Nacional mais feminino —assim como gostaria de vê-lo mais negro e mais homossexual— mas não creio que a reserva de assentos seja o melhor caminho.

Se nosso sistema eleitoral fosse baseado em listas fechadas, não veria muito problema em aprovar uma regra que exigisse que os partidos alternassem homens e mulheres em seu rol de candidatos, o que levaria a um Parlamento com maior equilíbrio de gênero.

O Brasil, porém, adota as listas abertas, sistema no qual cabe ao eleitor definir a ordem das candidaturas de cada legenda. Fica complicado interferir nisso sem passar por cima de elementos básicos da democracia, como o de que a quantidade de votos importa. Para a cota funcionar, mulheres seriam eleitas mesmo tendo menos sufrágios do que seus colegas de partido.

A lista aberta não é o único mecanismo difícil de conciliar com a reserva de vagas. No sistema distrital o desafio seria ainda maior, já que ali a disputa pelo assento parlamentar é travada como um pleito majoritário. E seria estranhíssimo definir de antemão que a população precisa eleger necessariamente uma mulher. Eu diria até que fazê-lo seria antidemocrático.

Acredito que haja uma certa confusão em torno do conceito de democracia representativa. Para muitos, ela só se materializa quando as instituições refletem a demografia do país como um espelho. Idealmente, se o Brasil tem 54% de negros, então a Câmara precisaria ser 54% negra.

Prefiro pensar o “representativo” como a licença para que o eleitor escolha livremente quem irá representá-lo. E, quando vai às urnas, em geral o cidadão não vai com o objetivo de eleger alguém que seja parecido consigo, mas sim um candidato que, a seu ver, defenderá seus interesses e os do país. Como ele faz essa escolha é um dos grandes enigmas da ciência política e da psicologia.

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/helioschwartsman/2021/05/a-camara-deve-ter-cota-de-genero.shtml


Renata Giannini e Maria Eduarda Pessoa: Para construção de uma democracia sólida, uma limpa em entulhos autoritários

Uma espécie de entulho autoritário resistiu por anos esquecido em um canto, até voltar aos holofotes, em mais uma demonstração de que nossa democracia, em constante processo de construção, anda com as estruturas abaladas. Criada em 1983, a Lei de Segurança Nacional é problemática desde a sua concepção, pautada na lógica do inimigo interno. Apesar de sua raiz autoritária, ela continuou vigente no regime democrático, após a promulgação da Constituição de 1988.

Seus contornos de inconstitucionalidade, porém, só voltaram a chamar atenção com denúncias recentes de uso indiscriminado e as consequentes reações e debates protagonizados pela sociedade civil, Congresso e Supremo Tribunal Federal. As respostas das instituições e reações da sociedade civil já começaram a ser dadas, mas muitos pontos demandam a nossa atenção.

De acordo com levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, o número de procedimentos abertos pela Polícia Federal para apurar supostos delitos tipificados na Lei de Segurança Nacional aumentou 285% nos dois primeiros anos do governo de Jair Bolsonaro. A segunda edição do monitoramento periódico GPS do Espaço Cívico, lançada esta semana pelo Instituto Igarapé, também indica uma intensificação nas notícias sobre a utilização abusiva da norma.

A legislação anacrônica passou a ser utilizada para fundamentar investigações contra vozes dissidentes e críticos ao governo, o que pode figurar, no mínimo, como intimidação e assédio. Neste cenário, a revisão da LSN tornou-se imperativa para a garantia do espaço cívico e da democracia brasileira.

O uso abusivo da LSN mobilizou o chamado sistema de freios e contrapesos. Antigos projetos de lei sobre o tema, que já tramitavam no Congresso, ganharam fôlego. Além disso, o Supremo Tribunal Federal foi acionado numa tentativa de revogar dispositivos específicos, ou derrubar a norma em sua integralidade. No dia 4 de maio, a Câmara, em regime de urgência, aprovou o Projeto de Lei 6.764 de 2002, que revoga a LSN e tipifica crimes contra o Estado Democrático de Direito.

O processo legislativo foi acelerado e prejudicou a realização de um amplo debate com a sociedade. Apesar disso, organizações da sociedade civil, juristas e acadêmicos conseguiram encontrar espaços para debater de forma intensa e transparente e, assim, contribuir com o texto-base. Foram realizadas duas audiências públicas e, parte relevante das recomendações e preocupações foram acatadas pela relatora, a deputada Margarete Coelho, com avanços relevantes alcançados.

Um exemplo foi a maior precisão em relação aos tipos penais, na tentativa de impedir que movimentos sociais sejam criminalizados e liberdades fundamentais dos cidadãos, cerceadas. Também passou-se a exigir a chamada “lesividade concreta das condutas”. Esse princípio da lesividade estabelece que só são passíveis de punição por parte do Estado as condutas que lesionem ou coloquem em perigo um bem jurídico penalmente tutelado, ou seja, um valor ou interesse protegido por lei em razão de sua relevância para a sociedade.

Outro componente importante incluído foi a previsão de elementos subjetivos, nos quais é analisada a intenção do agente praticar aquele delito determinado. Esses aspectos jurídicos são importantes para delimitar com clareza quem deve ou não ser alvo da lei. O crime de “sabotagem”, por exemplo, determina que as condutas previstas devem ser praticadas “com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito”, reduzindo as chances de a norma ser usada para criminalizar manifestações e protestos legítimos.

Por outro lado, ainda há pontos que preocupam. Um deles é o grau de subjetividade do que a lei chama de disseminação de “fatos que sabe inverídicos”, que pode dar margem a eventuais censuras. E, ainda, a referência à incitação à “animosidade” – expressão excessivamente ampla, que, a depender da interpretação, pode incluir restrições a eventuais críticas contra as Forças Armadas. Seria importante indicar expressamente que só é criminalizada a incitação das Forças Armadas contra a sociedade, e não o contrário.

O texto-base aprovado, portanto, não é um projeto ideal. Porém, há de se reconhecer que está consideravelmente à frente da atual legislação, que coloca em risco o debate crítico e a liberdade de expressão. O movimento na Câmara sinaliza um progresso, especialmente no momento histórico de ameaças à democracia que enfrentamos. O texto agora segue para o Senado, que deve zelar pelos avanços até agora conquistados, e aprimorar trechos que ainda despertam preocupação. Como demonstra esse processo, a sociedade civil brasileira continuará trabalhando arduamente, tijolo por tijolo, na construção de uma democracia sólida, segura e plural.

RENATA GIANNINI é pesquisadora sênior do Instituto Igarapé. 

MARIA EDUARDA PESSOA de Assis é assessora jurídica do Instituto Igarapé.

Fonte:

El País

https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-16/para-construcao-de-uma-democracia-solida-uma-limpa-em-entulhos-autoritarios.html


Ricardo Noblat: Balanço das descobertas feitas até aqui pela CPI da Covid-19

Duas semanas, não mais do que duas semanas bastaram para que a CPI da Covid-19 no Senado ouvisse de meia dúzia de depoentes a revelação de fatos que confirmam a incúria do governo do presidente Jair Bolsonaro no combate à doença.

Os mais graves deles:

1) Houve uma tentativa de mudar a bula da cloroquina, medicamento sem eficácia contra o vírus, mas defendido com obsessão pelo presidente da República e seus áulicos;

2) O vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois, participou de reuniões para a compra de vacinas, embora não tenha cargo formal dentro do governo do pai;

3) O governo recusou sete propostas de compra da vacina Pfizer, só aceitando a sétima. Com isso, o país deixou de receber 1,5 milhões de doses em dezembro passado e 3 milhões até o final de março.

À CPI, o Ministério da Economia admitiu que não reservou dinheiro no Orçamento da União para o combate, este ano, da Covid. Acreditou que a pandemia estava no finalzinho.

O senador Omar Aziz (PDS-AM), presidente da CPI, não tem mais dúvidas:

– Pelo que já apuramos, pelo que eu estou vendo nos depoimentos, nunca houve o compromisso da compra da vacina. Sempre se tratou das questões da cloroquina, da ivermectina e de protocolos.

Novas descobertas poderão ser feitas com o depoimento marcado para a próxima quarta-feira do general Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde. Ele só poderá ficar calado até certo ponto.

A CPI tem mais de 70 dias pela frente para concluir seus trabalhos. O prazo deverá ser prorrogado por mais de 90. Daí o desespero de Bolsonaro que radicaliza seu discurso justamente por causa disso.

General, ministro da Defesa, discursa em manifestação bolsonarista

Braga Neto sobe em carro de som em Brasília e diz que as Forças Armadas estão prontas para garantir a volta ao trabalho dos brasileiros

Quando o presidente da República diz, referindo-se a Lula, que “eles tiraram da cadeia o maior canalha da história do país”, sabendo, como sabe Jair Bolsonaro, que quem tirou foi a mais alta Corte de Justiça, o que ele pretende com isso?

Elementar, meus caros: jogar o povo, particularmente seus devotos, contra a mais alta Corte de Justiça do país, no caso o Supremo Tribunal Federal. Indiretamente, assina embaixo dos cartazes exibidos por eles que pregam o fechamento do tribunal.

Isso é ou não é estímulo ao golpe que está na dele e na cabeça dos seus seguidores mais radicais? Relaxem, não haverá golpe. Não há disposição dos militares para instalar por aqui uma nova ditadura. General não dá golpe para beneficiar ex-capitão.

O general Braga Neto, ministro da Defesa, participou da manifestação de apoio a Bolsonaro promovida ontem, em Brasília, por evangélicos e ruralistas. Passeou entre eles, posou para fotos e discursou em cima do caminhão de som. A certa altura, avisou:

– As Forças Armadas estão prontas para garantir que todos tenham direito de trabalhar.

No início da semana, Bolsonaro havia dito que está pronto um decreto que assinará em breve acabando com as medidas de isolamento baixadas por governadores e prefeitos. Um blefe, ao que tudo indica, porque o Supremo conferiu a eles tal poder.

Braga Neto endossou o blefe. Ora, ninguém está impedido de sair de casa para trabalhar. Então as Forças Armadas abandonariam os quartéis para não prender ninguém. Para quê? Para assegurar o direito a aglomerações e o acesso de banhistas às praias?

O general, apesar do seu cargo, não fala pela boca dos comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica, a não ser sobre questões administrativas. E os comandantes estão calados, a uma distância segura do governo para não serem contaminados.

Candidato que aparece na rabeira das pesquisas de intenção de voto, confrontado com seus números, não passa recibo. Ou tenta desacreditar as pesquisas ou afirma que ainda falta muito tempo para o dia da eleição e que até lá ultrapassará seus concorrentes.

No momento, em segundo lugar, faltando ainda 20 semanas para o primeiro turno da eleição do ano que vem, Bolsonaro passa recibo do seu incômodo e parte para atacar Lula com insultos do mais baixo nível. É coisa de político amador e assustado!

Pela primeira vez, a parcela dos brasileiros que apoia o impeachment de Bolsonaro é numericamente superior à parcela dos que são contra, segundo a mais recente pesquisa Datafolha (49% a 46%). Em abril de 2020, 53% rejeitavam o impeachment.

Assim como o golpe, não haverá impeachment. À oposição não interessa e ela não tem votos para aprová-lo no Congresso. Lula torce para enfrentar Bolsonaro porque acredita que poderá derrotá-lo. Bolsonaro já torceu para enfrentar Lula, agora não.

Lula calcula que Bolsonaro chegará mais fraco do que está em outubro do próximo ano. Hoje, 58% dos eleitores dizem que Bolsonaro não tem capacidade de liderar o Brasil; e 50% dizem que nunca confiam nas declarações que ele faz.

A taxa de confiança plena é a menor desde o início da série histórica de pesquisas do Datafolha em agosto de 2019, ao passo que a desconfiança total é a maior do período. Bolsonaro parece admitir uma eventual derrota ao falar em “votos auditáveis”.

Voto auditável para ele é voto impresso, abolido porque facilita a ocorrência de fraudes. Voto eletrônico é também auditável e mais seguro. Desde já, Bolsonaro empenha-se em construir uma narrativa para não aceitar o resultado da eleição se perdê-la.

Fonte:

Blog do Noblat/Metrópoles

https://www.metropoles.com/blog-do-noblat/ricardo-noblat/balanco-das-descobertas-feitas-ate-aqui-pela-cpi-da-covid-19


O Globo: Orçamento paralelo de R$ 20 bilhões irriga órgãos dominados pelo Centrão

Natália Portinari, O Globo

BRASÍLIA — O “Orçamento paralelo” em emendas de R$ 20 bilhões em 2020, controlado por deputados e senadores governistas, foi direcionado para diversos órgãos chefiados por indicados do Centrão. O loteamento de cargos no governo federal permitiu que parlamentares tivessem ainda mais controle sobre o destino da verba indicada por eles.

A negociação foi operacionalizada através das emendas de relator, uma fatia do Orçamento usada para investimentos, obras e reforço para os caixas de municípios na área de saúde e educação. Governistas usaram a verba para irrigar suas bases eleitorais com verbas “extra”, além das emendas individuais de R$ 16 milhões a que cada um tem direito.

Os recursos que constituem o “Orçamento paralelo”, distribuído de forma desigual e sem transparência entre os parlamentares pela cúpula do Congresso em acordo com o governo federal, são provenientes das emendas de relator. O relator do Orçamento repassa informalmente as indicações de verbas de líderes partidários para a União, que depois autoriza os repasses dos ministérios demandados. É diferente de quando deputados e senadores indicam o destino de suas emendas parlamentares formalmente na peça orçamentária: eles têm direito a exatamente o mesmo valor, sejam da oposição ou governistas, e o Executivo é obrigado a fazer os pagamentos.

No Ministério da Educação, por exemplo, os valores empenhados (autorizados para pagamento) de emendas de relator chegam a R$ 2 bilhões. Deste valor, R$ 1,5 bilhão foi parar no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), cujo gestor, Marcelo Lopes da Ponte, é indicado do presidente do PP, o senador Ciro Nogueira (PP-PI). No órgão há ainda uma diretoria controlada por um quadro do PL, Garigham Amarante Pinto.

A maior parte das emendas de relator foi destinada ao Ministério do Desenvolvimento Regional: R$ 8 bilhões. Dessa quantia, pelo menos R$ 1,2 bilhão foi para a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba(Codevasf). Desde o fim de 2019, o órgão é chefiado por um indicado do deputado Elmar Nascimento (DEM-BA).

Líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) tem um aliado seu, Aurivalter Cordeiro, à frente da superintendência do órgão em Pernambuco. Ele fez uma indicação de R$ 175 milhões na autarquia, mais de dez vezes o valor de uma emenda individual no Congresso. A cidade de Petrolina (PE), administrada pelo filho de Bezerra, Miguel Coelho, assinou um convênio de R$ 46 milhões com o órgão para pavimentação e abastecimento de água no fim de 2020.

Como revelou o GLOBO, na Codevasf, mais de 90% da verba das emendas de relator foi indicada por aliados do governo Bolsonaro no Congresso. Nas superintendências regionais do órgão, além do indicado de Bezerra Coelho, há chefes apadrinhados pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), Hildo Rocha (MDB-MA) e Arthur Maia (DEM-BA).

Comandada pelo Centrão, a Codevasf atua prioritariamente em projetos na região do rio São Francisco. Sua área de abrangência, porém, foi ampliada pelo Congresso e vai hoje do Amapá a Minas Gerais. Inaugurado neste ano, o escritório do Amapá foi uma vitória de Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado. Ele fez uma indicação de R$ 98 milhões em emendas de relator à Codevasf para seu estado, pedido atendido pelo órgão.

Procurado, Alcolumbre defendeu a indicação. “A instalação da companhia no meu estado mudará para sempre a rota de desenvolvimento local. Ter o Amapá na Codevasf significa mais desenvolvimento para o meu estado. Isto porque, assegurados por lei, vamos ter como aprimorar nossas condições socioambientais regionais e de bem-estar”, disse em nota.

Indicações por WhatsApp

As emendas de relator foram repartidas entre deputados e senadores pelos líderes partidários. Uma lista com a divisão foi enviada à Secretaria de Governo, que, por sua vez, repassou os pedidos aos ministérios e cuidou da liberação, concentrada no fim do ano.

— No ano passado, quem centralizou (a distribuição das emendas de relator) foi a própria Secretaria de Governo — diz o deputado Hildo Rocha.

Deputados e senadores ouvidos pelo GLOBO relatam que nem sempre há uma indicação formal das emendas de relator como a que ocorreu no Ministério do Desenvolvimento Regional. Em muitos casos os pedidos são feitos pelo WhatsApp ou em planilhas manejadas por assessores das quais não há registro. Por isso, não há transparência sobre a distribuição.

O Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), também nas mãos do Centrão, recebeu R$ 225 milhões para assentamentos rurais. O presidente é Geraldo Melo Filho, indicado pelo ministro Onyx Lorenzoni (Secretaria-Geral da Presidência) e filiado ao DEM. Nas superintendências, há dezenas de indicações políticas. Os deputados Marx Beltrão (PSD-AL), Zé Silva (SD-MG) e Josimar de Maranhãozinho (PL-MA) já emplacaram chefes regionais.

 

 

Fonte:

O Globo

https://oglobo.globo.com/brasil/orcamento-paralelo-de-20-bilhoes-irriga-orgaos-dominados-pelo-centrao-25020909


Correio Braziliense: ‘A ficha do brasileiro demorou a cair’, diz Marco Aurélio Mello

Por Ana Dubeux

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello enxerga uma espécie de delay coletivo do Brasil em relação à pandemia. “Custamos, em termos de Administração Pública, principalmente de poder central, a perceber a seriedade da pandemia… Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões”, diz, nesta entrevista.

Defensor do isolamento, ele acredita que a pandemia alerta sobre a necessidade de restabelecer valores caros à vida em sociedade. E preocupa-se: “A ficha do brasileiro demorou muito a cair. Constatamos, nessa fase difícil, que às vezes é preciso haver, inclusive, a atuação da polícia repressiva — a militar — para terminar com aglomerações de toda ordem. Isso é preocupante”.

Após mais de três décadas como ministro do STF e 42 anos de magistratura, Marco Aurélio está na antessala da aposentadoria, marcada para julho próximo. Mas avisa: “Não morrerei de tédio”. Não morre, nem nunca deixou ninguém morrer, é fato.

Ministro que nunca se furtou a declarações fortes e posicionamentos, ele afirma não ter arrependimentos e se declara um “estivador do direito”, referindo-se à carga de processos que hoje um ministro acumula. “Sou homem realizado e sempre me senti um servidor de meus semelhantes”. Pretende se dedicar agora à vida acadêmica.

Ser ministro do Supremo durante mais de 30 anos cansa? Do que se arrepende? Do que se orgulha?
Orgulho-me do Supremo que encontrei em 1990, quando, na gestão do ministro Néri da Silveira, tomei posse. Havia integrado o Ministério Público do Trabalho, o Tribunal Regional do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho. Sempre decidi segundo ciência e consciência possuídas. Daí não haver qualquer arrependimento. Magistratura é opção de vida, e é preciso atuar sempre buscando o melhor, procurando conciliar o trinômio lei, direito e justiça, visando a entrega da prestação jurisdicional a tempo e modo. Sou homem realizado e sempre me senti um servidor de meus semelhantes. Atuo em colegiado julgador há 42 anos e completarei, em 13 de junho próximo, 31 no Supremo, com o sentimento do dever cívico cumprido. Continuarei na área acadêmica, na presidência do Instituto UniCeub de Altos Estudos. Estejam certos: não morrerei de tédio. O crescimento é infindável.

O senhor foi professor na Universidade de Brasília e no Ceub. Que lembranças tem desse contato com novas gerações?
A melhor lembrança possível, e sigo no mundo acadêmico. Estive ontem na Universidade de Brasília, continuo no UniCeub e palestrei diversas vezes nas Faculdades Metropolitanas Unidas (FMU), em São Paulo. O contato com as novas gerações é enriquecedor, no que se percebe mentes abertas.

Quais mudanças o senhor destacaria na Justiça brasileira desde 1990, quando foi escolhido para o Supremo?
Houve o aprimoramento da atuação da Justiça. O que ocorre, no Brasil, é que não se caminha, por exemplo, para solucionar conflito de interesse na mesa de negociações. O País conta com lei moderníssima sobre arbitragem, mas dificilmente se tem descompasso solucionado mediante a atuação de árbitros. O brasileiro somente acredita em uma solução, a solução ditada pelo Estado-juiz. Então, há a judicialização em massa, que acaba emperrando a máquina judiciária.

As demandas da sociedade ampliaram a necessidade de o Judiciário modernizar-se, principalmente diante da pandemia. Como o STF pode contribuir no esforço para reduzir os impactos sociais da covid-19?
O Supremo somente atua mediante provocação, buscando, no âmbito de competência inimaginável, muito grande, conciliar celeridade e conteúdo. O Tribunal, não me canso de repetir, é o guarda maior da Constituição Federal. A segurança jurídica pressupõe a observância irrestrita, por todos, do arcabouço normativo.

Como a pandemia pode reforçar os valores humanistas da sociedade?
É preciso haver avanço cultural. De qualquer forma, a pandemia implicou alerta quanto à necessidade de preservar valores caros à convivência. A sociedade sairá mais fortalecida dessa quadra.

É possível ter um olhar poético diante desse momento difícil? Como faz para aliviar a tensão?
Em primeiro lugar, julgo, integrando o Supremo, destinos e não papéis. Sempre busco – sei que é utopia – a perfeição. Não há tensão propriamente dita. Sou um juiz à antiga, trazendo processos para a residência. Vou ao Tribunal apenas nos dias de sessão. Aliás, ia ao Tribunal, porque, agora, quando se tem reunião de integrantes, ocorre mediante videoconferência. Como julgador, cuido muito da parte humanística. Por isso tenho sempre aberto um romance. Estou lendo obra de Hilary Mantel, sobre a Inglaterra da época de Henrique VIII, O Espelho e a Luz. Admiro muito essa escritora.

O que mudou na sua rotina neste ano de pandemia?
Tenho presente, há mais de um ano, que a vacina maior é a revelada pelo isolamento. Então o mantenho, desde março de 2020, e vou tocando a vida, buscando deixar, no gabinete, o menor resíduo possível para o sucessor, considerada a aposentadoria que se avizinha, em 5 de julho do corrente ano.

Como ficam as grandes questões da humanidade no pós-pandemia?
Os homens públicos devem ter os olhos voltados ao bem-estar social. No caso do Brasil, precisa haver atenção ímpar com os menos afortunados, proporcionando-se educação, saúde e segurança pública.

O momento exige resiliência e ativismo solidário. Engajou-se pessoalmente em alguma atividade coletiva a distância?
Exige dedicação e a busca do resgate desse predicado que é a solidariedade. Não me sobra tempo para estar engajado em outra atividade, além da acadêmica e judicante. Costumo dizer que hoje não sou, ante a carga de processos, um operador do Direito, mas sim um estivador.

Que ensinamento este momento nos deixa?
O relativo à necessidade de respeito à natureza. Em pleno século XXI, o homem veio a perceber, com essa pandemia, a fragilidade e que deve cuidar da mãe terra.

O senhor vive em Brasília há mais de 30 anos, como “sentiu” a cidade neste ano de pandemia?
Aqui cheguei, em 1981. A ficha do brasileiro demorou muito a cair quanto ao momento vivenciado, quanto aos efeitos da pandemia. Constatamos, nessa fase difícil, que às vezes é preciso haver, inclusive, a atuação da polícia repressiva – a militar – para terminar com aglomerações de toda ordem. Isso é preocupante. A conscientização passa, de qualquer forma, por uma mudança na percepção da vida gregária, da vida em sociedade.

Como vê a perda de tantos brasileiros na pandemia? Os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões? Que exemplo no mundo poderia ser usado no Brasil?
Custamos, em termos de Administração Pública, principalmente de poder central, a perceber a seriedade da pandemia, os efeitos que poderia causar. Sempre é tempo de tomar decisões visando o melhor, considerados os brasileiros. Sim, os governos deveriam ter sido mais céleres nas decisões. Observa-se o que ocorreu em outros países, como a Inglaterra, em que medidas foram adotadas.

A importância da união em torno de um projeto suprapartidário, para mitigar os efeitos da pandemia nos próximos anos, é possível?
É possível desde que haja, como disse, conscientização, sobretudo dos homens públicos, e que não prevaleçam interesses isolados, momentâneos e que não levam ao bem-estar geral.

Fonte:

Correio Braziliense

https://blogs.correiobraziliense.com.br/cbpoder/a-ficha-do-brasileiro-demorou-a-cair-diz-marco-aurelio-mello/


Bruno Carazza: Nuvem de palavras

Descontados os intervalos, já se passaram 38 horas e 46 minutos de depoimentos desde que o senador Omar Aziz (PSD-AM), presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que apura as ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia, convocou para se sentar à mesa a primeira testemunha: o ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta.

Desde então já foram realizadas seis oitivas de personagens que, em diferentes partes do roteiro, foram protagonistas ou coadjuvantes, vilões ou mocinhos, neste filme de terror que já teve mais de 435 mil vítimas.

Já subiram ao palco da CPI os ex-ministros da Saúde Mandetta (cuja audiência durou 7 horas e 20 minutos) e Nelson Teich (5 horas e 26 minutos), o atual responsável pela pasta Marcelo Queiroga (8 horas e 2 minutos), além do diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária Antônio Barra Torres (5 horas e 27 minutos), o ex-secretário de comunicação social do governo Fabio Wajngarten (7 horas e 17 minutos) e o gerente-geral da farmacêutica Pfizer na América Latina Carlos Murillo (5 horas e 14 minutos).

Ao se analisar a íntegra dos depoimentos de todos os convocados até agora, aqueles que gostariam de ver o presidente da República sendo encurralado desde as primeiras perguntas podem ter se decepcionado. Durante os depoimentos dos ministros da Saúde, o nome de Bolsonaro foi muito pouco mencionado – para ser mais exato, apenas quatro vezes (uma por Mandetta e Teich e duas por Queiroga).

À medida que a CPI começar a convocar testemunhas que tiveram envolvimento mais específico e direto com os diversos aspectos da gestão governamental da pandemia, o risco de exposição de Bolsonaro e de sua família começa a aumentar consideravelmente. Prova disso é o fato de que o sobrenome “Bolsonaro” foi citado 18 vezes por Fabio Wajngarten e mais oito vezes pelo executivo da Pfizer Carlos Murillo.

Na nuvem de palavras proferidas nos seis primeiros debates da CPI, podemos encontrar outra pista sobre o rumo que as investigações podem tomar. O tema da cloroquina teve 84 menções, a maioria concentrada nas respostas dos ministros da Saúde e do presidente da Anvisa. No entanto, o termo “vacina” e seus derivados foram utilizados 586 vezes, apresentando alta incidência em todos os testemunhos feitos, o que indica que esse é um assunto com um potencial explosivo muito maior para o governo.

Do outro lado da mesa, também podemos encontrar informações interessantes sobre o andamento dos trabalhos da Comissão. Tentando captar o tamanho da participação de cada membro da Comissão nos depoimentos, realizei um exercício bastante simples. Compilei a íntegra das notas taquigráficas de cada sessão da CPI disponível na página do Senado na internet e contabilizei o total de caracteres utilizados por cada parlamentar durante suas perguntas e comentários dirigidos aos depoentes.

Conforme pode ser visto no gráfico, o protagonismo é exercido pelo relator da CPI, Renan Calheiros (MDB-AL), seguido do presidente Aziz e do vice-presidente Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Até aí não há nada demais, visto que esses três postos têm prerrogativas regimentais para conduzir os trabalhos da comissão, o que justifica terem mais tempo e espaço para falar. Mas há alguns pontos interessantes a serem observados.

De acordo com a mesma métrica, a defesa de Bolsonaro vem sendo capitaneada por Marcos Rogério (DEM-RO) e Luis Carlos Heinze (PP-RS), enquanto Ciro Nogueira (PP-PI) tem uma das atuações mais apagadas da CPI. Com o governo atravessando um de seus piores momentos desde a posse, o relativo silêncio do poderoso cacique do Centrão vale mais do que mil palavras.

Do lado da oposição ao governo, uma das vozes mais críticas contra a gestão de Bolsonaro na pandemia ainda se mostra discreta na comissão. Tasso Jereissati (PSDB-CE) recentemente chegou a cogitar publicamente a possibilidade de concorrer à presidência em 2022. Ao não tomar para si os holofotes na CPI da Covid, contudo, o tucano dá margens a se pensar de que esse desejo talvez não seja tão forte assim.

Voltando à nuvem de palavras, as referências a “Manaus” e “oxigênio” apareceram somente em 53 ocasiões nas duas primeiras semanas de trabalhos da CPI, indicando que esse é um flanco que ainda foi pouco explorado, pelo menos por enquanto.

Mas se o general Pazuello tiver a coragem de encarar os senadores na próxima quarta (19/05), pode sair daí a palavra-chave para se começar a demonstrar a responsabilidade do governo neste morticínio.

*Bruno Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”.

Fonte:

Valor Econômico

https://valor.globo.com/politica/coluna/nuvem-de-palavras.ghtml


Celso Rocha de Barros: Vai ser homem, Pazuello?

A CPI da Covid está descobrindo evidências de um assassinato em massa. Segundo o depoimento do gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, Bolsonaro desprezou várias ofertas de vacinas da empresa. Na estimativa do epidemiologista Pedro Hallal, só essa decisão de Bolsonaro causou entre 5.000 e 25 mil mortes.

Só essa decisão: não estamos levando em conta os ataques de Bolsonaro à Coronavac, que é responsável por cerca de 80% das vacinas do Brasil; nem da adesão tardia e parcial ao consórcio Covax Facility (entramos comprando 10% de nossas necessidades, poderíamos ter pedido até 50%); nem das vacinas já aplicadas que podem perder eficácia porque o governo federal mandou estados e municípios gastarem as reservas de Coronavac que guardavam para a segunda dose, inflando assim o número de vacinados; nem de toda a sequência de crimes documentados de Bolsonaro durante a pandemia que não se relacionam a vacinas.

A verdade é que, não fossem os adversários, reais (Doria) ou imaginários (China), de Bolsonaro, o número de brasileiros vacinados seria próximo de zero. A OMS, organizadora do consórcio Covax, também foi alvo constante de ataques bolsonaristas.

Os depoimentos à CPI também vêm reforçando a impressão de que o negacionismo bolsonarista no combate à pandemia teve base ideológica. Segundo os depoimentos, extremistas como Carlos Bolsonaro e Filipe Martins participavam das reuniões com vendedores de vacina sem terem qualquer qualificação na área médica, em suas próprias especialidades ou em qualquer outro ramo da aventura humana. Se estavam ali, era para garantir a aposta na imunidade de rebanho, na guerra contra a China e contra os “globalistas” da OMS.

E além dos capangas e soldados rasos do “Consultório do Crime”, começam a aparecer os suspeitos de serem as fontes de dinheiro e assessoria técnica. O ex-ministro Mandetta já havia declarado que Bolsonaro parecia ignorar os conselhos da área técnica porque tinha um aconselhamento paralelo.

As atenções da CPI agora se viram para o empresário Carlos Wizard, que pode ter sido o chefe dessa rede, e para a médica Nise Yamaguchi. Segundo o depoimento do presidente da Anvisa, o almirante Barra Torres, Yamaguchi defendeu a proposta de mudar a bula de remédios para mentir que eles curavam Covid-19.

É bom lembrar: Bolsonaro mandou os trabalhadores para a morte com a ilusão de que os remédios falsos os manteriam seguros. Nunca acreditou, de fato, na eficácia da cloroquina. Em suas memórias, o ex-ministro Mandetta diz que “nunca houve na cabeça dele a preocupação da cloroquina como um caminho de saúde. A preocupação dele era sempre ‘vamos dar esse remédio porque com essa caixinha de cloroquina na mão os trabalhadores voltarão a produzir’”. (p.133).

A próxima grande atração da CPI será o general Pazuello, ministro da Saúde durante a maior parte da mortandade. Pazuello ficou famoso por cancelar uma compra de Coronavac a mando de Bolsonaro, dizendo que “um manda e o outro obedece”.Agora vai ter que decidir se acaba como bode expiatório da pandemia ou se conta para os senadores quem lhe deu ordem para deixar que centenas de milhares de brasileiros morressem sem vacina.E aí, Pazuello, vai ser homem?


Míriam Leitão: Revelações das falas e do silêncio

Duas semanas de CPI e o Brasil já sabe: um general da ativa quer esconder a verdade do país, o presidente governa com uma estrutura clandestina, o ministro da Economia não percebeu um fato que mudou totalmente o cenário econômico, o ex-secretário de comunicação do Planalto desconhece o impacto da fala do presidente, o governo desprezou vacinas que poderiam ter salvado vidas de milhares de brasileiros. O que se confirmou, e que sabíamos antes, é que o governo é parte fundamental da tragédia que infelicita o Brasil.

A CPI provou que esta era a hora de a CPI funcionar. Houve quem dissesse que neste momento não se deveria abrir a investigação. Errado. É exatamente quando se pode influenciar na realidade, e tentar mudá-la, que faz sentido ter uma Comissão Parlamentar. Depois que tudo for apenas passado, o que se poderá fazer a não ser a arqueologia das nossas dores? O Senado em boa hora está investigando, interrogando, procurando as informações que podem mudar o presente. É tenso? Claro que é, mas este é o momento. Não poderia tardar mais.

As informações trazidas à tona foram valiosas porque descortinaram a cena brasileira. O governo ignorou a oferta das vacinas. Agora se sabe que um milhão e meio poderiam ter chegado em dezembro e três milhões no primeiro trimestre. Apenas da Pfizer. Viveremos com a dor do “quem sabe”, como diria o deputado Alencar Furtado. Quem sabe as vidas que poderíamos ter salvado, se a imunização tivesse começado em dezembro? E não tardou mais graças ao governo de São Paulo. A primeira vacina a chegar no braço da brasileira Monica Calazans foi a coronavac, produzida no Butantan por insistência do governo paulista. O presidente Jair Bolsonaro era contra. Tentou disseminar mentiras sobre o imunizante, revogou o contrato assinado pelo submisso general Pazuello, brigou com a China.

Os militares e os economistas do governo saem mal desta pandemia e desta CPI. Por dever de ofício, nas duas profissões é necessário ter visão estratégica. Não tiveram. A elite militar fez uma aposta de alto risco na simbiose com o governo Bolsonaro. Agora, um general da ativa tem medo de ir à CPI e ser preso por falar mentira. E recorreu ao STF para esconder o que sabe, o mesmo Supremo que os filhos e seguidores do presidente gostariam de fechar. Treinados em cursos de estratégia, os generais não perceberam o óbvio. Era fácil ver. A missão das Forças Armadas é manter o país unido. Bolsonaro sempre apostou no conflito e na divisão.

O Ministério da Economia não viu a dimensão do evento que alterava rigorosamente tudo no cenário econômico por dois anos. O primeiro erro foi, no início da pandemia, não levar a sério as projeções de casos e de mortes, como revelou o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Houve quem na área econômica fizesse projeções coincidentes com as do Ministério da Saúde daquela época. Contudo, a avaliação que prevaleceu, até pela posição do ministro Paulo Guedes, foi a que subestimava a duração e a profundidade da pandemia. Com o cenário errado, foram tomadas decisões erradas. Uma delas foi ignorar por meses a carta da Pfizer, dirigida também a Paulo Guedes. No final do ano, os cenaristas da Economia olhavam o indicador de distanciamento social caindo e achavam que isso levaria ao retorno da atividade econômica. Na verdade, a queda das medidas protetivas produziu um aumento do contágio. Mesmo quando os números de casos e mortes voltaram a subir os economistas do governo insistiam nas previsões equivocadas.

A CPI também mostrou que Bolsonaro governa com um gabinete clandestino no qual se misturam filhos, amigos dos filhos, pessoas estranhas ao serviço público. É completamente irregular do ponto de vista institucional que uma autoridade municipal, no caso o vereador Carlos Bolsonaro, tenha poderes na administração federal. Um governo nas sombras não é auditável e não está sob a supervisão de órgãos de controle. O que foi dito até agora trouxe muitas informações, mas o silêncio do general também será revelador. Pazuello não pode contar o que sabe sem se incriminar. Que espanto.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/miriam-leitao/post/revelacoes-das-falas-e-do-silencio.html


Bernardo Mello Franco: O silêncio do general

Há dez anos, o estamento militar se uniu para combater a Comissão Nacional da Verdade. Os generais temiam que a revelação de crimes da ditadura causasse dano à imagem das Forças Armadas. Faltou visão estratégica: o pior estava por vir com Eduardo Pazuello.

A passagem do general pelo Ministério da Saúde implodiu o mito da eficiência dos militares. O oficial afastou técnicos e aparelhou a pasta com coronéis, majores e capitães. O resultado foi uma gestão caótica, que abraçou o negacionismo, atrasou a compra de vacinas e deixou faltar oxigênio em hospitais.

Pazuello também desmontou o marketing da bravura dos homens de farda. Para não perder o cargo, o general se humilhou publicamente diante do capitão. “É simples assim: um manda, e o outro obedece”, explicou, ao ser desautorizado na negociação com o Instituto Butantan.

A CPI da Covid já causou novos desgastes a Pazuello e ao Exército. Depois de usar uma desculpa esfarrapada para adiar seu depoimento, o ex-ministro apelou ao Supremo pelo direito de permanecer calado.

O habeas corpus concedido pelo ministro Ricardo Lewandowski segue a jurisprudência do tribunal. A Constituição também é clara: ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo. No entanto, a blindagem jurídica terá efeitos adversos. O silêncio do general deve agravar sua desmoralização diante dos senadores e da opinião pública.

Ainda que compareça em trajes civis, Pazuello representará o Exército na CPI. Ele é general da ativa, loteou o ministério entre colegas da caserna e agora é defendido pela Advocacia-Geral da União. É impossível separar o personagem da instituição que o abriga e acoberta.

Há outros riscos à vista para o general fujão. Apesar de ter garantido seu direito ao silêncio, Lewandowski ressaltou que ele precisará responder a perguntas que envolvam “fatos e condutas relativas a terceiros”. Nesses casos, valerá o compromisso de dizer a verdade. Se mentir aos senadores, o ex-ministro poderá ser responsabilizado por falso testemunho.

O relator Renan Calheiros deixou claro que o habeas corpus não resolve todos os problemas de Pazuello. “Interrogatório bom não busca confissões, quer acusações sobre terceiros. Com relação a ele, outros falarão”, avisou.

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O drama dos Covas

Duas décadas depois, Bruno Covas repete o drama do avô. Mario Covas descobriu um câncer no auge da carreira política. Havia acabado de se reeleger governador de São Paulo. Ele rompeu uma tradição da política brasileira e manteve os cidadãos informados sobre a doença. Morreu em 2001, aos 70 anos.

O prefeito Bruno também escolheu enfrentar a tragédia pessoal com transparência. Além de explicar cada etapa do tratamento, usou as redes sociais para divulgar mensagens de fé e otimismo. Na quinta-feira, ele publicou a última foto no hospital. Na sexta, os médicos informaram que seu estado de saúde era irreversível.

Fonte:

O Globo

https://blogs.oglobo.globo.com/bernardo-mello-franco/post/o-silencio-do-general.html


Joel Pinheiro da Fonseca: Esquerda precisa superar jogo infantil sobre Bolsonaro e impeachment de Dilma

Prosseguindo o debate com o professor Luis Felipe Miguel a respeito do impeachment de Dilma Rousseff, que completa 5 anos, autor argumenta que a esquerda constrói uma narrativa simples e maniqueísta para atribuir à “direita moderada” uma suposta ruptura do pacto democrático e a vitória de Bolsonaro, fechando os olhos para a crise no governo do PT e para a multidão que foi às ruas contra o partido

Rotular é o jeito mais fácil de não argumentar. No Brasil, então, é uma verdadeira arte: encontre os rótulos adequados, adjetivos e qualificações carregados de avaliação moral implícita, e já está comunicado para seu público quem é o bem e quem é o mal. Resta só contar a história.

Assim faz o artigo do professor Luis Felipe Miguel publicado na Ilustríssima em 16/5. Constrói uma narrativa simples e maniqueísta para jogar no colo da direita moderada brasileira (que não seria sequer moderada, mas radical) a eleição de Bolsonaro, seu suposto filho bastardo.

Foi essa direita —e sua aliada, a mídia— que cooptou os protestos de junho de 2013, que não aceitou a derrota nas urnas em 2014, que rompeu o consenso democrático, fez os protestos pelo impeachment e inventou a Lava Jato. A direita quer negar direitos, recusa a justiça social e mesmo a solidariedade. Em um verdadeiro primor de objetividade analítica, Miguel chega a caracterizá-la de “antipovo”.

É fácil jogar o jogo da responsabilidade. Eu também sei jogar. Se fosse entrar nele, diria que o próprio PT pariu Bolsonaro. Primeiro com a corrupção numa escala que chocou o Brasil. Segundo com a pose incessante de superioridade moral, e mesmo de monopólio da virtude, que jogava todo mundo que discordava de sua agenda no campo dos “antipovo”, polarizando o Brasil desde pelo menos 2010.

Foi a dissonância do discurso intolerante vindo de uma “goela muito aberta” pela corrupção (para usar a expressão de Emílio Odebrecht) que engendrou o ódio cego de tantos milhões de brasileiros pelo PT. Por fim, o partido promoveu uma farsa em 2018 com a falsa candidatura de Lula e com o real candidato, Fernando Haddad, inexpressivo, indo se consultar com seu mentor na prisão. O bebê é seu!

Jogar esse jogo, contudo, é perda de tempo. Primeiro porque, como argumentei anteriormente, os rumos da história são incertos. E segundo porque esse jogo nos fixa na percepção enganosa de que a história se faz entre as narrativas de elites opostas (seja a “direita moderadas” ou o PT), ignorando um ator que facilmente é esquecido justo pela esquerda, que gosta de se ver como seu intérprete oficial: o povo.

Na narrativa de Luis Felipe Miguel, o impeachment foi obra de uma decisão da direita de romper o pacto democrático que vigorava desde a redemocratização. Primeiro é preciso apontar que isso está factualmente errado. O impeachment de Dilma foi o segundo desde a redemocratização. Ou seja, não foi rompimento coisa nenhuma, e sim continuidade com nossa tradição democrática e constitucional, que inclui a possibilidade de retirar um presidente impopular que cometa crime de responsabilidade, como foi o caso de Collor e de Dilma.

O objetivo do “golpe” teria sido, ainda segundo Miguel, “impedir que o campo popular continuasse a ser admitido como interlocutor legítimo do jogo político”. Será? Segundo pesquisa Datafolha de março de 2016, 68% da população era favorável ao impeachment. A popularidade do governo estava ainda pior. Na mesma época, Dilma amargava 10% de aprovação. As multidões nas ruas assustavam e pressionavam o Congresso.

É no mínimo curioso que o suposto “campo popular”, acuado, tivesse tão pouco… povo! Custa a Miguel reconhecer que a queda de Dilma não apenas não contrariou como teve a adesão entusiasmada do “campo popular”.

No artigo de Miguel, sobram atores responsáveis pelos eventos de 2013 a 2018: a mídia, o PSDB, a Fiesp, a direita moderada, a burguesia. Só faltou o povo.

A questão é que o povo real, empírico, de carne e osso, sempre múltiplo, nem sempre deseja as mesmas coisas que seus porta-vozes da esquerda iluminada postulam. Ele tem uma autonomia própria para além das elites de direita ou esquerda que buscam domá-lo. Com as redes sociais, essa autonomia só aumentou.

E assim voltamos a 2013. Não houve um aliciamento da direita por obra da malvada mídia. A mídia já não tinha esse poder. Basta lembrar que jornalistas, especialmente da rede Globo, foram vaiados e atacados pela multidão, assim como representantes de todo e qualquer partido.

Com os fatos incontestes da crise econômica (14 milhões de desempregados e a recessão mais profunda jamais registrada em nossa história) e da corrupção do PT e aliados, era bem compreensível que grande parte do povo quisesse varrer os petistas do mapa em 2016.

Somem-se a isso os crimes de responsabilidade concretos —as pedaladas e a criatividade contábil que só aprofundaram a crise fiscal, e que Miguel nem sequer tenta defender— e temos todos os elementos para o impeachment.

Não foi uma pequena elite de direita que tramou e efetuou o impeachment. Ele foi demandado por uma maioria barulhenta da população, que não raro rejeitava também os cabeças dos partidos de centro-direita, que o apoiaram com alguma relutância (com a consciência de que poderiam facilitar a volta do PT).

Esses líderes não contavam com amor popular. Basta lembrar que Geraldo Alckmin e Aécio Neves chegaram a ser vaiados numa manifestação anti-Dilma, e que a popularidade de Temer, em seus melhores momentos, jamais superou os 10%.

O mesmo povo apoiou majoritariamente as greves dos caminhoneiros que colocaram o governo Temer de joelhos. Bolsonaro nadou de braçada. Por fim, nas urnas em 2018, embora contasse com diversos candidatos (Alckmin, Amoêdo, Meirelles), a direita moderada também perdeu feio.

Volto ao ponto central do meu artigo original: temos um forte sentimento antissistema, uma insatisfação profunda com a vida institucional brasileira e com a política como ela é feita. Bolsonaro foi capaz de encarnar esse sentimento.

De minha parte, tenho a consciência tranquila —sim, esta consciência supostamente extremista, antipovo, que nega a solidariedade e ainda quer criminalizar a esquerda— por ter apontado e combatido o movimento pró-Bolsonaro desde 2016, quando ele já exaltava Ustra e antagonizava com Jean Wyllys na Câmara.

Já fui mais radical pró-mercado, mas a vida intelectual é constante transformação. Ao longo desse processo, aprendi muito com autores e interlocutores de todos os vieses, inclusive de esquerda. E sei que o ponto de partida para qualquer troca é não bloquear a discussão desde o início, acusando as motivações alheias, verdadeiro cacoete marxista.

Grande parte da esquerda brasileira ainda está presa ao jogo infantil de tentar colar todo mundo que não compactuou com o PT no campo filobolsonarista. É confortável atribuir as piores intenções para não ter que discutir a realidade.

Houve o petrolão? É um avanço prender políticos e empresários corruptos? É preciso resolver o desequilíbrio fiscal brasileiro? E enfrentar as causas de nossa pouca produtividade no plano global? Não adianta vir com os rótulos de “antipovo” e “contra direitos”. Ou talvez pensem que quebrar o país, estourar o desemprego, derrubar nossa produtividade, fazer controle político de preços e maquiar números, isso sim, seja ser pró-povo!

Esse primarismo mata o debate no Brasil. Não é à toa que, hoje, a oposição eficaz ao governo Bolsonaro venha justamente da centro-direita, no Congresso e nos governos estaduais. Teto de gastos ou expansão fiscal, mercado de trabalho mais rígido ou mais flexível, abertura ou fechamento comercial, direito penal mais garantista ou mais duro com a corrupção; todos são plenamente defensáveis dentro de uma estrutura democrática. Não há que se condenar a priori as supostas motivações (e portanto a legitimidade) de cada um.

Felizmente, parece que o surto que elegeu Bolsonaro começa a enfraquecer. Lula, por outro lado, se fortalece. A pergunta é: seu projeto de poder continuará fechado nesse solipsismo esquerdista ou voltará ao pragmatismo do diálogo de seu primeiro governo?

Vale lembrar que o Bolsa Família foi elaborado em colaboração pragmática com economistas supostamente “neoliberais”, “antipovo” —Marcos Lisboa, Ricardo Paes de Barro e outros—, contra os desejos de quadros históricos do partido. Foi o maior sucesso do PT.

Lulistas viscerais e inteligentes como Luis Felipe Miguel podem ajudar a qualificar o debate ou, viciados na ilusão da própria superioridade moral, acusar tudo e a todos que não se curvarem. Lula e Bolsonaro podem ser muito diferentes, mas o fanatismo de seus seguidores é parecido.

Enquanto culpam os adversários —o Judiciário, a CIA (ou a ONU), a elite, a imprensa—, se aliam a Renans, Liras e Sarneys para governar. Só não se esqueçam de que o povo está vendo. E não se espantem se ele não comparecer.

*Joel Pinheiro da Fonseca é economista, mestre em filosofia pela USP e colunista da Folha

Fonte:

Folha de S. Paulo

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2021/05/esquerda-precisa-superar-jogo-infantil-sobre-bolsonaro-e-impeachment-de-dilma.shtml