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O que defendem os "policiais antifascistas"

Made for minds*

Eles são um grupo heterogêneo, que congrega policiais na ativa e aposentados de diversas forças de segurança pública. Todos se reconhecem como progressistas e defendem pautas que costumam ser opostas ao status quo da categoria no Brasil. E já somam pelo menos 5 mil adeptos — com muitos outros simpatizantes, a julgar pela página mantida por eles no Facebook, que congrega 21 mil membros.

O movimento, batizado de Policiais Antifascismo, nasceu em 2016 em cidades do Nordeste, foi oficializado em evento realizado no Rio de Janeiro em 2017 e, a partir de 2018, espalhou-se pelo Brasil. Durante os quatro anos de governo Jair Bolsonaro, preocupou-se em demonstrar que o apoio às pautas de extrema direita não é consenso absoluto dentro das forças de segurança.

"Éramos 200 em 2016, hoje somos mais de 5 mil, graças à mobilização", diz o policial penal Abdael Ambruster, de São Paulo. Com 28 anos de carreira, ele é pós-graduado em segurança pública e direitos humanos e integra organizações de defesa dos direitos LGBT e de direitos humanos. "Ser um policial antifascismo é direcionar nossos esforços naquilo que diz o Alto Comissariado da ONU [para os Direitos Humanos]: um policial é, antes de tudo, um defensor dos direitos humanos", enfatiza.

"A gente só está seguindo os preceitos constitucionais de nosso país e os preceitos internacionais, apenas isso. Estamos trabalhando o óbvio. Nossa profissão, nossa razão de ser, é defender os direitos. E nosso sonho é trabalhar por um Brasil melhor e um mundo melhor."

O que querem

Datado de 2017, o manifesto que norteia as posições do grupo contém princípios que podem ser agrupados em cinco pontos. Eles defendem a desmilitarização da segurança pública, acreditando que todo policial deveria ter formação civil; pedem a reestruturação das forças policiais, com unificação de carreiras e revisão das hierarquias; são contra a narrativa de que há uma "guerra" contra o crime, por entenderem que isso não resolve o problema da violência — mas, sim, incentiva; argumentam que a criminalização das drogas é uma política de encarceramento em massa que vitima principalmente jovens negros; e ainda querem que policiais tenham direitos compatíveis com os de outros trabalhadores, como direito de greve e de livre associação.

Para o coronel aposentado da Polícia Militar de Alagoas, Luciano Antonio Silva, coordenador nacional do Policiais Antifascismo, o grupo se define como "um movimento progressista suprapartidário". 

"Ser policial antifascismo é lutar contra o fascismo que existe na nossa sociedade, no Estado brasileiro e principalmente nas forças de segurança pública do Brasil. É valorizar os direitos fundamentais, os direitos sociais previstos na Constituição e em todo o ordenamento jurídico do país", afirma Silva. "É não aceitar ações fascistas por parte de integrantes das forças de segurança pública."

Ele resume a luta do grupo como algo em prol de uma segurança pública "mais democrática, mais comunitária e de aproximação junto ao cidadão". Diz que o brasileiro precisa ter respeito, e não medo, frente aos "operadores de segurança pública". 

"Não concordamos com a frase errada e fora de lugar que tem sido propagada pelo atual presidente da República, que diz que 'bandido bom é bandido morto'. Em nosso país não existe pena de morte e todas as pessoas, sejam quais forem, devem ser submetidos à legislação, ao que prevê o Estado de direito", exemplifica. 

"Precisamos rever muito a segurança pública no nosso país. Um dos conceitos fadados ao fracasso é a ideia de 'guerra às droga''. Isso resulta apenas na morte da população pobre, preta e periférica", argumenta Ambruster. "Mas levantar a bandeira dos direitos humanos dentro das instituições policiais, ainda mais com o avanço do bolsonarismo, é ser a voz dissonante, a voz que tentam abafar."

Tenente-coronel aposentado da Polícia Militar do estado de São Paulo, Adilson Paes de Souza diz que o chamado "policial antifascismo" é todo aquele "que é a favor do Estado democrático de direito, a favor de uma atuação policial cidadã, que trabalhe de forma correta, dentro dos limites da lei, sem preconceito ou discriminação". 

Debate da pauta progressista

Souza é mestre em direitos humanos e doutor em psicologia e desenvolvimento humano — ambos os títulos conferidos pela Universidade de São Paulo — e membro da Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo. 

"É muito bom haver espaços onde policiais de várias corporações, de todo o Brasil, debatem uma pauta progressista. Desejo que haja mais grupos como esse, pois se constituem como verdadeiros fóruns do exercício da democracia", afirma Souza.

Historiador e policial civil no Rio Grande do Norte há 10 anos, Pedro Chê explica que o movimento parte do princípio "que não é polícia que resolve". E o faz a partir "de nosso lugar de fala bem específico". "Ser policial antifascismo é um estado de altruísmo e abnegação em algum sentido, porque você sabe que vai sofrer", comenta, ao citar o fato de estar "contra a corrente" dentro da instituição policial, onde impera "uma racionalidade perversa de produzir números de prisões". 

"Temos de mudar para que o policial seja um defensor do Estado democrático de direito em todos os sentidos", resume Chê. 

Policial civil licenciado, vereador em Porto Alegre e recém-eleito deputado estadual no Rio Grande do Sul, Leonel Radde diz que ser "policial antifascismo significa lutar contra a lógica autoritária racista, misógina, lgbtfóbica violenta que o fascismo representa". "É defender a democracia de fato, com a atuação policial como uma pessoa que cumpre a Constituição e as leis", sintetiza ele, que lançou recentemente o livro Manual do Policial Antifascista. Radde fez parte do movimento Policiais Antifascismo até 2020.

Pouca expectativa sobre novo governo Lula

A derrota de Bolsonaro na eleição, segundo Souza, não significou nenhuma mudança de postura quanto ao apoio às pautas do atual presidente entre a categoria dos policiais. "Os que reverberavam essa ideias, seguem na mesma", pontua. Ele não nutre expectativas de que o novo governo Luiz Inácio Lula da Silva irá implementar bandeiras do movimento. "Não tenho esperança. Mas espero estar errado e pagar para ver", diz.

Mesmo sendo filiado ao Partido dos Trabalhadores, Radde também não demonstra muita empolgação, até o momento, diante do novo governo. "Como policial que faz a luta antifascista, encaminhamos propostas e esperamos que tenham eco. Infelizmente, até o primeiro momento [a equipe de transição] não chamou a base dos policiais para o diálogo. Chamou a cúpula e pesquisadores. Isso é um sinal muito ruim", avalia.

Enquanto isso, ele diz que a função será "desarmar algumas bombas colocadas pelo Bolsonaro" dentro das instituições e lutar pela sua democratização.

Silva, por sua vez, acredita já ser perceptível, após as eleições, "uma mudança de comportamento de uma parcela dos operadores de segurança pública". "Há os que são fascistas, bolsonaristas… Esses não mudaram, porque é o seu jeito de ser. Mas há uma parcela que não aparecia por medo de sofrer perseguição e represálias, mas que não concorda com as ações dos policiais ditos como bolsonaristas. Esse pessoal começa a aparecer", contextualiza. 

"Espero que a partir do ano que vem nossas propostas sejam debatidas, discutidas. Que haja um avanço na segurança pública", diz Silva. 

Chê espera mudanças "a partir do momento em que o governo Lula disser qual é a mensagem" que deve ser a tônica para a segurança pública. "Tem a questão da revogação dos decretos [armamentistas, da gestão Bolsonaro]… A maioria dos policiais entende que mais armas nas ruas não beneficia. A horda bolsonarista é minoria [dentro das polícias]", diz.

Texto publicado originalmente no Made for minds*


Cristovam Buarque: A pauta dos jovens

Não sobreviveremos se não formos capazes de formular causas comuns que nos unam como povo e nos construam como nação, com coesão social e rumo histórico. A mais importante dessas causas é o cuidado e a formação de nossas crianças e jovens. Os políticos devem unificar partidos e superar divergências para atender às necessidades da pauta desse público. E para cuidar dos jovens é preciso entender os problemas da cidade e do país na ótica deles.

Para os jovens, o emprego não é apenas questão de crescimento econômico, porque sabem que a robótica e a inteligência artificial não vão criar tantos postos de trabalho quanto no tempo de seus pais. O emprego futuro será resultado de educação comprometida com empregabilidade, de leis trabalhistas flexíveis adaptadas às mudanças no mundo e da capacidade dos jovens para o empreendedorismo. Eles querem uma economia dinâmica, que sirva não apenas para crescer a produção material, mas também para aumentar o tempo livre de cada pessoa, ampliar a criação cultural e respeitar o meio ambiente.

Para os jovens, a educação precisa de professores com melhor formação e boa remuneração, que sejam bem avaliados e motivados, trabalhando em escolas bonitas, confortáveis e modernamente equipadas, todas em horário integral, onde recebam a formação de que necessitam para entender, aproveitar e transformar o mundo, fazendo-o melhor para seus filhos e netos. Mas, para os jovens, o ensino de qualidade pouco tem a ver com as escolas de hoje; acham que a educação deve se fazer com o que há de mais moderno em tecnologia da informação, com liberdade para o aluno escolher o que quer estudar, com aulas a distância, sem necessidade de presença física permanente.

Eles querem aprender a conservar a natureza, respeitar a diversidade, adquirir um ou mais ofícios que lhes permitam trabalho ao longo da vida e conhecimento para mudar de profissão se necessário; aprender a comprometer-se com a defesa da democracia, da liberdade e dos direitos civis; aumentar a produtividade na economia, o sentimento e a prática da cidadania e da solidariedade.

Os jovens sabem que o problema das drogas não será resolvido com a proibição delas; que até agora não reduziu o consumo, mas promoveu o tráfico e encheu as cadeias. Eles desejam uma sociedade que, no lugar de proibir drogas, faça com que o uso delas seja desnecessário, graças ao bem-estar social e à realização pessoal e com felicidade.

Os nossos jovens querem segurança para se locomover, estudar, viver em paz, sem medo de bala perdida ou assalto; mas para eles a violência não deve ser enfrentada apenas com intervenção policial mas, sobretudo, com a construção de uma consciência de paz na sociedade.

Os jovens não querem aposentadoria imediata, mas, para eles, a principal qualidade da Previdência é a sustentabilidade ao longo de décadas. A política não deve ser apenas sem corrupção no comportamento dos políticos, mas também feita sem corrupção nas prioridades, atendendo às necessidades sociais, e garantindo equilíbrio ecológico e estabilidade monetária; feita por políticos com dignidade, austeridade e integridade, sem uso nem defesa de mordomias, nem desperdícios.

Apesar da desconfiança, é preciso que os jovens saibam que alguns candidatos oferecerão propostas para atender a pauta deles, recuperando ou apoiando projetos que Brasília já conheceu no governo entre 1995 e 1998, tais como: Escola em Casa, Poupança Escola, Projeto Saber, Temporadas Populares, Escola Candanga, Projeto Orla, Fecitec, PAS.

A pauta para os jovens só será possível se for a pauta construída por eles próprios. Os políticos devem identificar, entender e defender a pauta dos jovens, mas são eles que escolherão os políticos. No quadro atual, é difícil um jovem acreditar na política; eles sabem, porém, que só com a participação na política será possível construir um Brasil com coesão e rumo e que isso depende do envolvimento deles. Há pouco mais de um século parecia impossível um Brasil sem escravidão, mas os jovens abolicionistas conseguiram. (Correio Braziliense – 03/07/2018)